RESUMO
A prática baseada em evidências se baseia na busca da melhor evidência científica disponível para fundamentar a solução de um problema e a tomada de decisão. Devido à complexidade e à quantidade de informações na área da saúde, há necessidade de integração dos artigos científicos de boa qualidade metodológica disponíveis partindo da revisão da literatura. Mesmo a aspiração endotraqueal sendo o procedimento invasivo mais realizado em recém-nascidos intubados em unidades de terapia intensiva neonatais, poucos são os estudos brasileiros de boa qualidade metodológica que fundamentam essa prática, não havendo consenso ou padronização da técnica nacionalmente. Em virtude do exposto, o objetivo do estudo foi revisar os estudos secundários sobre o assunto para estabelecer recomendações sobre a aspiração endotraqueal em recém-nascidos intubados, favorecendo a adoção do conceito de boas práticas na realização desse procedimento. Para tal, foi realizada uma revisão integrativa da literatura. A recomendação deste estudo é de que a aspiração endotraqueal em recém- nascidos seja realizada apenas quando houver sinais de secreção traqueal, não devendo ser realizada rotineiramente; que seja realizada por, no mínimo, duas pessoas; que o tempo de aspiração seja inferior a 15 segundos e a pressão de sucção inferior a 100mmHg negativos; que a hiperoxigenação não seja utilizada de maneira rotineira. Se indicada, é recomendada a oxigenação com fração inspirada de oxigênio 10 - 20% maior que a anterior, 30 - 60 segundos antes, durante e 1 minuto após o procedimento. Não deve ser realizada a instilação de solução salina rotineiramente e as normas para procedimentos invasivos devem ser respeitadas.
Descritores: Sucção/métodos; Respiração artificial; Recém-nascido
ABSTRACT
Evidence-based practices search for the best available scientific evidence to support problem solving and decision making. Because of the complexity and amount of information related to health care, the results of methodologically sound scientific papers must be integrated by performing literature reviews. Although endotracheal suctioning is the most frequently performed invasive procedure in intubated newborns in neonatal intensive care units, few Brazilian studies of good methodological quality have examined this practice, and a national consensus or standardization of this technique is lacking. Therefore, the purpose of this study was to review secondary studies on the subject to establish recommendations for endotracheal suctioning in intubated newborns and promote the adoption of best-practice concepts when conducting this procedure. An integrative literature review was performed, and the recommendations of this study are to only perform endotracheal suctioning in newborns when there are signs of tracheal secretions and to avoid routinely performing the procedure. In addition, endotracheal suctioning should be conducted by at least two people, the suctioning time should be less than 15 seconds, the negative suction pressure should be below 100 mmHg, and hyperoxygenation should not be used on a routine basis. If indicated, oxygenation is recommended with an inspired oxygen fraction value that is 10 to 20% greater than the value of the previous fraction, and it should be performed 30 to 60 seconds before, during and 1 minute after the procedure. Saline instillation should not be performed routinely, and the standards for invasive procedures must be respected.
Keywords: Suction/methods; Respiration; artificial; Infant, newborn
INTRODUÇÃO
A prática baseada em evidências é uma abordagem que encoraja a utilização de resultados de pesquisas na prática clínica, partindo da busca da melhor evidência científica disponível para fundamentar a solução de um problema e a tomada de decisão. Devido à quantidade e à complexidade de informações na área da saúde, há necessidade de integração das evidências disponíveis, por meio da revisão da literatura. A revisão integrativa da literatura é um dos métodos de pesquisa utilizados na prática baseada em evidências, pois permite a incorporação das evidências na prática clínica. Esse método tem a finalidade de reunir e sintetizar resultados de pesquisas sobre um delimitado tema ou questão, de maneira sistemática e ordenada, contribuindo para o aprofundamento do conhecimento do tema investigado. Apesar da aspiração endotraqueal em recém-nascidos intubados submetidos à ventilação mecânica (VM) ser o procedimento invasivo mais realizado em unidades de terapia intensiva (UTI) neonatais,(1-13) no Brasil essa conduta não está fundamentada na melhor evidência científica disponível.
Recém-nascidos em UTI neonatais rotineiramente necessitam de VM, seja de maneira não invasiva, por meio de uma interface para a conexão do indivíduo ao respirador, seja de maneira invasiva, como, aliás, é mais comumente utilizada nas UTI neonatais, sendo necessária a inserção de um tubo endotraqueal (TET) para tal conexão.(1-6) A presença do TET leva ao aumento da produção de muco em consequência da leve irritação gerada na mucosa da via aérea, além de prejudicar a capacidade de mobilizar e expectorar secreções pela supressão do adequado mecanismo mucociliar e prejuízo do reflexo de tosse, sendo necessária a aspiração endotraqueal frequente para prevenir o acúmulo de secreções e a obstrução da via aérea.(4) Em recém-nascidos, os TET têm diâmetros internos muito reduzidos, o que dificulta o procedimento e aumenta o risco de complicações.(2-4) A aspiração de TET com diâmetros internos ≤ 4mm pode causar imediata redução da complacência dinâmica pulmonar e redução do volume corrente (VC) expirado, independentemente da patologia do pulmão.(4) Por outro lado, aspiração ineficiente pode resultar em obstrução do TET e necessidade de reintubação, atelectasias, redução da ventilação e da oxigenação.(2)
A aspiração endotraqueal é uma técnica mecânica manual utilizada para a remoção de secreções em indivíduos que não conseguem remover adequadamente as secreções pulmonares, traqueobrônquicas e/ou orofaríngeas, rotineiramente utilizada em indivíduos que necessitam de via aérea artificial e VM.(1-6) Consiste na introdução de uma sonda estéril e flexível, através da via aérea, e da aplicação de pressão subatmosférica no momento de sua retirada, com o intuito de sugar as secreções.(1-19) Apesar da relevância clínica, poucos são os estudos brasileiros de boa qualidade metodológica sobre o assunto, não havendo consenso nacional e nem padronização clínica a respeito de vários pontos dessa técnica. Em alguns serviços brasileiros, a realização da aspiração endotraqueal em recém-nascidos segue critérios baseados na rotina institucional, ou mesmo na prática individual do profissional, o que aumenta a chance de complicações.
Em virtude do exposto, o objetivo deste estudo foi analisar estudos secundários sobre o assunto para estabelecer recomendações sobre a aspiração endotraqueal em recém-nascidos intubados, favorecendo a adoção do conceito de boas práticas na realização do procedimento, incorporando evidências científicas à prática clínica.
MÉTODOS
Revisão integrativa de estudos secundários (diretrizes, guidelines e revisões sistemáticas, com ou sem metanálise), publicados entre os anos de 2000-2013, em língua inglesa. A intervenção realizada visou englobar a técnica de aspiração endotraqueal em sistema aberto, em recém-nascidos humanos, submetidos à VM invasiva. Foram pesquisadas as bases de dados Cochrane, PEDro e PubMed, utilizando os descritores “infant” e “newborn”, e seus termos correlatos identificados no banco de dados Medical Subject Headings (MESH)“infants”, “newborn”, “newborn infant”, “newborn infants”, “newborns”, “newborn”, “neonate” combinados com a intervenção “suction” e os correlatos específicos identificados no MESH “suctions”, “aspiration”, “mechanical”, “aspirations”, “mechanical aspiration”, “mechanical aspirations”, “drainage”, “drainages”, “suction drainage”, “suction drainages”. Para a pesquisa na Cochrane e no PubMed, os termos foram combinados entre si utilizando os operadores booleanos “AND” e “OR”. A base de dados PEDro não admitia o uso dos dois operadores booleanos ao mesmo tempo, de maneira que as pesquisas nessa base foram feitas pela combinação individual dos termos e seus correlatos.
A escolha dos artigos foi baseada na questão: paciente-infant, newborn, intervenção-suction em recém-nascidos em VM invasiva, abordando as seguintes questões clínicas: frequência, duração, diâmetro da sonda, hiperoxigenação, pressão negativa de sucção, instilação de solução salina, número de repetições, momento de aspirar, contraindicação absoluta e normas de biossegurança. Quando os artigos explicitaram o nível de evidência de cada aspecto analisado, os mesmos foram mantidos de acordo com o nível de evidência e grau de recomendação propostos pela Comissão de Cardiologia Baseada em evidências da Sociedade Brasileira de Cardiologia e Associação Médica Brasileira.
RESULTADOS
A busca resultou em 93 publicações (57 Cochrane, 19 PEDro e 17 PubMed), que foram analisadas segundo os critérios desejados. Destes, foram excluídos 89 artigos por não abordarem a aspiração endotraqueal em recém-nascidos, por não serem revisões sistemáticas, com ou sem metanálise ou guidelines. Dos estudos incluídos, um estava disponível nas bases de dados PEDro e Pubmed (duplicado). Dessa maneira, restaram quatro artigos (quatro diretrizes), que foram incluídos e analisados como base desta revisão integrativa, conforme demonstrado no quadro 1. Os resultados propostos por este estudo, bem como o nível de evidência, estão demonstrados na tabela 1Estudos relevantes que não estiveram de acordo com os critérios de busca estabelecidos, como estudos em língua portuguesa, mas que eram relevantes para a discussão do tema, apesar de não serem utilizados para as recomendações deste estudo, foram analisados e fundamentaram a discussão.
DISCUSSÃO
A aspiração endotraqueal em recém-nascidos intubados submetidos à VM é uma conduta executada rotineiramente por fisioterapeutas, médicos, enfermeiros e, no Brasil, também por técnicos de enfermagem, sendo um dos componentes do procedimento de ressuscitação e da terapia de higiene brônquica.(1-20) Seu objetivo é manter a via aérea pérvia, e favorecer a ventilação e a oxigenação.(1-6) Como toda técnica, tem indicação específica e efeitos adversos. A padronização adequada, com indicação clara e definição do procedimento, minimiza as complicações.
A aspiração endotraqueal é parte importante do cuidado aos recém-nascidos admitidos em UTI neonatais, uma vez que a maioria deles necessita de VM invasiva e repetidas e frequentes aspirações para a remoção das secreções traqueais.(2,4,8,9,12,20-29) Segundo a American Association of Respiratory Care (AARC), a aspiração adequada em indivíduos intubados melhora as trocas gasosas e os sons respiratórios; diminui a resistência das vias aéreas e o pico de pressão inspiratória do respirador; melhora a complacência dinâmica; aumenta o VC liberado, quando em modo ventilatório limitado a pressão; melhora os valores da gasometria arterial e da saturação periférica de oxigênio (SpO2).(6,10) Porém muitas instituições, buscando a manutenção da via aérea pérvia em indivíduos intubados, adotam protocolos que incluem a aspiração endotraqueal de rotina, sem a prévia avaliação da necessidade do procedimento. Tais protocolos estão fundamentados no ritual da assistência mais do que em evidências da necessidade clínica de aspiração.
Todos os estudos incluídos nesta revisão descreveram a técnica como mandatória, ou seja, devendo ser realizada sempre que necessário, uma vez que o acúmulo de secreções traqueobrônquicas pode prejudicar a ventilação e a oxigenação, levar à oclusão do TET, causar atelectasias e aumento do trabalho respiratório, e predispor à infecção pulmonar.(2,3,6,8-10,15-28) No entanto, um dos pontos mais polêmicos sobre a aspiração endotraqueal em recém-nascidos trata exatamente do momento e da frequência que a técnica deva ser realizada em indivíduos intubados.
Os resultados dessa revisão revelaram que há forte evidência de que aspiração endotraqueal em recém-nascidos deve ser realizada somente quando houver indicação, ou seja, quando houver sinais de secreção, e não rotineiramente.(2,6,9,10) O procedimento de aspiração endotraqueal, por si só, não é considerado benigno, além do fato de que secreções periféricas não são removidas com esse único procedimento.(8) Dessa maneira, a avaliação individualizada para a tomada de decisão do momento que se deve aspirar torna-se extremamente relevante. Foram considerados critérios clínicos para a aspiração em recém-nascidos intubados: secreções visíveis no TET, secreções audíveis, sons respiratórios grosseiros ou diminuídos, diminuição da excursão respiratória, alteração dos gases sanguíneos, alteração da frequência respiratória, bradicardia/taquicardia e/ou agitação sem outra causa, aumento da pressão de pico do respirador e redução do VC, sendo a necessidade da aspiração endotraqueal em recém-nascidos preferencialmente avaliada por meio da ausculta pulmonar.(1,5,8,9) A recomendação do presente estudo é, portanto, para que a decisão para a aspiração endotraqueal em recém-nascidos seja baseada na avaliação e na identificação individual dos critérios clínicos que indicam a necessidade de aspiração, e não estabelecida como parte da rotina do cuidado do recém-nascido intubado.
Provavelmente, pela natureza mandatória do procedimento, não foram encontradas contraindicações absolutas para aspiração endotraqueal em recém-nascidos. A maioria dos artigos nem abordou esse ponto, sendo que apenas um estudo citou não haver nenhuma contraindicação absoluta para a aspiração endotraqueal em recém-nascidos.(7) Na prática clínica, evita-se a aspiração endotraqueal em recém-nascidos 15 a 30 minutos após a administração de surfactante.(28) Além disso, em casos especiais, como, por exemplo, na hipertensão intracraniana não controlada, medidas adicionais para o controle da pressão intracraniana (PIC) devem ser adotadas antes da realização da aspiração endotraqueal em recém-nascidos.
A importância da decisão do momento exato para a aspiração endotraqueal se baseia no fato de que este procedimento não está isento de complicações e efeitos adversos. Vários efeitos adversos, como hipoxemia, bradicardia, hipotensão arterial sistêmica e queda da SpO2, foram descritos para a aspiração endotraqueal em recém-nascidos.(19-23) Esses efeitos foram relacionados à aspiração do ar presente nas vias aéreas e à estimulação vagal, decorrente da introdução da sonda e da pressão negativa gerada na via aérea.(4) As complicações mais frequentemente descritas relacionaram-se ao trauma, sangramento e lesão da mucosa, atelectasia por aspiração excessiva do ar presente nas vias aéreas, picos hipertensivos decorrentes da descarga reflexa do sistema nervoso simpático e broncoespasmo.(7) As complicações mais graves foram hipoxemia, aumento da pressão arterial, aumento da PIC e pneumotórax.(8) Porém evidências revelaram que os efeitos adversos podem ser minimizados ou eliminados pela realização adequada da técnica.(2)
A hipoxemia foi a complicação mais frequentemente relacionada à aspiração endotraqueal em recém-nascidos, tornando a questão da hiperoxigenação uma relevante questão clínica. Considerou-se como hiperoxigenação a fração inspirada de oxigênio (FiO2) administrada em um porcentual superior a FiO2 anterior à aspiração, podendo chegar a 100%.(2) Embora a hiperoxigenação seja largamente utilizada na prática clínica para evitar a hipoxemia, metade dos autores analisados para essa revisão sugeriram que a hiperoxigenação não seja realizada de maneira rotineira, mas apenas quando o recém-nascido apresentar uma redução clinicamente importante da SpO2 durante a aspiração.(6,9) Essa recomendação se baseou no fato de que o excesso de oxigênio, mesmo quando aplicado por curtos períodos de tempo, pode causar efeitos adversos em recém-nascidos, como: hipercapnia, atelectasia por absorção, retinopatia da prematuridade, alterações alveolares e traqueobrônquicas, lesão do parênquima pulmonar e, principalmente, estresse oxidativo, levando à resposta inflamatória, especialmente em recém-nascidos prematuros, nos quais os mecanismos antioxidantes ainda não estão totalmente funcionantes.(9,17) Embora não tenha havido consenso relativo à hiperoxigenação em recém-nascidos, a maioria dos estudos a favor desse procedimento concordou que a FiO2 deve ficar entre 10 - 20% acima da FiO2 prévia à aspiração endotraqueal.(15,16) É provável que, para a prevenção da hipoxemia em recém-nascidos, o aumento de 20% de FIO2 acima da anterior à aspiração seja tão eficaz quanto a hiperoxigenação com FiO2 a 100%.(14-16) Alguns estudos sugeriram ainda que, para a maioria dos recém-nascidos, é necessário apenas aumento de 10% da FiO2 acima do valor prévio à aspiração.(20-22)
Relativo ao período em que a FiO2 deve ser aumentada, antes ou após a aspiração endotraqueal, não houve consenso e nem todos os estudos mencionaram essa variável. Em um dos estudos, a recomendação foi de aumentar a FiO2 30 - 60 segundos antes da aspiração e 1 minuto após.(6) Portanto, a sugestão da presente revisão é de que se a SpO2 do recém-nascido apresentar queda durante a aspiração endotraqueal, na próxima sucção deve ser realizada a hiperoxigenação com FiO2 10 - 20% acima da anterior à aspiração, 30 - 60 segundos antes do procedimento, mantendo-se essa fração durante e 1 minuto após a aspiração. É imprescindível que a SpO2 seja monitorizada em todos os recém-nascidos que necessitem de aspiração endotraqueal. Dessa maneira, os parâmetros individualizados de hiperoxigenação podem ser adotados com base nas alterações clínicas durante o procedimento.(8,20-22)
Outra complicação potencial da hiperóxia em recém-nascidos é o fenômeno flip-flop, que se refere a uma queda maior do que a esperada da pressão parcial de oxigênio no sangue arterial (PaO2) quando a FiO2 é reduzida aos níveis prévios à aspiração endotraqueal. Provavelmente, isso ocorra devido ao fenômeno de vasoconstrição pulmonar reflexa. Os capilares pulmonares são sensíveis às variações na PaO2 e alteram as relações regionais, aumentando o shunt direita-esquerda, o que causa queda desproporcional da PaO2 com a redução na FiO2.(19,24) Por isso, segundo o guia de Atenção à Saúde do Recém-Nascido do Ministério da Saúde, se a FiO2 estiver acima de 60%, a redução da FiO2 deve ser de 10% a cada 15 a 30 minutos, para evitar o efeito flip-flop.(24)
A duração do procedimento se correlacionou com a gravidade dos efeitos adversos, de maneira que, quanto maior o tempo de aspiração, maior o risco de danos à mucosa traqueal e hipoxemia.(8,13-17) Dentre os estudos analisados, houve consenso de que a duração de cada sucção não deve exceder 15 segundos.(2,6,9,10) No entanto, quanto ao número de repetições da aspiração endotraqueal em recém-nascidos, não houve consenso entre os artigos analisados. Segundo o Evidence-based guideline for suctioning the intubated neonate and infant, o tamanho da sonda e a quantidade de pressão negativa influenciam no número de repetições necessárias.(2) Além disso, quanto mais repetições de inserções da sonda durante a aspiração endotraqueal, maior a chance de complicações, como trauma da mucosa, hipoxemia, espasmo laríngeo, broncoespasmo, traqueíte necrotizante, infecção e desconforto, aumentando a chance de barotrauma.(2,9)Dessa forma, é sugerido que a frequência de inserções da sonda não ultrapasse três repetições e que, entre as sucções, seja dado tempo para que as variáveis monitorizadas voltem aos níveis de base, reconectando o recém-nascido ao ventilador.(2,8,9,10) Foi consenso entre os estudos que não é recomendada a hiperinsuflação em recém-nascidos, que é a ventilação do recém-nascido com um VC superior ao estabelecido na VM, não implicando, assim, em alteração da FiO2, devendo o mesmo ser reconectado ao respirador.(8) Com base nisso, a recomendação do presente estudo é de que o procedimento seja realizado até a melhora da ausculta pulmonar ou dos parâmetros clínicos que levaram à aspiração, realizando a técnica mais eficaz possível, de maneira que menos repetições sejam necessárias, recomendando, no máximo, três repetições para a aspiração endotraqueal em recém-nascidos.
De acordo com a AARC e o Evidence-based guideline for suctioning the intubated neonate and infant, o procedimento torna-se mais seguro quando algumas variáveis são monitorizados antes, durante e após o procedimento. São elas: os sons respiratórios, a SpO2, a coloração da pele, a frequência respiratória, o padrão respiratório, variáveis hemodinâmicas (caso estejam monitorizadas) como a frequência cardíaca, a pressão arterial, o ritmo cardíaco e a PIC, características da secreção aspirada como cor, volume, consistência e odor, características da tosse, parâmetros ventilatórios como a pressão inspiratória de pico e a pressão de platô, o VC, o fluxo, o volume exalado e a FiO2.(2,10)Um estudo mencionou que, para reduzir as alterações no fluxo sanguíneo cerebral, a cabeça do recém-nascido deve ser posicionada alinhada na linha média.(9) Assim, a recomendação do presente estudo é para que essas variáveis clínicas sejam monitorizadas antes, durante a após o procedimento.
Foi consenso em metade dos estudos analisados que o diâmetro da sonda de aspiração não deva ultrapassar 50% do diâmetro do TET. A recomendação é para que seja utilizada a menor sonda de aspiração possível capaz de remover adequadamente as secreções. Tal recomendação é baseada no fato de que, provavelmente, o tamanho da sonda de aspiração tem mais influência na perda de volume pulmonar do que a pressão negativa de sucção.(6,8,10) Quanto maior o tamanho da sonda de aspiração e mais negativa a pressão de sucção, maior o fluxo de gás aspirado e mais negativa a pressão traqueal durante a aspiração do TET. Ou seja, para um dado diâmetro de TET, o nível de pressão de sucção transmitida à via aérea é determinado pela combinação do tamanho da sonda de aspiração e da pressão de sucção.(6,8,10)
A pressão negativa de sucção pode lesar a mucosa traqueobrônquica por sua invaginação pelo orifício da sonda, causando ruptura de capilares.(13) Por isso, a recomendação dos estudos é de que a pressão de sucção seja checada pela oclusão da parte final da sonda de aspiração, antes de iniciar o procedimento, além da garantia de que a pressão de sucção seja a menor possível capaz de remover as secreções, uma vez que a pressão negativa traqueal durante a aspiração é diretamente proporcional à pressão aplicada.(4) Pressões negativas de 200mmHg, tanto com aspiração contínua quanto com aspiração intermitente, são capazes de gerar dano à mucosa.(4,9,13) Todos os artigos analisados neste estudo sugeriram que a pressão negativa de sucção em recém-nascidos não deve exceder os 100mmHg negativos.(2,6,9,10) Um dos estudos sugeriu pressões subatmosféricas inferiores a 80mmHg. Portanto, a recomendação desta revisão é para que a pressão de sucção fique entre - 50 a -100mmHg (8 - 10Kpa), não devendo exceder os 100mmHg negativos.
A instilação de solução salina durante a aspiração endotraqueal é um tema controverso em pediatria e, especialmente, em neonatologia. Essa prática, largamente utilizada nas UTI brasileiras, corresponde à instilação de alíquotas de solução salina (geralmente entre 1 a 5mL) dentro do TET, antes ou durante a inserção da sonda de aspiração. Tal fato se baseia na premissa de que o uso da solução salina facilitaria a mobilização, a liberação e a remoção das secreções, lubrificando a sonda de aspiração de maneira a reduzir o atrito com o TET, e provocando o reflexo de tosse.(6) Porém, a instilação de solução salina aumenta a chance de arritmias cardíacas, hipoxemia, atelectasia, broncoespasmo, infecção, trauma das mucosas e cílios das vias respiratórias, além de aumento da PIC.(2) No estudo de Ridling et al., a instilação de solução salina teve efeito adverso de queda da SpO2 no primeiro e segundo minutos após a aspiração, mas ausente 10 minutos após o procedimento.(27)Segundo Walsh et al., a inserção da sonda de aspiração pode desalojar milhares de bactérias, e um jato de solução salina poderia aumentar o risco de distribuí-las para os pulmões, sendo possível aumentar a incidência de pneumonia associada à VM.(15) Foi consenso, na maioria dos artigos analisados, que a instilação de solução salina não deve ser realizada rotineiramente.(6,8,10) Portanto, a recomendação do presente estudo é para que a instilação de solução salina não seja realizada rotineiramente, salvo em situações especiais, como no caso de secreções espessas e “rolhas de secreção”, impossíveis de serem retiradas sem essa conduta.
Foi consenso em metade dos estudos analisados que as diretrizes do Center for Disease Control and Prevention (CDC) para as precauções padrão em procedimentos invasivos devem ser respeitadas, com o objetivo de reduzir a pneumonia associada ao procedimento.(6,10) Outros estudos analisados não abordaram esse assunto. Além disso, alguns estudos discutem que a aspiração endotraqueal é um procedimento que deve ser realizado por duas pessoas, aumentando, assim, a segurança do procedimento.(6,8,10) No site da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), não foram encontradas referências quanto às normas de biossegurança para a aspiração endotraqueal e nem para procedimentos invasivos. Portanto, com relação às normas de biossegurança para a realização da aspiração endotraqueal em recém-nascidos intubados, a recomendação desta revisão é para que sejam respeitadas as diretrizes do CDC que preconizam a proteção dos olhos, nariz e boca do profissional com a utilização de máscara facial e óculos de proteção, o uso de avental, luvas estéreis, e higienização das mãos antes e depois da realização do procedimento.(29) Pode-se acrescentar um protetor de olhos aos recém-nascidos, para evitar a contaminação de sua mucosa. Além disso, recomenda-se que o procedimento seja realizado por, no mínimo, duas pessoas.(8,9)
A implementação de diretrizes baseadas em evidências científicas pode reduzir o risco associado à aspiração endotraqueal em recém-nascidos. Esses riscos incluem alterações fisiológicas, pneumonia, dano traqueal, alterações relacionadas à hiperoxigenação e hipóxia, estresse e desconforto. Apesar de existirem diretrizes internacionais, não existem recomendações brasileiras, e os procedimentos adotados nas UTI neonatais brasileiras podem ser diferentes das estrangeiras, em virtude de várias diferenças de equipamentos, sociodemográficas, do cuidado dispensado, entre outros. Dessa maneira, recomendações e diretrizes para este procedimento no Brasil podem contribuir para a melhora do desfecho de recém-nascidos nas UTI neonatais brasileiras.
Estudos brasileiros de boa qualidade metodológica sobre a aspiração endotraqueal são escassos, especialmente em neonatologia, de maneira que a generalização dos dados é difícil. As principais limitações do estudo foram o pequeno número de artigos incluídos, a pobre descrição metodológica, além da ausência de estudos secundários nacionais que abordassem esse tema. Mais estudos são necessários para aumentar a segurança do procedimento, fundamentando a técnica em evidências científicas mais consistentes.
RECOMENDAÇÕES
Com base nos estudos analisados, a recomendação desta revisão integrativa é para que a aspiração endotraqueal em recém-nascidos intubados seja realizada quando houver sinais clínicos de secreção traqueal, principalmente avaliados por meio da presença de roncos ou da diminuição dos sons respiratórios à ausculta pulmonar, não devendo, portanto, ser realizada rotineiramente, para a prevenção da obstrução das vias aéreas. O tempo de aspiração não deve exceder 15 segundos, e a pressão de sucção não deve ultrapassar 100mmHg negativos. A hiperoxigenação não deve ser utilizada de maneira rotineira, devendo ser apenas indicada quando o recém-nascido apresentar uma redução clinicamente importante da saturação periférica de oxigênio durante a aspiração. Quando necessária para a redução da hipoxemia, é recomendada a pré-oxigenação 30 - 60 segundos antes, durante e 1 minuto após a aspiração endotraqueal, com fração inspirada de oxigênio 10 - 20% maior que a anterior ao procedimento. Não deve ser realizada a instilação de solução salina rotineiramente. As normas do Center for Disease Control and Prevention para procedimentos invasivos devem ser respeitadas durante o procedimento, que deve ser realizado por, no mínimo, dois profissionais, com, no máximo, três inserções da sonda e retorno ao ventilador mecânico entre as aspirações.
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Editor responsável: Ruth Guinsburg
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Set 2015
Histórico
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Recebido
08 Dez 2014 -
Aceito
30 Ago 2015