Open-access Avaliação da veia cava inferior na decisão de fluidoterapia em cuidados intensivos: implicações práticas

RESUMO

A ressuscitação hídrica do paciente em falência circulatória aguda tem como um de seus objetivos aumentar o volume sistólico e, consequentemente, o débito cardíaco, para melhor oxigenação dos tecidos. Contudo, isso não se verifica em cerca de metade dos pacientes, que são considerados não respondedores a fluidos. A avaliação da resposta a fluidos antes de sua administração pode selecionar os pacientes que devem ter benefício e evitar o risco de sobrecarga nos restantes. Os parâmetros dinâmicos de avaliação da resposta a fluidos têm se revelado promissores enquanto fatores preditores. Entre estes, a medição ecocardiográfica da variação respiratória do diâmetro da veia cava inferior é um método de fácil aplicação, que tem sido difundido na avaliação hemodinâmica em unidades de cuidados intensivos. No entanto, a aplicabilidade desta técnica tem muitas limitações, e os estudos, até à presente data, são heterogêneos e pouco consistentes em alguns grupos de pacientes. Realizamos uma revisão sobre a utilização da variação respiratória do diâmetro da veia cava inferior, medida por ecocardiografia transtorácica, na decisão de administrar fluidos ao paciente em falência circulatória aguda, em cuidados intensivos, incluindo potencialidades e limitações da técnica, de sua interpretação e a evidência existente.

Descritores: Veia cava inferior; Ecocardiografia; Hidratação; Cuidados críticos

ABSTRACT

The fluid resuscitation of patients with acute circulatory failure aims to increase systolic volume and consequently improve cardiac output for better tissue oxygenation. However, this effect does not always occur because approximately half of patients do not respond to fluids. The evaluation of fluid responsiveness before their administration may help to identify patients who would benefit from fluid resuscitation and avoid the risk of fluid overload in the others. The dynamic parameters of fluid responsiveness evaluation are promising predictive factors. Of these, the echocardiographic measurement of the respiratory variation in the inferior vena cava diameter is easy to apply and has been used in the hemodynamic evaluation of intensive care unit patients. However, the applicability of this technique has many limitations, and the present studies are heterogeneous and inconsistent across specific groups of patients. We review the use of the inferior vena cava diameter respiratory variation, measured via transthoracic echocardiography, to decide whether to administer fluids to patients with acute circulatory failure in the intensive care unit. We explore the benefits and limitations of this technique, its current use, and the existing evidence.

Keywords: Inferior vena cava; Echocardiography; Fluid therapy; Intensive care

INTRODUÇÃO

O paciente crítico em falência circulatória aguda, que apresenta sinais de hipoperfusão de órgão e hipoxia tecidular, é típico de uma unidade de cuidados intensivos (UCI). A ressuscitação hídrica inicial do paciente em choque está associada à redução da mortalidade, bem estabelecida no choque séptico.(1) Contudo, após a fase inicial de ressuscitação hídrica, a administração de fluidos não é necessariamente benéfica.(2) Pode, inclusive, ser deletéria, conduzindo ao aumento das pressões de enchimento do ventrículo esquerdo, com edema pulmonar e tecidular, o que está associado ao aumento da mortalidade e do tempo de ventilação mecânica invasiva (VMI).(3)

O objetivo da fluidoterapia é o aumento do volume sistólico (VS) e a consequente melhoria do débito cardíaco (DC) e do transporte de oxigênio aos tecidos. No entanto, a resposta a fluidos no paciente em choque não é linear, uma vez que depende da capacidade contráctil do miocárdio (Figura 1). Não havendo medida direta da capacidade contráctil e não sendo possível prever qual a configuração da curva de Frank-Starling de cada paciente, é difícil prever sua resposta a volume. Estudos prévios mostram que, em cerca de 50% dos pacientes, sua administração não resulta em um aumento do DC.(4-7)

Figura 1
Curva de Frank-Starling e relação com a variação da veia cava inferior em pacientes em ventilação mecânica invasiva.

Relação entre a pré-carga e o volume sistólico - curva de Frank-Starling. Na figura, está representado o aumento esperado do volume sistólico com a administração de fluidos, o que depende da função cardíaca e da pré-carga inicial. Para uma mesma quantidade de fluidos administrados e para uma pré-carga inicial semelhante, a variação do volume sistólico resultante deve ser diferente, dependendo da função cardíaca: (A) Curva de Frank-Starling em paciente com função cardíaca normal. Em um paciente com função cardíaca normal, o resultado da administração de fluidos depende apenas da pré-carga inicial: se for baixa (fase ascendente da curva), verifica-se aumento significativo do volume sistólico (≥ 10 - 15%, paciente respondedor), o que corresponde a uma variação significativa do diâmetro da veia cava inferior com aplicação de pressão positiva no tórax durante a inspiração, no paciente ventilado; se for elevada (fase plana da curva), não há aumento significativo do volume sistólico (< 10 - 15%, não respondedor) levando à sobrecarga pulmonar, o que corresponde a uma veia cava inferior pouco distensível. (B) Curva de Frank-Starling em paciente com função cardíaca diminuída. Neste caso, a administração de fluidos, mesmo com pré-carga inicial baixa, pode resultar em sobrecarga pulmonar sem aumento significativo do volume sistólico. VS - volume sistólico.


A avaliação da resposta a fluidos pretende, assim, estimar o potencial de aumento significativo do DC em resposta à expansão de volume, evitando a administração inapropriada. Um paciente é considerado respondedor quando há aumento do DC superior a 10 ou 15%,(4,8,9) o que significa que está na fase ascendente da curva de Frank-Starling. Nesse paciente, prevê-se que a administração de fluidos corresponde ao aumento do VS, do DC e, consequentemente, do transporte de oxigênio aos tecidos.

Têm sido avaliados vários parâmetros como possíveis fatores preditores da resposta a fluidos: estáticos e dinâmicos. Na prática clínica, não há referência padrão ou padrão-ouro definido para avaliar a resposta a fluidos, mas parece haver um consenso crescente a favor dos parâmetros dinâmicos,(2) uma vez que os estáticos não têm mostrado valor preditor.(10,11)

Os parâmetros dinâmicos baseiam-se em duas formas de variar o DC, sem administrar fluidos, com o intuito de predizer a resposta clínica.(4) Uma das formas é pela manobra de elevação dos membros inferiores, aumentando o retorno venoso e, assim, a pré-carga, sendo avaliada diretamente a variação do DC. A outra forma baseia-se na utilização da interação pulmão-coração. As variações da pressão transpulmonar com a respiração induzem variação do DC, que é avaliada por um dos seguintes parâmetros: variação do VS; variação da pressão de pulso; variação do diâmetro da veia cava superior (VCS); ou variação do diâmetro da veia cava inferior (VCI).

Este artigo pretende rever a utilização da variação respiratória da VCI na avaliação da resposta a fluidos e sua aplicabilidade em pacientes adultos com falência circulatória aguda em UCI. Abordamos o princípio fisiológico, a técnica, a utilidade clínica, as dificuldades práticas de seu uso e interpretação, e a evidência subjacente.

MÉTODOS

Foi realizada pesquisa na base de dados PubMed, utilizando os termos: "fluid responsiveness", "inferior vena cava", "echocardiography", "hemodynamic assessment" e "intensive care". Foram também pesquisadas as referências dos artigos incluídos, quando consideradas como relevantes pelos autores. A estratégia de seleção restringiu-se a artigos com foco na utilização da avaliação da VCI em UCI e em pacientes adultos, publicados antes de 1º de janeiro de 2018. Não foram utilizados filtros de restrição quanto a idiomas.

DISCUSSÃO

Avaliação ecocardiográfica da veia cava inferior em unidades de cuidados intensivos: princípio fisiológico, técnica e indicações clínicas

A avaliação da VCI por ecocardiografia transtorácica é um elemento convencional do estudo ecocardiográfico do paciente crítico. O princípio fisiológico que está na base da sua utilização é a interação pulmão-coração. A variação da pressão transpulmonar durante a respiração transmite-se às cavidades direitas do coração, fazendo variar o retorno venoso e, assim, o diâmetro da VCI. Esta relação depende do modo ventilatório do paciente e da complacência da VCI.(12-14)

No paciente não ventilado ou sob VMI com esforço respiratório, no início da inspiração há pressão transpulmonar negativa que induz um grau de colapsibilidade variável da VCI, em função de sua complacência. Por exemplo, nos pacientes com pressões elevadas nas cavidades direitas do coração ou pré-carga elevada (na fase plana da curva de Frank-Starling), a VCI tem complacência reduzida e colapsa de forma limitada face à pressão transpulmonar negativa que lhe é transmitida, podendo, inclusive, não colapsar. Já no paciente com pressões baixas nas cavidades direitas do coração e em hipovolemia (fase ascendente da curva de Frank-Starling), a complacência da VCI é elevada, colapsando significativamente durante a inspiração.

Pelo contrário, no paciente em VMI e sem esforço respiratório (em modo controlado), é aplicada pressão positiva ao tórax durante a inspiração. Esta é transmitida às cavidades direitas do coração e à VCI, que distende em função da sua complacência. Nos pacientes sem reserva cardíaca (por má função cardíaca) e/ou com pré-carga já elevada, ou seja, na fase plana da curva de Frank-Starling, a VCI tem complacência reduzida e distende de forma limitada, podendo não haver mesmo variação de seu diâmetro. Contrariamente, nos pacientes com reserva cardíaca e potencial benefício com a administração de fluidos, a VCI distende significativamente durante a inspiração.

A nível técnico, o diâmetro da VCI deve ser medido com o paciente em posição supina, em janela subcostal e utilizando o longo eixo. A medição deve ser realizada em modo bidimensional, distal à veia hepática (Figura 2), ou seja, a cerca de 1 - 3cm da entrada da VCI na aurícula direita.(15-17) O diâmetro da VCI também pode ser medido em modo M, embora seja necessário um perfeito alinhamento da sonda, perpendicular ao longo eixo da VCI. Isto implica na utilização simultânea do modo M e bidimensional, com visualização constante das paredes da VCI em modo bidimensional.

Figura 2
Técnica de medição do diâmetro da veia cava inferior.

A veia cava inferior deve ser medida em modo bidimensional, em janela subcostal, utilizando o longo eixo distal à veia hepática (seta), a cerca de 1 - 3cm da entrada da veia cava inferior na aurícula direita (A). Deve ser evitada a medição perto da entrada da aurícula direita ou do diafragma. Seu diâmetro também pode ser medido em modo M, utilizado simultaneamente com o modo bidimensional para garantir perfeito alinhamento da sonda, perpendicular ao longo eixo da veia cava inferior. Em pacientes em ventilação mecânica invasiva, mede-se o diâmetro da veia cava inferior no final da inspiração (diâmetro máximo) e no final da expiração (diâmetro mínimo) para calcular o índice de distensibilidade. É importante manter a sonda em uma posição fixa durante o ciclo respiratório. Imagem obtida com ecocardiógrafo GE Vivid T8. VCI - veia cava inferior.


As recomendações internacionais(17,18) sugerem a avaliação da VCI para estimar a pressão na aurícula direita em pacientes não ventilados, em função da sua colapsibilidade durante a inspiração. Diâmetro da VCI < 21mm, com colapsibilidade > 50% com a inspiração, sugere pressão na aurícula direita normal (entre zero e 5mmHg), enquanto um diâmetro > 21mm, com colapsibilidade < 50%, sugere pressão elevada (entre 10 - 20mmHg). Nos casos intermediários, considera-se pressão entre 5 - 10mmHg, devendo utilizar-se outros parâmetros para melhor caracterizar a pressão na aurícula direita em normal ou elevada, como o tamanho da aurícula direita, o fluxo hepático, a regurgitação tricúspide e a função do ventrículo direito.(17,18)

A avaliação da VCI pode também ser utilizada para verificar a resposta a fluidos.(18,19) Um diâmetro da VCI, no final da expiração, inferior a 10 mm é frequente em estados de volemia baixa, podendo indicar maior probabilidade de resposta, enquanto um diâmetro superior a 25mm é frequente em estados de volemia elevada e baixa probabilidade de resposta a fluidos.(20-23) Contudo, estes valores estáticos podem não corresponder à maioria dos pacientes, e seu uso não está indicado para prever resposta a fluidos, uma vez que não mostraram ter valor preditor fiável.(9,24) Já o método dinâmico, com base na variação do diâmetro da VCI com a respiração, permite avaliar o potencial benefício de administração de fluidos em função da complacência da VCI. No entanto, a técnica apenas mostrou ter valor preditor em um subgrupo específico de pacientes: em VMI, em modo controlado (sem esforço respiratório), com volume corrente (VC) ≥ 8mL/kg do peso ideal.(24,25) Utilizando a ecocardiografia transtorácica, o diâmetro da VCI é medido no final da inspiração (diâmetro máximo - Dmax) e no final da expiração (diâmetro mínimo - Dmin), sendo calculado o índice de distensibilidade, por meio de duas fórmulas possíveis (Figura 3).

Figura 3
Fórmulas de cálculo do índice de distensibilidade da veia cava inferior.

ID - índice de distensibilidade; Dmax - diâmetro máximo; Dmin - diâmetro mínimo; VCI - veia cava inferior.


Na primeira fórmula, é considerado significativo, ou seja, preditor de resposta a fluidos, se > 12%;(24) na segunda, se > 18%.(25)

Variação respiratória da veia cava inferior como teste preditor da resposta a fluidos - limitações à sua aplicabilidade clínica e interpretação

A utilização da variação respiratória da VCI tem valor limitado em pacientes obesos, laparotomizados ou com má janela ecocardiográfica,(13,26) pelas limitações inerentes à técnica, que implica na utilização da ecocardiografia, por janela subcostal. Sua utilização implica ainda em uma técnica correta no manejo do ecógrafo, para uma medição fiável. Uma técnica de medição ecocardiográfica errada pode levar a resultados falsos-positivos ou negativos. Por exemplo, um alinhamento incorreto da sonda ou o desvio lateral da VCI devido à pressão exercida pela sonda na parede abdominal condicionam uma medição errada.(26)

Existem ainda várias limitações à aplicabilidade clínica deste método, que, apesar de não estarem todas estudadas, devem ser tidas em conta.(26) Podem ser divididas em fatores que afetam a variação da pressão intratorácica, que aumentam a pressão na aurícula direita ou que interferem diretamente na complacência da VCI.

Em primeiro lugar, quanto aos fatores que afetam a variação da pressão intratorácica, é preciso ter atenção no valor da pressão positiva expiratória final (PEEP) e no VC. Um valor de PEEP elevado (por exemplo na Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo) causa pressão intratorácica elevada, diminuindo a distensibilidade da VCI e levando a um falso-negativo. Por outro lado, com um VC inferior a 8mL/kg, as variações de pressão induzidas pela VMI podem não ser suficientes para causar variação fiável do diâmetro da VCI.(13)

A valorização desta técnica está também condicionada em pacientes ventilados com esforço respiratório presente (VMI em modo assistido ou espontâneo). No estímulo respiratório, há pressão transpulmonar negativa, que é inversa à causada pela VMI, não sendo possível controlar nem prever a variação efetiva do diâmetro da VCI nestes pacientes.(26) Além disso, no paciente com estímulo respiratório, seja ventilado ou não ventilado, o padrão respiratório pode ser variável, e a variação de pressão no tórax não será constante, levando a possíveis falsos-positivos ou negativos.(27)

Em segundo, nos pacientes com patologia cardíaca que constitua obstáculo ao retorno venoso, há aumento da pressão na aurícula direita e consequente distensão da VCI, sem que isso esteja relacionado com o estado de volemia,(26) incluindo pacientes com disfunção do ventrículo direito,(28) insuficiência tricúspide grave ou tamponamento cardíaco.

Por fim, uma vez que a VCI se encontra na cavidade abdominal, está sujeita à pressão intra-abdominal, além das pressões torácicas que lhe são transmitidas. Pacientes com pressão intra-abdominal aumentada terão VCI com complacência diminuída, podendo conduzir a falsos-negativos em pacientes em VMI. Outros fatores mecânicos devem ser tidos em conta, como trombose ou compressão extrínseca da VCI.(26) Nos pacientes em oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO) com uma das cânulas na VCI, coloca-se o mesmo problema. Nestes, a ecocardiografia transtorácica apenas serve para monitorização da função cardíaca e da posição das cânulas.(29)

Evidência da utilização da variação respiratória da veia cava inferior como teste preditor da resposta a fluidos em pacientes com falência circulatória aguda em unidades de cuidados intensivos

Estudos em pacientes adultos sob ventilação mecânica invasiva sem esforço respiratório (modo controlado)

A utilização da VCI como preditor de resposta a fluidos apenas está validada em pequenos grupos de pacientes (Tabela 1) e condições bem definidas. Feissel et al.(24) mostraram, em 23 pacientes com choque séptico em VMI em modo controlado e com VC ≥ 8mL/kg, um índice de distensibilidade (Dmax - Dmin)/[(Dmax + Dmin)/2] > 12% com valor preditivo negativo de 92% e valor preditivo positivo de 93%. Barbier et al.(25) tiveram resultados semelhantes em um grupo idêntico de pacientes (39 pacientes com choque séptico e VMI com VC ≥ 8mL/kg), em que o índice de distensibilidade da VCI (Dmax - Dmin)/Dmin > 18% teve elevada sensibilidade e especificidade (90%) e área sob a curva (ASC) de 0,91 (intervalo de confiança de 95% − IC95% 0,84 - 0,98). Apesar destes estudos mostrarem boas características da variação da VCI como teste preditor, seu uso é limitado pela difícil generalização dos resultados, considerando a reduzida dimensão da amostra e a especificidade do contexto clínico.

Tabela 1
Principais estudos publicados sobre o uso da variação respiratória da veia cava inferior como teste preditor de resposta a fluidos em adultos com falência circulatória aguda, em unidades de cuidados intensivos

Estudos posteriores(30,31) em pacientes em choque séptico apresentaram resultados menos consistentes, mostrando poder discriminativo de ASC de 0,43 (IC95% 0,25 - 0,61) e ASC de 0,69 (IC95% 0,48 - 0,89), respectivamente. Uma das hipóteses para esta discrepância, face aos estudos prévios, pode estar relacionada com o fato de, no estudo de Charbonneau et al.,(30) haver maior percentagem de pacientes submetidos à laparotomia (23% versus 9% no estudo de Barbier et al.(25))), o que pode ter condicionado a acuidade do teste e coloca em questão sua utilização em pacientes submetidos à cirurgia abdominal. No caso do estudo de Theerawit et al.,(31) foram incluídos pacientes sépticos graves que podem apresentar aumento da pressão intra-abdominal nesse contexto. Esta não foi monitorizada e pode ter enviesado os resultados.

Mais recentemente, estudo com amostra maior e mais heterogênea revelou resultados menos promissores. Vignon et al.(32) desenvolveram um estudo prospetivo, multicêntrico, com 540 pacientes em falência circulatória de qualquer causa e VMI. Compararam a variação respiratória da VCS, da VCI e da velocidade máxima aórtica com a prova de elevação dos membros inferiores (considerada a referência padrão). Neste estudo, apenas 42% dos pacientes foram respondedores a fluidos, sendo a variação da VCS o teste com melhor poder discriminativo. No entanto, tal implica na utilização de ecocardiografia transesofágica, o que condiciona sua aplicabilidade. O índice de variação da VCI apresentou sensibilidade de 55% (IC95% 50 - 59) e especificidade de 70% (IC95% 66 - 75). Contudo, o valor discriminativo considerado foi de 8%, e a avaliação da VCI só foi possível em 78% dos pacientes, por dificuldades na aquisição da imagem devido a cirurgia recente (cerca de um quarto dos pacientes), o que pode diminuir sua acuidade diagnóstica. Além disso, a maioria dos pacientes apresentava um modo ventilatório protetor com VC < 8mL/kg, ao contrário dos estudos prévios. Apesar destas limitações, trata-se de uma maior amostra que nos demais estudos, incluindo múltiplas causas de choque, o que reflete as condições habituais da prática clínica e suas inerentes limitações. Os autores concluem que o poder discriminativo destes parâmetros não é suficiente para se sobrepor à clínica, recomendando bólus de fluidos se o risco for baixo e houver sinais de hipoperfusão, mesmo que os parâmetros ecocardiográficos sejam preditores de uma fraca resposta.

Estudos em pacientes adultos não ventilados

Em pacientes não ventilados em UCI, os estudos mostram elevada especificidade, mas baixa sensibilidade. Muller et al.(27) mostraram em 40 pacientes com choque séptico, hemorrágico ou hipovolêmico, não ventilados, que um índice de colapsibilidade da VCI > 40% apresentava especificidade de 80% e sensibilidade de 70%, com ASC de 0,77 (IC95% 0,60 - 0,88), não sendo teste fiável nestes pacientes (dado o limite inferior do IC95% < 0,75). Um índice de colapsibilidade da VCI abaixo de 40% não permite excluir resposta a fluidos, e acima de 40% aumenta a probabilidade de resposta. Airapetian et al.(9) apresentaram resultados semelhantes em 59 pacientes não entubados, não ventilados, em que o índice de colapsibilidade > 42% teve especificidade de 97% e valor preditivo positivo de 90%, mas baixa sensibilidade e valor preditivo negativo, com ASC de 0,62 (IC95% 0,49 - 0,74).

As principais características dos estudos supramencionados são apresentadas na tabela 1, na qual se verifica a grande heterogeneidade entre eles, o que condiciona sua comparação. O fato de não haver referência padrão no que respeita à definição de respondedor a fluidos é fator limitante no estudo desta técnica, nomeadamente qual o parâmetro considerado (índice cardíaco, DC ou índice de VS), a manobra utilizada ou o tipo de fluidos administrado e seu modo de administração.

Metanálises sobre a variação respiratória da veia cava inferior como teste preditor da resposta a fluidos em unidades de cuidados intensivos, independentemente do modo ventilatório ou contexto clínico

Em uma metanálise de 2014,(29) com total de 8 estudos, incluindo 235 pacientes, não ventilados ou sob VMI, a sensibilidade combinada foi de 76% (IC95% 61 - 86) e especificidade de 86% (IC95% 69 - 95). A ASC combinada foi de 0,84 (IC95% 0,79 - 0,89). O valor discriminativo da variação da VCI esteve entre 12 e 40% nos vários estudos. No subgrupo de pacientes em VMI, verificou-se melhor sensibilidade (81%; IC95% 67 - 91) para especificidade semelhante (87%; IC95% 63 - 97). Em uma revisão sistemática e metanálise mais recente de 2017,(7) com total de 17 estudos incluindo 533 pacientes em falência circulatória, a sensibilidade e a especificidade combinada do índice de variação da VCI para predizer a resposta a fluidos foi de 63% (IC95% 56 - 69) e 73% (IC95% 67 - 78), respectivamente, com ASC combinada de 0,79 (erro padrão de 0,05). O subgrupo de pacientes ventilados apresentou melhores resultados que os pacientes não ventilados, tal como já verificado (em pacientes em VMI: sensibilidade combinada de 67% (IC95% 58 - 75) e especificidade de 68% (IC95% 60 - 76); em pacientes não ventilados: sensibilidade combinada de 52% (IC95% 42 - 62) e especificidade de 77% (IC95% 68 - 84)). Os autores referem que a variação respiratória do diâmetro da VCI prediz moderadamente a resposta a fluidos e que um teste negativo não a exclui, pelo que a utilidade clínica, particularmente nos pacientes não ventilados, é limitada. Uma vez que estas metanálises incluem estudos originais em contextos clínicos variados (UCI e serviço de urgência, tipo de choque circulatório e tipo de ventilação, modo de medição da VCI, valor discriminativo considerado e referência padrão utilizada), seus resultados devem ser valorizados em conformidade. O valor do teste da VCI depende do contexto clínico, que deve ser tido em conta na sua apreciação e interpretação.

Utilização da variação respiratória da veia cava inferior para avaliação da resposta a fluidos na prática clínica, em unidades de cuidados intensivos - vantagens, desvantagens e panorama atual

A utilização da VCI como método dinâmico de avaliação da resposta a fluidos possui características que favorecem sua utilização em UCI, já que se trata de um método não invasivo, de baixo custo, aquisição fácil e reprodutível, e não implica um nível de treino elevado para sua aprendizagem.(33,34) Além disso, a avaliação ecocardiográfica complementar, tanto quantitativa como qualitativa, contribui para uma melhor avaliação clínica global.(8,18)

Contudo, a utilização da VCI na decisão de administrar fluidos deve ser considerada apenas se se reunirem determinadas condições técnicas e clínicas, nomeadamente em pacientes sob VMI, em modo controlado (sem esforço respiratório), VC ≥ 8mL/kg, pressão intra-abdominal normal, sem cor pulmonale agudo ou disfunção grave do ventrículo direito. Caso contrário, os estudos são demasiado heterogêneos e não passíveis de generalização.

A especificidade destas condições restringe sua utilização.(35-37) Os estudos que avaliam a prevalência das condições ventilatórias necessárias à aplicação da técnica em UCI, ou seja, a prevalência de pacientes em VMI em modo controlado com VC ≥ 8mL/kg em uma UCI, mostram que estas estão presentes apenas em uma reduzida percentagem de pacientes. Nestes estudos, não foi considerada a possibilidade de aumento transitório do VC apenas para a execução da manobra. As várias limitações ao uso da variação respiratória da VCI como teste preditor de resposta a fluidos podem estar na base de sua utilização pouco frequente em UCI.(37) No estudo FENICE,(37) observacional e multicêntrico, a nível mundial, que avalia a forma como os médicos utilizam a expansão de volume no doente crítico em UCI, o uso de variáveis hemodinâmicas para prever resposta a fluidos ocorreu em apenas 57,3% dos casos, dos quais apenas 9,3% corresponderam a parâmetros ecocardiográficos.

CONCLUSÃO

A fluidoterapia na ressuscitação do paciente em falência circulatória aguda aumenta o débito cardíaco apenas em cerca de metade dos pacientes. Idealmente, os pacientes em falência circulatória aguda deveriam ser avaliados quanto à resposta a fluidos antes de sua administração, para evitar efeitos deletérios. Em unidades de cuidados intensivos, a utilização da variação respiratória da veia cava inferior, medida por ecocardiografia transtorácica, pode ter papel nesta avaliação, embora seja necessário garantir as condições em que a técnica está validada e ter presente suas limitações, em função do contexto clínico, para correta interpretação. Esta técnica tem poder discriminativo insatisfatório em pacientes não ventilados ou com esforço respiratório, uma vez que um teste negativo não permite excluir resposta a fluidos.

A adequação da ressuscitação deve ter por base o julgamento clínico, considerando o risco de sobrecarga hídrica face ao potencial benefício da fluidoterapia, tendo em conta que nem todos os pacientes respondedores necessitam da administração de fluidos. Esta deve ser individualizada para cada paciente, integrando os vários parâmetros clínicos, ecocardiográficos e bioquímicos.

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Editado por

  • Editor responsável: Leandro Utino Taniguchi

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jun 2019
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2019

Histórico

  • Recebido
    02 Abr 2018
  • Aceito
    09 Out 2018
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