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Readmissão no pronto socorro, um problema evitável? Análise e estratificação de readmissões em um centro de referência para trauma

RESUMO

Introdução:

A readmissão hospitalar é uma maneira comum de se avaliar a qualidade do atendimento prestado em um serviço de emergência. O objetivo deste estudo foi quantificar, estratificar e buscar possíveis fatores associados às readmissões de um serviço de emergência referência para atendimento ao trauma.

Métodos:

Estudo longitudinal retrospectivo com pacientes admitidos, duas vezes ou mais, no pronto-socorro em um período máximo de 30 dias da admissão inicial - tendo sido internados ou não. Dados clínicos e demográficos foram obtidos a partir de prontuários eletrônicos.

Resultados:

A taxa de readmissão do serviço foi de 4,11% para todas as readmissões e 2,23% para as readmissões evitáveis. Dentro desse grupo, 61,19% foram provavelmente evitáveis, 19,47% possivelmente evitáveis e 19,34% eventualmente evitáveis. Quanto ao tempo, 48,16% ocorreram em menos de uma semana da readmissão inicial. Além disso, não foi encontrada associação estatisticamente significativa na análise do sexo biológico, dos acidentes de trabalho e das comorbidades. Foi encontrada associação estatisticamente significativa na análise da idade e do transporte por ambulância (OR 1,37; IC 95% 1,17-1,59).

Conclusão:

O estudo explicitou que há readmissões em pronto-socorro que poderiam ser evitadas, além de ter sido observada uma relação significativa entre as readmissões e a faixa etária, e o transporte por ambulância.

Palavras-chave:
Acidentes de Trabalho; Centros de Traumatologia; Grupos Etários; Readmissão do Paciente; Serviços Médicos de Emergência

ABSTRACT

Introduction:

Hospital readmission is a common way to assess the quality of care provided in an emergency service. In this context, the aim of this study is to quantify and stratify readmissions in a trauma reference emergency service.

Methods:

A retrospective longitudinal study was conducted with patients readmitted, twice or more, in the emergency service within a maximum period of 30 days from the initial admission - hospitalized or not. Clinical and demographic data were obtained from electronic medical records.

Results:

The readmission rate for the service was 4.11% for all readmissions and 2.23% for avoidable readmissions. Within this group, 61.19% were likely avoidable, 19.47% possibly avoidable, and 19.34% eventually avoidable. Regarding time, 48.16% occurred within one week of the initial readmission. Furthermore, no statistically significant association was found in the analysis of biological sex, occupational accident, and comorbidities. A statistically significant association was found in the analysis of age and ambulance transport (OR 1.37; 95% CI 1.17-1.59).

Conclusion:

The study highlighted that there are still readmissions in the emergency department that could be avoided. A significant relationship was observed between readmissions and patient ages, and ambulance transport.

Keywords:
Accidents; Occupational. Age Groups. Emergency Medical Services. Patient Readmission. Trauma Centers

INTRODUÇÃO

A taxa de readmissão hospitalar é uma das maneiras mais comuns de se avaliar a qualidade do atendimento prestado em um serviço de emergência11 Hutchinson CL, McCloughen A, Curtis K. Incidence, characteristics and outcomes of patients that return to Emergency Departments. An integrative review. Australas Emerg Care. 2019;22(1):47-68. doi: 10.1016/j.auec.2018.12.003.
https://doi.org/10.1016/j.auec.2018.12.0...

2 Stefan MS, Pekow PS, Nsa W, Priya A, Miller LE, Bratzler DW, et al. Hospital Performance Measures and 30-day Readmission Rates. J Gen Intern Med. 2012;28(3):377-85. doi: 10.1007/s11606-012-2229-8.
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-33 Lindenauer PK, Bernheim SM, Grady JN, Lin Z, Wang Y, Wang Y, et al. The performance of US hospitals as reflected in risk-standardized 30-day mortality and readmission rates for medicare beneficiaries with pneumonia. J Hosp Med. 2010;5(6):E12-8. doi: 10.1002/jhm.822.
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. Segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar do Ministério da Saúde, se define como o retorno ao hospital em até 30 dias após a alta da primeira admissão. No entanto, seu conceito se altera bastante de estudo a estudo, o que prejudica sua utilidade para a comunidade externa44 Halfon P, Eggli Y, Prêtre-Rohrbach I, Meylan D, Marazzi A, Burnand B. Validation of the Potentially Avoidable Hospital Readmission Rate as a Routine Indicator of the Quality of Hospital Care. Med Care. 2006;44(11):972-81. doi: 10.1097/01.mlr.0000228002.43688.c2.
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.

Para exemplificar, o lapso temporal máximo utilizado entre a alta inicial e a readmissão em si fomenta debate na comunidade científica. O intervalo de 72 horas é o mais prevalente¹, mas mostrou-se falho em detectar cerca de 70% das readmissões55 Rising KL, Victor TW, Hollander JE, Carr BG. Patient Returns to the Emergency Department: The Time-to-return Curve. Griffey RT, editor. Acad Emerg Med. 2014 Aug;21(8):864-71. doi: 10.1111/acem.12442.
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. Além disso, há uma heterogeneidade dos hospitais e dos setores onde os estudos são realizados - prontos-socorros66 Pellerin G, Gao K, Kaminsky L. Predicting 72-hour emergency department revisits. Am J Emerg Med. 2018;36(3):420-4. doi: 10.1016/j.ajem.2017.08.049.
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, enfermarias, Unidades de Atendimento Intensivo (UTIs)77 Junqueira ARB, Mirza F, Baig MM. A machine learning model for predicting ICU readmissions and key risk factors: analysis from a longitudinal health records. Health Technol. 2019;9(3):297-309. doi: 10.1007/s12553-019-00329-0.
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- e dos pacientes que os frequentam. Esses fatores associados refletem uma variação nas taxas de readmissão de 0,07 a 33%¹.

Outro ponto importante relacionado às readmissões são suas consequências financeiras: o estudo de Duseja et al. (2015) estimou que, no estado da Flórida, o custo das readmissões foi maior que 117% do custo total de todas as admissões iniciais, incluindo aquelas cujo paciente foi readmitido posteriormente. Nos Estados Unidos da América (EUA) as readmissões afetam 18,2% dos beneficiários do Medicare, gerando um custo de 15 a 17 bilhões de dólares99 Gerhardt G, Yemane A, Hickman P, Oelschlaeger A, Rollins E, Brennan N. Medicare Readmission Rates Showed Meaningful Decline in 2012. Medicare Medicaid Res Rev. 2013;3(2):E1-12. doi: 10.5600/mmrr.003.02.b01.
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,1010 Shulan M, Gao K, Moore CD. Predicting 30-day all-cause hospital readmissions. Health Care Manag. 2013;16(2):167-75. doi: 10.1007/s10729-013-9220-8.
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. Na tentativa de diminuir esses índices, foi estabelecido o Hospital Readmission Reduction Program (HRRP), que passou a penalizar financeiramente centros hospitalares por taxas acima do esperado, baseando-se no desempenho dos três anos anteriores.

No Brasil há uma escassez de publicações disponíveis sobre o tema, o que dificulta ainda mais a elaboração de estratégias específicas para nosso cenário. O objetivo deste estudo foi quantificar e estratificar as readmissões do pronto-socorro de um hospital de referência para atendimento ao trauma, além de caracterizar o perfil do paciente que está em maior risco de ser readmitido.

MÉTODOS

Este estudo apresenta um delineamento longitudinal retrospectivo e é composto por pacientes readmitidos no pronto-socorro no período de janeiro a julho de 2022. O estudo foi desenvolvido após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do hospital (CAAE: 63465222.7.0000.5225).

A fim de avaliar, prioritariamente, o impacto das condutas iniciais tomadas no pronto-socorro e das características da causa base da primeira admissão, foi utilizado um conceito mais amplo de readmissão - um intervalo de 30 dias entre a admissão inicial e a readmissão - diferentemente da definição clássica que delimita este período como sendo entre a alta inicial e a readmissão. Ademais, não foi feita discriminação se o paciente foi ou não internado no serviço na admissão inicial. Os pacientes estudados tiveram tanto a admissão inicial quanto a readmissão no período de janeiro a julho de 2022, e dados clínicos e demográficos foram coletados a partir de prontuários eletrônicos do sistema do serviço.

Foram excluídos do estudo casos em que: a primeira admissão ocorreu no mês de julho e a readmissão em agosto; readmissão, que na realidade, era apenas uma duplicação acidental da primeira admissão; admissão inicial por acidentes biológicos; prontuários da primeira ou da segunda admissão foram incompreensíveis.

Baseando-se na literatura1111 Auerbach AD, Kripalani S, Vasilevskis EE, Sehgal N, Lindenauer PK, Metlay JP, et al. Preventability and Causes of Readmissions in a National Cohort of General Medicine Patients. JAMA Intern Med. 2016;176(4):484-93. doi: 10.1001/jamainternmed.2015.7863.
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,1212 Blunt I, Bardsley M, Grove A, Clarke A. Classifying emergency 30-day readmissions in England using routine hospital data 2004-2010: what is the scope for reduction? Emerg Med J. 2014;32(1):44-50. doi: 10.1136/emermed-2013-202531.
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, as readmissões foram divididas em quatro classificações principais e sete subclassificações, considerando a relação entre as queixas principais das admissões ao pronto-socorro e o potencial da readmissão ser evitável. A primeira grande classificação é a de readmissão “evitável” - definida assim quando sua queixa está intimamente ligada à queixa ou à conduta médica da primeira admissão -, e foi subdividida em provavelmente, possivelmente e eventualmente evitável. Para se encaixar no subgrupo “provavelmente evitável”, a readmissão deve ter ocorrido pela persistência da queixa anterior em função de uma assistência inicial provavelmente mal otimizada. Essa readmissão, portanto, poderia não ter se concretizado ou poderia ter sido resolvida em um serviço de atenção primária à saúde. Para o subgrupo “possivelmente evitável”, a readmissão ocorreu devido a uma primeira assistência possivelmente subotimizada. Por fim, no subgrupo “eventualmente evitável” estão as readmissões em que não obstante a assistência inicial tenha sido otimizada, houve alguma complicação pouco esperada.

Já a segunda grande classificação foi intitulada como “preferência”, e nela foram englobados os casos em que houve desistência, quando o paciente se ausentou do pronto-socorro antes mesmo de ser atendido, ou evasão, quando o fez em algum momento antes que tivesse recebido alta médica. A terceira categoria é a de “artefato”, casos em que ou o fluxo da primeira admissão foi interrompido já na triagem inicial e o paciente foi encaminhado para serviços de atenção primária ou em que a readmissão do paciente era, na verdade, um retorno programado conforme orientação médica. Por fim, a última classe é a de “coincidência”, condicionada ao fato da segunda admissão não estar associada à primeira.

Com objetivo de explorar de maneira descritiva o comportamento dos dados obtidos, foram utilizados o valor absoluto, frequência do total (%) e Odds ratio (IC 95%) para as variáveis qualitativas. Para verificar a significância estatística dos resultados, foi empregado um modelo de Qui-Quadrado de independência, um teste não paramétrico, para verificar a associação entre as variáveis categóricas. Para as análises pertinentes, foi realizada a análise de resíduos ajustados.

Na primeira etapa da análise, o valor do Qui-Quadrado foi calculado para as tabelas de contingência, fornecendo uma medida geral da associação entre as variáveis. Os graus de liberdade foram determinados com base na quantidade de amostras e de variáveis. O nível de significância escolhido foi α=0,05. Ao final, um p-valor associado ao Qui-Quadrado <0,05 ou um valor do Qui-Quadrado maior que o valor crítico permite rejeitar a hipótese nula e favorecer a hipótese alternativa.

Posteriormente, a análise dos resíduos ajustados foi realizada com uma correção de alfa, conforme proposto por MacDonald e Gardner (2000), o que permitiu controlar o risco de erro tipo I ao realizar múltiplas comparações. Foram calculados os valores residuais ajustados, os p-valores para cada resíduo ajustado e o valor Z crítico de acordo com o alfa corrigido. Assim, para identificar as células que contribuíram significativamente para as associações encontradas, uma abordagem viável consistiu em comparar os valores residuais ajustados com o valor Z crítico e analisar cada p-valor encontrado.

Todas as análises estatísticas e construção de tabelas foram realizadas nos softwares estatísticos Excel, SPSS versão 28.0 e Phyton.

RESULTADOS

No período de janeiro a julho de 2022, foram realizados 35.456 atendimentos no serviço de emergência do hospital em 32.489 pacientes, sendo 3059 (8,63%) o número de pacientes que buscaram o pronto-socorro mais de uma vez em um intervalo de até 30 dias. Conforme os critérios de exclusão, 269 consultas foram desconsideradas do estudo, obtendo-se, então, 2.790 atendimentos. Desses, 1.459 readmissões (Tabela 1) eram readmissões pertencentes a 1331 pacientes. Dessa maneira, a taxa de readmissão bruta do serviço foi de 4,11%.

Tabela 1
Estratificação das readmissões..

Quanto ao tempo decorrido entre os atendimentos, o maior índice de readmissões ocorreu antes dos primeiros sete dias (48,17%), reduzindo progressivamente até o percentual de 11,13%, registrado após o final da terceira semana (Tabela 2).

Tabela 2
Distribuição do tempo entre a primeira admissão e a primeira readmissão, ou entre uma readmissão e a readmissão subsequente.

As 791 readmissões cuja causa da readmissão foi considerada evitável estão ligadas a 748 indivíduos. Para fins estatísticos, todas as análises deste ponto em diante utilizaram um dos dois valores como referência, a depender do que estava sendo estudado, e o restante das readmissões das outras três grandes classificações - “artefato”, “coincidência” e “preferência” - foram consideradas como não readmissões.

Em relação à distribuição das readmissões entre homens e mulheres (Tabela 3), o teste de Qui-Quadrado de independência mostrou que não há associação entre o sexo dos pacientes e uma possível readmissão [X²(1)=2,14; p=0,14] com nível de significância de 0,05 e valor crítico de 3,84.

Tabela 3
Análise comparativa entre o sexo dos pacientes readmitidos e não readmitidos, com amostra de 32.489 pacientes.

No que tange aos grupos etários (Tabela 4), o grupo de Crianças/Adolescentes compreende os pacientes de 0 até 17 anos, 11 meses e 29 dias (18 anos não completos), conforme disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente, e o grupo dos Idosos inclui os indivíduos com mais de 60 anos completos, assim como dispõe o Estatuto da Pessoa Idosa. O grupo dos Adultos, dessa forma, abrange os que estão fora dessas faixas etárias. O teste de Qui-Quadrado de independência mostrou que há associação entre as diferentes faixas etárias e a readmissão dos pacientes [X²(2)=69,66; p<0,001] com nível de significância de 0,05 e valor crítico de 5,99. Baseado na análise dos resíduos ajustados (Tabela 4), o grupo das Crianças/Adolescentes e Idosos expressaram desvios significativos da expectativa nula, já que os resíduos foram comparados com o valor crítico ajustado de ±2,64 para determinar quais células apresentaram significância.

Tabela 4
Análise de resíduos ajustados das diferentes faixas etárias de pacientes readmitidos e não readmitidos, com amostra de 32.489 pacientes.

Outra variável contemplada pelo estudo foi o traslado para o serviço por meio de ambulância (Tabela 5). O teste de Qui-Quadrado de independência mostrou que há associação [X²(1)=16,95; p<0,001] com nível de significância de 0,05 e valor crítico de 3,84.

Table 5
Análise comparativa entre as características das primeiras admissões e dos atendimentos não relacionados à readmissão, com total de 34665 atendimentos.

A relação entre a causa da primeira admissão ser um acidente de trabalho e uma posterior readmissão também foi analisada (Tabela 5). O teste de Qui-Quadrado de independência mostrou que não há associação entre os acidentes de trabalho e a readmissão dos pacientes [X²(1)=0,09; p=0,76] com nível de significância de 0,05 e valor crítico de 3,84.

Foi investigada, enfim, uma possível correlação entre a presença de comorbidades e a melhora, piora ou manutenção da gravidade do quadro clínico entre a admissão inicial e a readmissão, indicada pela classificação designada pelo protocolo de Manchester (Tabela 6). Em 53 casos não houve indicação formal da presença ou não de comorbidades nos prontuários, motivo pelo qual nesta análise foram desconsiderados. Nesse contexto, o teste de Qui-Quadrado de independência mostrou que há associação entre os diferentes seguimentos dos pacientes associados à classificação de Manchester e a presença ou não de comorbidades nos pacientes [X²(2)=6,06; p=0,048] com nível de significância de 0,05 e valor crítico de 5,99. No entanto, na comparação dos resíduos ajustados com o valor crítico ajustado de ±2,64, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre as frequências observadas e esperadas, evidenciando que todos os desfechos não apresentaram desvios significativos da hipótese nula. Isso ocorre porque, ao corrigir o alfa para diminuir o risco de erros do tipo I (falso-positivo), pode-se aumentar o risco de erros do tipo II (falso-negativo).

Tabela 6
Análise de resíduos ajustados das comorbidades em relação à classificação de Manchester, com amostra de 695 pacientes.

DISCUSSÃO

Este estudo revelou que a taxa bruta de readmissão no serviço estudado foi de 4,11%, o que é compatível com a literatura¹. No entanto, mais da metade (2,23%) foi atribuída a uma causa evitável. Apesar de ser um baixo percentual, as frequências dos subgrupos são distintas das encontradas em outras referências. Neste estudo, o percentual do subgrupo de readmissão “provavelmente evitável” foi de 33,2%, enquanto no trabalho de Auerbach et al. (2016) apenas 15% das readmissões estudadas apresentaram evidências fortes ou certas de que poderiam ter sido prevenidas e no de Blunt et al. (2014) a frequência foi de 5,39%. Essas discrepâncias podem ser decorrentes das circunstâncias dos atendimentos majoritários, no caso, o trauma de urgência em serviço público com alta demanda. A falta de orientação adequada pós-alta por parte da equipe médica certamente é uma hipótese a ser levantada, já que muitos foram os casos em que os pacientes retornaram ao serviço pela mesma queixa álgica e nenhum novo achado foi encontrado, mantendo-se a conduta anterior. Além disso, o perfil acadêmico do serviço pode ter contribuído para uma assistência insatisfatória.

Todavia, as outras grandes classificações de readmissões não são consideradas inertes e impassíveis de intervenções. A categoria “preferência”, quando o paciente interrompe seu atendimento por decisão própria e depois retorna, compôs 20,77% das readmissões do serviço, e parte delas ocorreu em função da demora no atendimento na admissão inicial, conforme descrito nos prontuários. E na categoria “artefato”, 20,18% representam pacientes que retornaram após encaminhamento inicial para serviço de menor complexidade, denotando uma falta de articulação na rede de assistência e baixa resolutividade na situação de trauma leve por parte de serviços de atenção primária, que pode ser considerada como fator colaborador para o sobrecarregamento do serviço de emergência e consequente alto tempo de espera para atendimento.

Quanto ao tempo decorrido entre a admissão inicial e a readmissão, foi inferior a uma semana em cerca de 50% dos casos, achado bastante semelhante ao encontrado no estudo de Considine et al. (2017). Rising et al. (2014) já propôs um intervalo de 9 dias como ideal, mas baseando-se nos resultados deste estudo, aproximadamente 40% de readmissões passariam despercebidas dessa forma. Outra hipótese a ser aventada é a de que as readmissões em menos de 7 dias estariam relacionadas à subclassificação “provavelmente evitável”, já que, em sua maioria, ou foram ocasionadas por uma má orientação ou por falha grosseira de diagnóstico.

O sexo masculino foi o mais prevalente de maneira geral, de forma que não foi encontrada associação estatisticamente significativa entre sexo biológico e readmissão, o que vai ao encontro dos resultados de outros trabalhos11 Hutchinson CL, McCloughen A, Curtis K. Incidence, characteristics and outcomes of patients that return to Emergency Departments. An integrative review. Australas Emerg Care. 2019;22(1):47-68. doi: 10.1016/j.auec.2018.12.003.
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,1414 Mahmoudi S, Taghipour HR, Javadzadeh HR, Ghane MR, Goodarzi H, Kalantar Motamedi MH. Hospital Readmission Through the Emergency Department. Trauma Mon. 2016;21(2):e35139. doi: 10.5812/traumamon.35139.
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. O que provavelmente explica essa disparidade entre os sexos é a maior prevalência de homens em casos envolvendo trauma1515 Credo PFD, Felix JVC. Perfil dos pacientes atendidos em um hospital de referência ao trauma em Curitiba: implicações para a enfermagem. Cogitare enferm. 2012;17(1):126-31. doi: 10.5380/ce.v17i1.26385.
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- situação de maior prevalência neste serviço de emergência - já que no grupo dos pacientes não readmitidos também se observou a mesma proporcionalidade.

No que se refere à idade, enquanto a frequência dos adultos constatada nos grupos dos pacientes readmitidos e dos não readmitidos se manteve, a prevalência da população idosa sofreu um recrudescimento de quase 35% no primeiro grupo. Uma das possíveis causas para essa elevação, também encontrada na literatura1616 Chan A, Ho S, Fook-Chong S, Lian S, Liu N, Ong M. Characteristics of patients who made a return visit within 72 hours to the emergency department of a Singapore tertiary hospital. Singapore Med J. 2015;57(06):301-6. doi: 10.11622/smedj.2016104.
https://doi.org/10.11622/smedj.2016104...
, é a diminuição das reservas fisiológicas nos idosos1717 Clegg A, Young J, Iliffe S, Rikkert MO, Rockwood K. Frailty in elderly people. The Lancet. 2013;381(9868):752-62. doi: 10.1016/S0140-6736(12)62167-9.
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, que os torna mais vulneráveis ao estresse agudo e lentifica a recuperação dos agravos. Em contrapartida, a população pediátrica apresentou redução expressiva no grupo readmitido, um achado importante deste estudo, pois esse grupo de indivíduos costuma ser excluído da análise das pesquisas envolvendo readmissões gerais.

Outro ponto relevante deste estudo é a possibilidade de predizer um grupo que está em maior risco de ser readmitido antes mesmo que seu atendimento inicie. Apesar de o estudo ser retrospectivo e dificultar a inferência de uma correlação de risco, a chegada do paciente por ambulância em seu primeiro atendimento no serviço se mostrou mais associada a uma futura readmissão (OR 1,37). Chan et al. (2020), ao se deparar com a mesma associação, elaborou a hipótese de que a maior ativação do protocolo de ambulâncias ocorreu em instituições de longa permanência para idosos, e por incapacidade de lidar com a sintomatologia do paciente, logo o faz retornar para o pronto-socorro. Todavia, essa teoria não inclui a população pediátrica e adulta. Outra explicação plausível para o achado é a maior complexidade/gravidade dos casos quando ocorre o transporte por uma unidade de atendimento de emergência1818 Ladeira RM, Barreto SM. Fatores associados ao uso de serviço de atenção pré-hospitalar por vítimas de acidentes de trânsito. Cad Saúde Pública. 2008;24(2):287-94. doi: 10.1590/S0102-311X2008000200007.
https://doi.org/10.1590/S0102-311X200800...
, que por si só já é um fator mais associado às readmissões1919 Lingsma HF, Bottle A, Middleton S, Kievit J, Steyerberg EW, Marang-van de Mheen PJ. Evaluation of hospital outcomes: the relation between length-of-stay, readmission, and mortality in a large international administrative database. BMC Health Serv Res. 2018;18(1):116. doi: 10.1186/s12913-018-2916-1.
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.

Em relação aos acidentes de trabalho, houve uma alta prevalência dos atendimentos no pronto-socorro, como já era esperado2020 Dethlefsen R, Orlik L, Müller M, Exadaktylos AK, Scholz SM, Klukowska-Rötzler J, et al. Work-Related Injuries among Insured Construction Workers Presenting to a Swiss Adult Emergency Department: A Retrospective Study (2016-2020). Int J Environ Res Public Health. 2022;19(18):11294. doi: 10.3390/ijerph191811294.
https://doi.org/10.3390/ijerph191811294...
. As frequências desses agravos no grupo dos pacientes readmitidos e dos não readmitidos foram semelhantes entre si, justificando a associação entre acidente de trabalho e readmissão não ter relevância estatística. Não foram encontrados estudos que abordassem uma relação de chance ou risco entre acidentes de trabalho e readmissões, o que reforça a necessidade de mais trabalhos nesse sentido.

Finalmente, optou-se por avaliar a possibilidade da presença de comorbidades agravarem o quadro do paciente em sua readmissão. Já é sabido que as comorbidades estão associadas com a readmissão²¹, e por conseguinte esperava-se uma piora na evolução clínica. Inicialmente foi constatada leve diferença entre a contagem esperada e a observada, mas que no teste de comparações, realizado para evitar erros do tipo I, provou-se estatisticamente insignificante.

Foram limitações do estudo a omissão de informações, discordância entre evoluções e parte dos atendimentos tendo ocorrido no primeiro trimestre do ano de 2022, durante a pandemia da COVID-19, o que pode ter alterado o fluxo de pacientes.

CONCLUSÃO

Conclui-se que, apesar da taxa de readmissão estar dentro do esperado, 4,11%, mais da metade dos casos poderia ter sido evitada. Além disso, pacientes idosos e transportados via ambulância têm maior chance de serem readmitidos. Tais achados são de grande valia para o setor epidemiológico e coordenação do serviço, pois possibilitam elencar hipóteses em relação às readmissões, a fim de auxiliar no planejamento das ações para tornar o atendimento à população mais eficaz, reduzindo também custos e outros encargos sociais.

REFERENCES

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  • FOMENTO

    Número do projeto: 63465222.7.0000.5225 Instituição responsável: Hospital do Trabalhador/SES/PR
  • Fonte de financiamento:

    nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2023
  • Aceito
    31 Mar 2024
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