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A estrutura curricular dos programas de pós-graduaçao em cirurgia

EDITORIAL

A estrutura curricular dos programas de pós-graduaçao em cirurgia

Edmundo Machado Ferraz, TCBC-PE

Professor Titular da UFPE

Não há dúvida que a Pós-Graduação stricto sensu é uma experiência muito bem sucedida na educação brasileira. Várias são as razões para os bons resultados obtidos: o monitoramento contínuo dos Cursos e um sistema de avaliação permanente com critérios que foram se aprimorando com a própria experiência permitiram que o sistema de Pós-Graduação tivesse um desenvolvimento bastante superior ao obtido pelo restante do sistema educacional nacional. Ocorreram um importante incremento na produção científica, uma maior conscientização da importância dos parâmetros adotados e uma melhor identificação e visibilidades dos grupos cirúrgicos que desenvolvem pesquisa de ponta e procedimento de alta tecnologia ligados à pesquisa clínica ou experimental.

No âmbito da cirurgia, o esforço desenvolvido pela Sociedade Brasileira para o Desenvolvimento da Pesquisa em Cirurgia e a compreensão da necessidade de funcionamento permanente dos Núcleos de Cirurgia Experimental como suporte dos Programas stricto sensu, a melhoria e indexação de Revistas com corpos editoriais qualificados montaram um cenário responsável por esse maior crescimento da pesquisa cirúrgica. Contudo, esse cenário não se afigura perfeitamente claro para grande número de colegas envolvidos no ensino da Pós-Graduação, particularmente os remanescentes de Cursos tradicionais, da maior importância, porém que pretendiam "aprofundar" o conhecimento transmitido na residência médica, permanecendo, na realidade, com um curso de formato sensu lato e não stricto sensu.

Essa transformação é particularmente percebida na observação de grade curricular dos programas de Pós- Graduação em Cirurgia que, em vez de priorizar a formação do professor e pesquisador, preocupam-se em ministrar uma estrutura curricular de um vasto programa de conhecimento sensu lato. Como montar, então, uma grade curricular que atenda essa finalidade? De início, vamos refletir sobre o perfil e vocação do programa de Pós-Graduação em Cirurgia.

O conhecimento em cirurgia é muito extenso, e ao definir seu perfil, o programa necessariamente precisa, como pré-requisito, definir suas linhas de pesquisas já consolidadas. Existe uma grande confusão entre linha de pesquisa e área de conhecimento. Por exemplo, Infecção em Cirurgia constitui uma área de conhecimento e pertence ao perfil do Programa Pós-Graduação em Cirurgia da UFPE, porém, dentro dessa área de conhecimento como linhas de pesquisas, temos: I - Sepse intra-abdominal clínica e experimental; 2 - Peritonite experimental; 3 - Antibiose; 4 - Apoptosis.

O mesmo ocorre, por exemplo, com patologia do joelho ou do quadril, tumores ósseos, patologia do ovário, do intestino delgado, doenças inflamatórias do colo, tumores do esôfago ou hipertensão portal. Nenhum constitui linha de pesquisa, e sim área de conhecimento.

A questão seguinte é o que caracteriza a linha de pesquisa ou quando uma determinada área de conhecimento pode gerar uma linha de pesquisa.

Não existe unanimidade sobre esse tema. Contudo, quando em uma área de conhecimento publicam-se dez trabalhos de pesquisa em revista indexada e duas teses (Mestrado ou Doutorado) dentro de uma seqüência, temos uma linha de pesquisa, o que é bastante diferente de projetos isolados agrupados dentro de uma área de conhecimento.

Voltemos ao exemplo da Infecção em Cirurgia. Trinta trabalhos isolados sobre Infecção do sítio cirúrgico, infecção respiratória e controle de infecção em cirurgia, uso de antibióticos em cirurgia, infecção pós-esplenectomia não constituem uma linha de pesquisa de infecção em cirurgia. Contudo, dez trabalhos publicados sobre infecção pós-esplenectomia ou moduladores da sepse intra-abdominal constituem uma linha de pesquisa dentro da área de conhecimento da infecção em cirurgia.

Dessa forma, estabelecido os pré-requisitos da área de concentração e das linhas de pesquisa, necessariamente fica traçado o perfil do programa de Pós-Graduação em Cirurgia e, aí sim, temos condições de desenvolver a grade curricular que deve ser adequada a cada Programa. Com essa identidade e características estabelecidas, o Programa pode ser avaliado entre seus pares.

Ao ser montada a estrutura curricular devemos lembrar que ao invés de aprofundar conhecimentos da graduação ou da pós-graduação sensu lato, o Programa stricto sensu tem como objetivo agrupar dois grandes grupos de disciplinas: 1-Obrigatórias - Ligadas à formação: a) do professor; b) do pesquisador; 2- Eletivas - Ligadas às linhas de pesquisa.

As disciplinas obrigatórias ligadas a formação do Professor e do Pesquisador, são: - Metodologia da pesquisa científica; - Bioestatítica; - Pedagogia e Didática Médica; - Informática Médica; - Bioética.

Claro que poderiam haver variações semânticas ou de conteúdo, porém, essas são disciplinas que atendem as características de sua definição.

E as disciplinas eletivas? Estabelecidas as linhas de pesquisas, as disciplinas eletivas deverão estar em consonância com as linhas que caracterizam o perfil do Programa idealmente com o mínimo de duas disciplinas para cada linha, podendo o Curso ter uma disciplina de tópicos especiais, em que um tema mais estritamente ligado ao assunto da tese poderia ser desenvolvido como uma disciplina eletiva. Por exemplo, uma tese sobre Biologia Molecular da Sepse Intra-Abdominal ou Apoptose poderia ter uma disciplina eletiva sobre Microscopia Eletrônica, que aprofundaria os conhecimentos do candidato para elaboração de sua tese.

Voltando ao exemplo de uma das linhas de pesquisas do Programa de Pós-Graduação em Cirurgia da UFPE, as disciplinas ligadas às linhas de pesquisas da área de conhecimento de infecção seriam: Sepse Intra-Abdominal, Antibiose ou Biologia Molecular da Infecção e Modelos Experimentais de Peritonite.

Com um modelo de grade curricular que atendesse essas características não só estaríamos dentro das recomendações da CAPES, particularmente de sua área III, que compreende os programas de Pós-Graduação em Cirurgia, como evitaríamos um Mestrado superdimensionado ou isolado, não atenderíamos exclusivamente a um mercado acadêmico, formaríamos um profissional de alta qualidade e teríamos um ponto de referência, pela produção científica gerada, para os órgãos de fomento vincularem recursos ligados a pesquisa e aos núcleos de excelência, particularmente os de reconhecimento internacional como é pretensão atual da CAPES.

Para concluir, deve ser assinalado que cada programa pode e deve ter suas características, ou seja, sua identidade, caracterizada pelas linhas de pesquisa que produzem o perfil de cada programa.

Este fato, com incremento do sistema de auto-avaliação, deverá gerar em futuro próximo um intercâmbio interinstitucional maior e que não tenha apenas como objetivo diminuir as disparidades regionais, mas também permitir uma permuta efetiva de orientadores, realização de créditos e desenvolvimento de projetos utilizando de forma racional e criativa o perfil de cada curso.

Assim, um projeto isolado de utilização de Biomateriais no Programa de Cirurgia da UFPE poderia ser desenvolvido com o auxílio do Prof. Oswaldo Malafaia em Curitiba e, em contrapartida, poderíamos receber um aluno da Universidade Federal do Paraná com um projeto de sepse intra-abdominal para realização de créditos ou desenvolvimento de seu projeto com nossas condições de trabalho, utilizando o perfil de nosso Programa.

Essa quimera poderia ser atingida no momento em que o País melhorasse suas condições de desenvolvimento e não ficasse sem resposta uma grande inquietação que atinge todos os nossos Cursos de Pós-Graduação stricto sensu. Como pode conviver a Pós-Graduação bem sucedida, com um amplo projeto de desenvolvimento, com uma decadência evidente e progressiva dos cursos de graduação, que ameaça fortemente a própria textura da Universidade brasileira? Como poderia sobreviver a pós-graduação sem uma estratégia adequada de financiamento da pesquisa que se processa particularmente nas Universidades e Centros de Pesquisa públicos?

Bem, essas seriam reflexões para outro Editorial. Sabemos que o século XXI que se aproxima é o século do conhecimento, mas não necessariamente o da sabedoria.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Fev 2010
  • Data do Fascículo
    Abr 1999
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