RESUMO
Objetivo: Avaliar o relacionamento entre os níveis cerebrais de ferro e heme e a resposta inflamatória sistêmica e no sistema nervoso central, assim como o papel dos sistemas de defesa contra a toxicidade do ferro e do heme, no sistema nervoso central.
Métodos: Avaliamos uma coorte prospectiva de pacientes com quadro de hemorragia intracraniana e subaracnóidea. Realizamos ensaios em amostras de plasma e líquido cefalorraquidiano quanto à presença de ferro, heme, hemopexina, haptoglobina, enolase, S100-β e citocinas nos primeiros 3 dias após um acidente vascular cerebral hemorrágico. Analisamos também as alterações dinâmicas em todos os componentes de ambos os líquidos e seu relacionamento com as taxas de mortalidade precoce.
Resultados: As concentrações de hemopexina e haptoglobina foram quase desprezíveis no cérebro após hemorragia intracraniana e subaracnóidea. As concentrações de ferro e heme no líquido cefalorraquidiano se correlacionaram com resposta pró-inflamatória no sistema nervoso central, e os perfis inflamatórios no líquido cefalorraquidiano no terceiro dia após acidente vascular cerebral hemorrágico se correlacionaram com as taxas de mortalidade precoce. Identificamos que os níveis de interleucina 4 no líquido cefalorraquidiano durante as primeiras 24 horas após acidente vascular cerebral hemorrágico foram mais altos nos sobreviventes do que nos que não sobreviveram.
Conclusão: Os níveis de ferro e heme se associaram com resposta pró-inflamatória no sistema nervoso central após acidente vascular cerebral hemorrágico, e o cérebro humano não tem proteção contra hemoglobina e heme. Os perfis inflamatórios dos pacientes se associaram com prognósticos piores, e as respostas inflamatórias locais pareceram ter um papel protetor.
Descritores: Ferro; Heme; Citocinas; Resposta inflamatória; Hemopexina; Haptoglobinas; Sistema nervoso central; Hemorragia subaracnóidea
ABSTRACT
Objective: To evaluate the relationships of brain iron and heme with the inflammatory response of the systemic and central nervous systems and to investigate the role of defensive systems against the toxicity of iron and heme in the central nervous system.
Methods: We assessed a prospective cohort of patients presenting with intracerebral and subarachnoid hemorrhage. We assayed plasma and cerebrospinal fluid samples for the presence of iron, heme, hemopexin, haptoglobin, enolase, S100-β and cytokines for the first three days following hemorrhagic stroke. We also analyzed the dynamic changes in these components within both fluids and their relationship with early mortality rates.
Results: Hemopexin and haptoglobin concentrations were nearly negligible in the brain after intracerebral and subarachnoid hemorrhage. Cerebrospinal fluid iron and heme concentrations correlated with a pro-inflammatory response in the central nervous system, and plasmatic and cerebrospinal fluid inflammatory profiles on the third day after hemorrhagic stroke were related to early mortality rates. Interleukin 4 levels within the cerebrospinal fluid during the first 24 hours after hemorrhagic stroke were found to be higher in survivors than in non-survivors.
Conclusion: Iron and heme are associated with a pro-inflammatory response in the central nervous system following hemorrhagic stroke, and protections against hemoglobin and heme are lacking within the human brain. Patient inflammatory profiles were associated with a poorer prognosis, and local anti-inflammatory responses appeared to have a protective role.
Keywords: Iron; Heme; Cytokines; Inflammatory response; Hemopexin; Haptoglobin; Central nervous system; Subarachnoid hemorrhage
INTRODUÇÃO
Resposta inflamatória é uma consequência bem documentada da hemorragia cerebral,(1) e o envolvimento de produtos derivados da degradação da hemoglobina contribui decisivamente para a lesão cerebral. Em estudos experimentais, é bem conhecido que o ferro produz desequilíbrio redox pela mediação da geração de radicais livres(2) e pela redução das defesas antioxidantes.(3) Identificou-se também que o ferro impede o reparo do DNA,(4) incrementa a liberação de glutamato,(5) e amplifica a resposta inflamatória no cérebro.(6) Em estudos realizados em seres humanos, os níveis de ferritina se correlacionaram com prognósticos piores nos pacientes com hemorragia intracraniana (HIC).(7)
Uma vez liberado das cadeias polipeptídicas da hemoglobina, o heme é capaz de ligar-se a muitos componentes extracelulares, desde as membranas fosfolipídicas(8) até as proteínas como albumina e hemopexina (Hx).(9) A presença de heme livre tem sido relacionada com aumento da mortalidade na sepse(10) e nas manifestações sistêmicas graves de malária.(11) A presença de heme livre também pode estimular reações pró-oxidantes(12,13) e incrementar as reações inflamatórias por meio da estimulação direta do receptor toll-like 4 (TLR4).(14) Identificou-se que os neurônios são mais suscetíveis aos efeitos tóxicos do heme do que os astrócitos, o que contribui para a perpetuação do dano cerebral.(15)
Haptoglobina (Hp) e Hx são proteínas plasmáticas sintetizadas pelo fígado, que agem pela ligação à hemoglobina livre e heme liberados durante a hemólise intravascular, assim removendo-os da circulação. Algumas evidências sugerem que Hp e Hx estão envolvidas na proteção do cérebro contra lesões após HIC. Após HIC, camundongos hipo-haptoglobinêmicos e com eliminação da Hx apresentam, respectivamente, défices neurológicos mais intensos e diminuição da viabilidade de células estriatais.(16,17)
Apesar da ampla pesquisa experimental, o papel do ferro e do heme na fisiopatologia da lesão do cérebro humano após um acidente vascular cerebral (AVC) hemorrágico e os potenciais mecanismos protetores, por meio de Hp e Hx, ainda não foram completamente elucidados. Tivemos, no presente estudo, o objetivo de avaliar o papel de subprodutos da degradação da hemoglobina na fisiopatologia da lesão cerebral após hemorragia cerebral. Também buscamos esclarecer os mecanismos de proteção, com base no sistema nervoso central, contra danos induzidos por ferro e heme, e o relacionamento entre parâmetros inflamatórios e do metabolismo do sangue nas taxas de mortalidade.
MÉTODOS
Obteve-se aprovação do estudo pelos Comitês de Ética locais dos Hospitais Copa D'Or, Quinta D'Or e Complexo Hospitalar de Niterói (Rio de Janeiro). Em todos os casos, foi obtida a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido do paciente ou de um responsável.
Foram incluídos 15 pacientes com HIC ou hemorragia subaracnóidea (HSA) admitidos às unidades de terapia intensiva (UTI) neurológica dos Hospitais Copa D'Or, Quinta D'Or ou Complexo Hospitalar de Niterói. Os critérios para elegibilidade foram HIC ou HSA espontânea, com inserção de dispositivo ventricular externo dentro de 24 horas após início dos sintomas. Os critérios de exclusão foram: pacientes com idade abaixo de 18 anos, gravidez e com expectativa de sobrevida inferior a 48 horas após a admissão.
As informações demográficas foram registradas por ocasião da admissão. A severidade da doença nos pacientes com HSA foi avaliada com utilização do Simplified Acute Physiology Score (SAPS) II e pelas escalas de coma de Glasgow, Hunt-Hess e Fisher. Nos pacientes com HIC, utilizou-se o volume do hematoma para avaliar a severidade. Sequencialmente, registraram-se as informações clínicas (frequência cardíaca, pressão arterial, pressão intracraniana e pressão de perfusão cerebral) e os resultados laboratoriais (hemograma, eletrólitos, parâmetros de função hepática e renal). O desfecho primário foi a mortalidade após 7 dias.
Obtiveram-se amostras de sangue e líquido cefalorraquidiano (LCR) após 24, 48 e 72 horas da admissão na UTI. O sangue foi coletado a partir de um acesso arterial ou de uma veia periférica, e o LCR, do dispositivo ventricular externo. As amostras de sangue e LCR foram examinadas quanto às concentrações de citocinas, ferro, heme, Hx, Hp, S100-β e enolase. Determinamos também os níveis de CRP-t, dímero D, fibrinogênio, tempo de protrombina e tempo de protrombina total ativada no sangue, assim como realizamos contagens celulares, e medimos as concentrações de glicose e proteínas no LCR.
As amostras de LCR foram centrifugadas a 800g, por 15 minutos, a 4ºC, e o sobrenadante foi separado em alíquotas e armazenado a -70ºC até a análise. Utilizou-se um kit múltiplo de citocinas (interleucina - IL 1β, IL-2, IL-4, IL-5, IL-6, IL-7, IL-8, IL- 10, IL-12, IL-13, IL-17, interferão-gama - IFN-γ, IP-10, fator estimulador de colônias de granulócitos - G-CSF, fator estimulador de colônias de granulócitos-macrófagos - GM-CSF, proteína quimiotática de monócitos (MCP) 1, proteína inflamatória de macrófagos (MIP-1) e fator de necrose tumoral alfa - TNF-α) segundo as instruções do fabricante (Bio-Rad, Hercules, CA, EUA). Só se analisaram as citocinas recuperáveis em mais de 70% das amostras.(18)
Mediram-se os níveis de ferro com uso de ensaio colorimétrico, conforme descrito por Carter.(19) O ferro é simultaneamente liberado das proteínas e reduzido com uso de ácido clorídrico tioglicólico. O dialisado ferroso reage com ferrozeno tamponado, um sal monossódico de 3-(2-piridil)-5,6-bis-(4-ácido fenilsulfônico) em pH controlado e é, então, medido colorimetricamente a 560nm. Os níveis totais de heme foram medidos com uso de um ensaio cromogênico (GenWay Biotech, San Diego, CA, EUA), que utiliza a atividade de peroxidase na presença de heme para fornecer a conversão de uma prova de composto incolor para uma fortemente colorida (λ = 570nm). Traço de heme pode ser quantificado na faixa de 5 - 160pg (10 - 250fmol).
As concentrações de Hx, Hp, enolase e S100-β foram medidas com uso de um produto comercial de ensaio de imunoabsorção ligada a enzimas (ELISA), segundo as instruções do fabricante (LifeSciences, Newberg, OR). Neste ensaio, qualquer Hx, Hp, enolase ou S100-β presente nas amostras reage com os respectivos anticorpos que foram adsorvidos na superfície de poliestireno. Após isto, acrescentam-se estes anticorpos conjugados com peroxidase de rábano silvestre. A enzima ligada ao imunoabsorvente é ensaiada até a adição de um substrato cromogênico, 3,3',5,5'-tetrametilbenzidina e medida a 450nm.
Análise estatística
As análises estatísticas foram realizadas com uso do Statistical Package for Social Science (SPSS) para Windows 17.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA) e GraphPad Prism versão 6.0 para Mac (GraphPad Software, San Diego, CA, EUA). As variáveis numéricas são expressas como valores medianos (variação interquartis) e foram avaliadas com uso do teste U de Mann-Whitney e teste de Kruskal-Wallis. As variáveis dicotomizadas foram analisadas com uso dos testes qui quadrado e exato de Fisher (com correção de Yates quando indicado). A análise de Spearman foi empregada para detectar correlações entre as variáveis contínuas.
RESULTADOS
Dentre os 15 pacientes incluídos neste estudo, 40% faleceram dentro dos primeiros 7 dias após a admissão à UTI. Todos os pacientes estavam sob ventilação mecânica quando da admissão nesta unidade, e 73,3% estavam em uso de aminas vasoativas (Tabela 1).
Concentrações de ferro, heme, hemopexina e haptoglobina no plasma e no líquido cefalorraquidiano
Medimos a concentração de ferro, heme, Hx e Hp nos compartimentos plasmático e LCR durante os primeiros 3 dias após o AVC hemorrágico. Os níveis de Hx e Hp eram quase indetectáveis no LCR e significantemente mais baixos que no plasma durante os 3 primeiros dias após o evento. Mais ainda, suas concentrações não aumentaram durante a fase inicial do AVC hemorrágico. Estes achados sugerem que estes mecanismos de proteção contra a hemoglobina e heme são deficientes dentro do parênquima cerebral (Tabela 2).
Comparação entre as concentrações plasmáticas e no líquido cefalorraquidiano de ferro, heme, hemopexina e haptoglobina
Identificamos uma diminuição da concentração plasmática de ferro na avaliação 48 horas após o AVC hemorrágico, que permaneceu estável 72 horas após o ictus (243,4 versus 74,85 versus 94,4mg/dL; p = 0,02). As concentrações de heme, Hx e Hp permaneceram estáveis durante os 3 primeiros dias após o evento (Tabela 3).
Cinética plasmática e no líquido cefalorraquidiano de ferro, heme, hemopexina e haptoglobina durante os primeiros 3 dias após acidente vascular cerebral hemorrágico
Na comparação entre as concentrações plasmáticas e no LCR de ferro, heme, Hx e Hp, a concentração de ferro no plasma foi significantemente mais alta do que no LCR, tanto 24 horas quanto 72 horas após o evento de AVC hemorrágico. Não encontramos diferenças mensuráveis nas concentrações de heme.
Relações de ferro e heme com citocinas plasmáticas e líquido cefalorraquidiano
Analisamos a correlação entre ferro, heme e concentrações de citocinas, tanto no plasma quanto no LCR. Houve moderada correlação negativa entre os níveis plasmáticos de ferro 24 horas após o evento e as concentrações plasmáticas de IP-10 72 horas após o AVC hemorrágico (r = -0,67; p = 0,025). Houve também uma forte correlação entre as concentrações de ferro no LCR 48 horas após o ictus e os níveis de IP-10 no LCR 72 horas após o evento (r = 0,97; p = 0,03).
Foi forte a correlação entre os níveis de heme no LCR durante as primeiras 24 horas após o ictus e a concentração de MIP-1b 48 horas após o AVC hemorrágico (r = 0,76; p = 0,01). A concentração de heme no LCR nas primeiras 48 horas após o evento também se correlacionou de forma negativa com os níveis de MCP-1 no LCR 72 horas após o ictus (r = -0,82; p = 0,03). Em combinação, estes dados sugerem que os níveis de ferro e heme se associam com uma resposta inflamatória no cérebro humano após um evento hemorrágico. Não identificamos qualquer correlação entre as concentrações de ferro ou heme e outras citocinas durante o período do estudo.
Concentração de biomarcadores de lesão cerebral no plasma e líquido cefalorraquidiano
Para avaliar a cinética de biomarcadores de lesão cerebral, medimos o aumento constante das concentrações plasmáticas de enolase durante os primeiros 3 dias após o AVC hemorrágico (2,65 versus 4,85 versus 38,06mg/dL; p = 0,02). Paralelamente, as concentrações de enolase no LCR diminuíram progressivamente nas primeiras 72 horas após o ictus (16,42 versus 4,24 versus 2,82; p = 0,03). Estes resultados sugerem uma morte preferencial de neurônios em vez de astrócitos, com subsequente extravasamento do LCR para o sangue. Surpreendentemente, não encontramos alterações na cinética das concentrações de S100-β nem no compartimento plasmático e nem no LCR.
Determinantes de mortalidade precoce após acidente vascular cerebral hemorrágico
Na avaliação dos pacientes, durante os primeiros 7 dias após um AVC hemorrágico, as concentrações plasmáticas de ferro e heme foram mais altas durante as primeiras 48 horas após o ictus nos não sobreviventes, em comparação aos sobreviventes (496,04 versus 58,5mg/dL; p = 0,05 para ferro e 624,3 versus 584,7nM; p = 0,04 para heme). Isto sugere que a sobrecarga de ferro pode contribuir para a lesão cerebral e a mortalidade precoce. Não se observaram diferenças entre sobreviventes e não sobreviventes em relação às concentrações de Hx ou Hp durante os primeiros 3 dias após um AVC hemorrágico, seja no plasma ou no LCR.
Os perfis inflamatórios sistêmicos (IL-6 e IL-8) e no sistema nervoso central (citometria, linfócitos e contagem de polimorfonucleares) avaliados 72 horas após o evento exibiram relação coerente com as taxas de mortalidade aos 7 dias (Tabela 4).
Relacionamento entre os perfis inflamatórios e as taxas de mortalidade aos 7 dias após acidente vascular cerebral hemorrágico
Analisamos as concentrações de IL-1b, IL-2, IL-6, IL-8, GM-LCR, IP-10, MIP-1a, MIP-1b, IP-10 e RANTES no plasma. No LCR, avaliamos os níveis de IL-4 e FGF, além das citocinas avaliadas no plasma. Três dias após o ictus, os níveis plasmáticos de IL-6 e IL-8 encontravam-se significantemente mais elevados nos não sobreviventes do que nos que sobreviveram (1.271 versus 26,15pg/mL; p = 0,04 para IL-6 e 134,8 versus 3,83pg/mLl; p= 0,04 para IL-8). Por outro lado, as respostas anti-inflamatórias parecem exercer um papel protetor. No LCR, os níveis de IL-4 foram mais altos nos sobreviventes do que nos não sobreviventes durante as primeiras 24 horas após o AVC hemorrágico (34,98 versus 0,001pg/mL; p = 0,04). Não houve diferenças mensuráveis entre os sobreviventes e os não sobreviventes em relação às demais citocinas, tanto no plasma quanto no LCR. Surpreendentemente, não houve diferenças entre os sobreviventes e os não sobreviventes, com respeito às concentrações de enolase e S100-β, tanto no plasma quanto no LCR.
DISCUSSÃO
O objetivo deste estudo foi avaliar o papel de produtos hemoderivados e os mecanismos protetores contra a hemoglobina e heme na fisiopatologia da lesão cerebral após AVC hemorrágico. Procuramos também determinar se as respostas dos níveis de ferro, heme, Hx e Hp estão relacionadas às respostas inflamatórias do paciente e às taxas de mortalidade aos 7 dias. Nossos principais achados foram: a defesa contra derivados da hemoglobina é deficiente, à medida que as concentrações de Hx e Hp no LCR são virtualmente desprezíveis em comparação aos níveis plasmáticos; ferro e heme parecem estar relacionados com uma resposta inflamatória que desencadeia a liberação de IP-10 e MIP-1b, e a sobrecarga sistêmica de ferro se correlaciona com prognósticos piores; e os perfis inflamatórios sistêmico e no LCR 72 horas após o evento se relacionam com mortalidade precoce, porém as respostas inflamatórias locais podem exercer um papel protetor após um AVC hemorrágico e HSA.
No presente estudo, descobrimos que as concentrações de Hx e Hp são quase desprezíveis no LCR, em comparação aos níveis plasmáticos, e que estes níveis não aumentam durante os 3 primeiros dias após o evento. Embora os níveis de Hp já tenham sido correlacionados com taxas mais baixas de mortalidade em pacientes sépticos,(20) esta proteção parece não estar presente no cérebro humano. Estes dados lançam dúvidas sobre o grau de degradação de Hb e heme que ocorre no cérebro humano, e concordam com Galea et al. que encontraram que a maior parte da Hb não se encontra ligada a Hp, o que sugere que o sistema CD163-Hb-Hp está saturado, e que a via primária de depuração da Hb do sistema nervoso central é pela livre passagem através da barreira hematoencefálica, segundo um gradiente de concentração.(21) Assim, concluímos que os mecanismos contra toxicidade da hemoglobina e heme estão ausentes no cérebro humano, tornando o sistema nervoso central mais vulnerável aos efeitos tóxicos dos produtos de degradação da hemoglobina.
Em nosso estudo, as concentrações de IP-10 e MCP-1 se correlacionaram fortemente com os níveis de ferro e heme, respectivamente. A associação temporal entre os níveis de ferro e heme, e a liberação de IP-10 e MCP-1 pode sugerir uma relação causal. No entanto, a liberação de IP-10 e MCP-1 pode também ser induzida por outro elemento (como a trombina), porém os níveis de ferro e heme servem apenas como marcadores da extensão do sangramento.
O ônus da resposta inflamatória sistêmica como fator que governa o mau prognóstico é bem conhecido nos pacientes com AVC hemorrágico. A síndrome da resposta inflamatória sistêmica é observada em até um terço dos pacientes com HSA e está relacionada com disfunção de órgãos além do cérebro e prognósticos piores para os pacientes.(22) Os componentes da resposta inflamatória, como febre e leucocitose, são marcadores de maior mortalidade,(23,24) e a frequência desta resposta é paralela à severidade do insulto cerebral, sendo mais comum e em grau maior nos casos de grau mais elevado de achados radiográficos e HSA. Tanto o aumento da pressão intracraniana(25) quanto a ativação do sistema nervoso simpático(26) podem ser fatores a contribuir para este forte relacionamento entre a severidade da HSA e o grau de síndrome da resposta inflamatória sistêmica. Em nosso estudo, o aumento das concentrações de IL-6 e IL-8 no plasma se relacionaram com mortalidade. No entanto, uma resposta anti-inflamatória local, como demonstram os níveis aumentados de IL-4 no LCR, serviu como fator protetor. O achado de que os níveis de IL-4 no LCR se relacionam com sobrevivência após AVC hemorrágico concorda com outros estudos que demonstraram que uma atividade anti-inflamatória teve um papel neuroprotetor após lesão cerebral.(27,28)
As limitações de nosso estudo incluem o tamanho pequeno da amostra e o perfil misto de pacientes com HIC e HSA. Embora a heterogeneidade das causas fundamentais da HIC em nossa coorte de pacientes sirva com fator limitante para este trabalho, ferro e heme ainda desempenham um papel fundamental na fisiopatologia de ambas as doenças.
CONCLUSÃO
Este estudo forneceu evidências preliminares de um papel para ferro e heme no desencadeamento da resposta inflamatória no sistema nervoso central e a subsequente falta de mecanismos de proteção contra subprodutos da hemoglobina no cérebro humano. Nosso estudo também reforçou o conceito de que a síndrome da resposta inflamatória sistêmica é um determinante importante do desfecho nos pacientes com acidente vascular cerebral hemorrágico. São necessários estudos mais amplos destes biomarcadores para definir seus papéis em termos de mecanismo e prognóstico após acidente vascular hemorrágico.
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Editor responsável: Felipe Dal Pizzol
AGRADECIMENTOS
A Renata Stiebler e Juliana Seixas Correa por sua colaboração na mensuração dos níveis de ferro e heme.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) pelo suporte financeiro a este projeto.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
15 Mar 2018 -
Data do Fascículo
Jan-Mar 2018
Histórico
-
Recebido
28 Fev 2017 -
Aceito
13 Nov 2017