Resumo
O Coronavírus COVID-19 desencadeou uma crise global sem precedentes. Os efeitos da pandemia foram (e ainda são) sentidos em todos os setores da economia. Particularmente no turismo, o que se viu foi uma quase total paralização de suas operações a partir de março que mudou as boas perspectivas que o setor apresentava no início de 2020. O presente estudo objetivou analisar as repercussões desta crise em Fernando de Noronha (Pernambuco), estimando as alterações provocadas na visitação e na arrecadação. Para tanto, foram analisados dados obtidos em fontes oficiais nacionais e internacionais relativos ao período de janeiro a junho de 2020. Os resultados evidenciam a inércia do poder público quanto à adoção de providências nos primeiros momentos da pandemia no arquipélago. Além disso, foi identificada uma queda de mais de 35% na arrecadação em comparação aos primeiros seis meses de 2019. Observou-se ainda que o arquipélago está longe de arrecadar os valores previstos, o que pode repercutir na prestação de serviços básicos à população.
Palavras-chave Coronavírus; COVID-19; Turismo; Fernando de Noronha
Resumen
El Coronavirus COVID-19 provocó una crisis mundial sin precedentes. Los efectos de la pandemia se sintieron en todos los sectores de la economía. Particularmente en turismo, lo que se vio fue una parálisis casi completa de sus operaciones desde marzo que cambió las buenas perspectivas que el sector presentó a principios de 2020. El presente estudio tuvo como objetivo analizar las repercusiones de esta crisis en Fernando de Noronha (Pernambuco), estimando los cambios causados en las visitas y en la recaudación. Con este fin, se analizaron los datos obtenidos de fuentes oficiales nacionales e internacionales para el período de enero a junio de 2020. Los resultados apuntan para la inercia de las autoridades públicas con respecto a la adopción de medidas en los primeros momentos de la pandemia en el archipiélago. Además, se identificó una caída de más del 35% en los ingresos en comparación con los primeros seis meses de 2019.También se observó que el archipiélago está lejos de recoger los valores esperados, lo que puede tener repercusiones en la prestación de servicios básicos a la población.
Palabras-chave Coronavirus; COVID-19; Turismo; Fernando de Noronha
Abstract
The Coronavirus COVID-19 unleashed an unprecedented global crisis. Effects of the pandemic have been (and are still being) felt in all sectors of the economy. This was especially true in tourism, where operations have almost completely shut down after March, changing the sector's prospects that appeared so good in early 2020. This paper analyzes the repercussions of this crisis in Fernando de Noronha (state of Pernambuco, Brazil), estimating the changes in visitation and revenue. For that end, we have assessed data from national and international official sources encompassing the months of January to June, 2020. The findings show that public power failed to take action during the early stages of the pandemic in the archipelago. Also, a decrease in revenue of over 35% was identified in comparison with the first six months of 2019. We have also noted that the archipelago is far from obtaining the estimated revenue, which may impact the provision of essential services for the population.
Keywords Coronavirus; Tourism; Interpersonal interactions; Fernando de Noronha
1 INTRODUÇÃO
O ano de 2020 ficará marcado pelas mudanças abruptas decorrentes da pandemia do novo Coronavírus (COVID-19). Poucos meses depois dos primeiros casos, relatados ainda em 2019 (Hua & Shaw, 2020), milhões de pessoas foram infectadas, dezenas de milhares morreram, e assim, o novo Coronavírus alterou rotinas e dinâmicas em toda parte, forçando a implementação de medidas de isolamento social para contenção do vírus e da sobrecarga em sistemas de saúde nas maiores economias - e destinos - do mundo (Lippi, Sanchis-Gomar & Henry, 2020; Verelst, Kuylen, & Beutels, 2020). Com as restrições de deslocamento impostas em vários países (Gössling, Scott, & Hall, 2020), no final do mês de abril de 2020, 100% dos destinos turísticos do mundo apresentavam restrições de viagem (UNWTO, 2020a), com a própria Organização Mundial do Turismo (OMT) realizando campanhas para que os planos de viagem fossem adiados (Pololikashvili, 2020).
De acordo com a organização FlightRadar, que disponibiliza dados da aviação mundial desde 2006, o número de voos comerciais, que já vinha em queda em fevereiro (-4,3%) e março (-27,7%), ultrapassou os 70% de redução nos meses de abril (-73,7%) e maio (-70,8%), apresentando uma leve recuperação em junho (-62%) se comparado com os mesmos períodos de 2019 (Petchenik, 2020a, 2020b, 2020c).
Diante do fechamento de espaços aéreos, encerramento de atividades em atrativos turísticos e proibição de acesso a praias e parques (Baum & Hai, 2020), a OMT estima uma queda em número de visitantes internacionais entre 60 a 80% em 2020 quando comparado com números de 2019. Além disso, prevê-se um retrocesso nos esforços voltados para atingir os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU (UNWTO, 2020b). O WTTC (2020) estima que essa crise coloca em risco mais de 75 milhões de empregos. As pessoas que têm no turismo sua principal atividade econômica ficaram em situação particularmente vulnerável, uma vez que viram sua renda desaparecer de forma quase imediata (Botero et al., 2020). Embora todo tipo de destino tenha sofrido consequências, convém chamar atenção para um tipo de destino em particular: os insulares.
Condicionadas por sua distância em relação ao continente, por seu tamanho relativamente menor, sua população reduzida e seu potencial econômico pouco robusto (devido às restrições em termos de espaço e recursos), as pequenas ilhas se encontram numa situação delicada no que tange às possibilidades de desenvolvimento econômico (UNWTO, 2004; UNWTO & UNEP, 2000; Briguglio & Briguglio, 1996; Briguglio, 1995). Tais características fazem do turismo praticamente a única opção que resta a estes ambientes (UNWTO, 2004; Briguglio; Briguglio, 1996; Kokkranikal, McLellan, & Baum, 2003; Brown & Cave, 2010), como bem demonstram casos como Aruba, Curaçao, Bonaire, Isla de Margarita, Antigua, Barbuda, Guadalupe, Dominica, Martinica, Ibiza, Bahamas, Cozumel, Porto Rico, Açores, Ilha do Sal, Ilha da Madeira, Canárias, Seychelles, Fiji, Thaiti, Ilha de Páscoa, Galápagos, entre tantas outras (Körössy, 2007; Apostolopoulos & Gayle, 2002).
Estudos como os de Dwyer e Forsyth (1997), Marques, Logossah, e Carpin (2003), Dwyer, Forsyth, e Spurr (2004) acerca do impacto econômico do turismo em pequenas economias insulares demostram como o turismo representa, como diz Sousa (2006, p.45), “a força motriz que está por detrás da economia das pequenas ilhas”. O estudo de Hampton e Christensen (2007), por exemplo, estima que a contribuição da atividade no PIB dos destinos insulares varie entre 20 e 50%, ao passo que, segundo UNWTO (apud Hassan, Scholes, & Ash, 2005), essa proporção pode ser ainda maior como no caso das Maldivas (57,3%), da Anguilla (65,1%) e das ilhas Cayman (71,7%). No Brasil, um dos exemplos que mais refletem a dependência de um destino insular em relação ao turismo é, provavelmente, Fernando de Noronha.
O Arquipélago de Fernando de Noronha situa-se quatro graus abaixo da linha do Equador (3o 54'S de latitude, 32o 25'W de longitude) e dista 545 km de Recife (PE), 360 km de Natal (RN) e 710 km de Fortaleza (CE). Dada a condição de Unidade de Conservação, submetida, portanto, a um regime especial de proteção (que limita as atividades a serem exercidas no Arquipélago), o turismo acabou por se tornar a única atividade econômica viável, da qual dependem 95% da população (Dourado, 2020).
Para atender a população e os visitantes, o sistema de saúde do Arquipélago possui uma única unidade de atendimento, o Hospital São Lucas, classificada para realização de atendimentos de média complexidade, com 10 leitos para internamento, uma sala de cirurgia, uma sala de parto e consultório odontológico (Fernando de Noronha, 2013). Alerta-se que, na elaboração do Plano de Manejo da APA Fernando de Noronha, a saúde foi apontada como o principal problema da Ilha por 36% da população (IBAMA, 2004).
Desde o início da década de 1990, quando Fernando de Noronha se abriu ao turismo, o fluxo de visitantes não cessou de crescer (Figura 1). Observando o número de turistas que chegam à ilha por via aérea, o que se nota é que, ao longo dos 10 primeiros anos de turismo (1991-2001), a média anual foi de pouco mais de 26 mil pessoas/ano. Nos 10 anos seguintes (1992-2002) a média anual de visitantes foi de mais de 56 mil, ou seja, mais do que o dobro (Cordeiro, 2016). Entre 2013 e 2018, a média anual foi de mais de 86 mil pessoas (Governo de Pernambuco, 2018). No ano de 2019 foi registrado o maior registro de visitantes em toda a história do turismo no Arquipélago: 106.130 turistas, sendo 92% nacionais e 8%, internacionais (Diário de Pernambuco, 2020).
O tempo de permanência média na ilha vem se mantendo, desde 2016, em torno de 5 dias. A maioria dos visitantes nacionais (45%) são procedentes do Sudeste (principalmente de São Paulo), enquanto a maioria dos visitantes internacionais (47%) vem da Europa, sobretudo, Itália e França (Diário de Pernambuco, 2020).
A importância do turismo em Fernando de Noronha também é evidenciada pela expansão da quantidade de pousadas: entre 1965 e 1988 só havia 7 pousadas na ilha; de 1988 até 1995, surgem mais 27 novas pousadas; entre 1996 e 2010, mais 38 novas pousadas são constituídas; e entre 2011 e 2016, surgem outras 2 (Cordeiro, 2016). Segundo o Ministério do Turismo (2017), a taxa média de ocupação da ilha em 2016 foi de 91%. No que toca à população, de 1.241 pessoas em 1970, a população de Fernando de Noronha (residentes permanentes e temporários) aumentou para cerca de 2.630 pessoas em 2010 e é estimada em 3.101 pessoas em 2020, com densidade demográfica de 154,55 hab/km² (IBGE, 2020).
Fernando de Noronha possui 16 praias e baías distribuidas em seu território e patrimônio histórico composto pelo conjunto arquitetônico da Vila dos Remédios, Vila da Quixaba e pelo maior sistema defensivo erguido pelos portugueses no século XVIII. Para atender à demanda turística, são mais de 90 pousadas, 35 bares e restaurantes e 12 empresas de receptivo turístico e de mergulho e expedições (Governo de Pernambuco, 2016).
Assim, desde que foi fechado à visitação, em 17 de março de 2020 (Marinho, 2020b), devido à pandemia provocada pelo novo Coronavírus, o Arquipélago perdeu sua principal fonte de trabalho e renda para a população.
O Arquipélago foi fechado para visitação quando o mundo somava cerca de 180 mil casos e 7 mil mortes pelo novo Coronavírus (WHO, 2020f) e, desde então, segue sem o turismo, sua principal atividade econômica (Rocha & Brasileiro, 2013; Souza & Vieira Filho, 2011). Além disso, a falta de visitantes tem efeitos sobre a arrecadação pública, haja vista que a cobrança da Taxa de Preservação Ambiental – TPA (instituída através da Lei 10.403, de 29 de dezembro de 1989) constitui importante fonte da receita fiscal para a Administração do Arquipélago (Cleto, 2013; Cordeiro, 2016; Cordeiro, Korossy & Tôrres, 2019). Some-se a isso, o fato de Fernando de Noronha ter entrado em situação de lockdown (Fernando de Noronha, 2020q), o que diminuiu o gasto das famílias e agravou, ainda mais, a arrecadação distrital. Isto posto, convém analisar o caso de Fernando de Noronha.
Dadas as repercussões da pandemia em um setor que é o sustentáculo econômico do Arquipélago, a presente pesquisa objetivou analisar as repercussões da crise provocada pela pandemia de Coronavírus em Fernando de Noronha (Pernambuco), estimando as alterações provocadas na visitação e na arrecadação. Para tanto, foram definidos 3 objetivos específicos:
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Levantar os acontecimentos e reações verificadas no Arquipélago desde o reconhecimento da existência do vírus (em 31 de dezembro de 2019) até o final do primeiro semestre de 2020;
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Identificar as alterações que a determinação do estado de quarentena provocou na visitação ao Arquipélago;
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Estimar a perda de arrecadação provocada pela pandemia para a Administração do Arquipélago.
Além da introdução, que correlaciona a pandemia com o turismo, em particular, em destinos insulares, o presente trabalho está estruturado da seguinte forma: uma seção sobre os procedimentos metodológicos empregados seguida de uma seção sobre os resultados da pesquisa, e de outra seção que apresenta as considerações sobre o estudo realizado.
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Esta pesquisa teve caráter exploratório-descritivo, com tratamento estatístico básico dos dados coletados. O cumprimento do Objetivo 1, resultou na elaboração de uma linha do tempo. Nela, buscou-se relacionar as principais informações divulgadas (inter)nacionalmente sobre a doença, com notícias veiculadas sobre o Arquipélago. Para tanto:
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Em nível mundial, as informações foram obtidas no website da Organização Mundial da Saúde (OMS), considerando os relatórios situacionais divulgados diariamente sobre a doença desde o dia 21 de janeiro de 2020 (https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/situation-reports). Consulta adicional foi realizada em relatórios e pronunciamentos divulgados pela OMT (https://www.unwto.org/covid-19-highlights);
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As informações sobre o Brasil foram coletadas em boletins epidemiológicos (https://www.saude.gov.br/boletins-epidemiologicos) e notícias divulgadas (https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude) pelo Ministério da Saúde do país;
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As informações sobre Fernando de Noronha foram obtidas no website oficial do Arquipélago, na seção "Acontece em Noronha" (http://www.noronha.pe.gov.br/comAcontece.php). Uma busca adicional foi feita no blog jornalístico Viver em Noronha, vinculado ao Portal G1, da Rede Globo (https://g1.globo.com/pe/pernambuco/blog/viver-noronha). Também foi consultado o blog de notícias do Governo do Estado de Pernambuco (http://www.pe.gov.br/blog) para verificação de temas, sobretudo legislativos, com implicações no Arquipélago.
A identificação dos efeitos sobre a visitação ao Arquipélago (Objetivo 2) foi realizada:
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A partir da série histórica do número de voos entre meses de janeiro a junho, nos anos de 2012 a 2020. Os dados desta etapa foram obtidos com a Agência Nacional de Aviação Civil através do Histórico de Voos divulgado pela instituição (https://www.anac.gov.br/assuntos/dados-e-estatisticas/historico-de-voos). Para tanto, foram coletados dados de voos realizados com destino ao aeroporto de Fernando de Noronha, sigla SBFN nos documentos disponibilizados pela Agência.
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A partir dos dados das receitas do Distrito Estadual de Fernando de Noronha que, por sua vez, foram obtidos através do Portal da Transparência de Pernambuco (http://web.transparencia.pe.gov.br/receitas). Para efeitos deste estudo, foram observados os seguintes dados para os anos de 2012 a 2020:
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“Receita Total” prevista em orçamento anual do Distrito de Fernando de Noronha.
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Somatório da “Receita Total” arrecadada nos 12 meses dos anos.
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Somatório da “Receita Total” arrecadada entre os meses de janeiro a junho.
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Arrecadação na categoria “Taxas”: A busca pelo acompanhamento deste indicador deu-se por conta da Taxa de Preservação Ambiental cobrada pela administração de Fernando de Noronha e, de acordo com a Lei 10.043 de 29 de dezembro de 1989, destinada a assegurar a manutenção das condições ambientais e ecológicas do Arquipélago (Pernambuco, 1989). Entre os anos de 2012 e 2018, esta categoria estava inserida em “Receita Tributária” (Total geral > Receita tributária > Taxas), no entanto, a partir de 01 de janeiro de 2019, Pernambuco passou a adotar nova classificação das despesas públicas, por meio da Portaria SEPLAG n. 069, de 09 de outubro de 2019 e, em decorrência disso, a categoria “Taxas” migrou de “Receita Tributária” para “Impostos, taxas e contribuições de melhoria” (Total geral > Impostos, taxas e contribuições de melhoria > Taxas) (SEPLAG, 2020).
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Somatório da “Taxa” nos 12 meses do ano.
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Somatório da “Taxa” entre os meses de janeiro a junho.
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A opção pelo ano de 2012 como início da série histórica foi baseada no fato deste ser o primeiro ano integralmente regulamentado pela Lei de Acesso à Informação, de 18 de novembro de 2011 (Brasil, 2011), trazendo maior confiabilidade ao material encontrado. Foram considerados os meses de janeiro a junho de cada ano, pois eram os meses cujos dados de 2020 estavam disponíveis no momento da realização da pesquisa. A ferramenta Excel foi utilizada para auxiliar na realização do tratamento estatístico.
Por fim, a estimativa da perda de arrecadação provocada pela pandemia para a Administração do Arquipélago (Objetivo 3) foi realizada a partir da análise das despesas previstas na Lei Orçamentária Anual (LOA) (http://web.transparencia.pe.gov.br/planejamento-orcamento/lei-orcamentaria-anual-loa) para o Distrito de Fernando de Noronha em 2020.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
A presente pesquisa levantou informações para mapear a evolução do novo Coronavírus em Fernando de Noronha e as respostas dadas pela gestão pública do Arquipélago (quadro 1).
Linha do tempo dos principais acontecimentos nos primeiros seis meses após surgimento do novo Coronavírus (Brasil e Mundo X Fernando de Noronha)
Esse mapeamento permite perceber que ao longo dos 2 primeiros meses e meio do ano, quando se confirmava a gravidade da situação (através da Declaração de Emergência de Saúde Pública no Brasil ou mesmo da classificação do novo Coronavírus como pandemia pela OMS), Fernando de Noronha não estava (como o Brasil como um todo, também não) preocupada em adotar medidas de enfrentamento. Até a primeira quinzena de março, a chegada de turistas ao Arquipélago não havia sido afetada pela doença. Mesmo com a declaração de Emergência de Saúde Pública Nacional e detecção do primeiro caso do vírus no Brasil em fevereiro, Fernando de Noronha manteve o Carnaval. Até o dia 11 de março de 2020, data em que o vírus é classificado como pandemia, por exemplo, seguia-se normalmente com a preparação para realização do evento de Surf para a semana seguinte.
A primeira reação, relacionada ao cancelamento de eventos públicos (em 15 de março), levou 75 dias para aparecer. Embora não seja possível determinar se a morosidade para a tomada de ações mais restritivas tenha tido algum impacto sobre a disseminação do vírus no Arquipélago, o fato é que, mesmo o novo Coronavírus tendo atingido vários países até meados de março, não se notou redução expressiva de viagens ao Arquipélago.
Essa situação só muda em 17 de março de 2020, dia em que a OMT se posiciona a favor de restrições de viagens. Nesta data, o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha é fechado para visitação e é anunciado o fechamento do aeroporto do Arquipélago. Não foram encontradas, no entanto, evidências que indiquem que essa decisão tenha sido influenciada pelo posicionamento da OMT. Ressalta-se que, apenas poucos dias antes, tanto a OMT quanto Fernando de Noronha ainda buscavam tomar medidas menos austeras sobre a atividade: até o dia 15 de março de 2020, a Organização ainda dialogava sobre o estímulo a viagens mais responsáveis e a gestão do Arquipélago ponderava sobre o cancelamento de eventos.
Uma das principais medidas adotadas pela Administração de Fernando de Noronha em relação ao turismo foi a restrição, na metade do mês de março, do número de voos com destino ao Arquipélago (Gráfico 1).
Série histórica (2012: 2020) do número de voos realizados com destino ao Aeroporto Fernando de Noronha nos meses de janeiro a junho
Assim como é constatado através das observações contidas na Linha do Tempo, observa-se no Gráfico 1 que nos meses de janeiro e fevereiro o fluxo de voos no Arquipélago foi regular, quando comparado com anos anteriores, com os dois meses atingindo valores próximos ou superiores ao pico de voos no período registrado. Em março, no entanto, este número começa a cair, chegando ao menor resultado desde 2014, sendo 26% inferior ao número de voos no mesmo período de 2019. Este valor segue a tendência global quando, como visto, em março de 2020 os voos comerciais tiveram uma redução de 27,7% em relação ao mesmo mês de 2019 (Petchenik, 2020b).
Com o mês de março tendo sido determinante nas ações contra o novo Coronavírus, no final do mês é lançado o plano de contingência para combate do vírus no Arquipélago. Poucos dias depois, o primeiro caso do novo Coronavírus foi confirmado na ilha, mas o hospital de campanha para tratamento dos doentes só é finalizado cerca de um mês depois, o que indica lacunas no planejamento para a contingência da doença.
No mês de abril, a vulnerabilidade social no Arquipélago, que sempre existiu, mas era ofuscada pela imagem de “paraíso turístico”, tornou-se evidente. Problemas como carência alimentar e a situação irregular de muitos dos moradores da ilha vieram à tona. Enquanto isso, a pandemia seguia avançando mundialmente e, ainda que 100% dos destinos turísticos do mundo apresentassem restrições de viagem, a queda no número de voos em Fernando de Noronha ultrapassou a média global de 73,7%. Em abril de 2020, o Aeroporto de Fernando de Noronha recebeu apenas 6 voos, uma redução de cerca de 95% em relação a anos anteriores, um colapso influenciado pela quarentena obrigatória imposta no Arquipélago no final do mês de abril.
Já no mês de maio, embora medidas de isolamento tivessem sido flexibilizadas e novos casos zerados, as chegadas aéreas permanecem em baixa. Novamente superando a média global de redução no número de voos, o Aeroporto de Fernando de Noronha recebe apenas 4 voos. O mês de junho segue a mesma tendência de diminuição brusca no número de voos no Arquipélago, embora em leve recuperação em relação ao mês anterior, tendo recebido 9 voos.
O Gráfico 2 mostra a estimativa de queda no número de voos entre os meses de janeiro e junho de 2020 através da aplicação da equação calculada para a reta de tendência, sendo x = 9 (2020 é o nono ano da sequência). No gráfico, a linha vermelha corresponde ao total de voos efetivados e a linha azul representa a tendência calculada para o número de voos em 2020, caso não houvesse a pandemia do novo Coronavírus. Estima-se que, por conta da doença, o Arquipélago de Fernando de Noronha deixou de receber 488 voos apenas nos seis primeiros meses de 2020.
Série histórica (2012: 2020) do somatório de voos realizados com destino ao Aeroporto Fernando de Noronha entre os meses de Janeiro e Junho e curva de tendência linear para voos em 2020.
Maio foi um mês politicamente tenso, no plano nacional, com a saída do segundo Ministro da Saúde no período da pandemia. Neste mesmo mês, o Brasil se torna o segundo país em número de casos no mundo.
Na sequência, o mês de junho é marcado pela consolidação das flexibilizações no isolamento imposto no Arquipélago de Fernando de Noronha e mesmo em alguns municípios de Pernambuco. Estudo epidemiológico realizado no Arquipélago, no entanto, prova que o local, ainda que não registrasse novos casos, não estava livre da doença. Neste mês, o novo Coronavírus seguiu avançando no Brasil e no mundo. Relatório da OMT (UNWTO, 2020d, 2020e) apontava para cenários de perdas de emprego e aumento da pobreza particularmente em destinos insulares; enquanto a OCDE estimava perdas econômicas globais importantes (OECD, 2020).
No segundo semestre de 2020, com a queda no registro de novos casos no Arquipélago e no Estado de Pernambuco, novas etapas de flexibilização foram estabelecidas, sendo realizada a retomada do turismo em Fernando de Noronha no dia 01 de setembro de 2020. Nesta primeira etapa, apenas pessoas já infectadas pelo novo Coronavírus podem desembarcar no Arquipélago de acordo com o protocolo estabelecido pelas autoridades de saúde local (Fernando de Noronha, 2020r).
Com efeito, embora tenha havido relativo sucesso no controle da disseminação do vírus, os impactos econômicos e sociais em Fernando de Noronha são evidentes. Analisando-se os dados da Receita prevista em Lei Orçamentária Anual (LOA) é possível verificar como a epidemia alterou o planejamento fiscal do Distrito Estadual (Tabela 1).
Antes de discutir os resultados, convém ressaltar que, de acordo com a Lei Orçamentária Anual do Governo do Estado de Pernambuco (Pernambuco, 2020a), o Distrito de Fernando de Noronha é financiado através de duas fontes: “Recursos do Estado”, e “Outros Recursos” provenientes do Distrito. De modo geral, os recursos distritais são superiores aos recursos do Estado. Na LOA 2020, por exemplo, o recurso distrital previsto (R$ 58.791.700,00) era mais que o dobro em relação ao estadual (R$ 27.235.100,00). Isto se deve, sobretudo, à Taxa de Preservação Ambiental (aqui considerada como a totalidade das “Taxas”), importante recurso da administração distrital que representou, entre os anos de 2012 e 2020, aproximadamente 73% da arrecadação anual distrital. No ano de 2015, inclusive, a arrecadação via Taxas superou em 100% o previsto, ou seja, foi arrecadado mais do que o planejado em LOA.
Outro elemento importante de ser constatado na Tabela 2 diz respeito à Receita Distrital em relação à LOA entre os meses de janeiro e junho. Se em valores absolutos, a arrecadação distrital entre janeiro e junho em 2020 só é superada pela dos anos de 2017, 2018 e 2019, se a análise for feita em termos relativos, o ano de 2020 só não está mais distante de atingir o planejado (26,7%) do que o ano de 2013 (21,7%). Ainda assim, é notório que o planejamento estava superestimado nos anos de 2012 e 2013, com a arrecadação anual muito inferior ao que foi previsto em LOA. Tomando por referência apenas o ano de 2019, a receita distrital caiu mais de 35% apenas no primeiro semestre do ano.
Também é relevante destacar que, como foi visto, de janeiro até metade de março, todas as atividades em Fernando de Noronha mantiveram-se regulares e, nesses três meses, o total de receitas atingiu R$ 13.778.272,59, cerca de 88% do total observado nos seis meses de 2020. Assim, em observância aos valores da arrecadação distrital entre os meses de janeiro e junho de cada ano na série histórica de 2012 a 2019, realizando o cálculo de tendência do valor esperado para o ano de 2020 e comparando-o com o valor efetivado neste ano, tem-se uma queda estimada de mais de R$ 9,66 milhões em receita no Distrito em apenas 3,5 meses de alterações de rotina, como pode ser visto no Gráfico 3, onde a linha vermelha representa os valores reais e, a linha azul, a estimativa de um cenário sem pandemia.
Série histórica (2012:2020) do somatório da Receita Total do Distrito de Fernando de Noronha entre os meses de Janeiro e Junho e curva de tendência linear para arrecadação em 2020.
De acordo com os dados analisados, não há dúvidas, portanto, que houve uma queda significativa na arrecadação no Distrito de Fernando de Noronha devido à pandemia de Coronavírus, com o corte, em menos de 4 meses, de cerca de 16% das receitas totais em relação ao valor previsto em LOA para o ano de 2020. No entanto, a queda na receita total não acontece apenas por conta da suspensão das atividades turísticas no Arquipélago, haja vista que também é influenciada pelo corte nos gastos das famílias diante da quarentena obrigatória e interrupção de todas as atividades não essenciais no Arquipélago. Para avaliar apenas o impacto na arrecadação diretamente relacionada à suspensão do turismo em Fernando de Noronha é preciso adotar outra perspectiva e, para isto, recorre-se, mais uma vez, à categoria “Taxas”.
Observando os dados da Tabela 2 e novamente aplicando o cálculo de tendência para 2020, a partir de fórmula da reta para valores das taxas entre os anos de 2012 a 2019, tem-se uma perda estimada na arrecadação das taxas de R$ 8,94 milhões (Gráfico 4). Esse valor, que corresponde a cerca de 93% da queda na arrecadação do Distrito de Fernando de Noronha está, de alguma maneira, relacionada diretamente à suspensão das atividades turísticas no Arquipélago.
Demonstrativo de despesas por projeto previstas em Lei Orçamentária Anual com recursos de 2020
Série histórica (2012: 2020) do somatório da receita com Taxas do Distrito de Fernando de Noronha entre os meses de Janeiro e Junho e curva de tendência linear para arrecadação com taxas em 2020.
Ainda que seja claro que uma redução de quase de R$ 9 milhões em arrecadação não é um valor desprezível, esta pesquisa buscou entender também como esses impactos podem sair do campo executivo e repercutirem na conservação ambiental do Arquipélago, na vida dos moradores e, posteriormente, na percepção dos turistas.
Para isto, novamente foi necessária a realização de consulta à LOA 2020 para obtenção das informações acerca das despesas previstas para o Distrito de Fernando de Noronha que seriam financiadas com os recursos estimados na Lei. Os resultados, divididos entre “Tesouro do Estado” e “Outros Recursos” se encontram na Tabela 2.
A coluna “Outros Recursos”, correspondente aos recursos de administração distrital onde foram observados os impactos anteriormente mencionados é, como já dito, a de maior valor previsto de arrecadação e, portanto, onde são sustentadas as maiores despesas. Ainda, além da perda de arrecadação estimada, cerca de R$ 270 mil não previstos em LOA foram gastos na Vigilância Epidemiológica e Ambiental para o Controle das Doenças e Agravos com recursos distritais entre os meses de janeiro e junho de 2020.
Pode-se constatar, através da Tabela 3, que apenas 7 das 23 ações não preveem recursos provenientes da arrecadação distrital, grande parte correspondente à promoção da educação no Distrito; outras duas ações têm fonte de recurso mista; e todas as outras dependem exclusivamente da arrecadação distrital, profundamente impactada pela crise do novo Coronavírus. Assim, ações importantes como: conservação e preservação do patrimônio público, histórico e cultural; desenvolvimento de atividades de esporte e lazer; desenvolvimento de assistência hospitalar, ambulatorial e atenção à saúde básica; manutenção da Tecnologia de Informação e Comunicação; promoção de ações de assistência social; e promoção do desenvolvimento sustentável de Fernando de Noronha, podem ter, a curto ou longo prazo, recursos cortados, especialmente quando não há uma previsão para o retorno das atividades e as implicações da suspensão das atividades turísticas deverão ser sentidas e amplificadas ainda por alguns meses.
É essencial dizer que a maior entre todas as perdas e o maior impacto a ser sentido é o social. O novo Coronavírus apenas descortinou problemas já conhecidos da comunidade e, com o agravamento provocado pela interrupção abrupta do fluxo turístico e consequente perda de trabalho e renda por grande parte da população, os ilhéus tornam-se particularmente vulneráveis às ameaças econômicas e mesmo sanitárias dos tempos de pandemia. Ainda, como observado, impactos poderão ser sentidos na assistência hospitalar e atenção à saúde básica, na assistência social e no desenvolvimento de atividades de esporte e lazer, todos direta ou indiretamente relacionados ao bem-estar da população.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente buscou reconstituir o processo de chegada e evolução do novo Coronavírus no Arquipélago de Fernando de Noronha ao longo do primeiro semestre de 2020, bem como suas repercussões socioeconômicas face a interrupção do turismo e o isolamento social. Essa reconstituição evidenciou o lapso da capacidade de resposta do Arquipélago à crise. Tomando por base o tempo de reação, restou evidente que a gestão pública do Arquipélago não estava preparada para lidar com a crise provocada pela pandemia.
Ademais, tornou-se clara o quão vulnerável é, Fernando de Noronha, a uma crise que afete a demanda. Ressalvadas as particularidades de uma crise sanitária, como é a do COVID-19, o episódio faz refletir sobre a necessidade de se desenvolverem mecanismos de políticas públicas que suportem economicamente a comunidade local em momentos de interrupção da visitação.
Na condição de um estudo exploratório, a presente pesquisa não se propôs a apresentar respostas para a situação de Fernando de Noronha. Até mesmo porque, em razão da situação ser imprevista e surpreendente, torna-se impraticável qualquer conjectura nesse sentido. Sendo assim, convém retomar o objetivo deste trabalho: contextualizar a situação em seu estado inicial de modo a oferecer uma imagem com as repercussões iniciais da pandemia no destino. Ao mesmo tempo, entretanto, é preciso levar em consideração que a situação de isolamento inviabiliza a coleta de dados in loco, com entrevistas junto à comunidade local. Desta forma, um diagnóstico que permita uma adequada compreensão da real extensão das consequências sociais, econômicas e ecológicas da pandemia em Fernando de Noronha somente será possível quando a pandemia passar.
AGRADECIMENTOS
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001
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Como citar: Paixão, W. B.; Cordeiro, I. J. D.; Leite, N. K. (2021). Efeitos da pandemia do COVID-19 sobre o turismo em Fernando de Noronha ao longo do primeiro semestre de 2020. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo, São Paulo, 15 (1), 2128. http://dx.doi.org/10.7784/rbtur.v15i1.2128
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