RESUMO:
A metodologia de mensuração da carga de doença, composta pelo cálculo de indicadores específicos, propõe mensurar os efeitos de agravos (ou de doenças) sobre o bem estar físico, emocional e social, seja a partir dos efeitos da morte prematura e da morbidade, bem como de comorbidades sobre as condições de saúde da população. O estudo teve como objetivo verificar a possibilidade de aplicação dos conceitos de carga de doença no estudo das metodologias e melhor caracterização do cenário de agravos fonoaudiológicos. O estudo envolveu revisão integrativa da literatura nas bases Scielo, Lilacs e Pubmed, com apresentação de conceitos e uma análise crítica dos indicadores de carga de doença e suas potenciais aplicações no campo da fonoaudiologia. Os achados indicam que existe uma carência de estudos utilizando os conceitos relacionados à carga de doença aplicados à comunicação humana e seus distúrbios, bem como às implicações destas na vida do sujeito a partir da metodologia proposta pela Organização Mundial da Saúde. Há oportunidades de aplicação da metodologia foco da pesquisa, tanto para que forneça o impacto dos agravos no indivíduo, como para a avaliação da qualidade de vida e para a mensuração da efetividade das intervenções no campo dos distúrbios fonoaudiológicos.
DESCRITORES: Fonoaudiologia; Anos de Vida Ajustados por Qualidade de Vida; Prevalência; Incidência; Revisão
ABSTRACT:
The burden of disease methodology is composed by the calculation of specific indicators, and proposes to measure the effects of diseases on the physical, emotional and social welfare, either from the effects of premature death and morbidity, as well as comorbidities on the health conditions of the population. This study aimed to verify the possibility of application of the concept of the burden of disease in the study of human communication disorders in an attempt to introduce new methodologies and better characterize the setting of these diseases. This study involved an integrative literature review in Scielo, Lilacs and Pubmed bases, with presentation of concepts and a critical analysis of burden of disease's indicators and their potential applications in the field of speech, language and hearing sciences. The findings indicate a lack of studies using the concepts related to burden of disease as applied to human communication and its disorders as well as their implications on the life of the subject according to the methodology proposed by the World Health Organization. There are opportunities to apply the burden of disease concept and methodology in the field of communication disorders, both, to identify the impact of diseases on the individual, as for the evaluation of the quality and also to measure the effectiveness of interventions in the field of communication disorders.
Keywords: Speech, Language and Hearing Sciences; Quality-Adjusted Life Years; Prevalence; Incidence; Review
Introdução
A comunicação humana compreende a capacidade de codificação e decodificação do sistema escrito e falado de uma língua por meio de habilidades linguísticas, motoras e auditivas. Os distúrbios fonoaudiológicos se caracterizam como qualquer restrição ou falta de habilidade (resultante de uma limitação na comunicação) para realizar uma atividade normal e estão associados à fatores diversos: ambientais, biológicos e também se apresentam como consequência de eventos patológicos.É de suma importância que estes distúrbios sejam estudados, sua trajetória natural compreendida, bem como as possibilidades de detecção, prevenção e tratamento sejam identificadas para as diferentes populações.
Na década de 90 a OMS (Organização Mundial da Saúde) iniciou a utilização das estimativas de carga de doença (burden of disease) por meio do projeto "Global Burden of Disease and Risks Factors", disponibilizando estimativas globais deste indicador, sendo os resultados preliminares publicados em 1993, com o pesquisador Murray à frente da pesquisa1. A metodologia de mensuração da carga de doença, composta pelo cálculo de indicadores específicos, propõe mensurar os efeitos de agravos (ou de doenças) sobre o bem estar físico, emocional e social de um indivíduo, seja a partir dos efeitos da morte prematura e da morbidade, bem como de comorbidades sobre as condições de saúde da população2. Os estudos com este tipo de mensuração contemplam cinco medidas principais: prevalência, incidência, anos de vida ajustados por incapacidade (DALY), anos de vida ajustados por qualidade de vida (QALY) e anos vividos com incapacidade (YLD).
Recentemente, um estudo comparou a carga global de um rol de 291 patologias nos anos 1990 e 2010 e neste rol, não encontram-se listados os distúrbios fonoaudiológicos na descrição das doenças. Apesar de não estarem listados, os distúrbios da comunicação observa-se com clareza o peso das doenças cardiovasculares, que nitidamente possuem como uma de suas consequências os distúrbios da comunicação3.
Os estudos de distúrbios da comunicação, em sua maioria, tem se utilizado de métodos epidemiológicos de acesso mais simples e custos menores, como os estudos de prevalência em grupos específicos da população.Com a perspectiva de eventos crônicos, no entanto, a análise dos YLDs talvez seja a medida mais eficiente para descrever o fenômeno dos distúrbios fonoaudiológicos, mas em pesquisa que comparou YLDs considerando consequências, não foram citados os distúrbios de comunicação, mesmo estes sendo relevantes sob o ponto de vista de comorbidade pós-evento cardiovascular, por exemplo, AVCs4.
Diante deste contexto, percebe-se que os indicadores da metodologia dos estudos de carga de doença podem ser utilizados para estudar a ocorrência dos distúrbios fonoaudiológicos, sejam isolados ou ocorridos concomitantes, possibilitando a análise das suas consequências (comorbidades), limitações e incapacidades. Este trabalho tem como objetivo verificar, a partir da literatura, a possibilidade de aplicação dos conceitos de carga de doença no estudo dos distúrbios da comunicação humana, na tentativa de incremento de novas metodologias e melhor caracterização do cenário destes agravos.
Métodos
A partir de revisão integrativa da literatura sobre carga de doença nas bases Scielo, Lilacs e Pubmed, serão apresentados conceitos e uma análise crítica dos indicadores de carga de doença e suas potenciais aplicações no campo da fonoaudiologia.A revisão integrativa consiste em um método de revisão de literatura que permite a busca, a seleção, a avaliação crítica e a síntese das evidências científicas, possibilitando a inclusão de estudos que adotam diversas metodologias; identifica lacunas e direciona o desenvolvimento de pesquisas futuras sobre determinado tema5,6.O levantamento bibliográfico foi realizado em junho de 2015 sem limitação mínima de data, utilizando-se das estratégias de busca descritas na Figura 1.
Após a busca dos artigos e seguindo as normas da revisão integrativa foram estabelecidos os critérios de inclusão e de exclusão. Critérios de inclusão: (a) pesquisas que investigaram carga das doenças versus distúrbios da comunicação; (b) artigos sem limitação de data de publicação e data de corte em junho de 2015 (em geral as revisões fecham um período entre 5 e 10 anos, sendo que todos os estudos encontrados, independente de sua data de publicação foram incluidos); (c) artigos em inglês, português ou espanhol; (d) artigos com medidas de DALY das doenças; (e) medidas de QALY das doenças; (f) artigos conceituais sobre o tema. Critérios de exclusão: (a) artigos que não tratassem exclusivamente de carga de doença e suas variáveis.
Inicialmente foram identificados 518 artigos: a triagem prévia foi realizada pelos títulos, eliminando os repetidos. Com a leitura dos resumos (abstract) e aplicação dos critérios de inclusão e exclusão previamente definidos foram selecionados 86 artigos. Com a posterior leitura dos estudos foi possível refinar ainda mais a busca, restando 21 artigos para a composição do referencial do presente artigo.
Revisão da Literatura
O foco deste trabalho é uma análise dos conceitos da metodologia de mensuração da carga global de doenças, por meio de seus indicadores e a verificação da aplicação destes no campo dos distúrbios da comunicação, possibilitando um melhor uso desta metodologia em estudos futuros. Um resumo do levantamento pode ser consultado na Figura 2.
Descrição dos estudos selecionados sobre Carga de Doença (foco metodológico e distúrbios fonoaudiológicos)
De acordo com a literatura pesquisada , no final do século XX, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou a iniciativa Global Burden of Disease, que compilou um conjunto de medidas simples de saúde global. Essas medidas buscam contemplar em um só tempo os efeitos da morte prematura e da morbidade sobre as condições de saúde da população, chamadas, assim, de estudos de Carga de Doença 7,8. Estes estudos analisam as medidas descritas a seguir.
Prevalência:definida como a proporção de um grupo de pessoas que apresenta um desfecho (condição clínica ou agravo) em um determinado ponto no tempo9.
Incidência: definida como a proporção de um grupo inicialmente livre de uma condição clínica que a desenvolve ao longo de um determinado período de tempo. Ou seja, a incidência se refere aos casos novos de doença que ocorrem em uma população inicialmente livre da doença ou de desfechos novos, como incapacidades ou morte, que ocorrem em pacientes com uma doença específica9.
Disability Adjusted Life Years (DALY) - ano de vida saudável perdido - é um indicador que contempla as medidas de impacto das doenças, tanto em relação à morbidade, quanto em relação à mortalidade. O DALY considera o total de anos de vida saudáveis perdidos devido à uma doença (ou a um fator de risco) e seu cálculo inclui tanto a idade do óbito, quanto a duração e a gravidade de qualquer incapacidade presente2. Por exemplo, sua aplicação pode demonstrar as patologias com potencial de cronificação, retratando as expectativas de um estado não saudável em uma população. Um estudo de carga global de 306 doenças em 188 países (GBD201310) apontou que as cinco principais causas de DALYs foram doença isquêmica do coração, infecções respiratórias inferiores, doenças cerebrovasculares, patologias lombares, dores de garganta e acidentes de trânsito.
Quality Adjusted Life Years (QALY) - anos de vida ajustados pela qualidade de vida - capta em uma única medida os ganhos em quantidade e em qualidade de vida. Trata-se de um instrumento genérico para avaliar os estados de saúde, oferecendo medidas objetivas da qualidade de vida e das intervenções11. Por exemplo, esta medida pode ser utilizada para verificação de resultados em intervenções. Em estudo12 para avaliação da eficácia de intervenções para gerenciamento de riscos cardiovasculares, a comparabilidade das mensurações de custo-efetividade foi realizada a partir deste indicador, sendo que os achados apontaram que o custo benefício foi maior para as ações realizadas com mulheres (quando comparadas em ações com o público masculino), com um ganho maior de QALYs versus libras investidas no público feminino.
Years Lived with Disability (YLD) - anos de vida perdidos por doença e/ou incapacidade - é a quantificação dos anos vividos com a incapacidade proveniente de um agravo11. Por exemplo, este indicador pode ser usado para demonstração de sobrevida. No GBD201310 o aumento de status sociodemográfico foi associado com uma mudança na carga de Years of Life Lost (YLL) - anos de vida perdidos - para YLD, impulsionado por quedas nos YLLs e aumentos de YLD de lesões músculo-esqueléticas , doenças neurológicas e transtornos mentais por uso de substâncias químicas.
Pode observar-se que a iniciativa de mapeamento da carga global aconteceu após duas decadas das primeiras publicações no tema. Data de 1976 a primeira vez que a metodologia foi empregada, Zeckhauser e Shepard a utilizaram para verificar desfechos de saúde comparados às questões de qualidade de vida13.
O interesse em quantificar não somente morbidade, mas também qualidade de vida pode ser atribuído ao aumento da expectativa de vida, o que leva as pessoas acometidas por doenças a permanecerem mais tempo expostas a elas e, consequentemente, a utilizarem por mais tempo os serviços de saúde, conduzindo à necessidade de elaboração de políticas e programas de saúde mais específicos e eficazes, de forma que os custos sejam racionalizados e minimizados.
O objeto de alguns estudos14,15 tem sido a revisão do método que busca verificar o impacto da doença, retomando a expressão destas e suas limitações para a aplicação das medidas de carga de doença.Essas medidas são mencionadas em outros estudos7,14,16-18 sendo que os autores, de forma unânime, colocam que o melhor indicador para expressar a carga de doença é o DALY (Disability Adjusted Life Years) que apresenta uma ampliação do conceito de anos perdidos em decorrência de eventos não fatais. Dessa forma, o DALY, para uma doença ou agravo, é constituído pela soma dos anos perdidos por morte prematura (YLL- Years of Life Lost) e os anos de vida perdidos por incapacidade (YLD- Years Lost due Disability), resultando na fórmula de carga de doença DALY= YLL + YLD.
Considerando os distúrbios fonoaudiológicos, cabe a reflexão de que a medida supracitada (YLD), a partir da qual se verifica os anos de vida perdidos por incapacidade é uma ferramenta importantíssima para ser utilizada nos casos de pessoas acometidas por distúrbios da comunicação, como, por exemplo, aqueles associados à pela deficiência auditiva. A YLD mensura a relação entre o quanto conviver com a deficiência gera incapacidades no indivíduo e traz as informações em relação aos anos de vida com o qual o sujeito convive com as limitações impostas pela deficiência. Dados sobre a carga da deficiência auditiva e dos distúrbios da comunicação a ela associados, portanto, possui potencial para fundamentar e agregar informações para o monitoramento de ações que visam investimentos na detecção precoce, bem como na melhoria das técnicas para minimização dos efeitos da deficiência auditiva nos aspectos comunicativos, educacionais, sociais e psíquicos.
Dentre os estudos levantados, uma revisão de literatura19 sobre o método de medir carga de doença especifica algumas desvantagens: falta de sedimentação teórica e o fato desta ser uma medida tão globalizada para generalizar variáveis para todas as doenças. Contudo, desde a iniciativa da Organização Mundial da Saúde para mensurar a Carga Global das Doenças, este é o método que se tem utilizado para um mapeamento geral do adoecimento.
Inferindo no campo da fonoaudiologia, há que se considerar de que um acometimento tão complexo, como os distúrbios da comunicação, de implicações de grandes mensurações e variável de indivíduo para indivíduo, não pode receber tantas generalizações para obtenção de medidas objetivas de suas consequências. No entanto, o método atualmente é o único proposto para medir carga de doença.
Considerando as desvantagens do método e agregando o fato da prevalência da deficiência auditiva ser alta no contexto dos distúrbios da comunicação humana, estudos que se propõem a realizar essas medidas seriam de grande repercussão, pois medidas objetivas podem traduzir quantitativamente estados que, muitas vezes, são apenas descritos de forma qualitativa. Números, como forma objetiva de medida, acrescentam a esse descritor maior impacto, facilitam a elaboração de bancos de dados para a realização de estudos e objetivam a elaboração de relatórios para a captação de recursos em saúde, ou seja, podem otimizar intervenções curativas de determinadas doenças.
No panorama da literatura nacional, um estudo8 realizou medidas de carga de doença no estado de Minas Gerais, sendo o único a realizar as medidas de carga de doença especificadas por grupo de doença e de faixa etária, especificando cada componente das medidas de DALY.Esse estudo ressalta que existem limitações acerca da qualidade das informações para a estimação dos parâmetros necessários, ou seja, em suas conclusões destaca a importância de estudos deste gênero, mas inclui as limitações dos dados. Os distúrbios fonoaudiológicos não foram analisados, contudo, quando o estudo explicita o peso dos acometimentos, a deficiência auditiva está entre os aspectos considerados. Com isso, a análise do referido aspecto, suscita uma reflexão sobre pesquisas futuras em relação à deficiência auditiva, caso informações necessárias estejam disponíveis para execução das medidas ou até, se possível, incluir um levantamento das variáveis envolvidas para as medidas da carga de doença na deficiência auditiva.
Na bibliografia internacional selecionada, encontrou-se um estudo20 que mediu a carga de doença a partir do utilitário DALY na paraplegia, trazendo os efeitos desses dados no país, no ambiente, no gênero e nas condições socioeconômicas. Nesse estudo, aponta-se a relevância do impacto das doenças nos indivíduos com diferentes realidades, indicando-se como cada funcionamento é alterado frente a um acometimento. Esse estudo destaca a importância do desenvolvimento de indicadores para a carga de doença nas ações de intervenção a fim de buscar-se um denominador comum nas intervenções para realidades diferentes. Conforme discutem os autores 18 encontrar um norteador que contemple as diferentes realidades, sejam elas de gênero, idade ou condição social, é de suma importância nos distúrbios fonoaudiológicos, pois o acesso e obtenção de ações curativas poderiam ser mais uniformizado, priorizando a individualidade que cada acometido apresenta, enfatizando principalmente como cada um convive com os impactos inerentes ao agravo.Mais uma vez, pode se entender a importância desses estudos como norteadores para pesquisas de pessoas acometidas por incapacidades de qualquer tipo e grau. É por meio delas que podem ser definidas as prioridades tão necessárias quando se referem às políticas de saúde que compreendam qualquer grau de complexidade.
Dentre os estudos que emergiram nesta pesquisa, destacam-se os estudos referentes às medidas de QALYs 11,15,21, sendo esse um utilitário simples, porém efetivo para a compreensão das consequências dos agravo na qualidade de vida dos indivíduos11. Um ano saudável de um determinado indivíduo corresponde a um QALY. Neste sentido, um ano de vida com um nível de saúde baixo, por exemplo x, em que x < 1, vale x QALYs. Ajustando o valor de um ano de vida futura a um valor corrente à uma taxa r, é possível calcular o valor corrente dos QALYs esperados por um indivíduo, considerando o seu perfil de saúde e a sua vida futura11.
Um aspecto importante em relação a aplicação do QALY é a noção básica que o perpassa de que para qualquer indivíduo a perspectiva de viver anos Y com menos do que a saúde plena podem ser equiparada à prospecção de viver X anos em plena saúde, quando x < Y 22. Dada a hipótese de que diferentes contextos (perfis) de duração de sobrevivência em estados de saúde diversos podem ser convertidos nos seus respectivos equivalentes "anos completos de vida saudável ", as medidas de QALY podem ser utilizadas para auxiliar na decisão de casos nos quais diferentes opções terapêuticas podem produzir combinações diferentes de sobrevida e qualidades de vida variadas22. Por outro lado, ainda que seja possível agregar e comparar as valorações em relação à saúde e qualidade de vida em diferentes cenários, há que considerar que a percepção de saúde, doença e de limitação passa pela subjetividade de cada sujeito e cada contexto.
Em dois dos estudos 23,24 verifica-se a tentativa de aproximação a algumas variáveis da carga de doença, propondo verificar associações entre distúrbios da comunicação humana e níveis de qualidade de vida. Entretanto, observa-se que estudos não são feitos na população em geral, ou seja, são direcionados à grupos específicos. No Brasil, sistemas de informação de doenças e agravos tais como aqueles de violência, agravos de notificação compulsória, doenças crônicas não contemplam os distúrbios da comunicação, possivelmente por tratarem-se de comorbidades decorrentes de doenças e agravos, impossibilitando análises mais globais, fazendo com que os estudos seja direcionados a públicos específicos (ambulatórios, hospitais, centros de saúde).
Uma possibilidade de utilização da ferramenta QALY no campo dos distúrbios fonoaudiológicos é a geração de QALYs com ou sem intervenção, relacionando-se por exemplo, a quantidade de QALYs ganhos pela intervenção em relação a condições como disfagia, disfonia, ou reabilitação labiríntica. A comparação do QALY nas condições com e sem intervenção, nestes casos, permitiria identificar quando e qual intervenção aplicada geraria um estado de mais saúde no indivíduo, envidenciando ainda quando a falta deintervenção, resultaria numa deteriorização mais rápida das atividades e qualidade de vida do indivíduo.
Os indicadores que estimam a carga de doença tornam-se relevantes no cenário de fundamentação para planos de investimento em saúde: um artigo25 relata a revisão de literatura com a abordagem econômica da carga de doença, especificamente na esquizofrenia , ressaltando as altas taxas de carga de doença nesse distúrbio para a sociedade, demonstrando a importância desses achados na economia e nas políticas de saúde. Na Holanda26, por exemplo, uma pesquisa explorou uma abordagem alternativa para estimar o valor monetário de um QALY, sendo que os resultados foram avaliados como promissores, mas sem desprezar as possíveis fragilidades metodológicas.
Observa-se 24,27 uma iniciativa de aproximação de estudos de distúrbios da fala e a metodologia de estimar a carga de doença, mas como já discutido previamente, as tentativas se aplicam em grupos de indivíduos específicos, com uma determinada patologia, onde o distúrbio da comunicação humana é consequência do agravo. Uma pesquisa italiana27 estimou a carga de afasia em pacientes de AVC, com a finalidade de estabelecer parâmetros para reabilitação precoce, sugerindo a importância de verificar a carga da afasia em uma ampla população de pacientes hospitalizados, com AVC agudo, para formação de estimativas de deficiência residual e consequente impacto na definição de programas específicos de reabilitação precoce.
A magnitude do uso da metodologia de estimativa de carga de doença é clara, basta verificar rapidamente as últimas publicações em revistas de alto impacto, porém a fonoaudilogia precisa apropriar-se de suas medidas. A praticidade e aplicabilidade do DALY foram evidenciadas em estudo28 que estabeleceu passos para o cálculo: (1) definição da população; (2) modelo conceitual de desfechos; (3) coleta de dados; (4) análise dos dados; (5) cálculo do DALY. Apesar da sistematização simplista, as dificuldades no acesso de dados de qualidade são colocadas como a maior dificuldade encontrada no uso da metodologia.
O Brasil está no cenário de grandes estudos sobre carga de doença29, com um panorama das doenças crônico-degenerativas, parasitológicas, causas externas, dentre outras. Evidencia-se portanto, o desafio de implementar a metodologia para avaliação da carga dos distúrbios fonoaudiológicos.
Conclusão
Com este cenário, a aplicação das ferramentas para estabelecer-se a carga de doença oportuniza avaliar as repercussões das ações de intervenção na minimização do impacto das limitações e implicações dos distúrbios fonoaudiológicos, fornecendo não apenas dados dos efeitos das intervenções sobre este agravo, mas permitindo também a caracterização de uma medida padrão-ouro para mensurar-se os resultados das ações neste campo. Pode-se inferir que a metodologia traça um panorama importante para planejamento e avaliação de intervenção, porém, se faz necessário que o pesquisador tenha ciência de suas limitações e consiga avaliar qual indicador melhor se aplica para seus estudos.
É possível inferir que existe uma carência de estudos utilizando os conceitos relacionados à carga de doença aplicados à comunicação humana e seus distúrbios, bem como as implicações destas na vida do sujeito a partir da metodologia proposta pela Organização Mundial da Saúde. Dessa forma, há oportunidades de aplicação das medidas de QALYs, DALYS e suas variantes, tanto para que forneçam o impacto dos agravos no indivíduo, quanto para a avaliação da qualidade, quanto para mensuração da efetividade das intervenções.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
May-Jun 2016
Histórico
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Recebido
06 Out 2015 -
Aceito
16 Maio 2016