Hipovitaminose D pré-operatória e complicações em cirurgia plástica: estudo piloto

RESUMO

Introdução:

a vitamina D é parte constituinte de diversos processos biológicos. Além da conhecida regulação do sistema imunológico e do metabolismo do cálcio, está envolvida no desfecho cirúrgico de diversas especialidades, porém não há dados consistentes sobre cirurgia plástica. Este estudo teve como objetivo avaliar os níveis séricos pré-operatórios de 25-hidroxivitamina D e sua relação com complicações em pacientes submetidos a cirurgias plásticas reparadoras e estéticas.

Métodos:

coorte prospectiva e observacional, conduzida de outubro de 2021 a agosto de 2023 no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco, em 83 pacientes.

Resultados:

os níveis de vitamina D foram considerados deficientes em 7 (8,4%) dos pacientes, insuficientes em 36 (43,4%) e suficientes em 40 (48,2%). Não se demonstrou associação direta entre níveis séricos deficientes ou insuficientes de 25-hidroxivitamina D e a incidência de complicações em cirurgia plástica, nem mesmo quando associado a comorbidades

Conclusão:

a hipovitaminose D pré-operatória não foi associada a complicações em cirurgia plástica.

Palavras-chave:
Vitamina D; Cirurgia Plástica; Complicações Pós-operatórias

ABSTRACT

Introduction:

Vitamin D plays a crucial role in various biological processes, including the well-known regulation of the immune system and calcium metabolism. While its involvement in the surgical outcomes of various medical specialties is recognized, there is a lack of consistent data regarding plastic surgery. This study aimed to assess preoperative serum levels of 25-hydroxyvitamin D and its relationship with complications in patients undergoing reconstructive and aesthetic plastic surgeries.

Methods:

prospective and observational cohort study, conducted from October 2021 to August 2023 at the Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Pernambuco, involving 83 patients.

Results:

vitamin D levels were deemed deficient in 7 (8,4%) patients, insufficient in 36 (43,4%), and sufficient in 40 (48,2%). No direct association was demonstrated between deficient or insufficient serum levels of 25-hydroxyvitamin D and the incidence of complications in plastic surgery, even when considering comorbidities.

Conclusion:

preoperative hypovitaminosis D was not associated with complications in plastic surgery.

Keywords:
Vitamin D; Plastic Surgery; Postoperative Complications

INTRODUÇÃO

Vitamina D ou calciferol é um termo genérico para um grupo de compostos lipossolúveis. É reconhecida como um princípio ativo desde 1919, quando suas propriedades sobre a homeostase do cálcio e prevenção do raquitismo foram descobertas¹. Hoje sabe-se que desempenha um papel essencial em uma ampla gama de processos pleiotrópicos, como modulação do sistema imunológico, regulação da função cardiovascular, influência no sistema nervoso central e possível envolvimento em processos anti-inflamatórios e antioncogênicos^2,3.

A hipovitaminose D é um problema que afeta cerca de um bilhão de pessoas em todo o mundo, atingindo até 36% dos adultos entre 18 e 29 anos⁴. Dados do Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição (NHANES) nos Estados Unidos mostraram que, de 2011 a 2014, a prevalência de níveis de vitamina D inferiores a 12 ng/mL foi de 5%, e de 12 a 19 ng/mL foi de 18%⁵. Entre as causas, destacam-se diminuição da síntese endógena por baixa exposição solar ou uso de filtro solar, ingestão diminuída em pessoas institucionalizadas e idosos, condições malabsortivas como osteoporose e doença celíaca e aumento medicamentoso do catabolismo hepático^5,6.

Na maioria dos casos, os pacientes são assintomáticos mas são descritos casos de dor e sensibilidade óssea, fraqueza muscular e dificuldade para caminhar. Os níveis de cálcio, fósforo e fosfatase alcalina costumam ser normais porém, em casos crônicos, ocorre hipocalcemia, hiperparatireoidismo secundário, desmineralização óssea e algum grau de raquitismo e osteomalácia. Embora a forma ativa seja a 1,25-di-hidroxivitamina D ou calcitriol⁷, a 25-hidroxivitamina D (25[OH]D) ou calcidiol constitui a melhor maneira para a dosagem sérica da vitamina, com níveis expressos em nanogramas por mililitro (ng/ml)². A Endocrine Society considera suficiência como níveis acima de 30 ng/ml, insuficiência entre 20 e 30 ng/ml e deficiência abaixo de 20 ng/ml⁸. A recomendação dietética adequada para indivíduos de até 70 anos, bem como gestantes e lactantes, é de 600 unidades internacionais (UI) ou 15 microgramas (mcg) diários. Após os 71 anos, sugere-se 800 UI ou 20 mcg diários^2,9.

A baixa sérica de vitamina D tem sido associada a condições clínicas como infarto do miocárdio, diabetes, doenças autoimunes, doença pulmonar obstrutiva crônica, neoplasias, tuberculose e aumento da mortalidade na população em geral¹⁰. Ademais, tem-se associado a complicações cirúrgicas de diversas naturezas e especialidades. Muitas delas possuem uma interface considerável com a cirurgia plástica, nomeadamente cirurgia de cabeça e pescoço, cirurgia de mão, cirurgia do aparelho digestivo, cirurgia oncológica, mastologia, neurocirurgia, ortopedia e urologia^11-17. No entanto, não há dados sólidos que associem a vitamina D e complicações oriundas de procedimentos reparadores e estéticos. Este estudo se propõe a preencher esta lacuna, otimizando o manejo, até então empírico, de pacientes cirúrgicos portadores desta hipovitaminose.

MÉTODOS

Estudo de coorte prospectiva e observacional, conduzido de outubro de 2021 a agosto de 2023, no serviço de cirurgia plástica do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco. Esteve de acordo com a resolução 466/2012, da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Saúde, e a Declaração de Helsinque. Iniciou-se apenas após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa do hospital, sob certificado de apresentação para apreciação ética de número 53828321.7.0000.8807.

A população da análise foi constituída de pacientes consecutivos operados na instituição, num total de 83. Os critérios de inclusão foram indivíduos acima de 18 anos, com ou sem comorbidades, submetidos a cirurgia plástica reparadora ou estética, e concordantes com o termo de consentimento livre e esclarecido de participação na pesquisa. Indivíduos não incluídos foram aqueles fora da faixa etária, que não realizaram dosagem sérica pré-operatória de 25(OH)D, que não foram operados mesmo com dosagem, e que se recusaram a participar. Foram excluídos os pacientes que foram operados mas não possuíam dosagem, que perderam seguimento ambulatorial, e que optaram por sair da pesquisa.

As variáveis analisadas foram sexo, idade, raça, tabagismo, comorbidades (hipertensão, diabetes e obesidade), nível sérico pré-operatório de 25(OH)D, sítio da cirurgia (cabeça e pescoço: face, mento, nariz, orelhas e pálpebras, incluindo tumores; contorno corporal: abdome, braços, coxas e região sacral; e mamas: femininas e masculinas, incluindo torsoplastia) e complicações (menores: tratadas ambulatorialmente; maiores: necessitaram de internação e/ou nova cirurgia). As informações epidemiológicas foram naturalmente coletadas na anamnese. A dosagem de 25(OH)D foi incluída nos exames laboratoriais pré-operatórios rotineiros. Ao longo das consultas pós-operatórias, foram verificadas possíveis complicações cirúrgicas, cujos tratamentos seguiram o que já está estabelecido na literatura médica.

Foram utilizados os softwares Statistical Package for the Social Sciences 25.0 para Windows e o Excel 365. Todos os testes foram aplicados com um nível de confiança de 95%. Além disso, todos os resultados foram calculados considerando apenas respostas válidas, ou seja, as respostas ignoradas não foram incluídas na análise estatística. Os resultados foram apresentados na forma de quadros e tabelas, acompanhados de suas respectivas frequências absolutas e relativas, fornecendo uma visão clara das distribuições dos dados. Para as variáveis numéricas, foram utilizadas medidas de tendência central e medidas de dispersão, permitindo uma descrição abrangente das características das variáveis. A fim de avaliar a existência de associações entre variáveis categóricas, foram aplicados o teste qui-quadrado e o teste exato de Fisher.

O desfecho primário foi o nível pré-operatório de 25(OH)D e, o secundário, a presença de complicações pós-operatórias em pacientes com níveis insuficientes ou deficientes de 25(OH).

RESULTADOS

Analisamos os dados demográficos quanto a sexo, raça, idade, presença e tipo de comorbidades e porte da cirurgia. Todos estão descritos na Tabela 1.

Tabela 1
Demografia.

Variáveis	n	%
Sexo
Feminino	65	78,3
Masculino	18	21,7
Idade (anos)
<60	56	67,5
60 ou mais	27	32,5
Raça
Parda	58	70,7
Branca	24	29,3
Tabagismo	3	3,61
Comorbidades
Não	35	42,2
Hipertensão	19	22,9
Diabetes	11	13,3
Obesidade	7	8,4
Cirurgia
Cabeça e pescoço	32	38,5
Contorno corporal	17	20,5
Mamas	34	41

O Tabela 2 traz os níveis de 25(OH)D, relacionando a idade com média com e sem desvio-padrão, mediana em percentis 25 e 75 e mínimo-máximo.

Table 2
Níveis de 25(OH)D.

Variáveis	n		%
25(OH)D (ng/ml)
Deficiente (≤ 20)	7 36 40		8,4
Insuficiente (21-29)			43,4
Suficiente (≥ 30)			48,2
	Média ± DP	Mediana (P25; P75)	Mínimo-máximo
Idade (anos)	50.8 ± 16.2	51,0 (39,0; 62,0)	22,0-86,0
25(OH)D (ng/ml)	31.4 ± 13.8	29,4 (23,4; 36,3)	4,3-107,0

• DP: desvio-padrão. P: percentil.

O Tabela 3 discrimina a prevalência de cada tipo de complicação. As menores não necessitaram de reinternação ou reabordagem cirúrgica, como as maiores.

Tabela 3
Complicações menores e maiores.

Variáveis	n	%
Complicações menores
Sim	22	26,5
Não	61	73,5
Tipo de complicações menores
Cicatriz hipertrófica	3	13,6
Deiscência	11	50,0
Hematoma	2	9,1
Infecção	2	9,1
Necrose	3	13,6
Paresia	1	4,6

A Tabela 4 mostra os resultados relativos à concentração de 25(OH)D e sua relação com os sítios cirúrgicos.

Tabela 4
Cruzamento de sítios cirúrgicos e níveis de 25(OH)D.

	25(OH)D (ng/ml)
Variáveis	Deficiente (≤ 20)	Insuficiente (21-29)	Suficiente (≥ 30)	p-valor
	n (%)	n (%)	n (%)
Cirurgia
Cabeça e pescoço	3 (9,3)	14 (43,75)	15 (46,8)	0,293*
Contorno corporal	0 (0,0)	11 (64,7)	6 (35,3)
Mamas	4 (11,8)	11 (32,4)	19 (55,8)

• (*) Exato de Fisher.

A Tabela 5 exibe os resultados relativos à concentração de 25(OH)D e sua relação com complicações menores e maiores.

Tabela 5
Cruzamento de complicações e níveis de 25(OH)D.

	25(OH)D (ng/ml)
Variáveis	Deficiente (≤ 20)	Insuficiente (21-29)	Suficiente (≥ 30)	p-valor
	n (%)	n (%)	n (%)
Complicações menores
Sim	3 (13,6)	8 (36,4)	11 (50)	0,517*
Não	4 (6,6)	28 (45,9)	29 (47,5)
Tipo de complicações menores
Cicatriz hipertrófica	0 (0,0)	1 (33,3)	2 (66,7)	0,673**
Deiscência	1 (9,1)	3 (27,3)	7 (63,6)
Hematoma	0 (0,0)	1 (50,0)	1 (50,0)
Infecção	1 (50,0)	1 (50,0)	0 (0,0)
Necrose	1 (33,3)	1 (33,3)	1 (33,3)
Paresia	0 (0,0)	1 (100,0)	0 (0,0)
Complicações maiores
Sim	2 (33,3)	2 (33,3)	2 (33,3)	0,113**
Não	5 (6,5)	34 (44,2)	38 (49,3)
Tipo de complicações maiores
Deiscência	1 (50,0)	1 (50,0)	0 (0,0)	1,000**
Infecção	0 (0,0)	0 (0,0)	1 (100,0)
Necrose	0 (0,0)	1 (50,0)	1 (50,0)
Paresia	1 (100,0)	0 (0,0)	0 (0,0)

• (*) Exato de Fisher. (**) Qui-quadrado.

É importante notar que não foram identificadas associações estatisticamente significativas entre nenhuma das variáveis analisadas e a concentração de 25(OH)D.

DISCUSSÃO

Devido à ausência de estudos demonstrando a associação entre níveis séricos de vitamina D e complicações pós-operatórias em cirurgia plástica, não foi possível estimar a priori o número total de pacientes necessários. Portanto, essa pesquisa exploratória não necessitou cálculo amostral e utilizou uma amostra conveniente, totalizando 83 pacientes. Os níveis de vitamina D foram considerados deficientes em 7 (8,4%) destes, insuficientes em 36 (43,4%) e suficientes em 40 (48,2%). Os resultados não demonstraram associação direta entre níveis séricos deficientes ou insuficientes de 25(OH)D e a incidência de complicações em cirurgia plástica, nem mesmo quando associado a comorbidades.

Acredita-se que isso decorra, primariamente, da heterogeneidade da população de pacientes. Diferenças em sexo, idade, raça e comorbidades e sítio cirúrgico podem não influenciar os níveis de vitamina D de maneira significativa, conforme demonstrado no quadro 1. Os dados podem estar comprometidos pela amostra limitada. Desta, 65 (78,3%) eram mulheres. Além disso, 58 (70,7%) se declararam pardos e, os demais, brancos. A resposta ao aumento nos níveis circulantes de vitamina D após a suplementação oral é semelhante em mulheres americanas brancas e negras. Mulheres afroamericanas tem menor risco de fraturas do que as caucasianas americanas, e os homens afroamericanos tem densidade óssea mais elevada do que homens americanos brancos ou hispânicos^6,9.

A associação também pode ser dificultada pela grande quantidade de fatores de risco para hipovitaminose D. Tabagismo foi detectado em 3,6% da população e, dentre as comorbidades referidas, observou-se hipertensão em 22,9%, diabetes em 13,3%, obesidade em 8,4%. Além de baixa exposição solar e ingesta, contribuem o uso de corticoides e imunossupressão¹⁸. Tais fatores estão mais relacionados a complicações cirúrgicas em cirurgia plástica do que a hipovitaminose D per se, entretanto, não constituíram variável de análise.

As complicações não foram categorizadas em grupos como, por exemplo, isquêmicas, infecciosas ou trombóticas, mas seguiram um padrão semelhante ao da classificação de Clavien-Dindo¹⁹. Os dados estão dispostos no quadro 2. Aquelas que requereram apenas tratamento ambulatorial foram divididas em menores, a saber: cicatriz hipertrófica, deiscência, hematoma, infecção, paresia e necrose. As maiores, isto é, onde foi preciso reinternação ou reoperação, incluíram deiscência, infecção, necrose e paresia. Em direção oposta, também não foi possível afirmar que a suficiência sérica da vitamina pudesse prevenir complicações.

O colágeno tem sua formação e remodelação reguladas, em parte, pela vitamina C e pela 25(OH)D, e sabe-se que é um componente fundamental do processo de cicatrização, angiogênese e da linfangiogênese. A diminuição sérica de 25(OH)D pode levar a uma cicatrização débil e potencial deiscência de feridas. Apesar de não se haver documentado diferenças estatisticamente significativas, pacientes obesos mórbidos tem um risco aumentado de deficiências de vitamina D e cálcio por redução da absorção intestinal e pelo estilo de vida sedentário, com menor exposição à luz solar. Além disso, a obesidade está associada ao sequestro aumentado de vitaminas solúveis em lipídios no tecido adiposo armazenado. Mesmo com a suplementação de cálcio e vitamina D após o bypass gástrico em Y de Roux, tais pacientes podem apresentar um aumento na reabsorção óssea^15,20,21. Entre as cirurgias reparadoras após emagrecimento acentuado, foram realizadas abdominoplastias circunferenciais e em âncora, braquioplastias, cruroplastias e mamoplastias. Todas cursaram com deiscências pontuais enquanto complicações menores, não necessitando terapêutica além de curativos. Razzaghi et al. e Burkiewicz et al. publicaram ensaios controlados por placebo em pacientes com úlceras diabéticas e venosas, respectivamente. Naqueles, houve redução no eritema e no tamanho da lesão após suplementação oral de vitamina D; nestes, não^22,23. Os pacientes diabéticos desta amostra não apresentavam úlceras. Procedeu-se à reconstrução de uma úlcera de pressão em região sacral, secundária a trauma raquimedular, que cursou com deiscência devido a osteomielite. Não foi possível tratar úlceras venosas, porém realizou-se uma reconstrução de membros inferiores secundária a linfangite supurativa, que evoluiu sem complicações.

Por outro lado, uma resposta inflamatória descontrolada pode resultar na produção excessiva de colágeno tipo III, contribuindo para cicatrizes hipertróficas e queloides²⁴. Van der Veer et al. não encontraram diferença significativa na incidência de cicatrizes hipertróficas entre grupos que usaram vitamina D e que não usaram²³. Um paciente insuficiente e um suficiente apresentaram cicatrizes patológicas, sem necessidade de intervenção.

Com colágeno reduzido, a parede dos vasos pode ser fragilizada e haver hematomas^15,24,25. Relatou-se apenas um hematoma em paciente insuficiente, sem necessidade de intervenção. Sendo afetada a absorção e drenagem de fluidos intersticiais, pode haver perfusão sanguínea deficitária em áreas críticas como enxertos e retalhos, aumentando o risco de isquemia e necrose tecidual²⁶. Não houve seromas na amostra.

Cirurgias plásticas apresentam índices relativamente menores de infecção em comparação com procedimentos cirúrgicos de outras especialidades. A maioria dos procedimentos é eletiva, o que permite uma seleção cuidadosa de candidatos hígidos ou com comorbidades controladas. Protocolos estritos de assepsia, antissepsia, higienização e antibioticoprofilaxia contribuem para taxas de infecção mais baixas em comparação com procedimentos de urgência²⁷. Quando ocorre uma solução de continuidade na barreira mecânica da pele, o sistema imunológico inato aumenta a expressão do receptor toll-like-2 e do fator transformador de crescimento, que ativam a vitamina D em calcitriol. Este induz a formação de peptídeos de proteção, como catelecidina e defensinas, que suprimem citocinas pró-inflamatórias e afetam a proliferação e migração dos queratinócitos e a angiogênese^1,22,28,29. Numa situação de deficiência de vitamina D, a expressão desses peptídeos pode ser reduzida, enfraquecendo a barreira antimicrobiana da pele e das mucosas. Isso pode aumentar o risco de colonização bacteriana nas incisões cirúrgicas, predispondo o paciente a infecções30. Não houve pacientes em tratamento de queimaduras no estudo, mas Chen et al. conduziram uma coorte retrospectiva com essa população e relataram uma redução significativa no tempo de hospitalização, incidência de infecção da ferida e septicemia naqueles que receberam suplementação diária de cálcio, magnésio, vitaminas A, B1, B6, B12, C, D e E^4,23. Neste estudo, um paciente com nível insuficiente apresentou infecção, sem necessidade de intervenção, e um com nível suficiente, necessitando de antibioticoterapia.

Os metabólitos da vitamina D tem um papel clínico significativo devido à sua interrelação com a homeostase do cálcio, do metabolismo ósseo e da integridade neuronal. Níveis deficientes podem contribuir com o desenvolvimento de osteoporose e risco aumentado de quedas e fraturas em idosos⁶. Sua manutenção pode possuir um papel no pós-operatório de cirurgias plásticas que envolvem enxertos ósseos, compactos ou esponjosos. Não houve tais procedimentos na amostra. Cirurgias ósseas, especificamente de coluna, fêmur ou tornozelo, também não demonstraram relação direta entre os níveis de vitamina D e a melhora de dor ou de qualidade de vida^8,14,31. Soares et al. sugeriram que a hipocalcemia em pacientes tireoidectomizados poderia advir de hipovitaminose D. De fato, o cálcio sérico baixo afeta a excitabilidade dos neurônios e a contração muscular, clinicamente traduzidos como paresia. Contudo, fatores como a técnica cirúrgica, o tempo de anestesia e as características individuais do paciente devem ser considerados junto à avaliação pré-operatória dos níveis de vitamina D, antes de atribuir relações diretas ao risco de complicações neuromusculares¹⁷. Uma paciente deficiente evoluiu com paresia após ritidoplastia, sendo necessário reabordagem cirúrgica. Segundo Zwiebel et al., pacientes submetidos à cirurgia plástica facial parecem fazer mais uso de suplementos vitamínicos, principalmente a vitamina D, em comparação com a população geral³².

Baixos níveis de vitamina D também foram associados a problemas de saúde bucal, como inflamação gengival, perda de dentes, perda de inserção clínica e doença periodontal materna durante a gravidez³³. Tais eventos não foram relatados na amostra.

A hipovitaminose D tem sido associada a aumentos significativos no tempo de internação em unidades de terapia intensiva, nos custos de tratamento e nas taxas de mortalidade. Estudos anteriores destacaram a prevalência de insuficiência de vitamina D em pacientes críticos, que pode chegar a 50%, com níveis indetectáveis em até 17% dos casos. Além disso, a deficiência de vitamina D foi um preditor significativo de mortalidade a curto e longo prazo, bem como de positividade em culturas sanguíneas^10,34. Durante a pandemia de COVID-19, Evans et al. discutiram o uso de paricalcitol, um análogo sintético, como estratégia para melhorar a resposta imune e reduzir a necessidade de ventilação mecânica. Não houve pacientes internados em unidade de terapia intensiva na amostra, porém deve-se considerar, que a exposição solar foi reduzida devido ao período de isolamento social³⁵.

As principais fontes são a síntese cutânea e alimentos como peixes gordurosos. As duas formas de suplementos comumente disponíveis são colecalciferol ou vitamina D3 e ergocalciferol ou vitamina D2. Estes não são regulamentados pela Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos, o que leva a uma falta de dados de segurança e eficácia. De toda maneira, em uma metanálise de sete ensaios clínicos randomizados que avaliaram as concentrações de 25(OH)D no soro após a suplementação com ambas as apresentações, o colecalciferol aumentou mais eficientemente as concentrações de 25(OH)D no soro do que o ergocalciferol. Entretanto, os ensaios usaram doses e períodos de tratamento variados, resultando em significativa heterogeneidade entre os estudos⁹. Em casos de adultos com deficiência, recomendam-se doses iniciais de 6000 UI diárias ou 15000 UI semanais por oito semanas, seguidas por manutenção com 1500 a 2000 UI diárias^8,36. Não foi prescrito suplementação pré- ou pós-operatória para os pacientes do estudo.

Este trabalho pode configurar um estudo piloto, pois constam algumas limitações. A heterogeneidade de uma população pequena, juntamente com amplo espectro de cirurgias reparadoras e estéticas, não permitiu demonstrar o possível efeito deletério da insuficiência ou deficiência da vitamina D sobre os desfechos cirúrgicos. Pesquisas futuras devem focar em subgrupos demográficos e procedimentos específicos.

CONCLUSÃO

A hipovitaminose D pré-operatória não foi associada a complicações em cirurgia plástica.

AGRADECIMENTOS

Aos pacientes, à Liga de Cirurgia Plástica da Universidade Federal de Pernambuco e aos médicos residentes em cirurgia plástica que contribuíram.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  05 Jul 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  31 Dez 2023
• Aceito
  21 Abr 2024