Acessibilidade / Reportar erro

Métodos para implantação segura de hipotermia na unidade de terapia intensiva: um guia de como fazer

CONTROLE DA TEMPERATURA ALVO EM 2016

É bem conhecido que o controle da temperatura alvo (CTA) reduz o dano celular secundário após parada cardíaca em pacientes com hipóxia cerebral presumida. O tratamento dessa síndrome de reperfusão, especialmente em termos de controle da temperatura, ainda não é bem compreendido. Diversos estudos clínicos randomizados e controlados, assim como outros estudos, demonstraram a efetividade do CTA na melhora dos desfechos neurológicos.(11 Arrich J, Holzer M, Havel C, Müllner M, Herkner H. Hypothermia for neuroprotection in adults after cardiopulmonary resuscitation. Cochrane Database Syst Rev. 2012;9:CD004128.) Assim, o CTA é, desde outubro de 2015, recomendado na atualização das diretrizes do European Resuscitation Council.(22 Nolan JP, Soar J, Cariou A, Cronberg T, Moulaert VR, Deakin CD, et al. European Resuscitation Council and European Society of Intensive Care Medicine Guidelines for Post-resuscitation Care 2015: Section 5 of the European Resuscitation Council Guidelines for Resuscitation 2015. Resuscitation. 2015;95:202-22.) Em resumo, o CTA é indicado para quase todos os sobreviventes após parada cardíaca, sendo que esta afirmativa se apoia em diferentes níveis de evidência. O ritmo inicial (chocável ou não chocável) e o local onde ocorreu a parada (no hospital ou fora dele) não excluem o tratamento se o paciente permanecer comatoso, após retorno da circulação espontânea. Devido aos novos dados publicados, a temperatura alvo recomendada se encontra entre 32ºC e 36ºC por 24 horas; ainda se desconhece o nível ideal de temperatura alvo assim como sua melhor duração.(33 Nielsen N, Wetterslev J, Cronberg T, Erlinge D, Gasche Y, Hassager C, Horn J, Hovdenes J, Kjaergaard J, Kuiper M, Pellis T, Stammet P, Wanscher M, Wise MP, Åneman A, Al-Subaie N, Boesgaard S, Bro-Jeppesen J, Brunetti I, Bugge JF, Hingston CD, Juffermans NP, Koopmans M, Køber L, Langørgen J, Lilja G, Møller JE, Rundgren M, Rylander C, Smid O, Werer C, Winkel P, Friberg H; TTM Trial Investigators. Targeted temperature management at 33ºC versus 36ºC after cardiac arrest. N Engl J Med. 2013;369(23):2197-206.) Além disso, o CTA moderno é apenas parte do cuidado na fase que se segue à parada cardíaca, que inclui intervenção coronária percutânea, controle apropriado dos níveis glicêmicos e regulagem do equipamento de ventilação, para obter normoxia e normocapnia. Diversos levantamentos realizados na Europa revelaram uma crescente aceitação do CTA após parada cardíaca, porém o uso de um controle profissional da temperatura com sistema computadorizado e de um protocolo operacional padrão (POP) ainda se encontra em nível intermediário.(44 Wolfrum S, Radke PW, Pischon T, Willich SN, Schunkert H, Kurowski V. Mild therapeutic hypothermia after cardiac arrest - a nationwide survey on the implementation of the ILCOR guidelines in German intensive care units. Resuscitation. 2007;72(2):207-13.

5 Storm C, Meyer T, Schroeder T, Wutzler A, Jörres A, Leithner C. Use of target temperature management after cardiac arrest in Germany--a nationwide survey including 951 intensive care units. Resuscitation. 2014;85(8):1012-7.
-66 Saarinen S, Castrén M, Virkkunen I, Kämäräinen A. Post resuscitation care of out-of-hospital cardiac arrest patients in the Nordic countries: a questionnaire study. Scand J Trauma Resusc Emerg Med. 2015;23:60.) As razões por trás da relutância são numerosas, mas quando se comparam os benefícios do uso do CTA, no que se refere aos desfechos neurológicos e à recuperação, no futuro algumas destas razões não mais serão aceitáveis.

IMPLANTAÇÃO DE CONTROLE DA TEMPERATURA ALVO EM SUA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA

Equipe

O slogan "KISS", que deriva da expressão em inglês "keep it sweet and simple" (em uma tradução livre: mantenha as coisas fáceis e agradáveis), é a chave para seu sucesso. Por mais elementar que isso possa soar, a verdade é que seu sucesso diz respeito à sua equipe e ao trabalho de equipe necessário para implantar novos tratamentos na unidade de terapia intensiva (UTI). É importante convencer sua equipe com relação às vantagens do novo método, explicar os dados e as diretrizes atuais, e definir os principais influenciadores (enfermagem/médicos) e membros da equipe que serão responsáveis pelo treinamento e pela resposta às questões da nova equipe. É também importante escolher o equipamento de resfriamento (sistema computadorizado) mais adequado para sua UTI e oferecer repetições do treinamento com o dispositivo. O influenciador é muito importante, pois já é parte de sua equipe, e o time aceitará mais facilmente o treinamento e as orientações daqueles que já são membros e se encontram em um mesmo nível.

Protocolo operacional padrão

É importante providenciar um POP por escrito, que deve incluir critérios para os pacientes que estiverem recebendo CTA e critérios de exclusão para as exceções; o roteiro deve também incluir a temperatura alvo indicada, assim como a duração do CTA. Uma parte importante do POP deve ser uma listagem de efeitos colaterais e problemas que podem ocorrer durante o tratamento e como evitar, detectar e/ou tratar com sucesso estas intercorrências. Durante a fase de implantação, o POP e a lista de solução de problemas devem ser discutidos com sua equipe e ajustados segundo os retornos recebidos. Os efeitos colaterais típicos e seu tratamento adequado devem ser mencionados, como bradicardia, hipocalemia ou calafrios. Por exemplo, o POP deve orientar que o contra-aquecimento (luvas e meias) e sedação profunda serão eficazes para prevenir os calafrios na maior parte dos pacientes, se iniciados antes da ocorrência dos mesmos. Caso já se tenham observado calafrios, deve ser fornecida uma listagem de passos detalhados para soluções terapêuticas, como aprofundamento da sedação, administração endovenosa de magnésio, e contra-aquecimento; caso persistam os calafrios, o uso de paralisação muscular é um ponto importante a mencionar. Modifique o POP segundo os retornos de sua equipe, e o POP não apenas melhorará a qualidade do cuidado, mas também proporcionará uma atitude mais segura para a implantação do CTA. O envolvimento de sua equipe nestes passos importantes da implantação melhorará, de forma significativa, o nível de aceitação e uso. Adicionalmente, se seu time agir bem, você deve dizer-lhe isto. Dar retorno é outra chave muito importante para o sucesso e motivação.

Os primeiros pacientes

Se possível, convide sobreviventes que receberam alta após uma parada cardíaca para visitar sua equipe e dar um retorno positivo. Seus primeiros resultados também convencerão os membros ainda céticos do time. É importante que todos os membros da equipe adotem o novo método, para garantir que todos os pacientes após uma parada cardíaca receberão o melhor cuidado clínico segundo o POP local.

Formulação do prognóstico neurológico

No decorrer desta última década, a formulação do prognóstico mudou de forma acentuada. Conforme recomendam as diretrizes atuais, é útil e importante utilizar um processo multimodal de formulação prognóstica, que inclua biomarcadores como enolase específica para neurônio, exame clínico, potenciais evocados somatossensoriais, eletroencefalografia e tomografia computadorizada.(77 Sandroni C, Cariou A, Cavallaro F, Cronberg T, Friberg H, Hoedemaekers C, et al. Prognostication in comatose survivors of cardiac arrest: an advisory statement from the European Resuscitation Council and the European Society of Intensive Care Medicine. Intensive Care Med. 2014;40(12):1816-31.) Além desta abordagem, é claramente recomendado não começar a formulação do prognóstico em momento muito precoce, para poder excluir fatores de confusão como sedação residual. A formulação prognóstica deve ocorrer entre os dias 3 a 7. Em caso de resultados diferentes ou conflitantes, recomenda-se a observação contínua do paciente e a reavaliação. Contudo, seu POP local também deve salientar as condutas importantes para o prognóstico e quais etapas serão utilizadas para seus pacientes e em quais condições (Figura 1). Para uma implantação bem-sucedida de uma conduta prognóstica, recomenda-se, se possível, estreita colaboração com a neurologia.

Figura 1
Algoritmo local para formulação de prognóstico neurológico delineado e atualmente utilizado no hospital Charité Universitätsmedizin Berlin. As condutas incluem recomendações atuais de diversas sociedades de terapia intensiva e neurologia.

PCFH - parada cardíaca fora do hospital; TCC - tomografia computadorizada do cérebro; EEG - eletroencefalografia; EEN - enolase específica para neurônio; PES - potenciais evocados somatossensoriais.


CONCLUSÃO

Não há dúvidas quanto à necessidade da utilização de controle da temperatura alvo após uma parada cardíaca, tendo como finalidade melhorar os desfechos neurológicos. É importante definir os membros chave da equipe e fornecer um protocolo operacional padrão por escrito, que inclua a solução de problemas, assim como incluir seu time em todas as fases da implantação e modificações no protocolo operacional padrão em conformidade com as contribuições da equipe. Lembre-se de que dar um retorno após seus primeiros pacientes contribuirá para motivar seu time. A implantação bem-sucedida do controle da temperatura alvo exige trabalho em equipe e "KISS".

  • Editor responsável: Jorge Ibrain Figueira Salluh

REFERÊNCIAS

  • 1
    Arrich J, Holzer M, Havel C, Müllner M, Herkner H. Hypothermia for neuroprotection in adults after cardiopulmonary resuscitation. Cochrane Database Syst Rev. 2012;9:CD004128.
  • 2
    Nolan JP, Soar J, Cariou A, Cronberg T, Moulaert VR, Deakin CD, et al. European Resuscitation Council and European Society of Intensive Care Medicine Guidelines for Post-resuscitation Care 2015: Section 5 of the European Resuscitation Council Guidelines for Resuscitation 2015. Resuscitation. 2015;95:202-22.
  • 3
    Nielsen N, Wetterslev J, Cronberg T, Erlinge D, Gasche Y, Hassager C, Horn J, Hovdenes J, Kjaergaard J, Kuiper M, Pellis T, Stammet P, Wanscher M, Wise MP, Åneman A, Al-Subaie N, Boesgaard S, Bro-Jeppesen J, Brunetti I, Bugge JF, Hingston CD, Juffermans NP, Koopmans M, Køber L, Langørgen J, Lilja G, Møller JE, Rundgren M, Rylander C, Smid O, Werer C, Winkel P, Friberg H; TTM Trial Investigators. Targeted temperature management at 33ºC versus 36ºC after cardiac arrest. N Engl J Med. 2013;369(23):2197-206.
  • 4
    Wolfrum S, Radke PW, Pischon T, Willich SN, Schunkert H, Kurowski V. Mild therapeutic hypothermia after cardiac arrest - a nationwide survey on the implementation of the ILCOR guidelines in German intensive care units. Resuscitation. 2007;72(2):207-13.
  • 5
    Storm C, Meyer T, Schroeder T, Wutzler A, Jörres A, Leithner C. Use of target temperature management after cardiac arrest in Germany--a nationwide survey including 951 intensive care units. Resuscitation. 2014;85(8):1012-7.
  • 6
    Saarinen S, Castrén M, Virkkunen I, Kämäräinen A. Post resuscitation care of out-of-hospital cardiac arrest patients in the Nordic countries: a questionnaire study. Scand J Trauma Resusc Emerg Med. 2015;23:60.
  • 7
    Sandroni C, Cariou A, Cavallaro F, Cronberg T, Friberg H, Hoedemaekers C, et al. Prognostication in comatose survivors of cardiac arrest: an advisory statement from the European Resuscitation Council and the European Society of Intensive Care Medicine. Intensive Care Med. 2014;40(12):1816-31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2016

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2015
  • Aceito
    06 Dez 2015
Associação de Medicina Intensiva Brasileira - AMIB Rua Arminda, 93 - Vila Olímpia, CEP 04545-100 - São Paulo - SP - Brasil, Tel.: (11) 5089-2642 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbti.artigos@amib.com.br