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Construção de modelo de apendicectomia videolaparoscópica

RESUMO

Introdução:

A simulação médica emerge como uma metodologia crucial, permitindo que profissionais experimentem uma variedade de cenários, tanto de êxito quanto de falha, identificando fragilidades e condições inseguras, com o intuito de evitar danos aos pacientes. Assim, o objetivo desse estudo é descrever a produção de um modelo de simulação em apendicectomia videolaparoscópica “ex-vivo”.

Metodologia:

Foram utilizadas estruturas de cerâmica fria para moldar manualmente o modelo anatômico do apêndice, garantindo sua rigidez. Neste modelo, utilizou-se materiais para criar um molde flexível usando silicone acético. Feito o molde, o preencheu-se com borracha de polímero de estireno termomoldável, junto com corante, e fundindo em uma temperatura específica.

Resultados:

Esse processo resultou na confecção de uma peça que simula o apêndice, sendo resistente ao rasgo e suturável, replicando fielmente a estrutura e características de um órgão humano. O baixo peso dos materiais facilita o transporte, permitindo que sejam reproduzidos e utilizados em diversas situações, desde treinamentos em ambientes hospitalares até universidades. O modelo é aplicável em simulações didáticas com estudantes de medicina, residentes e cirurgiões. Sua facilidade de produção e baixo custo contribuem para que as práticas sejam repetíveis, garantindo um melhor desenvolvimento das habilidades cirúrgicas.

Conclusão:

O trabalho contribui para o avanço da simulação médica e destaca a importância de soluções inovadoras e colaborativas na melhoria da educação médica e na promoção da segurança do paciente.

Palavras-chave:
Educação Médica Continuada; Capacitação Profissional; Procedimentos Cirúrgicos Minimamente Invasivos; Exercício de Simulação

ABSTRACT

Introduction:

Appendectomy is the standard treatment for appendicitis, with the laparoscopic technique offering benefits like lower infection rates and quicker recovery. However, residents often have their first practical experience with the procedure on real patients, increasing surgical risks. In this context, medical simulation emerges as a crucial methodology, allowing professionals to experience a variety of scenarios while preventing harm to patients. The objective of this study is to describe the production of an “ex-vivo” simulation model for laparoscopic appendectomy.

Methodology:

Cold ceramic structures were used to manually shape the anatomical model of the appendix, ensuring its rigidity. On this model, we poured materials to create a flexible mold using acetic silicone. Once the mold was made, we filled it with thermo-moldable styrene polymer rubber, along with dye, and fused it at a specific temperature.

Results:

This process resulted in the manufacture of a piece that simulates the appendix, being tear-resistant and suturable, faithfully replicating the structure and characteristics of a human organ. The low weight of the materials facilitates transport, allowing them to be reproduced and used in various situations, from training in hospital settings to universities. The model is applicable in didactic simulations with medical students, residents, and surgeons. Its ease of production and low cost contribute to the practices being repeatable, ensuring a better development of surgical skills.

Conclusion:

This work not only contributes to the advancement of medical simulation but also highlights the importance of innovative and collaborative solutions in improving medical education and promoting patient safety.

Keywords:
Education, Medical; Simulation Training; General Surgery

INTRODUÇÃO

Há mais de um século, a apendicectomia tem sido o tratamento padrão para a apendicite em todo o mundo. A técnica de videolaparoscopia, introduzida por Semm em 1983, quase um século após a abordagem aberta de McBurney em 1891, tem crescido exponencialmente11 Smink D, Soybel DI. Appendectomy. In: UpToDate. 2024. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/appendectomy. Acesso em 24 de abril de 2024.
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. Atualmente, é o método preferido devido aos seus benefícios, como menor infecção, dor, tempo de internação hospitalar e retorno mais rápido às atividades11 Smink D, Soybel DI. Appendectomy. In: UpToDate. 2024. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/appendectomy. Acesso em 24 de abril de 2024.
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. Os altos custos associados aos modelos de treinamento em apendicectomia videolaparoscópica disponíveis no mercado representam um desafio significativo para muitos hospitais, especialmente aqueles com recursos financeiros limitados. Como resultado, os residentes muitas vezes são compelidos a adquirir suas habilidades iniciais diretamente com pacientes reais, o que não apenas aumenta os riscos durante a cirurgia, mas também compromete a segurança do paciente22 Reynolds CW, Rooney DM, Jeffcoach DR, et al. Evidence supporting performance measures of laparoscopic appendectomy through a novel surgical proficiency assessment tool and low-cost laparoscopic training system. Surg Endosc. 2023;37(9):7170-7. doi: 10.1007/s00464-023-10182-y.
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Nesse contexto, a simulação emerge como uma metodologia crucial, permitindo que os residentes experimentem uma variedade de cenários, tanto de êxito quanto de falha, identificando fragilidades e condições inseguras, com o intuito de evitar danos aos pacientes. Profissões de elevado risco e responsabilidade têm adotado a simulação realista como uma ferramenta de treinamento, visando prevenir incidentes graves por meio da prática corretiva oportuna.

O conceito de que a simulação está restrita a ambientes tecnológicos e robóticos, os quais são inacessíveis à maioria dos campos de treinamento, está sendo revisto. Em seu lugar, está surgindo a fabricação de modelos e simuladores artesanais e de baixo custo, que permitem treinamento em procedimentos específicos, incluindo simulações de cenários individuais ou em equipe, destinados a desenvolver habilidades não técnicas, como comunicação, tomada de decisões, liderança, trabalho em equipe e feedback. A incorporação de pacientes reais no processo educacional, além das considerações éticas pertinentes, pode potencialmente comprometer o processo de aprendizado devido ao constrangimento ou desconforto experimentado pelo residente, bem como pela complexidade das situações apresentadas, as quais podem ser de difícil compreensão e manejo devido à falta de experiência prévia. Por outro lado, a utilização de modelos simulados desempenha um papel fundamental na formação do residente, capacitando-o para interagir com pacientes reais de forma mais eficaz. Isso é alcançado por meio da oportunidade de repetição de procedimentos, acompanhada de feedback para identificação e revisão de erros e acertos33 Ferreira AS, Mazzafera BL, Bianchini LG. O Uso da Simulação na Formação do Médico Brasileiro: uma Revisão da Literatura. Rev Ens Educ Ciênc Hum. 2023;23(5):723-31. DOI: 10.17921/2447-8733.2022v23n5p724-732.
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Nesse sentido, este estudo descreve a produção de um modelo de simulação em apendicectomia videolaparoscópica “ex-vivo”, com o objetivo de incentivar a replicação desse protótipo nas unidades hospitalares que ensinam essa técnica na residência médica. Espera-se que o uso desse modelo melhore o desempenho técnico na sala de cirurgia em comparação com o treinamento cirúrgico tradicional “in vivo”44 Pang NQ, Chua HW, Kim G, Tan MY, Bin Abdul-Aziz MND, Xu RW, et al. Structured Training for Laparoscopic Appendectomy for Residents (STAR Trial)-A Randomized Pilot Study. J Surg Res. 2021;268:363-70. doi: 10.1016/j.jss.2021.06.073.
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MÉTODOS

Montagem do simulador

Foram utilizadas estruturas de cerâmica fria (comercialmente conhecida como Biscuit) para modelar manualmente o modelo anatômico do apêndice, garantindo sua rigidez. Sobre esse modelo, foi criado um molde flexível de silicone acético. Uma vez confeccionado o molde, preencheu-se com borracha termo-moldável de Polímero de Estireno e corante, fundindo-o posteriormente. O Polímero de Estireno é inserido no molde flexível até o completo resfriamento, solidificando-se e tornando-se um modelo de apêndice já pronto para uso em práticas cirúrgicas, como na figura abaixo

Segue tabela com valores médios dos produtos utilizados:

Tabela 1
Valores médios dos materiais utilizados.

O modelo de videolaparoscopia foi feito utilizando o manequim e materiais da RS Soluções Médicas para simular o sistema videolaparoscópico, com tela de LCD (Figuras 1 e 2).

Figura 1
Simulador de videolaparoscopia (RS Soluções Médicas) com modelo de apêndice inserido e apoiado em material esponjoso.

Figura 2
Modelo simulador de apêndice apoiado sobre suporte esponjoso.

RESULTADOS

Esse processo resultou na fabricação de uma peça que simula o apêndice, resistente ao rasgo e suturável, replicando fielmente a estrutura e as características de um órgão humano.

Os materiais utilizados são totalmente sintéticos, logo, não possuem risco de infecção e o seu baixo peso facilita o transporte, permite ser reproduzido e utilizado em diversas situações, desde treinamentos em espaços hospitalares ou em universidades. O modelo de apendicectomia pode ser aplicado para o ensino prático com estudantes de graduação, médicos aspirantes à área cirúrgica, residentes e cirurgiões e é indicado para ser utilizado em simulações didáticas, supervisionadas por orientadores experientes.

Com os momentos de simulação é possível avaliar técnicas básicas, destacando o manejo dos instrumentais cirúrgicos, como manuseio correto de manoplas, noção de profundidade em um espaço virtual, até a confecção de um nó cirúrgico em um modelo endoscópico.

O suporte utilizado tem como estrutura o molde de um abdômen humano, o que garante um aprendizado estratégico quanto a técnica laparoscópica na região abdominal já que os marcos anatômicos para inserção dos aparelhos estão previamente delimitados. Destaca-se o papel do suporte em exemplificar o modelo anatômico externo e em promover apoio para os instrumentos utilizados endoscopicamente, permitindo a introdução ao funcionamento de uma cirurgia minimamente invasiva, seus instrumentos e seus marcos anatômicos utilizados.

DISCUSSÃO

A apendicectomia é um procedimento cirúrgico amplamente realizado em caráter emergencial, especialmente em populações pediátricas, adolescentes e adultos jovens. Atualmente, a abordagem videolaparoscópica é preferencial devido à sua natureza minimamente invasiva, associada a menor incidência de complicações, redução do tempo de recuperação e internação hospitalar, além de menor taxa de infecção da ferida operatória e redução da dor pós-operatória55 Santos SCM, Braga ALS, Passos MAT, Maia LM de O, Queiroz AT. Abordagem cirúrgica laparoscópica versus laparotômica- panorama de 30 anos da implantação da videolaparoscopia no brasilRev Ibero-Am Human Ciênc Educ. 2023;9(7):131-48. doi: 10.51891/rease.v9i7.10592.
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O uso de simuladores objetiva reproduzir situações práticas encontradas na prática diária, com o propósito principal de treinar profissionais em diversas áreas do conhecimento, preparando-os para enfrentar situações críticas e adquirir habilidades técnicas necessárias. Esse método de ensino, amplamente adotado em programas de residência em Cirurgia, tem como objetivo capacitar os residentes antes de realizarem procedimentos cirúrgicos em pacientes reais6. O aprendizado por meio de simuladores é dividido em três etapas: a primeira engloba a rápida aquisição de habilidades manuais, seguida pela consolidação do aprendizado na segunda fase e, finalmente, a retenção das habilidades adquiridas na terceira fase. A prática repetida resulta em uma melhoria contínua na curva de aprendizado até que um ponto de estabilização seja alcançado77 Barreira M, Siveira D, Rocha H, Moura Junior L, Mesquita C, Borges G. Model for simulated training of laparoscopic gastroenterostomy. Acta Cir. Bras.2017;32(1):81-9. doi: 10.1590/s0102-865020170110.
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A simulação de apendicectomia laparoscópica é justificada como parte do treinamento em ambientes não clínicos, minimizando os traumas e riscos de complicações associados à inexperiência com o procedimento. Além disso, a habilidade em realizar cirurgias laparoscópicas é cada vez mais demandada, sendo considerada uma competência fundamental para cirurgiões88 Flores CD, Bez MR, Bruno RM. O uso de simuladores no ensino da medicina. Rev Bras Inform Educ. 2014;22(2):98. doi: 10.5753/rbie.2014.22.02.98.
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Um estudo realizado na Escócia, o qual contou com modelo econômico e realista de apendicectomia, revelou que uma simulação com 49 cirurgiões, novatos e experientes, obteve evidências de validade, uma vez que contribuiu na avaliação da transferibilidade de competências do simulador para o ambiente clínico, ao passo que a existência de repetição e feedback individualizado durante o ensino auxilia no aprendizado99 Yiasemidou, Marina et al. Validation of a cost-effective appendicectomy model for surgical training. Scott Med J. 2020 May;65(2):46-51. doi: 10.1177/0036933019900340.
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Portanto, a construção de mais modelos simulados, especialmente voltados para o treinamento de médicos iniciantes na cirurgia laparoscópica, é fundamental para promover uma curva de aprendizado mais eficiente, reduzir potenciais riscos para os pacientes envolvidos em procedimentos de treinamento e facilitar o acesso a metodologias de ensino inovadoras para cirurgiões em formação.

Ademais, é importante considerar que cada modelo de apêndice só pode ser utilizado uma única vez, nesse sentido, a quantidade necessária para sua aplicação prática depende do número de simulações a serem realizadas, o número de linhas e de apêndices de silicone deve ser pensado tendo em vista em suprir uma quantidade suficiente de acordo com as repetições esperadas.

O modelo não possui finalidade de reprodução anatômica ou patológica do trato gastrointestinal, tendo como limitação não ter capacidade de reproduzir achados patológicos relacionados ao processo inflamatório, variações anatômicas, riscos associados à perfuração de intestino grosso ou de órgãos periféricos. No entanto, essas limitações são parcialmente supridas ao se examinar a destreza de manuseio do órgão sintético, sem deslocá-lo para além de um espaço previamente delimitado, e ao se observar a eficácia na técnica de realização do nó cirúrgico.

CONCLUSÃO

Em suma, este trabalho não apenas contribui para o avanço da simulação médica, mas também destaca a importância de soluções inovadoras e colaborativas na melhoria da educação médica e na promoção da segurança do paciente. Ao fornecer um protótipo para o desenvolvimento contínuo de habilidades cirúrgicas e práticas clínicas, este modelo de simulação tem o potencial de transformar a forma como os cirurgiões em formação são treinados e, por consequência, melhorar os resultados clínicos para os pacientes em todo o mundo. A replicação e implementação desse modelo pode trazer benefícios significativos para o ensino e a prática da apendicectomia laparoscópica, além de servir como base para futuras pesquisas e desenvolvimentos na área da simulação médica.

REFERENCES

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    » https://doi.org/10.1177/0036933019900340
  • Fonte de financiamento:

    nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    13 Maio 2023
  • Aceito
    22 Jun 2024
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