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Análise das variáveis que podem interferir no desfecho de casos clínicos de pacientes com queixas de voz ou deglutição

RESUMO

Objetivo:

analisar as variáveis sociodemográficas que podem interferir no desfecho de casos clínicos de pacientes com queixas de voz ou deglutição.

Métodos:

estudo observacional, transversal, descritivo e retrospectivo. Foram analisados os prontuários de pessoas maiores de 18 anos atendidas na Clínica de Voz do Serviço de Fonoaudiologia do Hospital Universitário do Rio de Janeiro de 2010 a 2018. Foram incluídos 81 prontuários, sendo 47 de participantes do gênero feminino e 34 do masculino. Os pacientes foram divididos quanto a três tipos de desfecho: alta, desligamento e abandono. As variáveis sociodemográficas estudadas foram gênero, estado civil, escolaridade, renda, ser ou não profissional da voz e queixa principal. Para análise dos resultados, foram contabilizadas as frequências relativa e absoluta e, para análise inferencial, foi utilizado o teste Qui-Quadrado de Pearson (nível de significância de 5%).

Resultados:

as variáveis sociodemográficas não estiveram significantemente associadas aos desfechos estudados quando não se considerou o tipo de queixa (de voz ou de deglutição) de forma separada. Especificamente, observou-se uma frequência significativamente maior de pacientes com queixa de voz e que receberam alta fonoaudiológica (p=0,020). Nestes pacientes, houve associação significativa entre a frequência maior de pacientes que abandonaram a terapia e que possuíam renda de até um salário-mínimo (p=0,041). Não houve associações significativas nas pessoas com queixas de deglutição e as variáveis sociodemográfica estudadas.

Conclusão:

o desfecho mais frequente foi o abandono ao tratamento. Neste estudo, a baixa renda familiar esteve associada ao abandono do tratamento por pacientes com queixa de voz. Pacientes com queixas de deglutição apresentaram menor frequência de abandono ao tratamento e menos alta do que pacientes com queixas de voz.

Descritores:
Sistema Único de Saúde; Serviços de Saúde; Ambulatório Hospitalar; Pacientes Ambulatoriais; Fonoaudiologia

ABSTRACT

Purpose:

to analyze sociodemographic variables that may interfere with the clinical outcome of patients with voice or swallowing complaints.

Methods:

a descriptive, retrospective, cross-sectional, observational study in which the medical records of patients above 18 years old treated at the Voice Clinic of the Speech-Language-Hearing Service of the Rio de Janeiro University Hospital between 2010 and 2018, were analyzed, including 81 medical records - 47 from females and 34 from males. Patients were divided according to three types of outcomes, namely: discharge, dismissal, and abandonment. The sociodemographic variables were sex, marital status, education level, income, whether they were occupational voice users, and the main complaint. The relative and absolute frequencies were calculated to analyze the results, and the Pearson´s chi-square test was used for inferential analysis (significance level of 5%).

Results:

sociodemographic variables were not significantly associated with the outcomes when the type of complaint (voice or swallowing) was not considered, separately. The study found a significantly higher frequency of patients with voice complaints who were discharged from speech-language-hearing therapy (p = 0.020). The higher frequency of such patients who abandoned therapy was significantly associated with an income of up to one minimum wage (p = 0.041). People with swallowing complaints were not significantly associated with sociodemographic variables.

Conclusion:

the most frequent outcome was treatment abandonment. In this study, low family income was associated with treatment abandonment by patients with voice complaints. Patients with swallowing complaints had a lower frequency of treatment abandonment and discharge than patients with voice complaints.

Keywords:
Unified Health System; Health Services; Outpatient Clinics, Hospital; Outpatients; Speech, Language and Hearing Sciences

INTRODUÇÃO

A trajetória dos pacientes em um serviço de saúde, desde o acesso à finalização do tratamento11. Hapner E, Portone-Maira C, Johns MM 3rd. A study of voice therapy dropout. J Voice. 2009;23(3):337-40. https://doi.org/10.1016/j.jvoice.2007.10.009 PMID: 1867488.
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2. Portone C, Johns MM 3rd, Hapner ER. A review of patient adherence to the recommendation for voice therapy. J Voice. 2008;22(2):192-196. https://doi.org 10.1016/j.jvoice.2006.09.009 PMID: 17572065.
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-33. Portone-Maira C, Wise JC, Johns MM 3rd, Hapner ER. Differences in temporal variables between voice therapy completers and dropouts. J Voice. 2011;25(1):62-66. https://doi.org/10.1016/j.jvoice.2009.07.007 PMID: 20236797.
https://doi.org/10.1016/j.jvoice.2009.07...
, é marcada por uma série de fatores que podem influenciar em sua adesão à proposta terapêutica estabelecida44. Chazan ACS, Silveira LMC, Favoreto CAO. Revisão de prontuário como estratégia de ensino-aprendizagem da medicina centrada na pessoa em um ambulatório universitário no município do Rio de Janeiro. Rev Bras Med Fam Comunidad. 2014;9(30):96-103. https://doi.org/10.5712/rbmfc9(30)700
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. A adesão é um processo dinâmico, tem uma influência muito forte sob a continuidade ou não do processo terapêutico e, apesar da eficiência da reabilitação fonoaudiológica, ainda é grande o índice de abandono ou de faltas que levam ao desligamento55. Santos LR, Almeida L, Teixeira LC, Bassi I, Assunção AA, Gama ACC. Adherence of the dysphonic teachers in speech therapy. CoDAS. 2013;25(2):134-9. https://doi.org/10.1590/s2317-17822013000200008 PMID: 24408242.
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. Dessa forma, é necessário compreender os fatores que podem estar relacionados a uma melhor adesão à terapia fonoaudiológica66. Teixeira LC, Rodrigues ALV, Silva AFG, Azevedo R, Gama ACC, Behlau M. The use of the URICA-VOICE questionnaire to identify the stages of adherence to voice treatment. CoDAS. 2013;25(1):8-15. https://doi.org/10.1590/s2317-17822013000100003 PMID: 24408164.
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.

A Fonoaudiologia é uma área de saúde que compreende ações individuais e coletivas que visam a promoção, proteção e recuperação da saúde. As áreas da atuação fonoaudiológica em voz e deglutição têm intervenções diretas e indiretas77. Ramos LA, Ribeiro CJS, Brasil CCP, Gama ACC. The effectiveness of vocal health programs in the prevention of voice disorders in teachers: A systematic review and meta-analysis. J Voice. 2022;S0892-1997(22)00290-9. https://doi.org/10.1016/j.jvoice.2022.09.017 PMID: 36494244.
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, com o objetivo de proporcionar modificações e adaptações funcionais por meio da prática continuada de exercícios e de outras condutas, sendo imprescindível a colaboração dos pacientes para que o objetivo terapêutico seja alcançado88. Faria KCF, Pessoa ACN, Araújo LI, Paiva MLF. Perfil do paciente atendido pela fonoaudiologia na unidade de urgência e emergência de um hospital universitário. Audiol., Commun. Res. 2013;18(4):308-13.. Dessa forma, para a alta ser possível é necessária a adesão do paciente ao processo terapêutico, além de demandar dedicação e participação ativa do paciente55. Santos LR, Almeida L, Teixeira LC, Bassi I, Assunção AA, Gama ACC. Adherence of the dysphonic teachers in speech therapy. CoDAS. 2013;25(2):134-9. https://doi.org/10.1590/s2317-17822013000200008 PMID: 24408242.
https://doi.org/10.1590/s2317-1782201300...
,66. Teixeira LC, Rodrigues ALV, Silva AFG, Azevedo R, Gama ACC, Behlau M. The use of the URICA-VOICE questionnaire to identify the stages of adherence to voice treatment. CoDAS. 2013;25(1):8-15. https://doi.org/10.1590/s2317-17822013000100003 PMID: 24408164.
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,99. Góes TRV, Ferracciu CCS, Silva DRO. Association between the adherence to voice therapy and voice activity profile in patients with behavioral dysphony. CoDAS. 2016;28(5):595-601. https://doi.org/10.1590/2317-1782/20162015232 PMID: 27812672.
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.

É preciso haver um trabalho conjunto entre o fonoaudiólogo e o paciente durante todo o processo de terapia. Entender os motivos da permanência ou não dos indivíduos durante o tratamento pode ajudar no planejamento de ações para a terapia ser efetiva, sendo fundamental um olhar diferenciado para cada paciente em sua singularidade e suas vivências1010. Castro BR, Bastos NP. Saberes e fazer da Fonoaudiologia: A importância da terapia fonoaudiológica em ambiente hospitalar. Acad Rev Científica Saúde. 2018;3:55-9. https://doi.org/10.24118/reva1806.9495.3.1.2018.407
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. Considerando os pacientes atendidos em um serviço público de saúde de um hospital universitário, que se caracterizam por diversas realidades sociais e apresentam inúmeros fatores que podem influenciar a sua trajetória até a alta fonoaudiológica, vê-se a importância e a necessidade de realizar pesquisas com enfoque nas variáveis que podem interferir nos desfechos do processo terapêutico e na permanência do paciente no serviço de saúde.

Deste modo, hipotetiza-se que variáveis relacionadas ao paciente e ao atendimento podem influenciar no processo terapêutico de casos fonoaudiológicos de voz e deglutição. Assim, o objetivo deste estudo é analisar as variáveis sociodemográficas que podem interferir no desfecho de casos clínicos de pacientes com queixas de voz ou deglutição.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo com delineamento observacional, transversal, descritivo e retrospectivo, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil (CAAE n. 17269319.4.0000.5257 e parecer n. 3.480.643). O estudo seguiu as recomendações éticas da resolução 466/12 do Conselho Nacional de Pesquisa (CONEP).

A amostra do presente estudo foi selecionada a partir dos prontuários de pacientes atendidos na Clínica de Voz e Deglutição do Serviço de Fonoaudiologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil. Foram incluídos os prontuários de usuários maiores de 18 anos, alfabetizados, de qualquer gênero, atendidos no período de 2010 a 2018. Foram excluídos os prontuários que estavam com informações incompletas, de usuários que ainda estavam em atendimento e de pacientes que foram ao óbito durante o tratamento.

A pesquisa foi realizada em um hospital universitário de média e alta complexidade. Apesar da grande demanda para o atendimento fonoaudiológico, o serviço conta apenas com fonoaudiólogos contratados temporariamente, restringindo os atendimentos ao período letivo da universidade. Os prontuários analisados são físicos.

Dessa forma, a amostra do presente estudo foi composta por 81 indivíduos, 47 do gênero feminino e 34 do gênero masculino. Os desfechos clínicos estudados foram a alta, o desligamento e o abandono. A alta refere-se ao paciente que finalizou o tratamento, o desligamento ocorre quando o paciente apresentou três faltas sem justificativa e o abandono está relacionado aos pacientes que deixam de frequentar o serviço sem justificativa.

Para a análise das variáveis sociodemográficas relacionadas ao paciente, foram coletadas as informações referentes a gênero, estado civil, escolaridade, renda e se era profissional da voz. Para análise das variáveis relacionadas ao atendimento, foram coletadas as informações sobre a queixa (de voz ou de deglutição) e o profissional que encaminhou.

Os dados foram analisados de forma descritiva e inferencial. Na análise descritiva as variáveis qualitativas nominais foram analisadas por meio de frequência absoluta e percentual. Para análise inferencial de associação entre os grupos e as variáveis qualitativas nominais, foi utilizado o teste Qui-quadrado de Pearson, sendo estipulado o nível de significância de 5%.

RESULTADOS

Quanto ao desfecho clínico dos atendimentos, 11 (13,6%) pacientes receberam alta da terapia, 63 (77,8%) abandonaram o tratamento e sete (8,6%) foram desligados. Não houve associação entre o desfecho clínico e as variáveis sociodemográficas dos pacientes (Tabela 1).

Tabela 1
Associação entre desfecho clínico e variáveis relacionadas aos pacientes em indivíduos com queixa de voz e deglutição

No que diz respeito às variáveis relacionadas ao atendimento, observou-se frequência significativamente maior de pacientes com queixa de voz que receberam alta fonoaudiológica, conforme mostra a Tabela 2.

Tabela 2
Associação entre desfecho clínico e variáveis relacionadas ao atendimento em indivíduos com queixas de voz e deglutição

Dos 81 pacientes, 49 apresentavam queixas relativas à voz e 32 de deglutição. Com relação aos pacientes especificamente com queixa de voz, 10 (20,4%) tiveram alta, 33 (67,4%) abandonaram a terapia e seis (12,2%) foram desligados. Verificou-se que houve uma frequência significativamente maior de pacientes que abandonaram a terapia e que possuem renda de até um salário-mínimo (Figura 1).

Figura 1
Associação entre o desfecho clínico e as variáveis relacionadas ao paciente e ao atendimento em indivíduos com queixas de voz

Dos pacientes com queixa de deglutição, um (3,1%) recebeu alta, 30 (93,8%) abandonaram a terapia e um (3,1%) foi desligado. Não foi observada associação entre o desfecho clínico e as variáveis sociodemográficas dos pacientes (Figura 2).

Figura 2
Associação entre o desfecho clínico e as variáveis relacionadas ao paciente e ao atendimento em indivíduos com queixas de deglutição

DISCUSSÃO

Este estudo investigou as variáveis sociodemográficas que influenciam a alta, o desligamento e o abandono de pacientes com queixas de voz ou de deglutição atendidos em um hospital universitário. Conhecer estas variáveis pode contribuir para a adoção de medidas que garantam, não só o acesso de usuários do Sistema Público de Saúde, mas também a sua permanência até o momento da alta.

No Sistema Público de Saúde, a demanda fonoaudiológica é alta1111. Barros PML, Oliveira PN. Profile of patients receiving speech therapy care at a public service at Recife-PE. Rev. CEFAC. 2010;12(1):128-33. https://doi.org/10.1590/S1516-18462009005000063
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. Em contrapartida, estudos com foco no desfecho dos atendimentos fonoaudiológicos são escassos na literatura, dificultando a previsibilidade de tempo de tratamento para cada condição assistida e os fatores associados ao abandono ou desligamento dos serviços.

No presente estudo observa-se uma baixa adesão ao tratamento ao se verificar um índice muito alto de abando e de desligamento do serviço. A Organização Mundial de Saúde (OMS)1212. WHO W. H. O. Adherence to long-term therapies: Evidence for action. 2003. aponta que a baixa adesão ao tratamento é um problema mundial, sendo mais frequente em tratamentos que envolvam mudanças comportamentais, como as terapias para disfonias e disfagias. Estudos detalhando a gravidade dos casos e o desfecho de abandono e desligamento podem ser úteis para verificar fatores adjacentes à condição clínica na adesão ao tratamento. Em um estudo recente1313. White JT, Chandran SK. The role of patient perceptions and hyperfunctional voice disorders in predicting voice therapy attendance. Am J Otolaryngol. 2023;44(2):103789. https://doi.org/10.1016/j.amjoto.2023.103789 PMID: 36708683.
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, a autopercepção de maior gravidade da condição de saúde aumentou a probabilidade de frequentar a terapia vocal, em pacientes com disfonia hiperfuncional.

Cabe salientar que os cursos da área da saúde, historicamente prestam serviços à sociedade, seja por meio de atendimentos realizados por estagiários em suas clínicas escolas ou em unidades do Sistema Único de Saúde (SUS). Entretanto, o fato de os atendimentos serem realizados em espaços educacionais merecem a discussão quanto a sua manutenção em períodos de férias e recesso acadêmico de alunos e docentes. A interrupção dos atendimentos, ao menos duas vezes por ano, pode desmotivar o paciente, atrapalhar a evolução dos casos e, consequentemente, acarretar o abandono do tratamento.

Não se observa associação entre o desfecho clínico e as variáveis relacionadas ao paciente, como gênero, estado civil, escolaridade, renda e o fato de ser profissional da voz, quando os pacientes não foram divididos quanto à principal queixa (queixa de voz ou de deglutição). Dentre as variáveis estudadas, cabe destacar que, embora estudos indiquem que as mulheres, de uma forma geral, procuram mais os serviços de saúde1414. Levorato CD, Mello LM, Silva AS, Nunes AA. Factors associated with the demand for health services from a gender-relational perspective. Ciênc. saúde colet. 2014;19(04):1263-74. https://doi.org/10.1590/1413-81232014194.01242013 PMID: 24820609.
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, quando se trata especificamente das taxas de procura/uso de serviços de saúde com enfoque curativo, são pequenas as diferenças em função do gênero1515. Pinheiro RS, Viacava F, Travassos C, Brito AS. Gênero, morbidade, acesso e utilização de serviços de saúde no Brasil. Ciênc. saúde coletiva. 2002;7(4):687-707. https://doi.org/10.1590/S1413-81232002000400007
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. Acredita-se que isso justifica, no presente estudo, o fato de o gênero não ter influenciado no desfecho dos atendimentos.

De modo geral, grande parte dos participantes desta pesquisa possuíam apenas o ensino fundamental e renda de até um salário-mínimo, o que sugere que por ser um serviço público, assiste às pessoas com maior vulnerabilidade social. Porém, quando se analisa apenas as pessoas com queixa de voz, observa-se associação entre renda de até um salário-mínimo e um maior abandono do tratamento, sugerindo que as condições socioeconômicas se mostraram como fator importante no desfecho destes quadros. Cabe salientar que a mesma relação não foi observada nos participantes com queixa de deglutição, o que pode ser justificado pela homogeneidade da população, em que quase a sua totalidade possuía renda de até um salário-mínimo, não sendo possível a detecção de associação pelo teste estatístico.

Corroborando este achado, um estudo que utilizou os resultados da Pesquisa Nacional de Saúde de 2013 e que teve como um dos objetivos traçar o perfil sociodemográfico, tanto para usuários quanto para não-usuários do Sistema Único de Saúde, observou o predomínio nos usuários do SUS de pessoas com baixa renda1616. da Silva ZP, Ribeiro MC, Barata RB, de Almeida MF. Perfil sociodemográfico e padrão de utilização dos serviços de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), 2003-2008. Ciênc. saúde coletiva. 2011;16(9):3807-16. https://doi.org/10.1590/s1413-81232011001000016 PMID: 21987323.
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.

Neste estudo, o tipo de queixa esteve associado ao desfecho dos atendimentos. Observou-se uma frequência significativamente maior de pacientes com queixa de voz que receberam alta da terapia fonoaudiológica, ou seja, finalizaram todo o processo terapêutico, o que não ocorreu nos pacientes com queixas de deglutição. Acredita-se que isso pode estar relacionado ao tempo de duração da terapia vocal, até a alta, ser inferior ao tempo necessário nas terapias relacionadas aos problemas de deglutição. Outra hipótese para esses achados é a possibilidade de problemas da deglutição, mesmo que sem maior gravidade, serem secundários a patologias de base que podem impossibilitar a ida semanal do paciente aos serviços ambulatoriais de reabilitação.

Um estudo americano verificou forte associação entre as variáveis temporais (frequência da terapia e número de sessões) e a conclusão da terapia vocal33. Portone-Maira C, Wise JC, Johns MM 3rd, Hapner ER. Differences in temporal variables between voice therapy completers and dropouts. J Voice. 2011;25(1):62-66. https://doi.org/10.1016/j.jvoice.2009.07.007 PMID: 20236797.
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. Em média, na área de voz, a duração da terapia até a alta é de 4,8 sessões33. Portone-Maira C, Wise JC, Johns MM 3rd, Hapner ER. Differences in temporal variables between voice therapy completers and dropouts. J Voice. 2011;25(1):62-66. https://doi.org/10.1016/j.jvoice.2009.07.007 PMID: 20236797.
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, porém, não foram encontrados estudos que tenham analisado especificamente as variáveis temporais relacionadas à alta terapêutica em disfagia. Entretanto, um estudo que analisou o desfecho da terapia fonoaudiológica na disfagia após o acidente vascular observou a abordagem terapêutica intensiva com cinco treinos por semana como sendo mais eficaz na fase aguda da disfagia1717. Carnaby G, Hankey GJ, Pizzi J. Behavioural intervention for dysphagia in acute stroke: A randomised controlled trial. Lancet Neurol. 2006;5(1):31-7. https://doi:10.1016/S1474-4422(05)70252-0 PMID: 16361020.
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, corroborando a hipótese de que a terapia para disfagia, devido a sua maior complexidade, demanda um período maior de intervenção.

O tipo de disfonia também parece influenciar a adesão à terapia de voz de professores, sendo que pessoas com disfonia organofuncional apresentaram maior taxa de abandono da terapia do que as com disfonia funcional55. Santos LR, Almeida L, Teixeira LC, Bassi I, Assunção AA, Gama ACC. Adherence of the dysphonic teachers in speech therapy. CoDAS. 2013;25(2):134-9. https://doi.org/10.1590/s2317-17822013000200008 PMID: 24408242.
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. Em relação ao abandono da terapia vocal, a frequência apresentada no presente estudo é mais elevada do que a expressa na literatura internacional e nacional11. Hapner E, Portone-Maira C, Johns MM 3rd. A study of voice therapy dropout. J Voice. 2009;23(3):337-40. https://doi.org/10.1016/j.jvoice.2007.10.009 PMID: 1867488.
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,33. Portone-Maira C, Wise JC, Johns MM 3rd, Hapner ER. Differences in temporal variables between voice therapy completers and dropouts. J Voice. 2011;25(1):62-66. https://doi.org/10.1016/j.jvoice.2009.07.007 PMID: 20236797.
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,1818. Gama ACC, Bicalho VS, Valentim AF, Bassi IB, Teixeira LC, Assunção AA. Adherence to voice therapy guidelines after discharge from vocal treatment in teachers: A prospective study. Rev. CEFAC. 2012;14(4):714-20. https://doi.org/10.1590/S1516-18462011005000105
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. Um estudo nacional, que teve como objetivo investigar a adesão às orientações fonoaudiológicas realizadas aos professores da rede municipal de ensino atendidos em um ambulatório de voz de um Hospital Universitário, verificou que 46% dos pacientes foram desligados do ambulatório, porcentagem bastante inferior ao encontrado no presente estudo. Possivelmente, este menor abandono, embora ainda bastante expressivo, esteja relacionado ao fato de se tratar apenas de profissionais da voz1818. Gama ACC, Bicalho VS, Valentim AF, Bassi IB, Teixeira LC, Assunção AA. Adherence to voice therapy guidelines after discharge from vocal treatment in teachers: A prospective study. Rev. CEFAC. 2012;14(4):714-20. https://doi.org/10.1590/S1516-18462011005000105
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, que necessita da voz como instrumento de trabalho e, possivelmente, para seu sustento.

Especificamente no que se refere aos tratamentos envolvendo a disfagia, embora pouco descritos na literatura, as taxas de abandono ao tratamento de disfagia e a baixa adesão ao tratamento, com acentuada dificuldade em seguir as orientações profissionais pelos cuidadores e pacientes, também são retratadas como importante empecilho para obtenção do sucesso terapêutico1919. Santos AF dos, Steinberg C, Costa ACN da. Adesão à terapia fonoaudiológica por paciente com disfagia orofaríngea: relato de caso. Revista de Ciências Médicas e Biológicas. 2019;18(3):411-5. https://doi.org/10.9771/cmbio.v18i3.34186
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. Na literatura há uma ampla discussão a respeito da importância da adesão ao tratamento de doenças crônicas não transmissíveis, mas pouco se fala da importância da adesão ao tratamento fonoaudiológico nos casos de disfagia. Esta condição apresenta um grande potencial de agravar os quadros clínicos e pode aumentar o desfecho de óbito de pessoas com doenças neurodegenerativas1919. Santos AF dos, Steinberg C, Costa ACN da. Adesão à terapia fonoaudiológica por paciente com disfagia orofaríngea: relato de caso. Revista de Ciências Médicas e Biológicas. 2019;18(3):411-5. https://doi.org/10.9771/cmbio.v18i3.34186
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.

Observou-se neste estudo que a maioria dos encaminhamentos para terapia fonoaudiológica foi realizado por médicos. A demanda espontânea não é comum em serviços de atenção terciária, como o do presente estudo, mas, apesar disso, foi a forma de acesso de dez pacientes (12,34%) do total. A demanda espontânea aumenta o acesso aos serviços de reabilitação, sobretudo de quem tem dificuldades ao acesso à consulta médica.

Embora seja frequentemente criticada a falta de acesso aos serviços de saúde pública com foco reabilitador, estudos como este nos fazem questionar a necessidade de, não apenas ofertar vagas para os atendimentos de reabilitação, mas a importância de se criar estratégias que viabilizem a permanência do paciente até o momento da alta. Possibilitar a eficácia do processo de reabilitação e, consequentemente, evitar um agravamento do quadro pode reduzir o custo financeiro para o sistema de saúde e para a qualidade de vida do paciente. Há na literatura modelos conceituais com o objetivo de fornecer subsídios ao clínico para avaliar a adesão dos pacientes, o que pode contribuir para o sucesso terapêutico em intervenções clínicas específicas2020. Krekeler BN, Vitale K, Yee J, Powell R, Rogus-Pulia N. Adherence to dysphagia treatment recommendations: A conceptual model. J Speech Lang Hear Res. 2020;63(6):1641-57. https://doi.org/10.1044/2020_JSLHR-19-00270 PMID: 32432958.
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.

Uma das limitações do presente estudo é que, por ser retrospectivo, não permitiu elucidar as causas do abandono do tratamento fonoaudiológico. Além disso, é importante destacar a dificuldade de conduzir o estudo com uma amostra maior e mais fidedigna, em decorrência da falta de dados nos prontuários. Especificamente nesse aspecto é necessária uma maior conscientização dos profissionais da saúde, não somente quanto ao fato de o prontuário ser um acervo documental, mas, principalmente, do seu papel na integralidade da assistência como forma de comunicação em uma equipe multiprofissional.

Dessa forma, sugere-se o desenvolvimento de estudos que ampliem a amostra, assim como as variáveis a serem analisadas, adicionando outras possíveis variáveis relacionadas aos participantes, principalmente de renda baixa, como condições de transporte, compatibilidade dos horários de atendimento com os de trabalho, presença de filhos e as variáveis temporais relacionadas à alta, ao desligamento e ao abandono da terapia, para tentar compreender, de forma ampliada, os fatores relacionados à adesão aos tratamentos reabilitadores.

CONCLUSÃO

O desfecho mais frequente foi o abandono ao tratamento. Neste estudo, a baixa renda familiar esteve associada ao abandono do tratamento por pacientes com queixa de voz. Pacientes com queixas de deglutição apresentaram menor frequência de abandono ao tratamento e menos alta do que pacientes com queixas de voz.

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  • Estudo realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.
  • Fonte de financiamento: Nada a declarar

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    09 Ago 2023
  • Revisado
    07 Set 2023
  • Aceito
    01 Mar 2024
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