Resumos
O objetivo deste estudo é analisar a real necessidade da intervenção fonoaudiológica por meio de avaliação/documentação e sessões terapêuticas, no pré e pós-operatório de paciente candidato à cirurgia bariátrica. Este trabalho, um relato de caso transversal, descreve a documentação/avaliação e acompanhamento fonoaudiológico de um paciente do sexo masculino, 36 anos, 51 de IMC, apresentando comorbidades; submetido à cirurgia bariátrica pela técnica Fobi Capella. O mesmo, seguindo um protocolo previamente elaborado, foi submetido a uma avaliação fonoaudiológica do Sistema Estomatognático no pré e pós operatório de três meses, documentada por meio de fotos das estruturas dinâmicas, filmagens do sistema orofacial, medidas orofaciais e palpação dos músculos mastigatórios masseter e temporal. Após a primeira avaliação, recebeu orientações quanto à mastigação e exercícios oromiofuncionais. A análise comparativa das avaliações pré e pós-cirúrgicas indicaram melhora nos aspectos gerais das estruturas do Sistema Estomatognático e suas respectivas funções como de mastigação e respiração, persistindo algumas alterações que necessitam de acompanhamento fonoaudiológico para sua completa adequação e equilíbrio. Conclui-se que a documentação fonoaudiológica no protocolo de avaliação do candidato à cirurgia bariátrica, corrobora para uma atuação fonoaudiológica específica e científica, favorecendo ao paciente uma adaptação funcional oral satisfatória às suas novas características orgânicas (morfológicas e funcionais).
Mastigação; Obesidade Mórbida; Cirurgia Bariátrica
The purpose of this study is to analyze the actual need of speech therapy intervention through assessment, records and therapeutic sessions in the pre and post-surgery of the bariatric surgery candidate. This study, a cross-sectional one, describes the records, assessment and speech therapy sessions from a male patient, age 36, 51 BMI, presenting comorbidities, submitted to FobiCapella bariatric surgery. According to a pre-planned protocol, the patient underwent a three month of pre and post-surgery clinical assessment of the stomatognathic system, which was recorded through photos of the dynamic structures, orofacial system film, orofacial measurements and palpation of the masticatory muscles and temporalis. After the first evaluation, the patient received prescribed instructions on chewing and oromiofunctional exercises. The comparative analysis of pre and post-surgery assessments showed improvement in the general aspects of the stomatognathic system structures and on their functions such as chewing and breathing, however, because of some functional limitations, continuous speech therapy was made necessary to a maximum adjustment and balance. It is concluded, that the speech therapy documentation on the evaluation protocol of the bariatric surgery candidate, asserts for a specific and scientific speech therapy intervention, supporting the patient with a satisfactory oral adjustment to his new functional and morphological needs.
Mastication; Obesity; Morbid; Bariatric Surgery
Introdução
A obesidade é considerada uma doença crônica pela Organização Mundial de Saúde (OMS), onde a mesma estima, para 2015, uma população mundial de 2,3 bilhões de pessoas com excesso de peso e 700 milhões com obesidade. Segundo o ranking da OMS, o Brasil ocupa a 77a posição, sendo que 30% da população brasileira encontram-se acima do peso 11. Melo ME. Os Números da Obesidade no Brasil: VIGITEL 2009 e POF 2008-2009. [http://www.abeso.org.br]. São Paulo: Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Sindrome Metabólica, Inc.; c1998-2012 [atualizada em 2012; acesso em 2012 maio 19]. Disponível em: http://www.abeso.org.br/pdf/ObesidadenoBrasilVIGITEL2009POF2008_09II.pdf.
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, 22. Gigante DP, Moura EC, Sardinha LMV. Prevalência de excesso de peso e obesidade e fatores associados, Brasil, 2006. Rev Saúde Pública. 2009;43(Supl 2):83-9.. De acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM) 30 milhões dos brasileiros apresentam obesidade e 95 milhões sobrepeso 33. Obesidade: O que é? [http://www.sbcb.org.br/index.php]. São Paulo: Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, Inc.; c2011-12 [atualizada em 2012; acesso em 2012 julho 14]. Disponível em: www.sbcb.org.br/obesidade.asp?menu=0
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Com projeções de um crescente aumento, a obesidade, cuja etiologia é multifatorial44. Coutinho W. Etiologia da Obesidade. [http://www.abeso.org.br]. São Paulo: Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Sindrome Metabólica, Inc.; c1998-2012 [atualizada em 2012; Acesso em: 2012 maio 19]. Disponível em: http://www.abeso.org.be/pdf/EtiologiaeFisiopatologia-WalmirCoutinhopdf.
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, em muitos indivíduos pode estar associada a uma ou mais comorbidades como diabetes tipo 2 (DM2), doença da vesícula biliar, pancreatite aguda, doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA), doença cardiovascular (DCV), hipertensão arterial sistêmica (HAS), osteoartrose (OA), síndrome metabólica (SM), doenças respiratórias como apneia do sono, doenças psiquiátricas, neoplasias, dislipidemias e outras. Considerando a classificação nutricional em IMC (Índice de Massa Corporal) da OMS, a SBCBM considera o IMC e risco de mortalidade associada da seguinte forma: menor que 18.5 abaixo do peso; normal entre 18.6 e 24.9; excesso de peso ou pré-obeso (sobrepeso) entre 25 e 29.9, risco aumentado; 30 e 34.9 obesidade classe I, risco moderado; 35 e 39.9 obesidade classe II, risco grave; maior do que 40 obesidade classe III, risco muito grave 55. Segal A, Fandiño J. Indicações e contra-indicações para a realização das operações bariátricas. Rev Bras Psiq. 2002;24(supl III):68-72.
6. Zilberstein B, Galvão Neto M, Ramos AC. O papel da cirurgia no tratamento da obesidade. Moreira Jr. Editora, 2001,p. 258-64. - 77. Obesidade: IMC. [http://www.sbcb.org.br/index.php]. São Paulo: Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, Inc.; c2011-12 [atualizada em 2012; acesso em 2012 julho 14]. Disponível em: www.sbcb.org.br/obesidade.asp?menu=2
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Dentre os tratamentos para perda de peso, a dieta restritiva quanto à quantidade e tipo de alimento, o uso de fármacos e a prática de exercícios físicos são os mais praticados com ou sem orientação profissional. No entanto, é considerável o número de casos em que esses tratamentos tradicionais e/ou clínicos se mostram ineficazes na perda ou manutenção do peso, intensificando a sensação de culpa, desconforto e preconceito, comprometendo ainda mais a qualidade de vida do obeso. Diante deste cenário a opção pela cirurgia bariátrica se torna plausível 55. Segal A, Fandiño J. Indicações e contra-indicações para a realização das operações bariátricas. Rev Bras Psiq. 2002;24(supl III):68-72. , 66. Zilberstein B, Galvão Neto M, Ramos AC. O papel da cirurgia no tratamento da obesidade. Moreira Jr. Editora, 2001,p. 258-64. , 88. Moliner Jde, Rabuske MM. Fatores biopsicossociais envolvidos na decisão de realização da ciurgia bariátrica. Rev Psicologia: Teoria e Prática. 2008;10(2):44-60. , 99. Marcelino LF, Patrício ZM. A complexidade da obesidade e o processo de viver após a cirurgia bariátrica: uma questão de saúde coletiva. [www.scielo.br]. Rev Ciência & Saúde Coletiva. 2011 [acesso em 2012 maio 12];16(12):4767-76. Disponível em: http//www.scielo.br/pdf/csc/V16n12/25.pdf.
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. Seja qual for a escolha do tratamento anti-obesidade, se faz necessário um acompanhamento multidisciplinar e interdisciplinar desse paciente. Caso seja eleito o tratamento cirúrgico, esse acompanhamento deve se estender ao pós-operatório em longo prazo, uma vez que a manutenção da perda de peso depende de mudanças no comportamento e hábitos alimentares 1010. Peixoto JS, Ganem KMG. Prevalência de trantornos alimentares pós-cirurgia bariátrica. Rev Saúde e Pesquisa. 2010;3(3):353-8..
O trabalho fonoaudiológico na equipe multidisciplinar de cirurgia bariátrica ainda é pouco explorado. As complicações pós-cirúrgicas foram as grandes alavancadoras para o crescimento dos estudos fonoaudiológico na área, uma vez que muitas queixas como engasgos, empachamentos e vômitos advinham de alterações deglutitórias e digestivas provocadas pelo mau funcionamento da mastigação. As evidências das mudanças que ocorrerão na vida dos pacientes pós-cirurgia bariátrica, principalmente quanto à alimentação 88. Moliner Jde, Rabuske MM. Fatores biopsicossociais envolvidos na decisão de realização da ciurgia bariátrica. Rev Psicologia: Teoria e Prática. 2008;10(2):44-60., leva à necessidade da contribuição fonoaudiológica com atuação desde o pré-cirúrgico, objetivando sempre uma melhor qualidade de vida destes indivíduos. Estes necessitarão de uma adaptação a essa nova maneira de ingestão dos alimentos, atentando para particularidades da mecânica mastigatória, envolvendo a participação de todos os órgãos fonoarticulatórios.
Dentre as funções do Sistema Estomatognático, a mastigação é considerada a função ouro, tendo como pré- requisito facilitador uma boa respiração 1111. Gurfinkel VK. Respiração Oral: Propostas de Terapia. In: Comitê de Motricidade Orofacial. Motricidade Orofacial: como atuam os especialistas. São José dos Campos/SP: Editora Pulso, 2004.Cap.2.p.31-9. e sendo ela própria facilitadora de uma boa deglutição. Tal importância se dá pelo fato de que a mesma contribui para a prevenção dos distúrbios miofuncionais, estimulando a musculatura orofacial e favorecendo um desenvolvimento saudável dos ossos maxilares, manutenção dos arcos, estabilidade da oclusão e por fim equilíbrio muscular e funcional. Sua função principal é a fragmentação do alimento em partículas cada vez menores, preparando-o para a deglutição e digestão 1212. Tanigute CC. Desenvolvimento das Funções Estomatognáticas. In: Marchesan IQ. Fundamentos em Fonoaudiologia: aspectos clínicos da motricidade oral. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan SA, 2005. Cap.1.p.1-9.. Para que isto ocorra de forma eficiente é necessária a integridade das estruturas envolvidas, bem como uma harmonia funcional entre elas, incluindo uma boa postura de cabeça sustentada pelos músculos da nuca com o nervo acessório e nervos cervicais C2-C5 1313. Douglas CR. Fisiologia da Mastigação. In: Douglas CR. Fisiologia Aplicada à Fonoaudiologia. 2a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006, Cap25.p.325-50. , 1414. Melo TM, Carvalho CdeC, Cavalcanti AS, Dourado Filho MG, Pinheiro Jr. PF, Silva HJ. Estudo das Relações entre Mastigação e Postura de Cabeça e Pescoço - Revisão Sistemática. Rev CEFAC. 2012;14(2):327-32..
A intervenção fonoaudiológica na equipe de cirurgia bariátrica consiste em uma avaliação e acompanhamento no pré e pós-operatório. Considerando que o preparo pré-operatório do candidato à cirurgia bariátrica é de grande importância, é necessário que o mesmo submeta-se a uma reeducação mastigatória. Entretanto, para realizar tal função de forma ideal ou próxima ao padrão tido como normal, é necessário apresentar estruturas anatômicas sem prejuízos funcionais. Tais estruturas como lábios, bochechas, palato duro e mole, língua, frênulo de língua1515. Silva MC, Costa MLVCM, Nemr K, Marchesan IQ. Frênulo de língua alterado e interferência na mastigação. Rev CEFAC. 2009;11(Supl3):363-9. e dentes são avaliados pelo fonoaudiólogo, e este verificará as possibilidades deste indivíduo em executar uma mastigação e deglutição satisfatória. Assim sendo, o objetivo deste estudo é analisar a real necessidade da intervenção fonoaudiológica por meio de avaliação/documentação e sessões terapêuticas, no pré e pós-operatório de paciente candidato à cirurgia bariátrica.
Apresentação do caso
O presente estudo foi aprovado, sem risco, pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica - CEFAC (CAAE: 05604712.2.0000.5538), com Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sob o no 032/12.
Este trabalho, um relato de caso transversal, descreve a avaliação fonoaudiológica documentada por meio de fotos e filmagens, sendo esta documentação o diferencial desta avaliação; e acompanhamento fonoaudiológico de um paciente do sexo masculino, que se submeteu à cirurgia bariátrica pela técnica Fobi Capella (By-pass gástrico em Y de Roux quando realizada com anel de contenção). A cirurgia se realizou após o mesmo ser avaliado e acompanhado por uma equipe multidisciplinar e interdisciplinar, composta por cirurgião do aparelho digestivo, gastroenterologista clínico, nutricionista, psicólogo, fisioterapeuta e fonoaudiólogo; ainda com avaliações complementares de outras áreas médicas afins, endocrinologia, cardiologia, pneumologia e otorrinolaringologia. O paciente, com 36 anos e 10 meses, 51 de IMC (altura: 1,68m e peso: 144kg) e apresentando comorbidades como hipertensão, diabetes, dislipidemias, roncopatia intensa e apneia severa; fora encaminhado pelo cirurgião do aparelho digestivo a uma avaliação e acompanhamento fonoaudiológico que se deu em dois momentos: a primeira no pré-operatório e a segunda no pós-operatório de 3 meses.
Inicialmente, o paciente, com outros candidatos à cirurgia bariátrica, recebeu orientações esclarecedoras quanto ao trabalho fonoaudiológico junto à equipe de cirurgia bariátrica. Em um segundo momento fora submetido a uma avaliação fonoaudiológica clínica das estruturas e funções do sistema estomatognático, documentada por meio de fotos e filmagens, seguindo um protocolo (Figura 1) previamente elaborado; tal procedimento repetiu-se no pós operatório de 3 meses.
A avaliação do pré e pós operatório foi realizada em ambiente com luz amarela, fundo verde, cadeira giratória para o posicionamento sentado do paciente, respeitando a distância de 1 metro entre o paciente e a câmera; as fotos e filmagem foram realizadas utilizando-se uma câmera Canon semiprofissional digital posicionada em um tripé; utilizou-se ainda luvas de procedimentos descartáveis, espátulas de madeira e espelho de glatzel para avaliar fluxo aéreo nasal.
As provas de mastigação, deglutição e fala foram filmadas. Para a mastigação e deglutição de sólidos e líquidos, o paciente recebeu um pão de queijo e um copo descartável com água. Solicitou-se ao mesmo que mordesse, mastigasse e deglutisse porções conforme o seu hábito até terminar, sendo que em dois momentos, a pedido do avaliador, o paciente abriu a boca antes de deglutir para que o bolo alimentar fosse visualizado e analisado quanto à sua formação; quanto à água poderia fazer uso quando achasse necessário, observando assim se havia a necessidade de apoio de líquidos durante a mastigação.
As estruturas dinâmicas como lábios, bochechas e palato mole foram fotografadas, solicitando ao paciente que realizasse algumas praxias conforme o protocolo em anexo. Para avaliar mobilidade de palato mole o paciente deveria pronunciar com a boca bem aberta /a/ /ã/. As medidas com paquímetro de plástico esterilizado dentro dos padrões da Vigilância Sanitária foram do filtro naso-labial (sentido vertical); abertura natural da boca e abertura da boca com a língua atrás dos incisivos centrais superiores para avaliar frênulo de língua. Ainda foi realizada a palpação dos músculos mastigatórios masseter e temporal. As estruturas estáticas como dentes e palato duro, bem como a postura de cabeça e ombros, foram fotografadas.
Após a avaliação documentada, em sessões individuais, o paciente recebeu orientações quanto a uma melhor mastigação, sendo estimulado a vivenciar durante suas refeições diárias alimentos com consistências e tipos variados como grãos, fibrosos, secos, úmidos entre outros, observando principalmente os mais consistentes e resistentes aos golpes mastigatórios, como a carne bovina; no consultório fonoaudiológico realizou treino mastigatório com o pão francês, banana e barra de cereal. A fonoaudióloga explicou ainda a importância de adequar o melhor possível a função mastigatória a fim de evitar transtornos digestivos como engasgos, piroses, empachamentos e vômitos. Para tanto, esclareceu a relevância de colocar menores quantidades de alimento na boca, observar o aumento e mistura da saliva com o mesmo e senti-lo com a língua antes de degluti-lo.
Quanto à ingestão de líquidos, se esclareceu ao paciente os cuidados com o volume a ser ingerido 1616. Dantas RO, Alves LMT, Cassiani RA, Santos CM. Evaluation of liquid ingestion after bariatric surgery. Arq. Gastroenterol. 2011;48(1):15-8., principalmente nos primeiros dias pós-operatório em que o mesmo deveria utilizar um pequeno copo de 50ml, colocando na boca pequeno gole que deveria ser saboreado antes de deglutido. Desta forma evita-se uma ingestão rápida e em grandes volumes, possíveis causadores de dores e vômitos. A dieta líquida, após a cirurgia, seguindo a orientação nutricional, acontece de duas em duas horas, mantendo a ingestão de pequenas quantidades de líquidos de quinze em quinze minutos.
Considerando os dados obtidos na avaliação e a queixa do paciente de "não conseguir dormir bem por causa do ronco e apneia", o acompanhamento fonoaudiológico estendeu-se a mioterapia orofacial com exercícios isométricos 1717. Guimarães, KCC. Apnéia e Ronco - Tratamento Miofuncional Orofacial. São José dos Campos /SP. Ed Pulso, 2009., que se deu em três sessões de trinta minutos com intervalo de três dias entre a primeira e a segunda e de quatro dias entre esta e a terceira. Estes deveriam ser realizados no mínimo uma série duas vezes ao dia com oito a dez repetições. Os músculos enfatizados foram o orbicular da boca, bucinadores, supra-hióideos e extrínsecos da língua, sendo que os masseteres e temporais foram estimulados por meio de exercícios mastigatórios com alimentos. A conscientização e prática de uma mastigação adequada, associada a esses exercícios teve como objetivo uma melhora na harmonia e equilíbrio na musculatura orofacial e funções do sistema estomatognático.
A partir da data da cirurgia, a dieta nutricional do paciente evoluiu da seguinte forma: inicialmente líquida por vinte dias, evoluindo e permanecendo pastosa até o trigésimo dia da data da cirurgia, quando iniciou a dieta sólida I, em que os alimentos apresentam-se mais cozidos e umedecidos; após sessenta dias da cirurgia, o paciente evoluiu a uma dieta sólida livre sem restrições de consistências, incluindo saladas cruas e carnes assadas. Após trinta dias da cirurgia o paciente retornou para uma sessão fonoaudiológica em grupo, sendo que na mesma foi oferecido a todos uma fatia de pão de forma integral com requeijão cremoso light e 125 ml de suco industrializado light; deveriam comer e beber observando as orientações quanto à mastigação e deglutição recebidas no pré-operatório. Durante a sessão o paciente recebeu orientações quanto à dieta sólida I, enfatizando alimentos como carne bovina e arroz, relembrando o cuidado para mastigar mesmo alimentos bem úmidos, isso por estar adentrando em uma dieta sólida, porém mais úmida.
Após três meses da realização da cirurgia, repetiu-se a avaliação fonoaudiológica por meio da documentação e entrevista obedecendo aos mesmos padrões estabelecidos no pré-operatório. Durante a entrevista o paciente relatou sensível melhora da função respiratória: "finalmente dormi uma noite inteira e praticamente não ronco mais. Consigo seguir a dieta da nutricionista sem problemas, como até carne. Estou muito feliz. Faço os exercícios quando lembro, mas já fiz muito".
Resultados
Na avaliação pré-operatória o diagnóstico fonoaudiológico foi de Distúrbio Miofuncional com comprometimento na execução das funções estomatognáticas. Observou-se postura de cabeça com inclinação para a esquerda em hiperextensão, e de ombros com o lado direito mais alto em relação ao esquerdo; oclusão classe I segundo a classificação de Angle 1818. Moyers RE. Ortodontia, 4a Edição. Rio de Janeiro / RJ. Ed GuanabaraKoogan, 1991., o palato mole com mobilidade rebaixada, úvula normal e tonsilas palatinas presentes; palato duro apresenta-se ogival profundo; força de masseteres em equilíbrio e temporais reduzida. Quanto às demais estruturas dinâmicas seguem detalhes na Figura 2.
Durante a deglutição, sugere-se que a língua se encontra entre / contra as arcadas anteriormente e nas laterais, tanto para sólidos quanto para líquidos. Observou-se presença de restos alimentares e mímica perioral. Na prova de fala, houve escape anterior na emissão dos fonemas [ s ] e [ z ] [] e [ ]; protrusão anterior de língua na pronúncia dos fonemas [ t ], [ d ], [ l ], [ n ], c( l )v e c( r )v; desvio de mandíbula para direita na fala espontânea.
A análise comparativa das avaliações pré e pós-cirúrgicas indicaram melhora nos aspectos gerais das estruturas do sistema estomatognático e suas respectivas funções, porém persistindo algumas alterações que necessitam de acompanhamento fonoaudiológico para sua completa adequação e equilíbrio. Dentre as funções submetidas às provas de avaliação, a fala e deglutição (Figura 3 e 4) não apresentaram melhora, exceto o fato de que durante a deglutição na avaliação pós-cirúrgica não houve presença de restos alimentares. Entretanto, o que mais nos chama a atenção é a melhora das funções de respiração e mastigação (Figura 5), bem como do espaço intraoral (Figura 6). Este último, apresentando uma melhor visualização do palato mole, fauce e úvula; melhora na morfologia da língua (Figura 7) e lábios (Figura 8); aumento das medidas, melhorando abertura de boca (Figura 9); temporal antes com força reduzida, agora se sugere em equilíbrio. Quanto à mastigação avaliada no pós-operatório, observa-se que a mordida dos alimentos continua anterior, porém bem menor; apresenta padrão com movimentos rotatórios; velocidade mais controlada; formação do bolo mais adequada; não fez apoio com líquido durante a mastigação; durante o processo não apresentou respiração ofegante.
Discussão
A técnica do By-pass gástrico em Y de Roux é a mais realizada no mundo, devido a sua eficiência para perda de peso e controle das principais comorbidades associadas à obesidade, quando realizada com anel de contenção é denominada como Técnica de Fobi-Capella. Esta eficiência ocorre por causar uma sensação de saciedade precoce, pela absorção inadequada de nutrientes, pelo trânsito rápido do alimento até intestino delgado distal e por contribuir com a diminuição dos hormônios orexígenos como a grelina e aumento dos anorexígenos como PYY e GLP-1 1919. Martins MVDC. Porque o "by-pass" Gástrico em Y de roux é Atualmente a Melhor Cirurgia para Tratamento da Obesidade. Rev Bras de Videocirurgia 2005;3(2):102-4. , 2020. Francisco MC, Barella SM, Abud TG, Vilar VS, Reibscheid S, Arasaki CH et al. Análise radiológica das alterações gastrointestinais após cirurgia de Fobi-Capella. Radiol Bras. 2007;40(4):235-8.. A avaliação psíquica favorável do indivíduo quanto às mudanças pós cirúrgicas é indispensável, uma vez que é imprescindível a total compreensão do mesmo quanto aos possíveis riscos cirúrgicos, aos desconfortos pós-cirúrgicos, e à necessidade de acompanhamento multidisciplinar no pré e pós-operatório em longo prazo 55. Segal A, Fandiño J. Indicações e contra-indicações para a realização das operações bariátricas. Rev Bras Psiq. 2002;24(supl III):68-72. , 99. Marcelino LF, Patrício ZM. A complexidade da obesidade e o processo de viver após a cirurgia bariátrica: uma questão de saúde coletiva. [www.scielo.br]. Rev Ciência & Saúde Coletiva. 2011 [acesso em 2012 maio 12];16(12):4767-76. Disponível em: http//www.scielo.br/pdf/csc/V16n12/25.pdf.
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, 2121. Garrido Jr. AB. Cirurgia em obesos mórbidos - experiência pessoal. Arq Bras Endocrinol Metab. 2000;44 (1):106-13..
O cuidado multiprofissional visa minimizar o impacto posterior e evitar possíveis transtornos, como o Transtorno Alimentar - Anorexia e Bulimia nervosa, comumente associado a um distúrbio da imagem corporal, uma vez que o comprometimento emocional do paciente irá incidir diretamente em sua adaptação no pós-operátório, dificultando a assimilação e prática adequada das orientações recebidas pelos profissionais, inclusive a fonoaudiológica. Daí a necessidade do acompanhamento multiprofissional no pré e pós-operatório da cirurgia bariátrica, já que não é incomum encontrar neste processo investigativo a relação entre obesidade e alterações como depressões, ansiedades, pânicos, indícios de comportamentos impulsivos ou compulsivos1010. Peixoto JS, Ganem KMG. Prevalência de trantornos alimentares pós-cirurgia bariátrica. Rev Saúde e Pesquisa. 2010;3(3):353-8. , 2222. Marchesini SD. Distúrbios psíquicos e obesidade. In:. Garrido JR AB Cirurgia da Obesidade. São Paulo: Editora Atheneu,2002. Cap.05.p.25-33.. Tal fato evidencia o quanto a alteração do comportamento alimentar sofre interferências diversas como emocionais, de hábitos inadequados e desinformação, comprometendo inclusive sua capacidade mastigatória.
A fonoaudiologia na participação da equipe por muito tempo foi ignorada inclusive pelos próprios fonoaudiólogos. No entanto, nos últimos anos, com o surgimento de trabalhos que comprovam a importância desta atuação, tanto na redução como manutenção do peso 2323. Apolinário RMC, Moares RB de, Motta AR. Mastigação e dietas alimentares para redução de peso. Rev CEFAC. 2008;10(2):191-9., o trabalho vem sendo reconhecido e respeitado. Ainda são muitas as questões que devem ser pesquisadas e publicadas pelos profissionais fonoaudiólogos, porém com as evidências já encontradas torna-se mais fácil o surgimento de mais pesquisas na área.
Nesta incansável busca pelo saber, patente frisar a importância de compreender o processo digestivo. Atentando ao fato de que este é um fenômeno diferente do processo absortivo. Entretanto, ambos possuem uma inter-relação e acontecem quase simultaneamente. Pode-se dizer que há uma interdependência, uma vez que alterando um processo, o outro também apresentar-se-á alterado. Não cabe a este trabalho descrever detalhadamente tais processos, mas o entendimento global dos mesmos em muito ajudará evidenciar o quanto a atuação fonoaudiológica junto à função mastigatória beneficiará o indivíduo em questão.
Na literatura encontra-se poucas referências sobre a mastigação de obesos. Entretanto, observa-se que dentre estes, o padrão mastigatório do obeso mórbido é descrito, em sua maioria, como muito rápido, priorizando movimentos verticais, tamanho do bolo alimentar se mostra grande e com escassez de mastigação2424. Gonçalves RFM, Chehter EZ. Perfil mastigatório de obesos mórbidos submetidos à gastroplastia. Rev CEFAC. 2012;14(3):489-97.. Tais características mastigatórias prejudicarão potencialmente a adaptação alimentar do paciente submetido à cirurgia bariátrica, propiciando os engasgos, empachamentos, entalos e vômitos.
Antes que ocorra a mastigação, existe a sensação de fome associada ao desejo de ingerir algo, conduzindo a uma seleção de alimentos de acordo com a afetividade pessoal relacionada à sensação gustativa, costumes familiares e aspectos culturais. A sensação de saciedade ocorrerá de acordo com os índices digestórios, metabólicos e endócrinos, moduladores da função nervosa do hipotálamo, o que limitará a ingestão de mais alimentos 2525. Douglas CR Funções gerais desenvolvidas pela boca. In: Douglas CR. Fisiologia Aplicada à Fonoaudiologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006. Cap19.p.266-9.. Desta forma, se faz necessário orientar o candidato à cirurgia quanto a um novo padrão mastigatório, esclarecendo que não basta "mastigar devagar", é necessário a completa degradação do alimento na boca a fim de favorecer todo o processo digestivo, contribuindo, inclusive, com o aumento da velocidade de passagem do alimento pelos compartimentos digestivos sem agredi-los2424. Gonçalves RFM, Chehter EZ. Perfil mastigatório de obesos mórbidos submetidos à gastroplastia. Rev CEFAC. 2012;14(3):489-97..
Considerando os dados já apresentados em resultados, observa-se que para ocorrer uma adaptação adequada quanto à evolução das dietas é necessário que haja uma reeducação mastigatória, respeitando as características orgânicas do paciente. No presente estudo, o paciente evoluiu de forma satisfatória quanto à mastigação, alcançando a meta principal para sua adaptação pós-operatória, reaprender a mastigar.
Fica evidente que a documentação é recomendada e de grande importância na avaliação fonoaudiológica, por propiciar uma conduta específica a cada paciente, uma vez que cada indivíduo apresenta suas particularidades quanto aos seus aspectos morfológicos e funcionais, e estes por sua vez, necessitam de um olhar científico, criterioso e objetivo. Ao longo do trabalho, percebe-se a necessidade de rever alguns métodos avaliativos, como a dos músculos masseteres e temporais, pois a contração dos mesmos depende diretamente da oclusão dentária, tornando assim a palpação um tanto subjetiva; o uso do paquímetro de plástico por não ser recomendado para pesquisas científicas; e outro aspecto seria a deglutição, pois abrir a boca do paciente durante o ato deglutitório pode favorecer a uma observação errônea da mesma, por ser antifisiológico2626. Marchesan IQ . Avaliando e tratando o sistema estomatognático. In: Lopes Filho O. (Ed.). Tratado de Fonoaudiologia. São Paulo: Roca, 1997: p. 763-80. , 2727. Marchesan IQ. Como avalio e trato as alterações da deglutição. In:, Marchesan IQ organizadora. Tratamento da deglutição: a atuação do fonoaudiólogo em diferentes países. São José dos Campos: Pulso; 2005. p. 149-211..
Constata-se que a conscientização desse paciente, bem como um treino bem orientado, foram facilitados pela documentação2828. Tanigute CC. A documentação como ferramenta para o diagnóstico e controle de terapia. In: Marchesan IQ organizadora. Tratamento da deglutição: a atuação do fonoaudiólogo em diferentes países. São José dos Campos: Pulso; 2005. p.107-16., uma vez que o próprio paciente pode contemplar o seu desempenho e estruturas. Apesar de haver ainda uma indicação para acompanhamento fonoaudiológico, o paciente não retomou as sessões, dizendo-se satisfeito porque "come e não entala ou vomita". O desafio em trabalhar com tais pacientes nos leva à reflexão do quanto à fonoaudiologia pode contribuir ao bem estar desse paciente, mas o quanto ainda se tem a trilhar no caminho do conhecimento, buscando respostas por meio de estudos alicerçados na ciência.
Conclusão
A atuação fonoaudiológica em pacientes candidatos à cirurgia bariátrica apresenta característica preventiva, evitando complicações pós-operatórias como engasgos, empachamentos, piroses e vômitos. Porém, outro foco seria o terapêutico, atuando em alterações detectadas tanto no pré, que provavelmente persistem, e no pós-operatório. Entretanto, para que esta conduta atenda as reais necessidades desse paciente, é necessária uma avaliação fonoaudiológica documentada inicial cuidadosa, seguindo orientações específicas e respeitando os padrões de normalidade. Espera-se que com a melhor adequação das estruturas e funções alteradas, esse paciente obtenha a tão sonhada qualidade de vida.
Agradecimentos
Agradecemos à Fga Daniela Sinval pela sua colaboração técnica com as fotografias e filmagens, à equipe de cirurgia bariátrica Obesigastro na pessoa do Dr Adriano Teixeira Canedo e ao paciente A.G.A. pela gentileza em participar deste estudo.
Referências
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
sep-oct 2014
Histórico
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Recebido
24 Jul 2013 -
Aceito
01 Nov 2013