Open-access Frenotomia lingual em recém-nascido, do diagnóstico à cirurgia: relato de caso

RESUMO

O objetivo foi descrever um relato de caso clínico, de diagnóstico e frenotomia em um recém-nascido com dificuldade de aleitamento e acompanhado por 6 meses. Recém-nascido, parto normal, 5 dias de vida sem alterações de saúde, apresentando dificuldade em aleitamento no seio materno. Para avaliação do frênulo lingual, utilizou-se o protocolo proposto por Martinelli, 2013. Após aplicar o protocolo, notou-se que o recém-nascido apresentou necessidade de frenotomia. Foi realizada a cirurgia, em seguida, reaplicado o protocolo imediatamente e após 24 horas. Observou-se melhora nos escores do protocolo nas aplicações imediatas e após 24 horas. O recém-nascido foi acompanhado por seis meses mensalmente, por meio de coleta de dados na carteirinha de vacinação e perguntas dirigidas mãe. Constatou- se que o recém-nascido, após a cirurgia, não fez uso de complemento alimentar, uso de chupeta e/ou dedo,sendo alimentado somente no seio materno, apresentando ganho de peso satisfatório para a idade. Concluimos que o diagnóstico por meio do protocolo é de fundamental importância, indicando a necessidade de intervenção precoce, e que a frenotomia contribuiu com a melhora no aleitamento do recém-nascido.

Descritores: Freio Lingual; Cirurgia; Odontopediatria

ABSTRACT

This report describes the diagnostic approach and frenotomy in a newborn with breastfeeding difficulty, and the observation and analysis during the following 6 months. The patient was delivered normally and without complications, but showed breastfeeding difficulty during her first 5 days of life. The protocol proposed by Martinelli in 2013 was used to evaluate the lingual frenulum. After applying the protocol, the newborn was determined to require a frenotomy and the urgery was performed. The patient was reassessed using the protocol immediately after surgery and again 24 hours latter. There were improvements in the protocol scores at both reassessments. The newborn was observed and analyzed during the next six months by collecting monthly data from the vaccination card and by asking the mother for information. She was given no food supplements, pacifiers, nor sucked the thumbs, and was fed only breast milk and presented an age-appropriate weight gain. We conclude that the diagnosis using the Martinelli protocol is of fundamental importance to recognizing the need for early intervention and that the frenotomy helped improve the patient’s breastfeeding and swallowing capacity.

Keywords: Lingual Frenulum; Surgery; Pediatric Dentistry

Introdução

O aleitamento relaciona-se diretamente com a sucção e deglutição, que devem funcionar de forma coordenada com a respiração. A movimentação lingual exerce um papel fundamental nesse processo, qualquer restrição à livre movimentação da língua pode comprometer essas funções, podendo contribuir para um desmame precoce, baixo peso e comprometimento no desenvolvimento do bebe.

Anquiloglossia, a popular língua presa, ocorre quando uma parte de tecido que deveria ter sofrido apoptose durante o desenvolvimento embrionário permanece na face sublingual da língua, restringindo seus movimentos1.

Estudos com ultrassonografia têm evidenciado a importância dos movimentos da língua para a extração do leite durante a amamentação2.

O movimento anormal da língua durante a sucção tem sido apontado como uma das causas de dor persistente no mamilo, ferimentos e dificuldade em sustentar a pega durante a amamentação3.

Tendo em vista a importância da movimentação da língua para a execução de diversas funções no sistema estomatognático, o seu funcionamento normal sem restrições é de fundamental importância para o aleitamento em seio materno. O objetivo deste trabalho foi relatar um caso clínico desde o diagnóstico até a cirurgia, acompanhando o bebê até o 6º mês de vida.

Apresentação do Caso

Para esse relato, foi avaliado um recém-nascido saudável do gênero feminino, nascido de parto normal com 5 dias de vida, Segundo relato da própria mãe, o recém-nascido não conseguia mamar no seio materno, necessitando de complemento alimentar, que ela ofertava por meio de mamadeira (chuca), pois o recém-nascido apresentava-se choroso, engasgando muito e querendo mamar toda hora. Esse trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Castelo Camilo Branco - Unicastelo, sob n° 32853505/10.

Avaliação do Frênulo Lingual

A avaliação foi realizada por meio da aplicação do Protocolo de Avaliação do Frênulo Lingual com escores para bebês proposto por Martinelli et al.4. Esse protocolo é composto por três partes: história clínica; avaliação anátomo-funcional e avaliação da sucção nutritiva e não nutritiva. Cada etapa do protocolo possui pontuações independentes e podem ser aplicadas independentemente.

Procedimento Cirúrgico

Após a realização da triagem do Protocolo de Avaliação do Frênulo Lingual em bebês5, foi verificada uma interferência do frênulo na movimentação da língua na amamentação e indicada a cirurgia para liberação do frênulo.

O recém-nascido foi colocado em posição supina e submetido a contenção física, por meio de um lençol imobilizando os cotovelos junto ao corpo do bebê.

No pré-operatório, foi realizada a visualização do frênulo por meio da manobra de inspeção, onde foi realizada a anestesia por meio da aplicação de colírio anestésico (Figura 1).

Figura 1:
Aspecto clínico do frenulo lingual por meio de manobra de evidenciação e anestesia

Em seguida, com a ajuda do auxiliar para a abertura da cavidade oral do recém-nascido, usou-se um instrumento chamado tentacânula para a individualização e melhor visualização do frênulo lingual (Figura 2).

Figura 2:
Secção do frênulo lingual com bisturi lâmina 15 utilizando tentacanula

Em seguida, foi realizada a incisão com um bisturi, lâmina 15, iniciando pela porção livre do freio até chegar próximo à base da língua. Para facilitar a hemostasia, usou -se gaze pressionando o local, o que contribui para a divulsão tecidual. Observou-se choro somente no período em que o bebê estava sob a contenção física. Após o procedimento, removeu-se a contenção e o bebê foi colocado no seio materno (Figura 3) onde, após 5 minutos de mamada, o recém-nascido foi retirado do seio materno, para visualização.

Figura 3:
Recém-nascido colocado em seio materno imediatamente após o procedimento cirúrgico

Observou-se ausência total de sangramento (Figura 4). Os pais foram orientados que, nos primeiros dias, poderia surgir uma lesão esbranquiçada parecida com uma afta no local da incisão, e que isso era parte da cicatrização. Realizou-se acompanhamento do bebê durante duas semanas com uma visita semanal, a fim de visualizar a cicatrização. Depois, uma visita mensal até o bebê completar 6 meses. A cada mês que o recém-nascido voltava, as orientações sobre amamentação eram reforçadas e as dúvidas apresentadas pelos pais sanadas.

Figura 4:
Aspecto clínico do pós operatório após 5 minutos de aleitamento materno

Resultados

O recém-nascido apresentou soma total de 9 nos escores dos itens 1, 2, 3 e 4 da avaliação anatomofuncional (Figura 5), sendo considerada a interferência do frênulo nos movimentos da língua. Foi então realizada a frenotomia e, após a cirurgia, foi reaplicado o protocolo imediatamente e, após 24 horas, observando-se melhora nos escores do protocolo nas aplicações imediatas após a cirurgia e com 24 horas (Figuras 5 e 6).

Figura 5:
Resultado da aplicação da parte da história clínica do protocolo junto à mãe antes da cirurgia após a cirurgia e 24 horas após a cirurgia

Figura 6:
Demonstração dos resultados da aplicação do protocolo - parte de avaliação anatomofuncional itens 1, 2, 3 e 4 antes, após cirurgia imediata e após 24 horas

O RN foi acompanhado por seis meses, mensalmente, onde foi observado, por meio de coleta de dados na carteirinha de vacinação e perguntas dirigidas à mãe, que ele não fez uso de complemento alimentar, uso de chupeta e/ou dedo, sendo alimentado somente no seio materno e houve ganho de peso satisfatório para a idade.

Discussão

Durante a avaliação do recém-nascido por meio do protocolo proposto por Martinelli et al.4, que surgiu pelo fato de que, apesar de a literatura correlacionar a anquiloglossia com as dificuldades na amamentação referidas pelas mães, não haviam sido encontrados estudos correlacionando as funções de sucção e deglutição (que exigem movimentos de língua) com as variações anatômicas do frênulo lingual4,5. Observou-se a presença de anquiloglossia. A popular língua presa ocorre quando uma parte de tecido que deveria ter sofrido apoptose durante o desenvolvimento embrionário permanece na face sublingual da língua, restringindo seus movimentos1, o que corroborava com as queixas da mãe, que não estava conseguindo amamentar. Segundo Brookes e Bowley6, bebês com alterações na língua podem apresentar dificuldade de sucção, o que pode afetar tanto o bebê quanto a mãe. Os problemas mais percebidos incluem dificuldades na pega (incluindo sinais de frustração, como chacoalhar a cabeça), dor no peito materno (incluindo hemorragias, mamilos rachados ou ulcerados) e sinais de insatisfação por parte do bebê, como amamentação frequente ou contínua, geralmente com agitação. Francis et al7 também relatam que existe a hipótese de que a anquiloglossia interfere com a pega do mamilo materno pelo bebê e leve, portanto, à dificuldade de amamentar. Após a realização da frenotomia, observaram-se melhoras imediatamente, após a cirurgia e nas primeiras 24 e 72 horas, conforme descrito nas Figuras 5 e 6, corroborando com os resultados descritos no estudo de Sakalidis et al.2 que, com ultrassonografia, evidenciam a importância dos movimentos da língua para a extração do leite durante a amamentação 5.

Após a cirurgia ficou evidenciado que houve melhora na pega e em morder o mamilo durante a amamentação, minimizando a queixa de dor por parte da mãe. Esses resultados vêm de encontro com o estudo de McClellan et al.3 que relataram que o movimento anormal da língua durante a sucção tem sido apontado como uma das causas de dor persistente no mamilo, ferimentos e dificuldade em sustentar a pega durante a amamentação.

A Canadian Agency for Drugs and Technologies in Health8 demonstra grande incerteza a respeito dos benefícios da correção cirúrgica da anquiloglossia com relação a desfechos clinicamente relevantes, como: prevenção da interrupção precoce do aleitamento materno, aumento da duração da amamentação e crescimento e ganho de peso da criança. No entanto, em nossos resultados, foi possível observar que o recém-nascido acompanhado deixou de utilizar complemento alimentar, não fez uso de chupeta e/ou dedo, sendo alimentado somente no seio materno e houve ganho de peso satisfatório para a idade, vindo na contramão do estudo acima descrito, em uma clara demonstração de que a frenotomia contribuiu com a melhora no aleitamento materno.

Conclusão

O diagnóstico realizado por meio de protocolo específico é de fundamental importância, proporcionando segurança para a indicação da intervenção precoce. Neste estudo, a frenotomia contribuiu para a melhora na pega, bem como para a manutenção do aleitamento materno exclusivo do recém-nascido.

Referências bibliográficas

  • 1 Knox I. Tongue tie and frenotomy in the breastfeeding newborn. Neo Reviews. 2010;11(9):513-9.
  • 2 Sakalidis VS, Williams TM, Garbin CP, Hepworth AR, Hartmann PE, Paech MJ et al. Ultrasound imaging of infant sucking dynamics during the establishment of lactation. J Hum Lact. 2013;29(2):205-13.
  • 3 McClellan HL, Kent JC, Hepworth AR, Hartmann PE, Geddes DT. Persistent nipple pain in breastfeeding mothers associated with abnormal infant tongue movement. Int J Environ Res Public Health. 2015;12(9):10833-45.
  • 4 Martinelli RLC. Relação entre as características anatômicas do frênulo lingual e as funções de sucção e deglutição em bebês. [Dissertação]. Bauru (SP): Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo; 2013.
  • 5 Martinelli RLC, Marchesan IQ, Lauris JR, Honório HM, Gusmão RJ, Berretin-Felix G. Validity and reliability of screening: "tongue test". Rev. CEFAC. 2016;18(6):1323-31.
  • 6 Brookes A, Bowley DM. Tongue tie: the evidence for frenotomy. Early Hum Dev. 2014;90(11):765-8.
  • 7 Francis DO, Krishnaswami S, McPheeters M. Treatment of ankyloglossia and breastfeeding outcomes: a systematic review. Pediatrics. 2015;135(6):1458-66.
  • 8 Canadian Agency for Drugs and Technologies in Health. Frenectomy for the correction of ankyloglossia: a review of clinical effectiveness and guidelines [online]. Ottawa: CADTH; 2016. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK373454/

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2018

Histórico

  • Recebido
    23 Ago 2017
  • Aceito
    08 Dez 2017
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