RESUMO
A história natural da doença e o tratamento de pacientes após a COVID-19 ainda se apresentam em construção. Os sintomas são persistentes, mesmo em casos leves, e as consequências decorrentes da infecção incluem fadiga, dispneia, taquicardia, perda de massa muscular e diminuição da capacidade funcional. Sobre a reabilitação cardiopulmonar, parece haver melhora na capacidade funcional, na qualidade de vida e no prognóstico com o Teste da Caminhada de 6 Minutos, sendo este utilizado como avaliador prognóstico e terapêutico. Assim, o objetivo deste relato de casos é descrever a experiência de quatro casos, de diferentes gravidades, que realizaram um programa de reabilitação cardiopulmonar pós-COVID-19, avaliados com Teste da Caminhada de 6 Minutos, força muscular periférica e duplo produto em repouso, para verificar o efeito da reabilitação após 3 meses de protocolo de, no mínimo, 300 minutos por semana. Os quatro casos apresentaram aumento da distância percorrida no teste da caminhada entre 16% e 94%. Houve aumento da força muscular periférica em 20% até seis vezes seu valor inicial, e a redução do duplo produto em repouso variou entre 8% e 42%. O programa de reabilitação cardiopulmonar apresentou impacto positivo nos casos acompanhados, com melhora da capacidade funcional, mesmo com a variabilidade da gravidade dos casos pós-COVID-19.
Descritores: Infecções por coronavírus; COVID-19; Fisioterapia; Reabilitação; Teste de caminhada; Dispneia; Fadiga; Força muscular
ABSTRACT
The natural history of the disease, and the treatment of post-COVID-19 patients, are still being built. Symptoms are persistent, even in mild cases, and the infection consequences include fatigue, dyspnea, tachycardia, muscle loss, and reduced functional capacity. Regarding cardiopulmonary rehabilitation, there seems to be an improvement in functional capacity, quality of life, and prognosis with the 6-Minute Walk Test used as a prognostic and therapeutic evaluator. Therefore, this case series report aims to present our experience with four cases of different severity levels, involved in a post-COVID-19 cardiopulmonary rehabilitation program. These patients were assessed with the 6-Minute Walk Test, peripheral muscle strength, and double product at rest, to assess the results after a three-month rehabilitation protocol of at least 300 minutes per week. The four patients had their distance covered during the walk test increased between 16% and 94%. Peripheral muscle strength was improved by 20% to six times the baseline values, and double product at rest was reduced by 8% to 42%. The cardiopulmonary rehabilitation program had a positive impact on these cases, improving functional capacity despite the different severity levels in these post-COVID-19 cases.
Keywords: Coronavirus infections; COVID-19; Physical therapy; Rehabilitation; Walk test; Dyspnea; Fatigue; Muscle strength
INTRODUÇÃO
A doença pelo coronavírus 2019 (COVID-19) é conhecida por causar insuficiência respiratória aguda com alterações cardiopulmonares não totalmente esclarecidas, com manifestações graves em até 67% dos pacientes internados, com síndrome do desconforto respiratório agudo, caracterizada por hipoxemia grave, e necessidade de oxigenoterapia e suporte.(1,2) O tratamento e a evolução desses casos, após a infecção, ainda se apresentam em construção, dado o pouco conhecimento que temos sobre a história natural da doença.
Os sintomas pós-COVID-19 são persistentes mesmo nos casos leves,(2-4) e as consequências decorrentes da infecção incluem fadiga, dispneia, taquicardia, perda de massa muscular e diminuição da capacidade funcional. Estudos(3-6) demonstram que a reabilitação cardiopulmonar (RCP) pode melhorar a capacidade funcional, a qualidade de vida e o prognóstico dos pacientes.
Atualmente, existe pouca informação na literatura para customizar o atendimento para reabilitação após infecção por COVID-19 ou ainda após a internação hospitalar.
O objetivo desta série de casos é demonstrar a experiência em pacientes com diferentes perfis de gravidade que realizaram um programa de RCP por 3 meses pós-COVID-19.
RELATOS DE CASOS
Essa série de casos acompanhou a reabilitação de quatro pacientes com COVID-19 que apresentaram diferentes graus de acometimento e evoluções ao longo da infecção e foram treinados conforme o protocolo ilustrado na tabela 1. Todos os pacientes assinaram o Termo Consentimento Livre e Esclarecido, e o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, com CAAE 33118220.8.0000.5479.
Caso 1
Mulher, 57 anos, antecedente de hipertensão arterial sistêmica em uso de amlodipina, apresentou, em 3 de junho de 2020, sintomas gripais e queda de saturação periférica de oxigênio (SpO2). Realizou gasometria arterial, que evidenciou hipoxemia leve e swab para COVID-19 positivo. Recebeu alta do pronto atendimento, com orientação de isolamento social e afastamento do trabalho. Após 107 dias do início dos sintomas, foi encaminhada à fisioterapia cardiorrespiratória, por queixa de dispneia aos médios esforços e, desde então, segue em programa de reabilitação.
Caso 2
Homem, 72 anos, antecedente de hipertensão, tabagismo, HIV e câncer de próstata em tratamento com radioterapia, sob uso de losartana, amlodipina e terapia antirretroviral. Foi admitido no pronto-socorro com sinais gripais, queda de oxigenação, calafrios e diarreia há 5 dias. Negava dispneia, febre ou tosse. Foi internado em 4 de junho de 2020, sob oxigenoterapia em cateter nasal a 2L/minuto (SpO2 de 98%) com coleta do exame swab positivo para COVID-19. A tomografia de tórax apresentou acometimento de 50% da área pulmonar. Recebeu antibioticoterapia, amlodipina e enoxaparina. Nos primeiros 5 dias, fez uso de máscara não reinalante de oxigênio com reservatório até 5L/minuto, seguida de desmame, totalizando 7 dias de internação. Recebeu alta hospitalar e encaminhamento para reabilitação com queixa de dispneia.
Caso 3
Homem, 52 anos, antecedente de hipertensão, admitido em pronto-socorro em 14 de julho de 2020, taquipneico, taquicárdico e com SpO2 72% em ar ambiente. Apresentava dispneia em repouso, tosse seca e febre há 4 dias. Foi internado e submetido à oxigenoterapia em máscara não reinalante com reservatório a 10L/minuto. A tomografia de tórax evidenciou acometimento pulmonar maior que 50%, e swab foi positivo para COVID-19. No mesmo dia, foi transferido para terapia intensiva, por piora do quadro respiratório. Foram 9 dias sob tratamento medicamentoso, oxigenoterapia, ventilação não invasiva, realização de posição prona espontânea e mobilização precoce pela equipe de fisioterapia. Recebeu alta hospitalar após 9 dias de internação, com encaminhamento para fisioterapia cardiorrespiratória com dispneia e fadiga.
Caso 4
Mulher 43 anos, previamente hígida, em 15 de março de 2020 manifestou sintomas de cefaleia, tosse seca, obstrução nasal e febre (38,5°C). Procurou atendimento e recebeu antibioticoterapia. No dia 21 de março de 2020, apresentou piora dos sintomas, com dispneia aos esforços e tomografia de tórax com sinais de vidro fosco, sendo recomendado o isolamento social. Em 29 de março de 2020, buscou novo atendimento, com diarreia intensa. Foi realizada nova tomografia de tórax, com piora do padrão bilateral, 50% de acometimento e indicação de internação. Necessitou de intubação orotraqueal em 5 de abril de 2020, com difícil desmame e sequente traqueostomia. Durante internação, realizou sessões de hemodiálise por 16 dias. Recebeu alta hospitalar, em 20 de maio, com tetraparesia, cadeirante, estoma de traqueostomia ocluído e teste para COVID-19 negativo após, aproximadamente, 2 meses de internação. Foi encaminhada para reabilitação pelo défice neuromuscular e cardiorrespiratório. Devido à tetraparesia, foi avaliada com a medida da força da musculatura inspiratória, sendo iniciado o treinamento muscular com o POWERbreathe com ajuste semanal com 30% da pressão inspiratória máxima. Conforme a evolução da mobilidade, foi realizado treinamento com cicloergômetro de membro superior e inferior, associado ao treino resistido, até a realização de caminhada independente.
Os resultados do protocolo com 3 meses de acompanhamento da RCP foram descritos na tabela 2 e demonstraram recuperação cardiovascular, avaliada pelo duplo produto, redução da sensação de dispneia aos esforços, aumento da força muscular periférica e independência funcional relatada e observada ao longo da reabilitação. A evolução na distância percorrida no Teste da Caminhada de 6 Minutos (TC6M) apresentou aumento 16%, 49%, 67% e 94%, respectivamente dos casos 1 ao 4, assim como redução do duplo produto, respectivamente, em 42%, 27%, 8% e 34%. Podem-se observar variáveis citadas associada à escala de Borg com redução em todos os casos, demonstrando aumento da capacidade funcional e melhora prognóstica, independente da gravidade.
Avaliação e reavaliação de capacidade funcional e força muscular periférica nos quatro casos incluídos
Em todos os casos, houve aumento de força muscular periférica, com variação entre 20% até seis vezes seu valor inicial. Contudo, na medida de preensão palmar do segundo e do terceiro caso, houve tendinopatia em punhos e fratura tardia de úmero esquerdo. O quarto caso apresentou tratamento diferenciado, exigindo atendimento da fisioterapia cardiopulmonar, neurofuncional e terapia ocupacional, associado ao atendimento médico, que permitiu a retirada de qualquer auxiliador de marcha. Os resultados demonstram que as adequações individuais e a personalização na reabilitação permitiram o alcance dos bons resultados nesta série de casos.
DISCUSSÃO
Este estudo apresentou quatro casos que diferem em relação à classificação de gravidade e ao desfecho após infecção por COVID-19. O programa de reabilitação foi baseado nos princípios da reabilitação pulmonar e cardiovascular, com ênfase nas possíveis sequelas pulmonares, como queda de SpO2 e dispneia. A dessaturação foi observada em dois casos, e a queixa de dispneia foi relatada por todos durante o treinamento. A redução da capacidade funcional e da força muscular periférica e inspiratória é ponto abordado em programas de reabilitação, e o TC6M é recomendado como instrumento de avaliação da limitação ao esforço e prescrição de treinamento, assim como reavaliação e prognóstico.(7-9)
Recentemente, foi publicado estudo que utilizou o TC6M para avaliação de hipoxemia silenciosa em pacientes pós-COVID-19, com percepção de evento tromboembólico no TC6M na alta hospitalar.10) Nesta série, apenas o segundo e o terceiro caso apresentaram queda de SpO2 durante o primeiro TC6M, entretanto o quarto caso apresentou edema em membro inferior direito ao longo do processo de reabilitação, com diagnóstico de trombose em veia ilíaca direita, recebendo tratamento medicamentoso associado à reabilitação não associado ao TC6M.
O TC6M é o método de avaliação de esforço submáximo mais utilizado em reabilitação pulmonar(8) e cardíaca,(9) mas os pacientes que apresentaram internação por COVID-19 podem apresentar limitações motoras que impeçam sua realização, como no quarto caso, em que havia tetraparesia, e a paciente chegou cadeirante. Como alternativa, foi utilizado treino muscular inspiratório associado a acompanhamento em outras especialidades da fisioterapia. Com a evolução da mobilidade, iniciaram-se os treinamentos resistido e aeróbio com cicloergômetro em membros superiores e inferiores. Essa abordagem inicial também foi utilizada na China nas primeiras publicações pós-COVID-19, como recurso domiciliar, de uso diário e com bons resultados.(4)
De forma progressiva, os casos se beneficiaram do treino aeróbio e resistido avaliado pelo teste de uma repetição máxima (1RM). Após 3 meses, houve redução de sintomas e aumento da distância percorrida no TC6M e da força muscular periférica, assim como em estudos clínicos chineses pós-COVID-19.(4,5) A melhora encontrada em protocolos de pequena duração pode ser relacionada à evolução clínica natural da doença. No entanto, estudos anteriores em pacientes após síndrome do desconforto respiratório agudo demonstram sequelas permanentes, sem nunca ser alcançada a distância predita no TC6M mesmo após 5 anos do quadro inicial.(7)
A ausência de avaliações de função pulmonar, força muscular inspiratória de todos os casos, teste cardiopulmonar, teste ergométrico e questionários de qualidade de vida, ou outros modos de avaliação da capacidade funcional, constitui limitações desta série de casos. Contudo, as limitações não impediram de se oferecer assistência, contemplando os pilares da RCP com bom resultado nos casos envolvidos. Os locais de tratamento precisaram de cuidados com risco de contaminações, espaçamento dos equipamentos, redução no número de pacientes por atendimento, constante higienização local e identificação de sintomas com possível afastamento, para iniciar o quanto antes o processo de reabilitação nesse perfil de pacientes pós-COVID-19. Estudos sobre reabilitação em pacientes pós-COVID-19 ainda são poucos, e, como se trata de uma doença recente, o processo de tratamento ainda está em construção.(2-6)
CONCLUSÃO
O programa de exercícios físicos baseado em princípios da reabilitação cardiovascular e pulmonar apresentou impacto positivo nos casos acompanhados, com melhora da capacidade funcional, mesmo com a variabilidade da gravidade dos casos pós-COVID-19.
REFERÊNCIAS
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Editado por
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Editor responsável: Felipe Dal-Pizzol
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
19 Abr 2021 -
Data do Fascículo
Jan-Mar 2021
Histórico
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Recebido
08 Dez 2020 -
Aceito
19 Dez 2020