O impacto da pandemia da Covid-19 no acesso aos procedimentos ambulatoriais de fonoaudiologia do Sistema Único de Saúde

RESUMO

Objetivo:

analisar a variação percentual do indicador de acesso aos procedimentos fonoaudiológicos no Sistema Único de Saúde durante a pandemia.

Métodos:

trata-se de um estudo ecológico, realizado por meio das produções ambulatoriais disponibilizadas no Sistema de Informações Ambulatoriais do Sistema Único de Saúde, de 2019 a 2021. As produções ambulatoriais foram agrupadas em Ações de Promoção e Prevenção em Saúde (01); Procedimentos com Finalidade Diagnóstica (02); Procedimentos Clínicos (03); e Órteses, Próteses e Materiais Especiais (07), por ano e pelas regiões do Brasil. Os dados foram processados pelo TabNet, os indicadores de acesso foram calculados, tabulados e dispostos em um mapa temático.

Resultados:

houve redução nos indicadores de acesso aos procedimentos ambulatoriais de Fonoaudiologia entre 2019 e 2020. Em 2021, houve aumento, mas não superou as produções de 2019. A região com maior redução do indicador de oferta foi o Sudeste, e o grupo de procedimentos com maior redução foi o de ações de promoção e prevenção à saúde. A região Norte foi a única que apresentou um padrão de manutenção nos indicadores de acesso de 2021 em relação a 2019.

Conclusão:

houve redução no acesso aos procedimentos em quase todas as regiões do Brasil e grupos de procedimentos.

Descritores:
Acessibilidade aos Serviços de Saúde; Fonoterapia; Sistema Único de Saúde; Pandemias; COVID-19

ABSTRACT

Purpose:

to analyze the percentage variation in the indicator of access to speech-language-hearing procedures in the Unified Health System, during the pandemic.

Methods:

an ecological study carried out through outpatient productions made available in the Outpatient Information System of the Unified Health System, from 2019 to 2021. Outpatient productions were grouped into Health Promotion and Prevention Actions (01); Procedures with Diagnostic Purposes (02); Clinical Procedures (03); and Orthoses, Prosthetics, and Special Materials (07) per year and region of Brazil. The data were processed by TabNet, and access indicators were calculated, tabulated, and displayed on a thematic map.

Results:

the indicators of access to outpatient speech-language-hearing procedures decreased from 2019 to 2020 and increased in 2021, though still below the 2019 productions. The Southeast region had the greatest reduction in the supply indicator, and health promotion and prevention actions had the greatest reduction among procedure groups. The North region was the only region that maintained the pattern in access indicators in 2021, in relation to 2019.

Conclusion:

the access to procedures decreased in almost all Brazilian regions and procedure groups.

Keywords:
Health Services Accessibility; Speech Therapy; Unified Health System; Pandemics; COVID-19

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, os serviços de Fonoaudiologia do Sistema Único de Saúde (SUS) têm sido requisitados de forma crescente para oferecer uma prestação de serviço de qualidade, conforme orientam os princípios do Sistema Único de Saúde brasileiro¹.

Nesse sentido, a atuação fonoaudiológica se dá nas redes de atenção à saúde, na perspectiva de garantir a integralidade da atenção². As Redes de Atenção à Saúde (RAS) são um conjunto de ações e serviços, articulados em níveis de complexidade que se diferenciam por suas densidades tecnológicas, como a atenção primária, atenção secundária e atenção terciária³. A atenção secundária é responsável por procedimentos diagnósticos e de assistência terapêutica e/ou medicamentosa, sendo uma ponte entre as redes de atenção à saúde e recebendo as demandas encaminhadas de outros níveis⁴. Por esse fator, o nível de atenção secundária desempenha um importante papel.

O Sistema de Informação Ambulatorial do SUS (SIA/SUS) é um sistema que tem por objetivo produzir dados que permitam o conhecimento das produções do país e, assim, subsidiar a tomada de decisões em saúde⁴. Então, pelo registro dos atendimentos realizados, é possível mensurar os indicadores de acesso aos serviços de saúde em geral, incluindo a Fonoaudiologia.

Neste estudo, acesso será entendido como o uso real de serviços de saúde, em que sua característica é a oferta, conceituada como a possibilidade de uso quando necessário, representando o centro do funcionamento dos sistemas de saúde⁵.

No Brasil, são poucos os estudos sobre a distribuição e oferta de profissionais de Fonoaudiologia, principalmente no SUS^6-8. Estes apontam que existem muitas dificuldades a serem superadas. Sousa e colaboradores⁸, em estudo com dados do Departamento de Informática do SUS, mostraram um aumento na oferta de fonoaudiólogos no SUS de forma heterogênea, evidenciando desigualdades na ampliação da oferta entre as Unidades Federativas (UF). Além disso, existem limitações quanto ao uso de dados secundários como o SIA/SUS, devido aos problemas de cobertura.

Com a pandemia, os transtornos fonoaudiológicos aumentaram, devido às complicações associadas à COVID-19. A falta de socialização e a ausência das crianças no âmbito educacional também contribuíram para o aumento dessa demanda. Além disso, a discussão acerca da síndrome pós-COVID vem sendo um tema recorrente, elucidando a alta prevalência de queixas vocais e de deglutição^9-12.

Portanto, a busca por serviços de saúde pela demanda já existente, acrescida aos novos casos supracitados, pode apontar maiores dificuldades no acesso a esse profissional, principalmente na média complexidade no SUS. Em contraponto, nenhuma pesquisa pontua o impacto da pandemia no acesso aos procedimentos de Fonoaudiologia pelo SUS, ademais não existem estimativas sobre quais regiões ou grupos de procedimentos tiveram maior redução.

Diante disso, o objetivo do presente estudo é analisar a variação percentual do indicador de acesso aos procedimentos fonoaudiológicos no Sistema Único de Saúde, durante a pandemia.

MÉTODOS

De acordo com a Resolução nº 510/16 do Conselho Nacional de Saúde, pesquisas realizadas por meio da utilização de informações de domínio público não precisam ser avaliadas pelo sistema CEP/CONEP.

Trata-se de um estudo epidemiológico do tipo ecológico, cujas unidades de análise foram as cinco macrorregiões do Brasil. Os dados foram coletados entre junho e agosto de 2022 e fazem referência ao período de janeiro de 2019 a dezembro de 2021. Foram utilizadas as produções ambulatoriais geradas a partir do banco de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS (SIA/SUS), na base de dados do Departamento de Informática do SUS (DATASUS).

Foram incluídas todas as produções ambulatoriais do Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) associadas ao fonoaudiólogo (0795; 223810; 223815; 223820; 223825; 223830; 223835; 223840), agregadas segundo os grupos de procedimento, que são: Ações de Promoção e Prevenção em Saúde (01); Procedimentos com Finalidade Diagnóstica (02); Procedimentos Clínicos (03); e Órteses, Próteses e Materiais Especiais (07). Os resultados foram categorizados por ano e pelas cinco regiões do Brasil: Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul.

Para analisar o impacto, foi utilizado o indicador de acesso aos procedimentos de Fonoaudiologia no SUS (APFSUS), que tomou como referência outros estudos que exploram os dados secundários do SIA/SUS e utilizam a população no denominador como forma de permitir comparabilidade entre as diferentes unidades de análise⁸, a partir da seguinte fórmula:

$APFSUS=\frac{Nºdeproduçõesambulatoriais,noanoX,naregiãoX}{PopulaçãonoanoX,naregiãoX}x{10}^5\mathrm{H}\mathrm{a}\mathrm{b}$

Para análise comparativa do acesso aos procedimentos de Fonoaudiologia do SUS, foi realizada a variação percentual tomando como referência o ano de 2019. Os dados coletados foram processados pelo TabNet do DATASUS, tabulados e organizados para análise descritiva por meio do Microsoft Excel versão 2010, sistema operacional Windows 10. Para distribuição espacial do indicador foram elaborados mapas temáticos, utilizando o software Terraview, versão 4.2.2, disponível para download livre na internet.

RESULTADOS

Dentre os anos estudados, 2019 foi o de maior registro de produções, com um indicador de acesso de 7.585,4/10⁵hab. A maior redução e consequentemente o menor registro, foi o de 2020, com um indicador de acesso de 4.887,4/10⁵hab, apresentando uma variação de - 35,57%.

No ano de 2020, as regiões mais afetadas, comparando com o ano de 2019, foram o Sudeste (-46,75%) e o Sul (-35,74%). As menos afetadas foram o Nordeste (-15,87%) e o Norte (-24,65%).

Figura 1
Distribuição espacial dos indicadores de acesso aos procedimentos ambulatoriais associadas ao Fonoaudiólogo no Sistema Único de Saúde, Brasil, 2019-2021

As maiores variações percentuais dentre as regiões brasileiras, na relação 2019-2021, foram no Sudeste (-30,04%) e Sul (-14,21%). As menores foram nas regiões Norte (+0,09%) e no Nordeste (-9,95%). A região Norte foi a única que apresentou um padrão de manutenção entre os indicadores de acesso de 2021 em relação a 2019.

Já comparando a variação percentual dos anos de 2020 e 2021, destaca-se maior aumento no Sul (5.585,4/10⁵hab - 7.456,6/10⁵hab) e no Centro-Oeste (3.641,8/10⁵hab - 5.148,3/10⁵hab), e menor crescimento no Nordeste (5.721,2/10⁵hab - 6.259,9/10⁵hab) e Norte (3.524,5/10⁵hab).

A distribuição espacial dos indicadores de acesso apresentou maior concentração nas regiões Sul e Sudeste no ano de 2019, e nas regiões Sul e Nordeste em 2020 e 2021 (Figura 1).

Tabela 1
Distribuição do número das produções ambulatoriais associadas ao Fonoaudiólogo no Sistema Único de Saúde, indicador de acesso e variação percentual, Brasil, 2019-2021

Região	Procedimento	Ano
		2019		2020		2021		Δ	Δ
		N	APFSUS/105	N	APFSUS/105	N	APFSUS/105	APFSUS 2019-2020	APFSUS 2019-2021
Norte	Ações de promoção e prevenção em saúde	24232	131,9	7241	39,0	5628	30,0	-70,43%	-77,26%
	Procedimentos com finalidade diagnóstica	348854	1898,7	305362	1643,2	362188	1927,9	-13,46%	1,54%
	Procedimentos clínicos	475965	2590,5	332962	1791,8	500275	2663,0	-30,83%	2,80%
	Órteses, próteses e materiais especiais	10440	56,8	9395	50,6	11488	61,2	-10,92%	7,75%
	Total	859491	4677,8	654960	3524,5	879579	4682,0	-24,65%	0,09%
Nordeste	Ações de promoção e prevenção em saúde	33933	58,6	22490	38,7	32766	56,1	-33,96%	-4,27%
	Procedimentos com finalidade diagnóstica	1155573	1996,4	820607	1410,6	1078256	1844,6	-29,34%	-7,60%
	Procedimentos clínicos	2706144	4675,2	2454788	4219,7	2507384	4289,6	-9,74%	-8,25%
	Órteses, próteses e materiais especiais	40645	70,2	30418	52,3	40721	69,7	-25,50%	-0,71%
	Total	3936295	6800,4	3328303	5721,2	3659127	6259,9	-15,87%	-7,95%
Sudeste	Ações de promoção e prevenção em saúde	702946	798,1	47697	53,8	59069	66,3	-93,26%	-91,69%
	Procedimentos com finalidade diagnóstica	2224183	2525,4	1404312	1585,0	1733723	1945,7	-37,24%	-22,95%
	Procedimentos clínicos	4570769	5189,8	2539901	2866,7	3482891	3908,6	-44,76%	-24,69%
	Órteses, próteses e materiais especiais	143288	162,7	101132	114,1	133066	149,3	-29,87%	-8,24%
	Total	7641186	8676,0	4093042	4619,6	5408749	6069,9	-46,75%	-30,04%
Sul	Ações de promoção e prevenção em saúde	19995	66,6	11202	37,1	9751	32,1	-44,29%	-51,80%
	Procedimentos com finalidade diagnóstica	852376	2837,8	602469	1993,5	714353	2349,9	-29,75%	-17,19%
	Procedimentos clínicos	1674396	5574,6	1028175	3402,1	1483211	4879,2	-38,97%	-12,47%
	Órteses, próteses e materiais especiais	63789	212,4	46164	152,8	59399	195,4	-28,06%	-8,00%
	Total	2610556	8691,4	1688010	5585,4	2266714	7456,6	-35,74%	-14,21%
Centro-Oeste	Ações de promoção e prevenção em saúde	13784	84,6	6912	41,9	14259	85,4	-50,47%	0,95%
	Procedimentos com finalidade diagnóstica	345893	2122,9	235091	1425,1	335814	2011,5	-32,87%	-5,25%
	Procedimentos clínicos	540901	3319,7	336878	2042,1	475691	2849,4	-38,49%	-14,17%
	Órteses, próteses e materiais especiais	31207	191,5	21877	132,6	33729	202,0	-30,76%	5,48%
	Total	931785	5718,7	600758	3641,8	859493	5148,3	-36,32%	-9,97%
Brasil	Ações de promoção e prevenção em saúde	794890	377,3	95542	45,1	121473	56,9	-88,05%	-84,92%
	Procedimentos com finalidade diagnóstica	4926879	2338,8	3367841	1588,0	4224334	1979,2	-32,10%	-15,38%
	Procedimentos clínicos	9968175	4731,9	6692704	3155,8	8449452	3958,7	-33,31%	-16,34%
	Órteses, próteses e materiais especiais	289369	137,4	208986	98,5	278403	130,4	-28,31%	-5,09%
	Total	15979313	7585,4	10365073	4887,4	13073662	6125,2	-35,57%	-19,25%

• Legenda = N: Número, APFSUS/105: Acesso aos procedimentos de Fonoaudiologia no SUS por 100.000 habitantes, Δ: Variação percentual.
• Fonte: Elaborado pelas autoras com base no Sistema de Informação Ambulatorial do SUS. Dados acessados em agosto de 2022.

No Brasil, em 2019, analisando por grupo de procedimentos, os maiores indicadores de acesso foram em Procedimentos Clínicos (4.731,9/10⁵hab), seguidos dos Procedimentos com Finalidade Diagnóstica (2.338,8/10⁵hab). Ainda no mesmo ano, os menores indicadores foram em Ações de Promoção e Prevenção em Saúde e Órteses, Próteses e Materiais Especiais no Nordeste (58,6/10⁵hab e 70,2/10⁵hab), Sul (66,6/10⁵hab e 212,4/10⁵hab) e Centro-Oeste (84,6/10⁵hab e 191,5/10⁵hab). Nas regiões Norte e Sudeste, os grupos aparecem de forma inversa, em que os menores indicadores de acesso foram, respectivamente, em Órteses, Próteses e Materiais Especiais (56,8/10⁵hab e 162,7/10⁵hab) e Ações de promoção e prevenção em saúde (131,9/10⁵hab e 798,1/10⁵hab).

Em 2020, os indicadores de acesso aos Procedimentos Clínicos (3.155,8/10⁵hab) e Procedimentos com Finalidade Diagnóstica (1.588,0/10⁵hab) foram os maiores dentre as regiões do país. Quanto aos menores indicadores, todas as regiões apontaram para Ações de Promoção e Prevenção em Saúde (45,1/10⁵hab) e Órteses, próteses e materiais especiais (98,5/10⁵hab). Nota-se que os grupos de procedimentos de todas as regiões tiveram uma redução em relação ao ano 2019, sendo o grupo de procedimentos mais prejudicado o de Ações de Promoção e Prevenção em Saúde, e o de Procedimentos com Finalidade Diagnóstica o menos prejudicado.

Em 2020-2021, o comportamento dos indicadores de acesso manteve o mesmo padrão. Em relação a 2019, a população teve maior restrição ao grupo de Ações de Promoção e Prevenção em Saúde, o grupo de Órteses, Próteses e Materiais Especiais foi o de menor restrição. Todos os indicadores de 2021 tiveram aumento em relação a 2020, mas sem retornarem ao patamar de 2019.

DISCUSSÃO

O estudo apontou uma queda no acesso aos serviços ambulatoriais de Fonoaudiologia no SUS, entre os anos 2019 a 2021, período que compreende a pandemia da COVID-19. Em fevereiro de 2020, foi decretada a ocorrência do estado de emergência em saúde pública no Brasil¹³, sendo necessária a adoção de medidas de prevenção, controle e contenção de riscos, danos e agravos, como o isolamento social pouco tempo depois.

O ano de 2020, início da pandemia, foi o mais afetado quanto ao acesso devido à suspensão dos atendimentos ambulatoriais. Silva et al¹⁴ registraram o impacto da pandemia da COVID-19 quanto ao volume de atendimentos de um hospital terciário, em que foi observado declínio significativo no número de atendimentos eletivos. Assim, é possível supor que outras áreas de atuação, fora do âmbito ambulatorial, também foram afetadas pela pandemia e suas medidas de contenção da propagação do vírus.

A distribuição espacial dos indicadores de acesso aos procedimentos ambulatoriais de Fonoaudiologia no SUS, em 2019, apresentou concentração nas regiões Sul e Sudeste. Para Sousa e colaboradores⁸, as regiões com maior concentração de profissionais fonoaudiólogos (oferta) são as que possuem os maiores indicadores de acesso.

Todavia, em 2020, devido à considerável redução dos procedimentos ambulatoriais de Fonoaudiologia no Sul e Sudeste, a região Nordeste surgiu com a maior concentração dos indicadores de acesso. Ademais, considerando que o Sudeste teve menor velocidade de crescimento da oferta de procedimentos em 2021, essa região foi a mais afetada no acesso a esses procedimentos no SUS, em comparação com as demais do período estudado.

O grupo de Procedimentos Clínicos teve o maior indicador de acesso em todas as regiões, isso pode estar relacionado ao fato de ser um grupo que engloba uma diversidade maior de procedimentos, envolvendo consultas e terapias das diferentes áreas da Fonoaudiologia, individuais e em grupo¹⁵.

O menor acesso aos procedimentos fonoaudiológicos no SUS foi na região Norte, cujos indicadores foram tão baixos que representam quase a metade dos valores encontrados para o Brasil. Em uma distribuição quanto aos custos ambulatoriais em Fonoaudiologia no Brasil, Santos¹ traz que o menor montante de recursos é destinado para a região Norte (2009-2018), o que estaria relacionado ao seu menor quantitativo de habitantes, influenciando, assim, a menor produção de procedimentos¹⁶.

Dentro do contexto de concentração de profissionais fonoaudiólogos, onde os entraves relacionados às desigualdades socioeconômicas dificultam a ampliação e pactuação na oferta de serviços de saúde, também se tem a região Norte como a mais afetada. Essas desigualdades no acesso de procedimentos ambulatoriais de Fonoaudiologia no território brasileiro denotam um alerta para os gestores do SUS no planejamento de ações, onde se faz necessária a ampliação da oferta de serviços de reabilitação pós-COVID-19, tendo em vista o aumento na procura por reabilitação.

As Ações de promoção e prevenção em saúde e Órteses, Próteses e Materiais Especiais foram os grupos de procedimento com menores indicadores em todas as regiões. Todavia, mesmo antes da pandemia e de suas normativas de distanciamento, ambos os grupos já seguiam uma tendência de redução. Outrossim, as Ações de Promoção e Prevenção em Saúde, por se tratarem de atividades realizadas, na maior parte das vezes, de maneira coletiva, podem ter tido uma redução geral de produção não somente devido às medidas de isolamento, mas também pelas adaptações organizacionais das Unidades de Saúde da Família frente à nova realidade¹⁷. Assim como as atividades individuais, as atividades coletivas são de extrema importância para a redução de danos e prevenção de agravos, promovendo uma maior qualidade biopsicossocial para os usuários.

Destaca-se, também, que neste período ocorreram medidas que geraram um exaurir do componente multiprofissional no SUS, como o estabelecimento do Previne Brasil, que extingue o credenciamento e financiamento do Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB)¹⁸. Desta forma, o gestor poderia optar pela não manutenção destas equipes, fator este que pode contribuir na diminuição da produção de procedimentos ambulatoriais dentre eles os de promoção e prevenção da saúde que foi observado. É notório que o NASF-AB se constitui como uma significativa estratégia das RAS, além de ser uma importante ferramenta de integralidade, territorialização e um cuidado ampliado para os usuários na APS¹⁹.

É importante elucidar que as discussões sobre a implantação da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência já demonstravam impasses em suas ações quanto ao acesso, equidade e integralidade do cuidado^20,21. No grupo de Órteses, Próteses e Materiais Especiais, Melo²² apresenta que de 2012 a 2019 já havia uma tendência de redução quanto ao financiamento das Políticas e Programas de saúde voltado às Pessoas com Deficiência. Nesse sentido, a redução de investimento financeiro, somada aos redirecionamentos de recursos, devido à situação de calamidade pública no país, pode ter contribuído para que o acesso a esses procedimentos tenha sido ainda mais restrito durante a pandemia.

Carvalho e colaboradores²³ ao compararem as ações de reabilitação na Atenção Primária à Saúde (APS), direcionadas à Pessoa com Deficiência no Brasil, apresentam que a região Norte teve significativo aumento no número de encaminhamentos para o uso de órteses, próteses e dispositivos auxiliares entre 2015 e 2018, em relação às outras regiões do país. Logo, o fato de a região Norte ter tido um aumento das produções no grupo de Órteses, Próteses e Materiais Especiais pode estar relacionada à tendência de aumento já existente.

Outro fator mencionado por Lima²⁴, após realizar um mapeamento das Oficinas Ortopédicas, bem como a caracterização das Órteses, Próteses e Meios auxiliares de locomoção (OPM) ofertados do SUS, em 2019, é que a análise do impacto orçamentário envolvido na oferta demonstrou irregularidade no processo, apresentando imprevisibilidade quanto à dispensação. Isso significa que há uma variação no processo de oferta das Órteses, Próteses e Meios auxiliares de locomoção, considerando a falta de regularidade na chegada dos recursos, afetando o usuário que o necessita.

Ainda nesse período, a maior mobilização da categoria profissional e a regulamentação da Telefonoaudiologia^25,26 trouxeram a teleconsulta como uma alternativa no atendimento à saúde para a manutenção da assistência fonoaudiológica em tempos de pandemia^26-30. Essa conquista pode representar um importante agente para o restabelecimento dos indicadores de 2021, os quais poderiam ser piores que os encontrados, refletindo resultados semelhantes aos de 2020. Dessa maneira, a teleconsulta pode ser um fator que tenha auxiliado na melhora da variação percentual das produções, minimizando o impacto da pandemia.

A necessidade de dados precisos e oportunos sobre os serviços de saúde se intensifica em um cenário de pandemia para o planejamento de ações estratégicas. Assim, os SIS são uma importante ferramenta para o diagnóstico em saúde. Observa-se, no entanto, que estas ferramentas ainda são subutilizadas em todo o seu potencial na fundamentação de tomada de decisão, inclusive para apontar a necessidade de incremento de recursos humanos³¹.

Por fim, cabe destacar, como limitação^32,33 deste estudo, o fato de que os Sistemas de Informação em Saúde do SUS possuem um período de latência para recebimento de novos dados, o que inviabilizou a inclusão do ano de 2022. Dessa forma, é necessário ampliar o intervalo de tempo estudado, incluindo os anos de 2022 e 2023, para entender o comportamento dos indicadores, pós pandemia, dos demais procedimentos de saúde não emergenciais.

CONCLUSÃO

Os achados descritos apontam que, durante os anos de 2019 a 2021, que compreende o período da pandemia da COVID-19, houve uma redução do acesso aos procedimentos de Fonoaudiologia no SUS. majoritariamente em todos os grupos de procedimento das regiões do Brasil, com exceção do Norte.

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• Trabalho desenvolvido na Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Pernambuco, Brasil.
• Fonte de financiamento: Nada a declarar
• Declaração de compartilhamento de dados: Os dados desta pesquisa foram obtidos do site do Datasus, organizados e tratados pelas pesquisadoras, sendo possível disponibilizá-los, por um período de até cinco anos. Os dados trazem informações agregadas, não existindo a possibilidade de identificação individual dos participantes. Para acesso aos dados, sob guarda da pesquisadora, os interessados devem enviar e-mail para o endereço eletrônico: [e-mail] ou [e-mail]

Disponibilidade de dados

Declaração de compartilhamento de dados: Os dados desta pesquisa foram obtidos do site do Datasus, organizados e tratados pelas pesquisadoras, sendo possível disponibilizá-los, por um período de até cinco anos. Os dados trazem informações agregadas, não existindo a possibilidade de identificação individual dos participantes. Para acesso aos dados, sob guarda da pesquisadora, os interessados devem enviar e-mail para o endereço eletrônico: [e-mail] ou [e-mail]

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  23 Set 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  20 Nov 2023
• Aceito
  18 Fev 2024
• Aceito
  08 Jul 2024