NOTA TÉCNICA
Diverticulotomia transoral grampeada
Renato Abrantes Luna, TCBC-RJI; Jean-Marie CollardII
ICirurgião da Clínica Cirúrgica B - Hospital Universitário Gafrée e Guinle - UNIRIO - HUGG - UNIRIO - RJ - BR
IIUpper G-I Surgery Unit, HospitalUniversitário Saint Luc's, da Escola de Medicina de Louvain, Bruxelas, Bélgica
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Renato Abrantes Luna E-mail: luna_renato@hotmail.com
INTRODUÇÃO
Desde sua descrição em 1796 por Ludlow1, e o primeiro relato de tratamento cirúrgico com sucesso por Wheeler em 1886, inúmeras opções terapêuticas têm sido descritas para o tratamento do divertículo de Zenker. Schimid em 1912 descreveu a diverticulopexia com menores taxas de morbidade e mortalidade que a ressecção. Mosher em 1917 introduziu o tratamento por endoscopia rígida seccionando o septo do divertículo esofagiano. Em 1958, Harrison chamou a atenção para a miotomia como parte integrante do tratamento do divertículo de Zenker. Em 1960 Dohlman retoma a técnica por endoscopia rígida utilizando um espéculo esofagiano com fenda bi labiada na extremidade distal2. Em 1993, foi publicada uma modificação técnica deste procedimento3, onde se utiliza de um espéculo com hastes independentes, associada secção por grampeador do septo. A técnica de secção do septo por endoscopia flexível é apresentada pelo grupo do Prof. Ishioka, através do Prof. Sakai, em 1982, e posteriormente têm sua experiência publicada internacionalmente em 19954. Em 2004 Evrard et al., publicam a modificação técnica onde se utilizam de um "overtube" bilabiado em sua extremidade, facilitando o tratamento por endoscopia flexível5. Desde então, cada vez menos casos chegam ao cirurgião geral para o tratamento tratamento.
Esta nota tem por objetivo apresentar o procedimento minimamente invasivo, idealizado por Collard2, como alternativa para o tratamento do divertículo de Zenker, trazendo-o novamente para a ação do cirurgião geral. Este procedimento realizado desde a década de 90 no exterior, ainda não conseguiu divulgação adequada entre nós. Em pesquisa no Pubmed e Bireme, não foi obtida nenhuma referência em língua portuguesa desta técnica. Em 2006, a Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva publica em seu livro texto, um capítulo de autoria do Dr. Colaiacovo, com uma casuística de 18 casos com esta técnica6. Após a realização do primeiro caso no HUGG-UNIRIO, encaminhamos esta nota para publicação, buscando maior divulgação da técnica em nosso meio.
Técnica cirúrgica
O paciente é colocado em posição supina, com hiperextensão do pescoço (Figura 1). O cirurgião se posiciona na cabeceira da mesa cirúrgica. O monitor de vídeo é colocado à direita do paciente, a uma distância confortável do cirurgião.
Com o paciente sob anestesia geral, é inserido o diverticuloscópio na posição fechada e orientado para o esôfago, sob visão direta ou, preferencialmente, com o auxílio de uma câmera laparoscópica com ótica de 5 mm. A entubação pode ser realizada por via naso ou oro traqueal.
O diverticuloscópio é então retirado lentamente até a visualização do septo entre o esôfago e o divertículo, sendo então cuidadosamente aberto e avançado, de forma que as pás do diverticuloscópio se posicionem, uma no interior do divertículo e a outra na luz esofagiana. Deve-se tomar cuidado, pois, em divertículos maiores, o diverticuloscópio entra preferencialmente na luz diverticular, levando ao risco de perfuração. Em divertículos pequenos, o diverticuloscópio pode colabar a luz diverticular dificultando sua identificação.
Assim o septo do divertículo esofagiano fica exposto entre as pás (Figura 2). O diverticuloscópio é então fixado à parede torácica do paciente permitindo que o cirurgião trabalhe com as mãos livres (Figura 1). Um grampeador linear endoscópico é então inserido por via transoral e fechado com o septo divertículo-esofageano em seu interior. O seu disparo resulta na secção do septo e simultâneo grampeamento da parede do divertículo à parede esofagiana. Abre-se então uma fenda em forma de V entre o esôfago e o divertículo (Figura 2). São realizados quantos disparos forem necessários para a secção total do septo. Vale lembrar que o grampeador termina sua linha de corte antes da linha de grampeamento, sendo necessária atenção para não deixar um septo residual significativo. Este fato é especialmente relevante em divertículos menores. Alguns autores aconselham serrar a ponta da pá fixa do grampeador para diminuir o septo residual (Figura 3). Outro aspecto fundamental é que pequenos divertículos possuem septos menores, não permitindo a secção completa do músculo cricofaríngeo e da musculatura proximal do esôfago, limitando o emprego desta técnica nestes pacientes. Atualmente esta técnica é oferecida para pacientes com divertículos a partir de 3 cm7,8,9.
A hemostasia é revisada, e o procedimento é encerrado.
No dia seguinte é realizada uma esofagografia para avaliação de fístulas ou de septo residual (Figura 4). Caso o exame não mostre extravasamentos, é iniciada dieta líquida completa e o paciente recebe alta hospitalar. Esta dieta é mantida por sete dias, sendo depois evoluída para dieta normal.
A diverticulotomia transoral grampeada tem como principais vantagens: menor tempo cirúrgico, menor trauma cirúrgico, menor índice de morbidade (menos lesão de laríngeo recorrente, fístulas, perfurações esofagianas), menor tempo de internação. As lesões à arcada dentária, porém, são mais freqüentes que na técnica aberta7-9. A diverticulotomia transoral é especialmente útil em pacientes previamente submetidos à cervicotomias.
Apesar de não haver estudo randomizado comparando as diversas técnicas, a diverticulotomia grampeada é potencialmente mais segura que técnicas endoscópicas que apenas oferecem a secção do septo, sem qualquer tipo de sutura ou fixação entre o divertículo e o esôfago cervical.
É importante salientar que os bons resultados deste procedimento estão relacionados à adequada seleção de pacientes, no que diz respeito ao tamanho do divertículo, abertura da boca e mobilidade cervical.
Recebido em 15/11/2008
Aceito para publicação em 17/01/2009
Conflito de interesse: nenhum
Fonte de financiamento: nenhuma
Trabalho realizado no Hospital Universitário Gafrèe e Guinle - HUGG - UNIRIO - RJ - BR.
- 1. Ludlow A. A case of obstructed deglutition from a preter natutal bag formed in the pharynx. In: Johnson W, Caldwell T, editors. Medical observations and inquiries. 2nd ed. London: Society of Physicians; 1769. p. 85-101.
- 2. Collard JM, Otte JB, Kenstens PJ. Endoscopic stapling technique of esophagodiverticulostomy for Zenker's diverticulum. Ann Thorac Surg. 1993; 56(3):573-6.
- 3. Dohlman G, Mattsson O. The endoscopic operation for hypopharyngeal diverticula: a roentgencinematographic study. AMA Arch Otoralyngol. 1960; 71:744-52.
- 4. Ishioka S, Sakai P, Maluf Filho F, Melo JM. Endoscopic incision of Zenker's diverticula. Endoscopy. 1995; 27(6):433-7.
- 5. Evrard S, Le Moine O, Hassid S, Devière J. Zenker's diverticulum: a new endoscopic treatment with a soft diverticuloscope. Gastrointest Endosc. 2003; 58(1):116-20.
- 6. Colaiacovo W. Divertículos faringoesofagicos de Zenker _ Stapler endoluminal. In: Endoscopia gastrointestinal terapêutica. 1Ş ed. SOBED; 2006. p. 324-6.
- 7. Gutshow CA, Hamoir M, Rombaux P, Otte JB, Goncette L, Collard JM. Management of pharyngoesophageal (Zenker's) diverticulum: which technique? Ann Thorac Surg. 2002; 74(5):1677-82; discussion 1682-3.
- 8. Lerut TE, Luketich JD, Bizekis C. Esophageal diverticula. In: Patterson GA, Pearson FG, Cooper JD, Deslauriers J, Rice TW, Luketich JD et al, editors. Pearson's thoracic and eophageal surgery. 3rd ed. Philadelphia: Churchill Livingstone; 2008. p. 702-13.
- 9. Bonavina L, Bona D, Abraham M, Saino G, Abate E. Long term results of endosurgical and open surgical approach for Zenker diverticulum. World J Gastroenterol. 2007; 13(18):2586-9.
Endereço para correspondência:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
10 Ago 2009 -
Data do Fascículo
Jul 2009