Open-access Atualização dos critérios diagnósticos de morte encefálica: aplicação e capacitação dos médicos

RESUMO

Objetivo:  Avaliar o conhecimento médico na aplicação dos critérios diagnósticos de morte encefálica e correlacioná-lo com parâmetros de capacitação para esse diagnóstico, segundo resolução do Conselho Federal de Medicina 2.173, de 2017.

Método:  Foram entrevistados 174 médicos com experiência em pacientes comatosos. Utilizou-se questionário estruturado adaptado de estudos prévios. Associaram-se as variáveis pelo teste qui-quadrado de independência. Ajustou-se modelo logístico multivariado para associações com valores de p ≤ 0,20.

Resultados:  Dentre os entrevistados, 40% atuavam há mais de 1 ano em medicina intensiva, 23% já abriram dez ou mais protocolos de morte encefálica, cumprindo a nova resolução. Referiram dificuldade em seguir os critérios 45% dos entrevistados, enquanto 94% reconheceram a necessidade de exames complementares para o diagnóstico, porém 8% destes apontaram exames equivocados. A dificuldade quanto a esses critérios diminuiu com o aumento do número de anos de formação médica (RC = 0,487; p = 0,045; IC95% 0,241 - 0,983) e com maior número de protocolos de morte encefálica abertos (RC = 0,223; p = 0,0001; IC95% 0,117 - 0,424).

Conclusões:  Identificou-se dificuldade na aplicação dos critérios de morte encefálica em parcela significativa da amostra. Porém, dentre outros fatores, mais anos de formação e maior número de protocolos abertos de morte encefálica estiveram associados à maior facilidade na aplicação dos critérios de morte encefálica, conforme determinações previstas na resolução 2.173 do Conselho Federal de Medicina.

Descritores: Morte encefálica/diagnóstico; Morte encefálica/legislação & jurisprudência; Obtenção de tecidos e órgãos; Papel do médico; Ética médica

ABSTRACT

Objective:  To evaluate the medical knowledge regarding the application of the diagnostic criteria for brain death and to correlate it with training parameters for this diagnosis according to Federal Council of Medicine resolution 2,173 of 2017.

Method:  We interviewed 174 physicians with experience with comatose patients. A structured questionnaire adapted from previous studies was used. The associations of the variables were tested using the chi-square test for independence. A multivariate logistic model was fitted for associations with p values ≤ 0.20.

Results:  Among the interviewees, 40% had been working for more than 1 year in intensive care, and 23% had initiated ten or more brain death protocols complying with the new resolution. Forty-five percent of the interviewees reported having difficulty following the criteria, 94% acknowledged the need for complementary tests for diagnosis, and 8% of them reported the existence of incorrect tests. The difficulty with these criteria decreased with an increase in the number of years of medical training (OR = 0.487; p = 0.045; 95%CI 0.241 - 0.983) and with a higher number of initiated brain death protocols (OR = 0.223; p = 0.0001; 95%CI 0.117 - 0.424).

Conclusions:  Difficulties in the application of brain death criteria were identified by a significant portion of the sample. However, among other factors, more years of training and a greater number of initiated brain death protocols were associated with greater ease in the application of brain death criteria according to the guidelines provided in Resolution 2,173 of the Federal Council of Medicine.

Keywords: Brain death/diagnosis; Brain death/legislation & jurisprudence; Tissue and organ procurement; Physician's role; Ethics, medical

INTRODUÇÃO

A morte encefálica (ME) pode ser definida como a cessação irreversível das funções corticais cerebrais e do tronco encefálico,(1) bem como compreende a impossibilidade de manutenção da vida, sem o auxílio de meios artificiais.(2,3) Ainda que tal conceito seja amplamente difundido, existem dúvidas entre os profissionais de saúde acerca do seguimento dos critérios diagnósticos.(2-4)

A nova resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) 2.173, de 2017, atualizou os critérios para diagnóstico de ME. Segundo as normas anteriores, vigentes no período de 1997 a 2017, a ME deveria ser constatada por dois médicos, sendo um obrigatoriamente neurologista, enquanto ao segundo era dispensado de qualquer habilitação específica.(5) Com a nova resolução, os dois médicos devem ser capacitados, e um deles deve, obrigatoriamente, possuir uma das seguintes especialidades: medicina intensiva adulta ou pediátrica, neurologia adulta ou pediátrica, neurocirurgia ou medicina de emergência. O outro deve ter, no mínimo, 1 ano de experiência no atendimento a pacientes em coma, tendo acompanhado ou realizado pelo menos dez diagnósticos de ME ou participado de treinamento específico para esse fim em programa que atenda às normas determinadas pelo CFM.(6) A nova resolução ainda discorre, de forma mais detalhada que a anterior, sobre os pré-requisitos clínicos para o diagnóstico de ME e pretende orientar sua operacionalidade, visando a garantir maior segurança à constatação de ME.(6)

A nova resolução também enumera e dá homogeneidade aos critérios diagnósticos de ME. O intervalo mínimo entre as avaliações clínicas, que anteriormente era de 6 horas para indivíduos acima de 2 anos de idade, passa a ser de 1 hora. O exame complementar, por sua vez, pode ser realizado em qualquer momento da determinação de ME, desde que cumpridos os critérios clínicos específicos para seu correto diagnóstico, e não apenas ao final do protocolo, reduzindo gastos desnecessários.(6)

Deve-se ainda ressaltar que o registro de casos de ME é o instrumento mais importante para avaliar a taxa de potenciais doadores de órgãos, segundo a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO).(7) O diagnóstico preciso e em tempo oportuno da ME, aliado a uma explicação adequada da condição do paciente a seus familiares por um profissional de saúde, pode aumentar o número de transplantes no país e evitar custos com intervenções despropositadas, prolongamento do sofrimento familiar e do paciente, e menor oferta de órgãos para transplantes.(8,9)

Esta pesquisa é inédita na região e pouco frequente no país, segundo as novas normas para a ME.

Este estudo objetivou avaliar o conhecimento médico na aplicação dos critérios diagnósticos de ME e correlacioná-lo com parâmetros de capacitação para esse fim, segundo resolução 2.173 do CFM de 2017.

MÉTODOS

O delineamento do estudo foi do tipo transversal, descritivo, quantitativo(10) e de campo por levantamento de dados. Trata-se de pesquisa aplicada, original, realizada na cidade de Juiz de Fora (MG). Como padronização, a área de abrangência da pesquisa foi delimitada pelo recorte geográfico com a maior concentração de suporte médico intensivo e de urgência e emergência, sendo característica da cidade a centralização da assistência. Caracterizou-se, assim, uma amostra plural e representativa de toda a cidade para este estudo.

Para estabelecer o tamanho amostral, foi considerada a prevalência de conhecimento do conceito e do diagnóstico de ME em 85%,(2) erro amostral máximo de 5,0%, com intervalo de confiança de 95%, variância máxima alfa de 0,05 e poder de 70%. Sob essas condições, para populações finitas, chegou-se à amostra de 195 profissionais médicos entrevistados. Para a escolha dos indivíduos estudados, foi adotada amostragem probabilística do tipo aleatória simples por sorteio. A coleta de dados foi realizada entre 1º de abril de 2017 e 1º de dezembro de 2017. Foram abordados os médicos com maior probabilidade de atuar na abertura do protocolo de ME, ou seja, aqueles que atuassem em unidade de terapia intensiva (UTI) adulta ou pediátrica, unidade coronariana e setores de urgência e emergência.

O instrumento para coleta dos dados foi um questionário estruturado (Anexo 1 Anexo 1 Anexo 1 Questionário QUESTIONÁRIO: (alternativas corretas em negrito) SEÇÃO I: 1. Idade:_____ 2. Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino 3. Ano da formatura:________ 4. Especialidade: ( ) clínica ( ) cirurgia 5. Já teve conhecimento prévio da realização desse estudo? 1. Sim 2. Não 6. Atuação predominante em UTI: 1. Sim 2. Não - Se sim, por quantos tempo?_____ anos 7. Qual a sua atividade principal ou a mais importante? 1. Plantonista 2. Rotineiro diário (5 vezes/semana) 3. Residente 4. Professor/supervisor SEÇÃO II: 1. Você sente alguma dificuldade no seguimento dos critérios de morte encefálica? 1. Sim 2. Não 2. Quantas vezes já abriu o protocolo de ME? ________ 3. Como julga sua segurança para explicar o que é morte encefálica para a família de um paciente? (nenhuma segurança) (grande segurança) 1 2 3 4 5 4. A estrutura do hospital é adequada para avaliar o diagnóstico de ME? 1. Sim 2. Não 5. Você considera que houve abordagem suficiente deste tema durante a graduação? 1. Sim 2. Não 6. Você forneceria um Termo de Declaração de Morte Encefálica baseado apenas do exame clínico? 1. Sim2. Não 7. Que funções cerebrais devem estar ausentes para uma pessoa ser declarada em morte encefálica? 1. Perda irreversível de toda a função cortical cerebral. 2. Perda irreversível de toda a função cortical e de tronco cerebral. 3. Variável conforme a lei. 4. Desconhece. 8. Há necessidade legal de exames complementares para estabelecer o diagnóstico de morte encefálica? 1. Sim2. Não Se sim, qual(is) desses exames podem ser utilizados para o diagnóstico? 1. Arteriografia. 2. Eletroencefalograma (EEG). 3. Estudo do liquor. 4. Doppler transcraniano. 5. Tomografia simples de crânio. 9. Uma menina de 5 anos é encontrada no fundo de uma piscina. Apresenta inicialmente apneia e ausência de pulso. Ela é ressuscitada exaustivamente. Após 1 semana na UTI, ela não apresenta reflexos corneanos, de tosse ou de engasgo. Não responde a estímulo doloroso. Não há nistagmo em resposta às provas calóricas. Teste de apneia positivo. O exame não se modifica em 2 dias. Baseado nesses achados a sua conduta seria: 1. Após esclarecimento e concordância dos pais, retirar o suporte de vida. 2. Solicitar um estudo de fluxo sanguíneo cerebral. 3. Retirar o suporte de vida, sem o conhecimento dos pais. 4. Declará-la em morte encefálica. 10. Paciente adulto tem o primeiro exame clínico compatível com morte encefálica às 12h do dia 10 de agosto. O segundo exame clínico é feito às 18h do mesmo dia e não se altera. O paciente é mantido com suporte vital até sofrer parada cardíaca às 20h do dia 11 de agosto. Qual o horário de óbito que irá no atestado? 1. Do primeiro exame clínico (12h de 10 de agosto). 2. Do segundo exame clínico (18h de 10 de agosto) 3. Da parada cardíaca (20h de 11 de agosto). 11. Se o paciente anterior fosse doador de órgãos, qual seria a hora do óbito? 1. Do primeiro exame clínico ou da abertura do protocolo (12h de 10 de agosto). 2. Do segundo exame clínico ou do fechamento do protocolo (18h de 10 agosto). 3. Da retirada dos órgãos. ), adaptado de estudos prévios(2,3,11,12) aplicado por meio de entrevista face a face padronizada por pesquisador treinado, dividido em duas seções. A primeira continha 7 questões referentes à identificação do perfil profissional dos médicos participantes do estudo, e a segunda era composta de 11 questões referentes ao conhecimento sobre ME, os critérios diagnósticos e a aplicação do protocolo.

Foram critérios para inclusão na amostra possuir graduação em medicina e exercer a profissão em hospital ou ambiente com UTI e atendimento de urgência e emergência no momento da entrevista, em concordância com os critérios de atuação expressos pela lei 3.268/57(13) apresentando a qualificação profissional. Foram critérios para exclusão da amostra interromper o questionário por qualquer motivo ou fornecer dados incompletos.

As variáveis investigadas foram divididas em três grupos: quantitativas contínuas, qualitativas dicotômicas e ordinais. Em seguida, foi realizada estatística descritiva e exploratória dos dados utilizando frequências absolutas (n) e frequências relativas (%). Para a análise comparativa das características das variáveis qualitativas dicotômicas, foram geradas tabelas de contingência 2 × 2 contendo as frequências absolutas (n) e relativas (%). Para verificar a associação entre as variáveis foi realizado o teste qui-quadrado de independência (sem correção). O nível de significância para este teste é valor de p ≤ 0,05 para intervalo de confiança de 95% (IC95%). Para os dados de prevalência, utilizou-se o termo "chance". Neste estudo, no que se refere à análise de dados com desfechos binários, foi utilizada a regressão logística binária univariada e multivariada para estimar a chance. Nesta técnica, a variável dependente (desfecho) é uma variável aleatória dicotômica que assume o valor (1), se o evento de interesse ocorre, ou (0), em caso contrário.

As prevalências de dificuldade com o critério de ME são apresentadas como porcentuais e também foram ajustadas dentro de cada categoria de variáveis de interesse, acompanhadas pela razão de chance (RC) univariados e seguidos de seus IC95%. Finalmente, um modelo logístico multivariado foi ajustado, considerando-se associações com valores de p ≥ 0,20 para o modelo final. A seleção do modelo multivariado final que melhor explicou o objetivo do estudo foi definida pela qualidade final do ajuste baseado no critério de informação de Akaike (AIC). O modelo com melhor ajuste foi o que apresentou menores valores de AIC (44 - 45). O nível de significância foi de alfa ≤ 0,05 para o IC95%. As análises foram conduzidas com o uso do STATA 15 (Data Analysis and Statistical Software College Station, Texas, USA).

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em seres humanos da Universidade Federal de Juiz de Fora sob o número 1945938.

RESULTADOS

Foram abordados 196 médicos, com recusa de participação por 22 profissionais (11,2%). Assim, 174 médicos efetivamente responderam o questionário. A tabela 1 apresenta o perfil dos participantes do estudo.

Tabela 1
Conhecimento sobre morte encefálica

Considerando a capacitação médica para diagnóstico de ME prevista na nova resolução do CFM, 69 (40%) apresentavam acima de 1 ano de atuação predominante em UTI e 40 (23%) já tinham aberto o protocolo de ME por dez ou mais vezes.

Aproximadamente 123 (71%) definiram corretamente ME como perda irreversível de toda a função cortical e de tronco cerebral. Consideram-se no mais alto grau de segurança para explicar esse conceito para a família do paciente 42% dos profissionais. O nível de segurança não foi estatisticamente diferente entre aqueles que acertaram e os que erraram a definição. Destaca-se que, entre os 51 que erraram a definição, 16 (31%) consideraram-se no nível máximo de segurança.

Referiram possuir dificuldade no seguimento dos critérios de ME 78 profissionais (45%). Ao comparar profissionais de especialidade clínica com aqueles de especialidade cirúrgica na amostra, os últimos relatam maior limitação, com 51% (26/51) deles relatando dificuldade (RC = 1,42; p = 0,293). Quando questionados sobre o ensino de ME durante sua graduação em medicina, 156 (90%) disseram não ter tido abordagem suficiente do tema ao longo de sua formação.

Com relação ao uso de exames complementares no estabelecimento do diagnóstico de ME, a maioria (94%) reconheceu tal necessidade, sendo que, destes, 42% assinalaram corretamente todos os possíveis exames diagnósticos (arteriografia, eletroencefalograma e Doppler transcraniano). Entre os que reconhecem essa necessidade, quase a totalidade (162/163) referiu como adequado para o diagnóstico pelo menos um dos três exames complementares corretos. Ainda assim, 13 profissionais (8%) apontaram, erroneamente, o exame de líquor e/ou a tomografia simples de crânio como opções de exames.

Os dados acerca da conduta dos entrevistados frente a situações clínicas de ME estão representados na tabela 2.

Tabela 2
Casos clínicos propostos aos entrevistados

A maioria dos profissionais (98%) optou corretamente por solicitar estudo de fluxo sanguíneo cerebral frente a um paciente com duas avaliações clínicas compatíveis com ME, conforme exposto na tabela 2. No caso seguinte, os médicos foram avaliados quanto à determinação do horário de óbito em paciente com diagnóstico clínico de ME e posterior evolução para parada cardíaca sem o fechamento do protocolo, devido à ausência de exame complementar. Em tal cenário, 124 (71%) apontaram corretamente que o horário de óbito seria aquele em que ocorreu a parada cardíaca. Em um terceiro cenário, conforme questionário em anexo, solicitou-se aos médicos que determinassem novamente o horário de óbito, agora em um paciente descrito como doador de órgãos. A redação do caso clínico proposto, porém, configurou o paciente como doador de órgãos antes do devido fechamento do protocolo de ME. Julgou-se que a referida limitação conceitual do cenário apresentado aos entrevistados inviabilizou a análise estatística dos resultados.

O relato de dificuldade no seguimento dos critérios de ME pelos entrevistados teve correlação significativa (p < 0,05) com as variáveis apresentadas na tabela 3. Observou-se decréscimo da dificuldade com o decorrer dos anos de formação médica, até completar 18 anos de formado (RC = 0,487; p = 0,045; IC95% 0,241 - 0,983). Ademais, quanto maior o número de protocolos abertos de ME, maior a facilidade relatada pela amostra no seguimento dos critérios (RC = 0,223; p = 0,0001; IC95% 0,117 - 0,424). A diferença estatística quanto ao chamado fator de proteção, entre os médicos entrevistados que abriram o protocolo de ME de cinco a nove vezes (RC = 0,1; IC95% 0,03 - 0,33), e os que o fizeram mais que dez vezes (RC = 0,06; IC95% 0,02 - 0,18) foi de 0,04.

Tabela 3
Modelo multivariado. Fatores associados com o relato de dificuldade no seguimento dos critérios de morte encefálica

DISCUSSÃO

A nova resolução do CFM 2.173, de 2017, sobre ME tem fomentado discussões acerca do tema na comunidade médica. Nesse contexto, o presente estudo apresenta dados úteis para um melhor entendimento da atual conjuntura.

A dificuldade no seguimento dos critérios diagnósticos de ME relatada por 45% da amostra, associada a um elevado porcentual (90%) de profissionais que consideram insuficiente a abordagem do tema durante a graduação médica, reforça a necessidade de melhores oportunidades de capacitação médica, em especial levando em conta mudanças nas normas em vigor. Ademais, parcela significativa dos médicos julgou-se insegura para explicar o conceito de ME a familiares, o que presumivelmente impacta de modo negativo no desejo de doar órgãos pela população, a qual, segundo estudo prévio nacional,(14) apresenta, em sua maioria, baixo grau de instrução quanto ao referido diagnóstico e pouca confiança no processo de doação de órgãos.

Quando solicitados a definir o conceito de ME, apenas 71% dos profissionais lograram êxito. Tal porcentual é inferior àqueles observados em outros estudos constantes na literatura nacional, a exemplo de Teresina (PI)(2) e Porto Alegre (RS),(3) com taxas de acerto de aproximadamente 85% e 83%, respectivamente. Por outro lado, em consonância com os demais estudos em território nacional,(2,3,15)) a necessidade de exames complementares para o diagnóstico de ME mostrou-se de amplo conhecimento pelos profissionais abordados, com porcentual de reconhecimento de tal necessidade de aproximadamente 94%.

Ao final do questionário utilizado neste trabalho, os médicos foram confrontados com casos clínicos. Em um primeiro momento, foi solicitada a conduta frente a uma paciente com critérios clínicos indicativos de ME em duas avaliações diferentes. A taxa de acerto se aproximou de 98%, superior à de 86% em caso clínico similar no estudo de Teresina.(2) É possível que o elevado porcentual de acerto tenha se dado principalmente por tratar-se de questão sobre conceito amplamente difundido, como também pela impertinência das demais opções apresentadas, as quais implicariam inclusive violações éticas.

Em um segundo momento, questionou-se o horário de óbito em paciente com evolução para parada cardíaca antes do fechamento do protocolo de ME, devido à ausência de exame complementar. No referido questionamento, apenas 71% dos profissionais identificaram o horário correto, correspondente àquele da parada cardíaca. Ainda assim, a taxa de acerto foi superior à de Teresina,(2) em que apenas parcela inferior a dois terços da amostra (64,5%) respondeu corretamente. Por fim, um terceiro cenário clínico objetivou avaliar se os médicos, em um cenário de fechamento de protocolo de ME, identificariam corretamente o horário de encerramento do protocolo como o de óbito. Porém, ao conferir ao paciente a condição de doador de órgãos antes da finalização do protocolo de ME, a pergunta proposta cometeu uma falha conceitual, a qual potencialmente comprometeu o correto entendimento do questionamento pelos participantes do estudo e inviabilizou sua análise estatística.

A importância de ações coordenadas para melhor manejo de potenciais doadores de órgãos, incluindo o uso de protocolos específicos, já foi corroborada por estudo prévio em Joinville.(16) Apenas como exemplo para argumentação, foram realizadas somente 155 notificações de ME (29,4pmp/ano)(17) entre janeiro e março de 2018 no Estado de Minas Gerais. Assim, qualquer dificuldade dos médicos em seguir o protocolo de ME, conforme as observadas neste estudo, pode caracterizar possíveis razões na região para o baixo índice de doadores.

Em relação à determinação, prevista na resolução do CFM 2.173 de 2017, de abertura prévia de mais de dez protocolos, observou-se que aqueles que abriram o protocolo entre cinco e nove vezes tiveram facilidade similar aos que abriram dez ou mais vezes. Desse modo, talvez o número de protocolos necessários para que o médico seja considerado capacitado seja menor que o estipulado, ainda que estudos adicionais sejam benéficos para ratificar esta afirmativa a nível nacional.

Ressalta-se que o questionário foi aplicado a médicos em ocasiões em que não estavam diante de uma situação clínica de um paciente com ME. A atitude de cada entrevistado frente a um caso real, a cada tempo, local e circunstâncias assistenciais específicas pode variar daquela aqui relatada. Os fatores relacionados aos motivos de não abertura do protocolo de ME, nos casos indicados, segundo a experiência de cada profissional, não foram explorados e podem ser tema de pesquisas futuras.

CONCLUSÕES

Neste estudo, identificou-se dificuldade na aplicação dos critérios de morte encefálica em parcela significativa da amostra. Associaram-se, porém, à maior facilidade na aplicação dos critérios de morte encefálica de forma significativa idade entre 31 e 41 anos; mais anos de formação; maior segurança em explicar o conceito para familiares; reconhecimento da necessidade de exames complementares; e maior número de protocolos abertos de morte encefálica. Os referidos fatores corroboram as determinações previstas na nova resolução do Conselho Federal de Medicina 2.173, de 2017. Os dados apresentados reforçam a relevância de treinamento contínuo dos profissionais acerca do tema abordado, principalmente neste momento de mudança das normas sobre morte encefálica, buscando maiores conscientização e capacitação dos envolvidos e, potencialmente, aumentando o número de doadores de órgãos.

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Anexo 1

Anexo 1
Questionário

Editado por

  • Editor responsável: Glauco Adrieno Westphal

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Out 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2019

Histórico

  • Recebido
    26 Set 2018
  • Aceito
    04 Mar 2019
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