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Dr. Bernardo

EDITORIAL

Dr. Bernardo

Eduardo Algranti

Editor Científico da RBSO

Entro na minha sala, ajeito meus pertences e abro o armário para colocar minha pasta. Vejo Neve (PAMUK, O. Neve, São Paulo: Cia das Letras, 2006) encapado com papel branco na prateleira de cima. Um presente que comprei para o Dr. Bernardo Bedrikow em 2006. Dr. Bernardo encapava os livros que lia, talvez por discrição de carregá-los em público, talvez porque livros contém algo de secreto, ou, mais simplesmente, para não estragar a capa, sei lá. Assim que acabou de lê-lo (não se entusiasmou muito), me "emprestou" numa clara percepção de que normalmente quem compra, compra o que deseja. Li e também não me entusiasmei muito, mas não devolvi. Muito menos agora. Gosto de vê-lo acomodado na prateleira, lembra-me o Dr. Bernardo.

Ele era assim, discreto e atento às pessoas. Gostava de novidades, interessava-se em saber se estava tudo bem e por onde caminhávamos, quase sempre ouvindo e registrando, sem dar opinião. Aí um de nós o provocava buscando uma palavra, fosse para discutir uma situação de trabalho, uma idéia nova, uma sugestão para mudar o fiel da balança e ele sempre presente, não negava fogo. Afinal, ele era uma dessas enciclopédias ambulantes, quase tão funcional quanto uma consulta ao Google. Passava a mão pela cabeça, pensava olhando para o chão e opinava. Ligava depois, sempre, para saber como as coisas andaram, no seu estilo telefônico rápido e objetivo. Era a combinação perfeita: discrição, interesse pessoal e profissional, percepção aguçada, conhecimento e, espantosamente, um ego do tamanho correto. Tão bem balanceado que a sua aparência frágil era absolutamente despercebida.

A sua sabedoria estava em compreender que tudo tem seu tempo, que a linha reta entre dois pontos nunca foi a distância mais curta e que as relações pessoais eram valiosas e nutritivas. Sabia reconhecer as pedras no caminho, quando contorná-las e quando parar, uma característica pouco comum em pessoas com vasto conhecimento, que normalmente usam e abusam da onipotência e da empáfia. Este nunca foi o seu estilo, nunca precisou. Era simples e venceu. Tornou-se uma unanimidade e, vejam, mais uma exceção: a da unanimidade inteligente. De exceção em exceção, uma pessoa torna-se excepcional. E ainda havia outra exceção na sua excepcionalidade: era uma pessoa de convívio prazeroso, fazia-nos sentir bem, nivelados na conversa.

Herdamos do Dr. Bernardo conhecimentos específicos sobre saúde e trabalho e gosto pela área, um legado que já está sendo aplicado e usufruído. Mas o principal não foi isso, afinal conhecimento se adquire de muitas formas, através de colegas de trabalho, livros, encontros profissionais, internet etc. A riqueza da herança está na compreensão de que podemos ser gigantes sem nos alimentarmos do entorno, podemos ser revolucionários no estilo Gandhi, podemos criar respeito através de uma história que não engole o tempo e que há sempre algo novo pela frente que não é assustador. É pena que esta herança maior dependa das características individuais para ser totalmente aproveitada. Somos todos diferentes.

É um privilégio dispor deste espaço para escrever sobre uma pessoa que admiro. Pelo fato deste não ser um texto técnico, sua subjetividade é ainda maior, mas, mesmo assim, espero ter representado as centenas de amigos do Dr. Bernardo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Set 2012
  • Data do Fascículo
    Dez 2008
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