RESUMO
Objetivo:
Caracterizar o conhecimento e as atitudes percebidas em relação às intervenções farmacológicas para sedação superficial em pacientes sob ventilação mecânica e entender as lacunas atuais, comparando a prática atual com as recomendações das Diretrizes de Prática Clínica para a Prevenção e Tratamento da Dor, Agitação/Sedação, Delirium, Imobilidade e Interrupção do Sono em Pacientes Adultos na Unidade de Terapia Intensiva.
Métodos:
Trata-se de estudo de coorte transversal baseado na aplicação de um questionário eletrônico centrado nas práticas de sedação.
Resultados:
Responderam ao inquérito 303 médicos intensivistas. A maioria dos entrevistados relatou uso de rotina de uma escala de sedação estruturada (281; 92,6%). Quase metade dos entrevistados relatou realizar interrupções diárias da sedação (147; 48,4%), e a mesma percentagem de participantes (48,0%) concordou com a afirmação de que os pacientes costumam ser sedados em excesso. Durante a pandemia da COVID-19, os participantes relataram que os pacientes tinham maior chance de receber midazolam do que antes da pandemia (178; 58,8% versus 106; 34,0%; p = 0,05); além disso, a sedação profunda foi mais comum durante a pandemia da COVID-19 (241; 79,4% versus 148; 49,0%; p = 0,01).
Conclusão:
Este inquérito fornece dados valiosos sobre as atitudes percebidas dos médicos intensivistas brasileiros em relação à sedação. Embora a interrupção diária da sedação fosse um conceito bem conhecido e as escalas de sedação fossem frequentemente utilizadas pelos entrevistados, foi colocado esforço insuficiente no monitoramento frequente, no uso de protocolos e na implementação sistemática de estratégias de sedação. Apesar da percepção dos benefícios associados à sedação superficial, há necessidade de identificar metas de melhoria para se proporem estratégias educacionais que melhorem as práticas atuais.
Descritores:
Sedação consciente; Unidades de terapia intensiva; Respiração artificial; Conhecimento; atitudes e prática em saúde; Inquéritos e questionários
ABSTRACT
Objective:
To characterize the knowledge and perceived attitudes toward pharmacologic interventions for light sedation in mechanically ventilated patients and to understand the current gaps comparing current practice with the recommendations of the Clinical Practice Guidelines for the Prevention and Management of Pain, Agitation/Sedation, Delirium, Immobility, and Sleep Disruption in Adult Patients in the Intensive Care Unit.
Methods:
This was a cross-sectional cohort study based on the application of an electronic questionnaire focused on sedation practices.
Results:
A total of 303 critical care physicians provided responses to the survey. Most respondents reported routine use of a structured sedation scale (281; 92.6%). Almost half of the respondents reported performing daily interruptions of sedation (147; 48.4%), and the same percentage of participants (48.0%) agreed that patients are often over sedated. During the COVID-19 pandemic, participants reported that patients had a higher chance of receiving midazolam compared to before the pandemic (178; 58.8% versus 106; 34.0%; p = 0.05), and heavy sedation was more common during the COVID-19 pandemic (241; 79.4% versus 148; 49.0%; p = 0.01).
Conclusion:
This survey provides valuable data on the perceived attitudes of Brazilian intensive care physicians regarding sedation. Although daily interruption of sedation was a well-known concept and sedation scales were often used by the respondents, insufficient effort was put into frequent monitoring, use of protocols and systematic implementation of sedation strategies. Despite the perception of the benefits linked with light sedation, there is a need to identify improvement targets to propose educational strategies to improve current practices.
Keywords:
Conscious sedation; Intensive care units; Respiration; artificial; Health knowledge; attitudes; practice; Surveys and questionnaires
INTRODUÇÃO
Sedativos são usados rotineiramente em pacientes internados em unidades de terapia intensiva (UTI) para proporcionar conforto; aliviar a ansiedade; reduzir o estresse, melhorar a tolerância a procedimentos invasivos e garantir a sincronia com a ventilação mecânica (VM) invasiva.(11 Devlin JW, Skrobik Y, Gélinas C, Needham DM, Slooter AJC, Pandharipande PP, et al. Clinical Practice Guidelines for the Prevention and Management of Pain, Agitation/Sedation, Delirium, Immobility, and Sleep Disruption in Adult Patients in the ICU. Crit Care Med. 2018;46(9):e825-e873.) As evidências atuais apoiam o uso de sedação superficial para atingir os objetivos mencionados, já que apenas uma minoria de pacientes necessita de sedação profunda contínua. O nível de sedação ideal varia amplamente entre os pacientes, dependendo de seu quadro clínico e do tratamento necessário.(22 Tanaka LM, Serafim RB, Salluh JI. What every intensivist should know about light sedation for mechanically ventilated patients. Rev Bras Ter Intensiva. 2021;33(4):480-2.) Assim, a avaliação e o monitoramento do nível de sedação devem ser realizados rotineiramente nas UTIs.(22 Tanaka LM, Serafim RB, Salluh JI. What every intensivist should know about light sedation for mechanically ventilated patients. Rev Bras Ter Intensiva. 2021;33(4):480-2.)
As Diretrizes de Prática Clínica para a Prevenção e Tratamento da Dor, Agitação/Sedação, Delirium, Imobilidade e Interrupção do Sono em Pacientes Adultos na UTI (PADIS) concluíram que a sedação superficial em pacientes de UTI esteve significativamente associada a um tempo de extubação mais curto e à redução da taxa de traqueostomia.(11 Devlin JW, Skrobik Y, Gélinas C, Needham DM, Slooter AJC, Pandharipande PP, et al. Clinical Practice Guidelines for the Prevention and Management of Pain, Agitation/Sedation, Delirium, Immobility, and Sleep Disruption in Adult Patients in the ICU. Crit Care Med. 2018;46(9):e825-e873.) No entanto, nas últimas décadas, evidências substanciais demonstraram o impacto negativo de práticas de sedação inadequadas nos desfechos de pacientes de UTI.(33 Shehabi Y, Forbes AB, Arabi Y, Bass F, Bellomo R, Kadiman S, Howe BD, McArthur C, Reade MC, Seppelt I, Takala J, Webb S, Wise MP; The SPICE III study investigators; The Australian and New Zealand Intensive Care Society Clinical Trials Group; The Australian and New Zealand Intensive Care Research Centre. The SPICE III study protocol and analysis plan: a randomised trial of early goal directed sedation compared with standard care in mechanically ventilated patients. Crit Care Resusc. 2017;19(4):318-26.)
A estratégia de sedação ideal para pacientes gravemente enfermos deve abordar dor, sedação e ansiedade; ter cinética e efeitos clínicos favoráveis; ser facilmente titulada e monitorada; ter um perfil tolerável de efeitos colaterais; e ser acessível.(11 Devlin JW, Skrobik Y, Gélinas C, Needham DM, Slooter AJC, Pandharipande PP, et al. Clinical Practice Guidelines for the Prevention and Management of Pain, Agitation/Sedation, Delirium, Immobility, and Sleep Disruption in Adult Patients in the ICU. Crit Care Med. 2018;46(9):e825-e873.,33 Shehabi Y, Forbes AB, Arabi Y, Bass F, Bellomo R, Kadiman S, Howe BD, McArthur C, Reade MC, Seppelt I, Takala J, Webb S, Wise MP; The SPICE III study investigators; The Australian and New Zealand Intensive Care Society Clinical Trials Group; The Australian and New Zealand Intensive Care Research Centre. The SPICE III study protocol and analysis plan: a randomised trial of early goal directed sedation compared with standard care in mechanically ventilated patients. Crit Care Resusc. 2017;19(4):318-26.) Nos últimos anos, vários inquéritos foram publicados sobre a prática da sedação, com o objetivo de apresentar as práticas atuais e suas correspondentes mudanças, a partir de novas evidências.(44 Salluh JI, Dal-Pizzol F, Mello PV, Friedman G, Silva E, Teles JM, Lobo SM, Bozza FA, Soares M; Brazilian Research in Intensive Care Network. Delirium recognition and sedation practices in critically ill patients: a survey on the attitudes of 1015 Brazilian critical care physicians. J Crit Care. 2009;24(4):556-62.
5 Luz M, Barreto BB, Castro RE, Salluh JI, Dal-Pizzol F, Araujo C, et al. Practices in sedation, analgesia, mobilization, delirium, and sleep deprivation in adult intensive care units (SAMDS-ICU): an international survey before and during the COVID-19 pandemic. Ann Intensive Care. 2022;12(1):9.-66 Kotfis K, Zegan-Baranska M, Zukowski M, Kusza K, Kaczmarczyk M, Ely EW. Multicenter assessment of sedation and delirium practices in the intensive care units in Poland - is this common practice in Eastern Europe? BMC Anesthesiol. 2017;17(1):120.)
Apesar de todos os dados disponíveis, as práticas de sedação atualmente empregadas ainda são heterogêneas quanto à adesão às recomendações atuais.(11 Devlin JW, Skrobik Y, Gélinas C, Needham DM, Slooter AJC, Pandharipande PP, et al. Clinical Practice Guidelines for the Prevention and Management of Pain, Agitation/Sedation, Delirium, Immobility, and Sleep Disruption in Adult Patients in the ICU. Crit Care Med. 2018;46(9):e825-e873.) Além disso, a pandemia pelo coronavírus 2019 (COVID-19) mudou substancialmente as práticas de cuidados gerais nas UTIs, inclusive quanto às estratégias de sedação e analgesia para pacientes em VM.(55 Luz M, Barreto BB, Castro RE, Salluh JI, Dal-Pizzol F, Araujo C, et al. Practices in sedation, analgesia, mobilization, delirium, and sleep deprivation in adult intensive care units (SAMDS-ICU): an international survey before and during the COVID-19 pandemic. Ann Intensive Care. 2022;12(1):9.)
Realizamos um inquérito com médicos intensivistas brasileiros com o objetivo de caracterizar o conhecimento e as atitudes percebidas em relação às intervenções farmacológicas para sedação e entender as lacunas atuais, comparando a prática atual com as recomendações das diretrizes PADIS.
MÉTODOS
Elaboração e administração do inquérito
Realizamos uma busca não sistemática da literatura no Medline® sobre “sedação”, “sedação superficial”, “ventilação mecânica” e “UTI”, para identificar as evidências mais relevantes sobre práticas de sedação. Subsequentemente, resumimos as evidências atuais e as usamos para elaborar o questionário.
Isso resultou em um questionário de duas partes, que avaliou os respondentes e suas características relacionadas à UTI (dez perguntas) e práticas de sedação (oito perguntas). O questionário autoaplicável (Material suplementar) foi construído em um sistema eletrônico baseado na web (www.surveymonkey.com).
O inquérito não incluiu dados que pudessem identificar os entrevistados. O Comitê de Ética em Pesquisa aprovou o estudo e dispensou a necessidade de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
De 15 de agosto a 15 de setembro de 2021, um convite para responder ao questionário foi divulgado por meio de redes sociais e enviado por e-mail a uma amostra de conveniência de intensivistas, usando a lista de e-mails de Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino. Os entrevistados foram instruídos a responder ao questionário apenas uma vez.
Dados e análise estatística
Os resultados do inquérito foram exportados para um modelo Microsoft Excel 16.0 (Microsoft®, Novo México, Estados Unidos) e analisados usando o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS, IBM, Nova Iorque, Estados Unidos), versão 23.0.
Estatísticas descritivas-padrão foram usadas conforme apropriado. As variáveis foram expressas como números (percentagens). Como o número de respondentes variou entre as perguntas, as proporções exibidas na seção de resultados e nas tabelas não são constantes. O teste exato de Fisher foi utilizado para a comparação das variáveis. Um valor de p bilateral < 0,05 foi considerado significativo.
RESULTADOS
Características demográficas
Responderam ao inquérito 303 médicos intensivistas. Os principais dados demográficos e as características da UTI dos entrevistados estão descritos na tabela 1. Os entrevistados representavam todas as regiões geográficas do país. Dentre os entrevistados, 98% forneceram respostas completas e foram incluídos na análise.
Dados demográficos dos principais entrevistados e características da unidade de terapia intensiva
No geral, 125 (40,8%) entrevistados eram especialistas em cuidados intensivos certificados pelo conselho, enquanto os 178 (59,2%) restantes eram especialistas em outras áreas, principalmente medicina interna, anestesiologia, pneumologia e cirurgia.
Práticas de sedação
A maioria dos entrevistados relatou uso de rotina de uma escala de sedação estruturada (281; 92,6%). Quase metade dos entrevistados relatou realizar interrupções diárias da sedação (147; 48,4%), e a mesma percentagem de participantes (48,0%) concordou com a afirmação de que os pacientes costumam ser sedados em excesso. O processo de cuidado existente e as práticas atuais são detalhados na tabela 2.
Regimes de medicamentos para sedação variaram amplamente entre os entrevistados (Figura 1), mas 34,2% (n = 103) dos entrevistados ainda usavam midazolam como primeira escolha para sedação. A sedação profunda foi mais comum durante a pandemia da COVID-19 do que antes da pandemia (241; 79,4% versus 148; 49,0%; p = 0,01).
Pedimos a opinião dos médicos sobre cinco estratégias para aumentar a adesão à sedação superficial, de acordo com as diretrizes PADIS. A maioria dos médicos concordou que uma proporção enfermeiro-paciente maior (idealmente 1:1) (192; 58,2%), o uso de uma escala de sedação padrão (180; 54,5%) e protocolos escritos (174; 52,7%) eram estratégias úteis para melhorar as práticas de sedação. Apenas 50 (16,7%) entrevistados relataram alguma dificuldade no acesso a medicamentos de ação rápida, como propofol ou dexmedetomidina.
Comparações entre especialistas em cuidados intensivos certificados pelo conselho e médicos não certificados e entre instituições acadêmicas e não acadêmicas em cuidados intensivos
Realizamos comparações entre especialistas em cuidados intensivos certificados pelo conselho e médicos sem especialização em cuidados intensivos que trabalhavam em UTIs. Mais médicos especialistas em cuidados intensivos certificados pelo conselho já trabalhavam em UTI por mais de 10 anos em comparação com médicos sem especialização (78; 76,5% versus 40; 22,0%; p < 0,0001). Quando comparados com médicos sem especialização, os especialistas em cuidados intensivos certificados pelo conselho usaram escalas de sedação com mais frequência (87; 85,3% versus 91; 50,0%; p < 0,0001) e relataram realizar mais interrupções diárias da sedação (46; 45,1% versus 46; 25,2%; p = 0,0009). Nas UTIs onde trabalhavam médicos especialistas em cuidados intensivos certificados pelo conselho, as metas de sedação eram discutidas com mais frequência do que nas UTIs onde trabalhavam médicos sem especialização (60; 58,8% versus 53; 29,1%; p < 0,0001).
Realizamos as mesmas comparações entre intensivistas que trabalham em instituições acadêmicas e não acadêmicas. Não foram observadas diferenças significativas entre médicos de instituições acadêmicas em comparação com médicos de instituições não acadêmicas.
Médicos da unidade de terapia intensiva e profundidade da sedação
Durante a pandemia da COVID-19, os participantes relataram que os pacientes tinham maior chance de receber midazolam (178; 58,8% versus 106; 34,0%; p = 0,05) em vez de propofol (131; 43,3% versus 212; 70,1%; p = 0,08) ou dexmedetomidina (53; 17,5% versus 87; 28,9%; p = 0,26).
Os médicos participantes relataram considerar com igual ênfase o uso de cetamina como agente poupador de opioides em pacientes com ou sem COVID-19 (134; 44,3% versus 139; 45,9%).
Além disso, os participantes relataram que a sedação profunda esteve associada a um aumento no tempo de internação e na taxa de mortalidade (270; 89,0%); piores desfechos funcionais e cognitivos (289; 95,3%); e aumento significativo do risco de delirium independentemente do tipo de sedativo utilizado (273; 90,1%). A maioria dos médicos (281; 97,1%) relatou que sedação superficial pode ser realizada de modo eficaz, independentemente do tipo de sedativo usado, se forem implementados protocolos de intensidade sedativa direcionada e titulável. No entanto, 31,8% (n = 96) dos participantes ainda acreditavam que uma estratégia de sedação superficial aumentava o risco de agitação e eventos adversos associados.
Aspectos econômicos
A maioria dos participantes estava ciente dos custos envolvidos no uso de medicamentos de ação rápida, como propofol (184; 60,8%) ou dexmedetomidina (187; 61,8%). No entanto, considerando o potencial de reduzir o tempo de extubação e a duração total da internação na UTI e no hospital, os participantes acreditavam que esses medicamentos eram custo-efetivos.
Propofol para pacientes gravemente enfermos submetidos à ventilação mecânica
Apenas 28,9% (n = 87) dos participantes relataram achar seguro usar propofol rotineiramente para sedação prolongada. Além disso, 52,0% (n = 158) dos participantes achavam que a ingestão de lipídios representava um risco mesmo se monitorada de perto, e 60,6% (n = 184) dos participantes evitavam o uso prolongado (mais de 7 dias). Foi relatado que o propofol esteve associado a um risco aumentado de infecções da corrente sanguínea relacionadas a cuidados de saúde entre 73,0% (n = 221) dos participantes.
Apesar dessas desvantagens significativas, o propofol alcançou ampla aceitação em terapia neurointensiva. Duzentos e sessenta e dois participantes (85.9%) acreditavam que as recomendações de sedação superficial poderiam ser implementadas desde que não houvesse hipertensão intracraniana ou convulsões descontroladas e 161 (85,9%) usaram propofol como sedação principal para o tratamento do paciente neurocrítico.
DISCUSSÃO
Realizamos um inquérito com médicos intensivistas brasileiros com o objetivo de caracterizar o conhecimento e as atitudes percebidas em relação às intervenções farmacológicas para sedação, inclusive antes e durante a pandemia da COVID-19.
As diretrizes PADIS de 2018 sugeriam que o estado atual de sedação de um paciente deve ser avaliado e reavaliado com frequência, usando escalas válidas e confiáveis.(11 Devlin JW, Skrobik Y, Gélinas C, Needham DM, Slooter AJC, Pandharipande PP, et al. Clinical Practice Guidelines for the Prevention and Management of Pain, Agitation/Sedation, Delirium, Immobility, and Sleep Disruption in Adult Patients in the ICU. Crit Care Med. 2018;46(9):e825-e873.) Antes das diretrizes da Society of Critical Care Medicine (SCCM) de 2013, os inquéritos demonstraram que menos de 50% dos médicos relatavam usar protocolos de sedação;(44 Salluh JI, Dal-Pizzol F, Mello PV, Friedman G, Silva E, Teles JM, Lobo SM, Bozza FA, Soares M; Brazilian Research in Intensive Care Network. Delirium recognition and sedation practices in critically ill patients: a survey on the attitudes of 1015 Brazilian critical care physicians. J Crit Care. 2009;24(4):556-62.) porém, avaliações conduzidas mais recentemente mostraram adesão crescente a essas estratégias.(55 Luz M, Barreto BB, Castro RE, Salluh JI, Dal-Pizzol F, Araujo C, et al. Practices in sedation, analgesia, mobilization, delirium, and sleep deprivation in adult intensive care units (SAMDS-ICU): an international survey before and during the COVID-19 pandemic. Ann Intensive Care. 2022;12(1):9.) Atualmente, o conceito de retenção de sedação foi implementado na maioria das unidades, e a maioria das UTIs possui uma diretriz de sedação por escrito.(66 Kotfis K, Zegan-Baranska M, Zukowski M, Kusza K, Kaczmarczyk M, Ely EW. Multicenter assessment of sedation and delirium practices in the intensive care units in Poland - is this common practice in Eastern Europe? BMC Anesthesiol. 2017;17(1):120.)
Embora a maioria dos estudos relate a autopercepção, algumas auditorias revelaram diferenças surpreendentes entre as declarações dos médicos e a prática clínica real.(44 Salluh JI, Dal-Pizzol F, Mello PV, Friedman G, Silva E, Teles JM, Lobo SM, Bozza FA, Soares M; Brazilian Research in Intensive Care Network. Delirium recognition and sedation practices in critically ill patients: a survey on the attitudes of 1015 Brazilian critical care physicians. J Crit Care. 2009;24(4):556-62.,55 Luz M, Barreto BB, Castro RE, Salluh JI, Dal-Pizzol F, Araujo C, et al. Practices in sedation, analgesia, mobilization, delirium, and sleep deprivation in adult intensive care units (SAMDS-ICU): an international survey before and during the COVID-19 pandemic. Ann Intensive Care. 2022;12(1):9.) No inquérito atual, a maioria dos entrevistados (92,6%) relatou o uso de um protocolo de sedação por escrito. No entanto, a frequência relatada do monitoramento da sedação foi claramente insuficiente, pois a maioria dos médicos (48,0%) concordava que os pacientes costumam ser sedados excessivamente. Uma explicação parcial para isso pode estar no fato de que 31,8% dos participantes ainda acreditavam que uma estratégia de sedação superficial aumentava o risco de agitação e eventos adversos associados. Isso representa uma meta clara para intervenção educacional para mudar a cultura local e o comportamento clínico.
Em 2000, Kress et al. relataram que um protocolo de tentativas diárias de despertar espontâneo reduziu a duração da VM e o tempo de permanência na terapia intensiva. Esse estudo mostrou que as tentativas diárias de despertar espontâneo são seguras; autoextubação, complicações relacionadas aos cuidados intensivos, isquemia miocárdica e transtorno de estresse pós-traumático não ocorreram com mais frequência em pacientes tratados com tentativas diárias de despertar espontâneo do que naqueles tratados sem tentativas de despertar espontâneo.(77 Kress JP, Pohlman AS, O’Connor MF, Hall JB. Daily interruption of sedative infusions in critically ill patients undergoing mechanical ventilation. N Engl J Med. 2000;342(20):1471-7.) Fatores organizacionais e processos de cuidado estão associados a melhores desfechos em pacientes gravemente enfermos, como por exemplo a continuidade de cuidados, rounds multidisciplinares e adoção de protocolos. Fatores do contexto da UTI, como cultura de segurança, falta de liderança e falta de apoio da equipe interprofissional, podem atuar como barreiras para a implementação efetiva das diretrizes PADIS.(88 Nassar AP Jr, Zampieri FG, Salluh JI, Bozza FA, Machado FR, Guimarães HP, et al. Organizational factors associated with target sedation on the first 48 h of mechanical ventilation: an analysis of checklist-ICU database. Crit Care. 2019;23(1):34.) Em nosso estudo, 17% dos participantes tinham dificuldade de acesso a medicamentos de ação rápida, impondo uma barreira importante para a implementação adequada das diretrizes PADIS.
Embora os protocolos tenham sido previamente associados a melhores desfechos em pacientes gravemente enfermos,(99 Soares M, Bozza FA, Angus DC, Japiassú AM, Viana WN, Costa R, et al. Organizational characteristics, outcomes, and resource use in 78 Brazilian intensive care units: the ORCHESTRA study. Intensive Care Med. 2015;41(12):2149-60.) parece que apenas tê-los na UTI não é suficiente, pois os protocolos de sedação não diminuíram o tempo de VM em alguns cenários específicos.(1010 Curley MA, Wypij D, Watson RS, Grant MJ, Asaro LA, Cheifetz IM, Dodson BL, Franck LS, Gedeit RG, Angus DC, Matthay MA; RESTORE Study Investigators and the Pediatric Acute Lung Injury and Sepsis Investigators Network. Protocolized sedation vs usual care in pediatric patients mechanically ventilated for acute respiratory failure: a randomized clinical trial. JAMA. 2015;313(4):379-89.) Nosso estudo sugere que os médicos especialistas em cuidados intensivos certificados pelo conselho podem ter papel importante em metas de sedação superficial, pois usam escalas de sedação com mais frequência e relatam realizar mais interrupções diárias da sedação do que médicos sem especialização. Além disso, as metas de sedação foram discutidas com mais frequência em UTIs com a presença de médicos especialistas em cuidados intensivos certificados pelo conselho; porém, mesmo assim, foram discutidas em apenas 58,8% das vezes.
Nosso estudo sugeriu que ter médicos especialistas em cuidados intensivos certificados pelo conselho no plantão foi fator organizacional associado ao alcance das metas dos níveis de sedação em pacientes sob VM. Médicos especialistas podem ter um papel importante nas metas de sedação superficial, pois podem estar mais conscientes da importância dos objetivos de sedação superficial, em comparação com médicos sem especialização, como sua possível associação com taxas de mortalidade reduzidas. Para 50% dos participantes, o número reduzido de profissionais era uma barreira importante para a implementação de protocolos e interrupção diária da sedação.
Portanto, a presença de mais médicos especialistas em cuidados intensivos certificados pelo conselho nas UTIs pode garantir que essa meta seja perseguida com mais determinação. Assim, um modelo de equipe de alta performance pode levar a melhores desfechos.(88 Nassar AP Jr, Zampieri FG, Salluh JI, Bozza FA, Machado FR, Guimarães HP, et al. Organizational factors associated with target sedation on the first 48 h of mechanical ventilation: an analysis of checklist-ICU database. Crit Care. 2019;23(1):34.) As diretrizes PADIS também recomendam obter sedação superficial por meio da interrupção diária da sedação ou sedação direcionada. Em nosso inquérito, apenas 48,4% dos entrevistados utilizavam interrupções diárias em pacientes sob VM. Estudos demonstraram que o uso de interrupção diária de sedativos está associado a uma redução na duração da VM(1111 Chen TJ, Chung YW, Cheng PY, Hu SH, Chang CC, Hsieh SH, et al. Effects of daily sedation interruption in intensive care unit patients undergoing mechanical ventilation: A meta-analysis of randomized controlled trials. Int J Nurs Pract. 2022;28(2):e12948.) e nas consequências neuropsicológicas pós-UTI,(1212 Nedergaard HK, Jensen HI, Stylsvig M, Lauridsen JT, Toft P. Non-sedation versus sedation with a daily wake-up trial in critically ill patients recieving mechanical ventilation - effects on long-term cognitive function: Study protocol for a randomized controlled trial, a substudy of the NONSEDA trial. Trials. 2016;17(1):269.) bem como melhores desfechos hospitalares.(1313 Barbosa TP, Beccaria LM, Bastos AS, Silva DC. Association between sedation level and mortality of intensive care patients on mechanical ventilation. Rev Esc Enferm USP. 2020;54:e03628.) Os médicos entrevistados relataram que proporções mais altas de enfermeiros-pacientes (idealmente 1:1) poderiam melhorar as práticas de sedação e levar a melhores desfechos.
Podem existir várias barreiras para a implementação de protocolos e interrupções diárias da sedação de maneira regular, sendo que essas barreiras estão relacionadas principalmente a questões organizacionais e a um sentimento de incerteza quanto à segurança da sedação superficial, por parte dos médicos (Figura 2). As diretrizes PADIS atuais também recomendam que drogas não benzodiazepínicas sejam usadas em vez de benzodiazepínicos para sedação de pacientes sob VM. Garcia et al. realizaram metanálise comparando o uso de propofol e midazolam.(1414 Garcia R, Salluh JI, Andrade TR, Farah D, da Silva PS, Bastos DF, et al. A systematic review and meta-analysis of propofol versus midazolam sedation in adult intensive care (ICU) patients. J Crit Care. 2021;64:91-9.) Esse estudo sugere que um regime de sedação à base de propofol é custo-efetivo. Essa economia no custo ocorre devido à redução do tempo de internação na UTI e da duração da VM. No entanto, o uso de midazolam permanece arraigado nas UTIs, pois 34,2% dos médicos relataram prescrever midazolam como primeira escolha para pacientes sob VM.
Uma abordagem analgésica multimodal é usada rotineiramente para reduzir o uso de opioides e otimizar a analgesia. Embora os opioides continuem sendo o principal analgésico em adultos gravemente doentes, as preocupações de segurança associadas ao seu uso, particularmente sedação, depressão respiratória e íleo paralítico, são considerações importantes em alguns pacientes.(1515 Kumar K, Kirksey MA, Duong S, Wu CL. A review of opioid-sparing modalities in perioperative pain management: methods to decrease opioid use postoperatively. Anesth Analg. 2017;125(5):1749-60.) O uso de cetamina intravenosa é uma estratégia para reduzir o uso de opioides e melhorar a eficácia analgésica. Os médicos participantes relataram considerar o uso de cetamina como agente poupador de opioides em pacientes com ou sem COVID-19.(1616 Chanques G, Conseil M, Roger C, Constantin JM, Prades A, Carr J, Muller L, Jung B, Belafia F, Cissé M, Delay JM, de Jong A, Lefrant JY, Futier E, Mercier G, Molinari N, Jaber S; SOS-Ventilation study investigators. Immediate interruption of sedation compared with usual sedation care in critically ill postoperative patients (SOS-Ventilation): a randomised, parallel-group clinical trial. Lancet Respir Med. 2017;5(10):795-805.)
Observamos que muitos médicos evitam o uso prolongado de propofol, pois consideram que a ingestão de lipídios representa um risco para hipertrigliceridemia e pancreatite ou infecções relacionadas a cuidados de saúde, mas não há recomendação para apoiar essa prática.(1717 Gill KV, Voils SA, Chenault GA, Brophy GM. Perceived versus actual sedation practices in adult intensive care unit patients receiving mechanical ventilation. Ann Pharmacother. 2012;46(10):1331-9.) Essa também é uma área em que a disponibilidade de evidências e sua divulgação para médicos intensivistas pode ajudar a melhorar a adesão às diretrizes.
Este estudo destaca que a pandemia de COVID-19 levou a mudanças em algumas práticas de sedação. Embora as mudanças possam ter ocorrido devido à alta prevalência de síndrome do desconforto respiratório agudo, elas ainda representam uma alta taxa de não adesão às diretrizes PADIS, mesmo para esse subgrupo de pacientes. Semelhante a este inquérito, um estudo encontrou alta taxa de sedação durante a VM, sendo o midazolam o sedativo mais utilizado durante a pandemia.(1414 Garcia R, Salluh JI, Andrade TR, Farah D, da Silva PS, Bastos DF, et al. A systematic review and meta-analysis of propofol versus midazolam sedation in adult intensive care (ICU) patients. J Crit Care. 2021;64:91-9.) Observamos alta utilização de bloqueadores neuromusculares, bem como uso mais frequente de sedação profunda durante a pandemia. À medida que a pandemia diminui, é vital garantir que essas mudanças nas práticas não sejam permanentes, além de focar no uso sistemático de práticas baseadas em evidências voltadas para sedação superficial e seleção de sedativos de acordo com as recomendações das diretrizes atuais.
Em relação aos tipos de sedativos, é interessante observar que os medicamentos mais utilizados são a combinação de propofol (70,1%) e fentanil (85,6%), bastante semelhante ao inquérito norte-americano de 2012,(1818 Besen BA, Nassar Júnior AP, Lacerda FH, Silva CM, Souza VT, Martins EV, et al. Pain management protocol implementation and opioid consumption in critical care: an interrupted time series analysis. Rev Bras Ter Intensiva 2019;31(4):447-55.) ao inquérito canadense de 2014,(1919 Burry LD, Williamson DR, Perreault MM, Rose L, Cook DJ, Ferguson ND, et al. Analgesic, sedative, antipsychotic, and neuromuscular blocker use in Canadian intensive care units: a prospective, multicentre, observational study. Can J Anaesth. 2014;61(7):619-30.) ao inquérito mundial ABCDEF de 2017(2020 Morandi A, Piva S, Ely EW, Myatra SN, Salluh JIF, Amare D, et al. Worldwide Survey of the “Assessing Pain, Both Spontaneous Awakening and Breathing Trials, Choice of Drugs, Delirium Monitoring/Management, Early Exercise/Mobility, and Family empowerment” (ABCDEF) Bundle. Crit Care Med. 2017;45(11):e1111-e1122.) e ao português de 2022.(2121 Paulino MC, Pereira IJ, Costa V, Neves A, Santos A, Teixeira CM, et al. Sedation, analgesia, and delirium management in Portugal: a survey and point prevalence study. Rev Bras Ter Intensiva 2022;34(2):227-36.) Entre 97,1% dos médicos existe a crença de que o fornecimento bem-sucedido de sedação superficial pode ser realizado de modo eficaz, independentemente do tipo de sedativo usado, desde que sejam implementados protocolos de intensidade sedativa direcionada e titulada.
O presente inquérito tem algumas limitações. Em primeiro lugar, como em qualquer inquérito, reconhecemos que a possível ocorrência de imprecisões devido à má recordação pode resultar em discrepâncias entre o autorrelato e a prática real. Em segundo lugar, considerando o alto número de médicos especialistas na amostra, pode ter ocorrido um viés de seleção. No entanto, a amostra envolveu médicos de todas as regiões geográficas do país, incluindo instituições públicas e privadas. A maioria dos participantes era da região sudeste, o que pode ter causado viés de amostragem; entretanto, a concentração de médicos nessa região reflete a realidade da distribuição de médicos intensivistas em nosso país. Em terceiro lugar, embora a maioria dos entrevistados tivesse mais de 5 anos de prática, o inquérito foi aplicado durante a pandemia da COVID, quando havia uma preocupação crescente com os desfechos relacionados ao delirium e à agitação, o que pode estar associado a um viés de memória, em que um erro sistemático foi causado por diferenças na precisão ou integridade das lembranças dos participantes do estudo em relação a eventos ou experiências anteriores à pandemia.
CONCLUSÃO
Este inquérito fornece dados valiosos sobre as atitudes percebidas de médicos intensivistas brasileiros em relação à sedação antes e durante a pandemia da COVID-19. Embora a interrupção diária da sedação fosse um conceito bem conhecido e as escalas de sedação fossem frequentemente utilizadas pelos entrevistados, foi feito esforço insuficiente no monitoramento frequente, no uso de protocolos e na implementação sistemática de estratégias de sedação.
As dificuldades no atendimento de pacientes sob ventilação mecânica durante a pandemia da COVID-19 impactaram negativamente nas práticas de sedação no Brasil. Apesar da percepção dos benefícios associados à sedação superficial, há necessidade de identificar metas de melhoria para se proporem estratégias educacionais que melhorem as práticas atuais.
AGRADECIMENTOS
Fonte de financiamento: Bolsa educacional irrestrita. Aspen Pharma. Os financiadores não tiveram nenhum papel no delineamento do estudo e não tiveram acesso a quaisquer dados do inquérito.
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Disponibilidade de dados
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
03 Mar 2023 -
Data do Fascículo
Oct-Dec 2022
Histórico
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Recebido
04 Ago 2022 -
Aceito
20 Set 2022