RESUMO
Objetivo:
comparar tomografia computadorizada de abdome (TC) com exame clínico seriado (ECS) isolado na condução de ferimentos por arma branca na região anterior do abdome.
Métodos:
estudo prospectivo, randomizado, realizado no Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre em que pacientes com ferimentos por arma branca na parede anterior do abdome, sem indicação de laparotomia imediata, foram divididos em dois grupos: grupo TC e grupo ECS, No grupo ECS, os pacientes eram observados com exame clínico seriado de 6/6h, No grupo TC, eram submetidos à tomografia computadorizada de abdome após a avaliação inicial.
Resultados:
dos 66 pacientes estudados, 33 foram selecionados para cada grupo, Do total, seis foram submetidos à cirurgia, três de cada grupo, No grupo ECS, pacientes submetidos à cirurgia tiveram média de 12h entre a chegada e o diagnóstico, sem laparotomias não terapêuticas, Os 30 pacientes restantes deste grupo receberam alta após 24h de observação, No grupo TC, três pacientes apresentaram alterações na TC e foram submetidos à laparotomia, uma não terapêutica, Os demais receberam alta após observação de 24h, A tomografia computadorizada de abdome apresentou valor preditivo positivo (VPP) de 67% e valor preditivo negativo (VPN) de 100%, com acurácia de 96%, O exame clínico seriado isolado, teve VPP e VPN de 100%, com acurácia de 100%.
Conclusão:
o manejo seletivo para ferimentos por arma branca na parede abdominal anterior é seguro, caso obedeça a uma seleção rigorosa dos pacientes, O exame clínico seriado isolado pode ser realizado sem a necessidade de tomografia, sem aumento do tempo de internação ou da morbidade, o que reduz custos, exposição à radiação, morbimortalidade e laparotomias não terapêuticas.
Descritores:
Tomografia Computadorizada de Emissão; Ferimentos Perfurantes; Abdome; Exame Físico
ABSTRACT
Objective:
to compare abdominal computer tomography (CT) with isolated serial clinical exam (SCE) in the management of anterior abdominal stab wounds.
Methods:
randomized prospective study performed at Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre involving patients with anterior abdominal stab wounds without indication of immediate laparotomy; patients were divided in two groups: CT group and SCE group, In the SCE group, patients were followed up with serial clinical exam every 6 hours, Patients of CT group were submitted to abdominal computer tomography after initial evaluation.
Results:
66 patients were studied and 33 were included in each group, Of total, six were submitted to surgery, three of each group, In the SCE group, patients submitted to surgery in media waited 12 hours from arrival to diagnosis without any non-therapeutic surgeries, The remaining 30 patients of this group were discharged from hospital after 24 hours of observation, In the CT group, three patients showed alteration at CT and were submitted to laparotomy, one non-therapeutic, The others were discharged from hospital after 24 hours of observation, Abdominal computer tomography had a positive predictive value (PPV) of 67% and negative predictive value (NPV) of 100%, with 96% of accuracy, Isolated serial clinical exam showed PPV and NPV of 100% and 100% of accuracy.
Conclusion:
selective management of anterior abdominal stabs is safe, when a rigorous selection of patients is observed, Isolated serial clinical exam may be performed without computer tomography, without increase of hospitalization time or morbidity, reducing costs, exposure to radiation, mortality and morbidity and non-therapeutic laparotomies.
Keywords:
Tomography; Emission-Computed. Wounds; Stab. Abdomen. Physical Examination.
INTRODUÇÃO
Os ferimentos penetrantes abdominais são frequentes nos centros de trauma, principalmente como consequência da violência urbana e das tentativas de suicídio11. Venara A, Jousset N, Airagnes G Jr, Arnaud JP, Rouge-Maillart C. Abdominal stab wounds: self-inflicted wounds versus assault wounds. J Forensic Leg Med. 2013;20(4):270-3.. Neste contexto, estão incluídos os ferimentos por arma branca, sendo o abdome um dos locais mais acometidos por este mecanismo22. Kharytaniuk N, Bass GA, Salih A, Twyford M, O'Conor E, Collins N, et al. Penetrating stab injuries at a single urban unit: are we missing the point? Ir J Med Sci. 2015;184(2):449-55.. O manejo dos pacientes que se apresentam com ferimento por arma branca em parede anterior do abdome é controverso, principalmente naqueles que não possuem sinais indicativos de cirurgia imediata por não evidenciarem sinais de peritonite e de instabilidade hemodinâmica. Nos dias atuais, a conduta seletiva é recomendada por diversas publicações científicas e sua prática é aceita e utilizada na maioria dos centros de trauma. O protocolo mais seguro para melhorar o desempenho dos exames diagnósticos, minimizar os custos e reduzir os efeitos adversos ainda é motivo de debate na literatura33. Biffl WL, Kaups KL, Cothren CC, Brasel KJ, Dicker RA, Bullard MK, et al. Management of patients with anterior abdominal stab wounds: a Western Trauma Association multicenter trial. J Trauma. 2009;66(5):1294-301.
4. Biffl WL, Moore EE, Management guidelines for penetrating abdominal trauma. Curr Opin Crit Care. 2010;16(6):609-17.
5. Como JJ, Bokhari F, Chiu WC, Duane TM, Holevar MR, Tandoh MA, et al. Practice management guidelines for selective nonoperative management of penetrating abdominal trauma. J Trauma. 2010;68(3):721-33.
6. Biffl WL, Kaups KL, Pham TN, Rowell SE, Jurkovich GJ, Burlew CC, et al. Validating the Western Trauma Association algorithm for managing patients with anterior abdominal stab wounds: a Western Trauma Association multicenter trial. J Trauma. 2011;71(6):1494-502.
7. Paydar S, Salahi R, Izadifard F, Jaafari Z, Abbasi HR, Eshraghian A, et al. Comparison of conservative management and laparotomy in the management of stable patients with abdominal stab wound. Am J Emerg Med. 2012;30(7):1146-51.
8. Omari A, Bani-Yaseen M, Khammash M, Qasaimeh G, Eqab F, Jaddou H. Patterns of anterior abdominal stab wounds and their management at Princess Basma teaching hospital North of Jordan. World J Surg. 2013;37(5):1162-8.
9. Sumislawski JJ, Zarzaur BL, Paulus EM, Sharpe JP, Savage SA, Nawaf CB, et al. Diagnostic laparoscopy after anterior abdominal stab wounds: worth another look? J Trauma Acute Care Surg. 2013;75(6):1013-7; discussion 1017-8.
10. Rezende Neto JB, Vieira Jr HM, Rodrigues BDL, Rizoli S, Nascimento B, Fraga GP. Management of stab wounds to the anterior abdominal wall. Rev Col Bras Cir. 2014;41(1):75-9.-1111. Biffl WL, Leppaniemi A. Management guidelines for penetrating abdominal trauma. World J Surg. 2015;39(6):1373-80.. A meta, principalmente no que tange ao diagnóstico, é reconhecer se houve penetração na cavidade e, caso positivo, se ocorreu lesão em alguma estrutura intra-abdominal. O lavado peritoneal diagnóstico, FAST, a vídeo-laparoscopia e a tomografia computadorizada (TC) do abdome podem ser utilizados para a condução diagnóstica destes casos, cada um com suas características quanto à sensibilidade e especificidade99. Sumislawski JJ, Zarzaur BL, Paulus EM, Sharpe JP, Savage SA, Nawaf CB, et al. Diagnostic laparoscopy after anterior abdominal stab wounds: worth another look? J Trauma Acute Care Surg. 2013;75(6):1013-7; discussion 1017-8.,1212. Quinn AC, Sinert R. What is the utility of the Focused Assessment with Sonography in Trauma (FAST) exam in penetrating torso trauma? Injury. 2011;42(5):482-7.,1313. Lee GJ, Son G, Yu BC, Lee JN, Chung M. Efficacy of computed tomography for abdominal stab wounds: a single institutional analysis. Eur J Trauma Emerg Surg. 2015;41(1):69-74.. A TC de abdome, exame utilizado com muita frequência no trauma, apresenta excelentes resultados, segundo a literatura, fazendo parte do exame inicial de muitos protocolos. Entretanto, a TC não é isenta de riscos em relação ao uso de contraste e exposição à radiação, além dos custos diretos e indiretos do procedimento1414. Brenner DJ, Hall EJ. Current concepts - Computed tomography - An increasing source of radiation exposure. New Eng J Med. 2007;357(22): 2277-84.. Outra opção de conduta é o exame clínico seriado (ECS) sem a solicitação de exames de imagem, no primeiro momento. Alguns autores acreditam que o ECS isolado aumenta a chance de lesões despercebidas, o que poderia aumentar a possibilidade de complicações. A literatura atual tem demonstrado que a TC de abdome e o ECS possuem, entre todos, a maior confiabilidade e melhor desempenho55. Como JJ, Bokhari F, Chiu WC, Duane TM, Holevar MR, Tandoh MA, et al. Practice management guidelines for selective nonoperative management of penetrating abdominal trauma. J Trauma. 2010;68(3):721-33.. Resta, então, comparar estes dois métodos diagnósticos na conduta seletiva dos pacientes vítimas de ferimentos por arma branca na parede anterior do abdome, objetivo específico do presente trabalho.
MÉTODOS
Ensaio clínico prospectivo e randomizado de amostra probabilística aleatória simples com pacientes atendidos no Hospital de Pronto Socorro Municipal de Porto Alegre, um centro de referência em trauma no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. A supervisão e suporte acadêmico foram oferecidos pelo Serviço de Pós-Graduação em Medicina: Ciências Cirúrgicas, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Os pacientes foram selecionados no período compreendido entre julho de 2011 e fevereiro de 2015.
O projeto do estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, sob o protocolo de número 001.026184.11.7, sendo aprovado por estar de acordo com as resoluções CNS 196/96, 251/97 e 292/99 do Conselho Nacional de Saúde/Conselho Nacional de Ética em Pesquisa/Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Os pacientes para serem incluídos no estudo deveriam possuir apenas um ferimento por arma branca na parede anterior do abdome, com estabilidade hemodinâmica e sem irritação peritoneal difusa. Caso apresentassem dor somente no local do ferimento, com extensão para as proximidades do mesmo, também eram selecionados. Deveriam ter, ainda, idade entre 16 e 80 anos. A Escala de Coma de Glasgow obrigatoriamente deveria ser =12, sendo que o paciente com sinais clínicos de alcoolismo ou uso de drogas era selecionado para o estudo caso preenchesse os critérios da escala de coma de Glasgow. Os pacientes poderiam apresentar ferimentos penetrantes associados em tórax, extremidades, cabeça, pescoço ou períneo, desde que tais ferimentos não demonstrassem necessidade cirúrgica imediata. No decorrer da observação, caso houvesse a necessidade de cirurgia em outro compartimento do corpo, o paciente era excluído do trabalho. Pacientes com cirurgia abdominal prévia não foram incluídos no estudo. Os pacientes que não apresentassem os critérios de inclusão ou evidenciassem, de maneira inequívoca, necessidade de cirurgia, eram excluídos do estudo, assim como pacientes com evisceração.
A parede anterior do abdome foi delimitada superiormente pela borda inferior do último arco costal bilateralmente, inferiormente pelos ligamentos inguinais e sínfise púbica e lateralmente pela linha axilar média direita e esquerda. A exploração do ferimento consistia na antissepsia do local, colocação de campos esterilizados, anestesia local e exploração digital ou com pinça anatômica. Conceituou-se como penetração na cavidade a violação da aponeurose. Nos casos de dúvida em relação à penetração na cavidade, o paciente era incluído no estudo, já que a dúvida é fator importante para observação do paciente e maior atenção.
Após obedecer aos critérios de inclusão, os pacientes eram randomizados, através de sorteio simples, em dois grupos. O primeiro grupo, denominado grupo TC, era submetido à TC de abdome com contraste endovenoso. Caso a TC demonstrasse líquido livre sem lesão de víscera maciça, pneumoperitônio, espessamento de alças intestinais, descontinuidade da parede intestinal, retropneumoperitônio ou hematomas em mesentério ou retroperitônio, o paciente seria selecionado para laparotomia exploradora. Caso contrário, ficaria em observação por um período de 24 horas, sem alimentação por via oral e com exame clínico de 6/6h. O outro grupo, denominado grupo ECS, entrava na rotina de ECS sem nenhum outro exame de imagem ou laboratorial. O ECS consiste no exame físico do paciente, com ênfase para o exame completo do abdome, mucosas e sinais vitais de 6/6 horas, preferentemente pelo mesmo examinador. Em qualquer dos grupos, caso o paciente demonstrasse, durante a internação, alterações no exame físico ou nos sinais vitais, tais como irritação peritoneal, instabilidade hemodinâmica, taquicardia, taquipnéia ou temperatura axilar =37,8°C, a equipe de plantão estava autorizada a operar o paciente ou solicitar TC, assim como exames laboratoriais, no sentido de elucidar o diagnóstico. Todos os pacientes foram revisados ambulatorialmente 15 dias após a alta hospitalar.
As tomografias foram realizadas por tomógrafo helicoidal de 64 canais. A rotina de exame consistia em uma fase pré-contraste e, após injeção de contraste, uma fase arterial, venosa e tardia. Os cortes foram padronizados em 2mm. Todos os exames de tomografia foram vistos e laudados pelo radiologista e revisados pela equipe cirúrgica de plantão, composta por um cirurgião e dois residentes de Cirurgia do Trauma e Cirurgia Geral. O paciente era acompanhado durante a internação pela mesma equipe de residentes, com a supervisão do cirurgião que avaliou o caso ou, eventualmente, por outro que assumiu o plantão seguinte.
Todos os pacientes, antes de serem inseridos na randomização, eram orientados quanto à pesquisa e era apresentado o termo de consentimento informado, que deveria ser assinado pelo paciente ou familiar responsável. Caso houvesse a discordância em assinar o termo, o paciente não era incluído na pesquisa e seguia tratamento conforme critérios do cirurgião responsável pelo caso.
As variáveis quantitativas utilizadas para comparação entre os grupos, no sentido de verificar homogeneidade, foram: idade, tempo de internação, Escala de Coma de Glasgow, RTS (Revised Trauma Score) e TRISS (Trauma and Injury Severiy Score). As variáveis categóricas, com o mesmo objetivo, foram: sexo, topografia da lesão na parede abdominal, presença de lesão extra-abdominal, comorbidades e realização de laparotomia. Para as variáveis categóricas foi utilizado o teste de Qui-quadrado ou teste exato de Fisher. Para as variáveis quantitativas foi utilizado o teste t de Student, naquelas com distribuição normal (de acordo com o teste Kolmogorov-Smirnov), e de Mann-Whitney-Wilcoxon, quando não foi possível assumir a distribuição normal, P=0,05 foi considerado estatisticamente significativo. A sensibilidade e especificidade foram estimadas pelo teste exato de Fisher, utilizando como padrão ouro a presença de lesão na laparotomia.
RESULTADOS
No período do estudo foram atendidos 547 pacientes vítimas de trauma abdominal penetrante, sendo 246 (45%) por arma branca. Foram incluídos 66 pacientes que preenchiam plenamente os critérios de inclusão, sendo 33 para cada grupo. Do total de pacientes, 87,9% (58) eram do sexo masculino. A média de idade foi de 33,2 (DP=13,0) anos. O tempo médio de internação foi de 3,4 (DP=7,8) dias, sendo a mediana de 1,0 (1,0/2,0) dia. Na análise da topografia das lesões da parede abdominal anterior, a região foi subdividida em quatro quadrantes. Ocorreram 20 ferimentos no quadrante superior direito, 18 ferimentos no quadrante superior esquerdo, sete ferimentos no quadrante inferior direito e 21 ferimentos no quadrante inferior esquerdo. Também em relação ao total, 75,8% (50) dos pacientes apresentavam somente lesão em abdome, com ausência de lesão associada em outra topografia corporal. As lesões associadas mais encontradas foram em extremidades e tórax, ambas em 10,6% (7) dos pacientes. A escala de coma de Glasgow apresentou média de 15 (DP=0,3). O Revised Trauma Score (RTS) apresentou valor máximo em toda a amostra e a média do Trauma and Injury Severiy Score (TRISS) foi de 0,99 (DP=0,002). A tabela 1 demonstra as características demográficas e clínicas, verificando a homogeneidade dos grupos.
Do total de pacientes, seis (9,1%) foram submetidos à laparotomia, sendo três pacientes para cada grupo. A tabela 2 demonstra as lesões encontradas nas laparotomias. Um paciente do grupo ECS que foi submetido à laparotomia apresentou um abscesso na cavidade peritoneal. Nos pacientes operados do grupo TC ocorreu um caso de peritonite com evisceração como complicação intra-abdominal. As complicações gerais da amostra estão descritas na tabela 3.
No grupo ECS, que foi submetido à cirurgia, a média de tempo decorrido entre o atendimento inicial e o diagnóstico da necessidade de cirurgia foi de 12 (DP= 6,0) horas. Neste grupo não houve laparotomia branca ou não terapêutica. Os 30 pacientes deste grupo, que não foram submetidos à cirurgia, receberam alta após um período mínimo de 24 horas de observação e não apresentaram complicações. No grupo TC, três pacientes apresentaram alterações na tomografia e foram submetidos à laparotomia. Neste grupo, houve uma laparotomia não terapêutica em que a TC demonstrou líquido livre na cavidade sem lesões de vísceras maciças. Os 30 pacientes deste grupo que não foram operados receberam alta após observação mínima de 24 horas, sem complicações.
A TC, como método diagnóstico inicial, apresentou sensibilidade de 100%, especificidade de 96,7%, valor preditivo positivo de 67% e valor preditivo negativo de 100%, com acurácia de 96%. No ECS a sensibilidade e especificidade foram de 100%, valor preditivo positivo e o valor preditivo negativo 100%, com acurácia também de 100% (Tabela 4).
DISCUSSÃO
O manejo seletivo, não operatório, de ferimentos penetrantes do abdome por arma branca, mudou ao longo dos anos. Artigo clássico, publicado por Shaftan1515. Shaftan GW. Indications for operation in abdominal trauma. Amer J Surg. 1960,99(5):657-64., em 1960, iniciou uma nova era no que diz respeito ao manejo dos pacientes com traumatismos abdominais. Algumas publicações demonstram que a indicação de laparotomia sistemática, nos pacientes com ferimentos abdominais penetrantes por arma branca, pode levar a uma taxa de laparotomias não terapêuticas que varia de 71% a 82%1616. Sanei B, Mahmoudieh M, Talebzadeh H, Shahmiri SS, Aghaei Z. Do patients with penetrating abdominal stab wounds require laparotomy? Arch Trauma Res. 2013;2(1):21-5.,1717. Murry JS, Hoang DM, Ashragian S, Liou DZ, Barmparas G, Chung Ret al. Selective nonoperative management of abdominal stab wounds. Am Surg. 2015;81(10):1034-8.. A literatura deixa claro que o manejo seletivo é adequado e seguro, desde que obedeça a critérios rígidos de seleção dos pacientes e que seja realizado em Centro de Trauma de referência1818. Hope WW, Smith ST, Medieros B, Hughes KM, Kotwall CA, Clancy TV. Non-operative management in penetrating abdominal trauma: is it feasible at a Level II trauma center? J Emerg Med. 2012;43(1):190-5.. É amplamente aceito e adotado pela maioria dos cirurgiões em diversos países1919. Demetriades D, Hadjizacharia P, Constantinou C, Brown C, Inaba K, Rhee P, et al. Selective nonoperative management of penetrating abdominal solid organ injuries. Ann Surg. 2006;244(4):620-8.,2020. Jansen JO, Inaba K, Rizoli SB, Boffard KD, Demetriades D. Selective non-operative management of penetrating abdominal injury in Great Britain and Ireland: survey of practice. Injury. 2012;43(11):1799-804. e já é uma realidade no Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre há alguns anos. Entretanto, a definição da melhor forma de conduzir os casos de ferimentos por arma branca na parede anterior do abdome, principalmente no momento do diagnóstico inicial, ainda não está estabelecida, gerando condutas diferentes.
A TC de abdome, exame utilizado com muita frequência no trauma, apresenta excelentes resultados, segundo a literatura, fazendo parte do exame inicial de muitos protocolos2121. Salim A, Sangthong B, Martin M, Brown C, Plurad D, Inaba K, et al. Use of computed tomography in anterior abdominal stab wounds: results of a prospective study. Arch Surg. 2006;141(8):745-50; discussion 750-2.. Possui a vantagem de evidenciar lesões intraperitoneais e retroperitoneais, assim como, em algumas circunstâncias, determinar o grau de penetração na parede abdominal. As desvantagens da TC relacionam-se ao uso de contraste endovenoso e suas possíveis reações adversas, radiação e impossibilidade de detectar lesões diafragmáticas ou, em certos casos, pequenas lesões de vísceras ocas1414. Brenner DJ, Hall EJ. Current concepts - Computed tomography - An increasing source of radiation exposure. New Eng J Med. 2007;357(22): 2277-84.. Berardoni et al.2222. Berardoni NE, Kopelman TR, O'Neill PJ, August DL, Vail SJ, Pieri PG, et al. Use of computed tomography in the initial evaluation of anterior abdominal stab wounds. Am J Surg. 2011;202(6):690-5; discussion 695-6., em trabalho com 98 pacientes que possuíam critérios para o manejo não operatório de ferimentos por arma branca na parede anterior do abdome, verificaram que a TC apresentava uma sensibilidade de 93%, especificidade de 93%, valor preditivo positivo de 70% e valor preditivo negativo de 99%. Salim et al.2121. Salim A, Sangthong B, Martin M, Brown C, Plurad D, Inaba K, et al. Use of computed tomography in anterior abdominal stab wounds: results of a prospective study. Arch Surg. 2006;141(8):745-50; discussion 750-2. publicaram um estudo prospectivo e observacional com o objetivo de verificar a validade da TC em pacientes com ferimentos por arma branca na parede anterior do abdome e concluíram que que a TC deve ser associada ao exame físico para melhorar o desempenho diagnóstico. Outro trabalho, publicado por Lee et al.1313. Lee GJ, Son G, Yu BC, Lee JN, Chung M. Efficacy of computed tomography for abdominal stab wounds: a single institutional analysis. Eur J Trauma Emerg Surg. 2015;41(1):69-74., em 2015, analisou 108 pacientes com ferimentos por arma branca na parede abdominal que realizaram TC de abdome, sendo que em 98 a TC possuía achados positivos. Os autores concluíram que a TC, quando positiva, demonstra ser de grande valor para o diagnóstico. Entretanto, caso negativa, não descarta totalmente a possibilidade de lesão abdominal.
No presente trabalho, a TC de abdome demonstrou um valor preditivo positivo de 67% e negativo de 100%. Interpretando tais dados, verifica-se que todos os pacientes nos quais a TC se mostrou negativa não foram operados e receberam alta hospitalar. Com relação aos três casos em que a TC foi positiva, indicando cirurgia, foram evidenciadas lesões em dois casos e um paciente não possuía lesão, apenas sangue em pequena quantidade no abdome. A TC, nesse caso, demonstrava líquido livre sem lesão de víscera maciça. Tais achados demonstraram que a sensibilidade da TC para verificar os casos positivos foi muito boa, mas com alguma falha na sua especificidade, ou seja, na capacidade em detectar os verdadeiros negativos no total de pacientes.
O ECS é um método semiológico e diagnóstico que consiste em uma sequência sistemática de anamnese e exame físico, com intervalos definidos, com o objetivo de detectar, de forma precoce, qualquer alteração que indique a presença de lesão cirúrgica55. Como JJ, Bokhari F, Chiu WC, Duane TM, Holevar MR, Tandoh MA, et al. Practice management guidelines for selective nonoperative management of penetrating abdominal trauma. J Trauma. 2010;68(3):721-33.. Ertekin et al.2323. Ertekin C, Yanar H, Taviloglu K, Güloglu R, Alimoglu O. Unnecessary laparotomy by using physical examination and different diagnostic modalities for penetrating abdominal stab wounds. Emerg Med J. 2005;22(11):790-4. analisaram 117 pacientes com trauma abdominal penetrante por arma branca, dos quais 79% foram manejados com sucesso sem cirurgia e com ECS, que consistia no exame físico, leucograma e medida da temperatura corporal de 4/4h. O período máximo em que os sintomas se evidenciaram foi de 20 horas. Neste trabalho ficou demonstrado não haver diferença nas complicações entre os pacientes operados inicialmente e aqueles que necessitaram de cirurgia após o aparecimento dos sintomas. Van Haarst et al.2424. van Haarst EP, van Bezooijen BP, Coene PPL, Luitse JS. The efficacy of serial physical examination in penetrating abdominal trauma. Injury. 1999;30(9):599-604. em trabalho retrospectivo de dez anos, com o objetivo de analisar a eficácia do ECS em 370 pacientes consecutivos com trauma abdominal penetrante, dos quais 322 eram por arma branca, verificaram uma diminuição importante das laparotomias não terapêuticas de 24% para zero, no último ano do estudo, com a utilização do ECS. Importante ressaltar que não houve aumento da morbimortalidade no grupo operado após manifestação dos sintomas. Clarke et al.2525. Clarke DL, Allorto NL, Thomson SR. An audit of failed non-operative management of abdominal stab wounds. Injury. 2010;41(5):488-91. enfatizam a possibilidade do manejo seletivo com ECS, com a ressalva de que as lesões em região epigástrica e hipocôndrio direito devam ser vistas com cautela e maior atenção. Alzamel et al.2626. Alzamel HA, Cohn SM. When is it safe to discharge asymptomatic patients with abdominal stab wounds? J Trauma. 2005;58(3):523-5. em outro trabalho, que interroga o período em que os pacientes com ferimentos abdominais por arma branca podem receber alta hospitalar, observaram que o período máximo de observação no qual houve aparecimento de sintomas foi de 12 horas. A maioria dos pacientes com ferimento penetrante no abdome que não foram submetidos à cirurgia imediata pode ser liberada do hospital ao completar 24 horas de observação, desde que não apresentem modificação do exame físico e demais exames de imagem ou laboratoriais5, 27.
No presente trabalho, dos 33 pacientes que foram randomizados para o ECS, apenas três foram submetidos à cirurgia e a apresentação dos sintomas ocorreu no máximo em 18 horas. Os 30 pacientes que não foram submetidos à cirurgia receberam alta sem complicações. Importante ressaltar que o exame clínico consistiu apenas na anamnese e exame físico, sem a solicitação de exames laboratoriais. O ECS demonstrou excelente capacidade para detectar os casos em que existe lesão abdominal antes das 24 horas, tempo em que a chance de complicações pós-operatórias é pequena, Importante ressaltar, também, que a seleção adequada dos pacientes candidatos ao ECS, através de critérios rígidos, diminui muito a possibilidade de lesão intra-abdominal não detectada no exame inicial. Na comparação entre TC e ECS isolado no manejo seletivo, os resultados foram muito semelhantes com relação às complicações e tempo de internação. A semelhança também é verificada na comparação entre a sensibilidade, especificidade, valores preditivos e acurácia (Tabela 4),
A variabilidade de protocolos demonstra que a definição exata da conduta nestes pacientes ainda não é consenso33. Biffl WL, Kaups KL, Cothren CC, Brasel KJ, Dicker RA, Bullard MK, et al. Management of patients with anterior abdominal stab wounds: a Western Trauma Association multicenter trial. J Trauma. 2009;66(5):1294-301.,44. Biffl WL, Moore EE, Management guidelines for penetrating abdominal trauma. Curr Opin Crit Care. 2010;16(6):609-17.,66. Biffl WL, Kaups KL, Pham TN, Rowell SE, Jurkovich GJ, Burlew CC, et al. Validating the Western Trauma Association algorithm for managing patients with anterior abdominal stab wounds: a Western Trauma Association multicenter trial. J Trauma. 2011;71(6):1494-502.
7. Paydar S, Salahi R, Izadifard F, Jaafari Z, Abbasi HR, Eshraghian A, et al. Comparison of conservative management and laparotomy in the management of stable patients with abdominal stab wound. Am J Emerg Med. 2012;30(7):1146-51.
8. Omari A, Bani-Yaseen M, Khammash M, Qasaimeh G, Eqab F, Jaddou H. Patterns of anterior abdominal stab wounds and their management at Princess Basma teaching hospital North of Jordan. World J Surg. 2013;37(5):1162-8.
9. Sumislawski JJ, Zarzaur BL, Paulus EM, Sharpe JP, Savage SA, Nawaf CB, et al. Diagnostic laparoscopy after anterior abdominal stab wounds: worth another look? J Trauma Acute Care Surg. 2013;75(6):1013-7; discussion 1017-8.
10. Rezende Neto JB, Vieira Jr HM, Rodrigues BDL, Rizoli S, Nascimento B, Fraga GP. Management of stab wounds to the anterior abdominal wall. Rev Col Bras Cir. 2014;41(1):75-9.-1111. Biffl WL, Leppaniemi A. Management guidelines for penetrating abdominal trauma. World J Surg. 2015;39(6):1373-80.. A maioria dos protocolos propõe a exploração da ferida em pacientes hemodinamicamente estáveis sem sinais peritoneais, seguidos de laparotomia imediata, ECS, FAST ou TC se houver violação peritoneal ou em caso de dúvida. O ECS provou ser um método confiável na maioria dos estudos, identificando casos que requerem cirurgia dentro de 24 horas após o trauma e descartando, com eficácia, pacientes que não precisam de operação.
O manejo seletivo não operatório de pacientes com ferimento por arma branca na parede anterior do abdome deve basear-se em critérios rígidos: o paciente deve estar hemodinamicamente estável, não apresentar irritação peritoneal, obter 12 ou mais pontos na escala de coma de Glasgow e não apresentar nenhuma indicação para cirurgia em outro compartimento corporal. Se estes pré-requisitos forem cumpridos, a chance de que exista lesão tardia diminui muito e o paciente pode ser submetido ao ECS isolado, sem que tal método traga prejuízos em termos de morbidade, podendo auxiliar na diminuição dos custos, da exposição à radiação, de efeitos adversos do contraste endovenoso e de laparotomias não terapêuticas.
AGRADECIMENTO
Agradecimento especial à Enfermeira Márcia Koja Breigeiron pelo inestimável auxílio nas diversas fases de elaboração da pesquisa.
REFERENCES
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1Venara A, Jousset N, Airagnes G Jr, Arnaud JP, Rouge-Maillart C. Abdominal stab wounds: self-inflicted wounds versus assault wounds. J Forensic Leg Med. 2013;20(4):270-3.
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2Kharytaniuk N, Bass GA, Salih A, Twyford M, O'Conor E, Collins N, et al. Penetrating stab injuries at a single urban unit: are we missing the point? Ir J Med Sci. 2015;184(2):449-55.
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3Biffl WL, Kaups KL, Cothren CC, Brasel KJ, Dicker RA, Bullard MK, et al. Management of patients with anterior abdominal stab wounds: a Western Trauma Association multicenter trial. J Trauma. 2009;66(5):1294-301.
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4Biffl WL, Moore EE, Management guidelines for penetrating abdominal trauma. Curr Opin Crit Care. 2010;16(6):609-17.
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5Como JJ, Bokhari F, Chiu WC, Duane TM, Holevar MR, Tandoh MA, et al. Practice management guidelines for selective nonoperative management of penetrating abdominal trauma. J Trauma. 2010;68(3):721-33.
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Fonte de financiamento:
nenhuma.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Nov-Dec 2017
Histórico
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Recebido
23 Ago 2017 -
Aceito
17 Set 2017