Open-access Avaliação audiológica e emissões otoacústicas em pacientes com câncer de cabeça e pescoço

RESUMO

Objetivo:  descrever os achados audiológicos e das emissões otoacústicas em pacientes com câncer de cabeça e pescoço e compará-los com indivíduos sem a doença.

Métodos:  estudo observacional transversal comparativo realizado em dois grupos: Estudo: indivíduos com histórico de câncer de cabeça e pescoço submetidos à quimioterapia e/ou radioterapia; Controle: indivíduos sem a doença. A amostra foi composta por 23 indivíduos em cada grupo, pareados considerando idade e gênero. Procedimentos: meatoscopia; audiometria tonal liminar e de altas frequências; logoaudiometria e emissões otoacústicas evocadas transientes, comparados entre os grupos. Testes estatísticos: Qui-quadrado de Pearson; exato de Fisher; igualdade de duas proporções; Wilcoxon; Mann-Whitney e t de Student.

Resultados:  a comparação entre os grupos revelou diferença estatisticamente significante nas frequências de 3, 6, 8, 10 e 12,5kHz na audiometria tonal liminar, com melhores limiares auditivos tonais no grupo controle. Não foram observadas diferenças significantes entre os grupos nas emissões otoacústicas, quanto a resposta geral e banda de frequência.

Conclusão:  indivíduos com histórico de câncer de cabeça e pescoço apresentam limiares auditivos tonais mais elevados do que seus controles, sobretudo nas frequências altas, evidenciando o efeito deletério da ototoxicidade no sistema auditivo periférico de adultos. As emissões otoacústicas mostraram-se semelhantes nos dois grupos.

Descritores: Audição; Neoplasias de Cabeça e Pescoço; Quimioterapia; Radioterapia; Testes Auditivos

ABSTRACT

Purpose:  to describe the audiological and otoacoustic emission findings in patients who had head and neck cancer and compare them with individuals without the disease.

Methods:  a comparative, cross-sectional, observational study encompassing two groups: Study: individuals with a history of head and neck cancer, submitted to chemotherapy and/or radiotherapy; Control: individuals without the disease. The sample comprised 23 individuals in each group, matched for age and gender. Procedures in which the groups were compared: meatoscopy; pure-tone threshold and high-frequency audiometry; speech audiometry; transient-evoked otoacoustic emissions. Statistical tests: Pearson’s chi-square; Fisher’s exact; two-proportion Z-test; Wilcoxon; Mann-Whitney; Student’s t-test.

Results:  the comparison between the groups revealed statistically significant differences at the 3, 6, 8, 10, and 12.5 kHz frequencies in the pure-tone threshold audiometry, with better pure-tone auditory thresholds in the control group. No significant differences were observed between the groups in the otoacoustic emissions regarding the general response and frequency band.

Conclusion:  individuals with a history of head and neck cancer had higher pure-tone auditory thresholds than their controls, especially at the higher frequencies. This evidences the deleterious effect of ototoxicity on the peripheral auditory system of adults. The otoacoustic emissions were similar in the two groups.

Keywords: Hearing; Head and Neck Neoplasias; Chemotherapy; Radiotherapy; Auditory Tests

Introdução

O câncer é uma doença decorrente de uma variedade de fatores químicos, físicos e virais, que ocasionam alteração permanente e irreversível, na maior parte dos casos, em certa proporção de células do organismo1. De acordo com os dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA), do Ministério da Saúde (Brasil), o câncer de cabeça e pescoço ocupa a 5ª posição dentre as neoplasias mais frequentes, com uma incidência mundial estimada de 780.000 novos casos por ano2.

O câncer de laringe ocorre predominantemente em homens e é um dos mais comuns entre os que atingem a região da cabeça e pescoço3. Representa cerca de 25% dos tumores malignos que acometem essa área e 2% de todas as doenças malignas. Estima-se que o número de novos casos seja de 7.350, sendo 6.360 em homens e 990 em mulheres e o número de mortes de 4.141, sendo 3.635 homens e 506 mulheres2.

Em relação aos fatores etiológicos, o tabagismo destaca-se como principal fator de risco e quando associado ao etilismo, esse risco é potencializado. Além disso, outros fatores são agravantes, tais como: histórico familiar, má alimentação, situação socioeconômica desfavorável, inflamação crônica da laringe causada pelo refluxo gastroesofágico, papilomavírus humano (HPV), exposição a produtos químicos e poluição4.

Tradicionalmente, o tratamento para os casos de câncer de laringe envolve cirurgia, radioterapia, quimioterapia, concomitantemente ou não5. O tratamento cirúrgico engloba a ressecção da laringe, sendo esta parcial ou total, em decorrência do grau de acometimento da lesão. A cirurgia de ressecção parcial é denominada laringectomia parcial6, a qual tem por objetivo a preservação da integridade das funções laríngeas, como: ventilação, proteção de vias aéreas superiores, esfincterianas e fonação, sendo o maior déficit na deglutição. A cirurgia de ressecção total, denominada laringectomia total6, consiste na remoção do arcabouço laríngeo, gerando prejuízos principalmente à fonação, devido à perda de voz laríngea.

No tratamento quimioterápico é possível a utilização de drogas como os aminoglicosídeos, carboplatina, vincristina, cisplatina, entre outras7. Essas drogas são consideradas altamente tóxicas ao sistema auditivo8. A cisplatina, descoberta por Rosenberg et al.9, é atualmente utilizada com grande eficácia no tratamento de tumores de cabeça e pescoço. Um dos seus efeitos colaterais é a degeneração das células ciliadas da região basal da cóclea10. Entretanto, toda a cóclea pode ser comprometida.

As perdas auditivas resultantes do uso de antineoplásicos ototóxicos são de caráter definitivo e irreversível11. Acometem, inicialmente, a base da cóclea, resultando primariamente em perdas nas frequências altas e devido a isso a avaliação audiológica deve se estender às frequências altas12.

O tratamento radioterápico13, realizado por meio de feixe de radiações ionizantes, busca erradicar todas as células tumorais com menor dano possível às células normais circunvizinhas5, entretanto devido à elevada complexidade anatômica da região de cabeça e pescoço, torna-se difícil a exclusão de determinadas estruturas na região de tratamento2. Devido à localização proximal dos componentes do sistema auditivo às regiões afetadas pelo câncer de cabeça e pescoço, estes podem receber radiação mesmo não sendo o órgão alvo, podendo provocar perdas auditivas2,7,8.

Os pacientes oncológicos apresentam resultados de perda auditiva altamente variáveis (variando de 29% a 61%), inclusive alguns indivíduos com perda auditiva são classificados como audição normal em alguns dos critérios de avaliação pós-tratamento oncológico14. Assim, é importante a detecção precoce da perda auditiva por meio da utilização de procedimentos de avaliação audiológica que apresentem elevada sensibilidade na identificação de alterações auditivas induzidas por medicamentos15.

A probabilidade de ocorrência de perda auditiva é maior quando o paciente é submetido ao tratamento combinado de radioterapia e quimioterapia8. A ototoxicidade dos medicamentos juntamente com a radiação, podem ou não levar a perdas auditivas irreversíveis, precoces ou tardias, comprometendo assim, a qualidade de vida do paciente11,12.

Os pacientes submetidos à laringectomia parcial adquirem alteração na arquitetura histológica da glote, gerando uma deficiência da coaptação glótica com consequente distúrbio vocal. Os principais impactos funcionais causados pelas laringectomias parciais são: voz soprosa, fraca intensidade, dificuldade de sonorização e diminuição do tempo máximo fonatório. Devido a esses impactos, faz-se necessário a atuação de um fonoaudiólogo, o qual terá o papel de auxiliar o paciente na produção de sua melhor voz. A reabilitação fonoaudiológica baseia-se em adequar as funções dentro dos limites anatômicos-funcionais impostos pelo tratamento realizado, visando a melhor adaptação do paciente para uma melhor qualidade de vida. Ter a audição preservada é um fator de grande importância para que a adaptação seja realizada com sucesso, uma vez que o paciente terá melhor percepção sonora para realizar o auto-monitoramento, refletindo positivamente no processo terapêutico.

A avaliação das emissões otoacústicas e audiológica de pacientes com câncer de cabeça e pescoço, na cavidade oral e/ou laringectomizados parciais, submetidos ao tratamento quimioterápico e/ou radioterápico15-17 tem grande relevância, visto que propiciam a identificação da lesão de células ciliadas externas18-21. Autores apontam que não foram encontrados valores estatisticamente significantes quanto a amplitude das emissões otoacústicas em adultos submetidos à quimioterapia com carboplatina, contudo, foi observada piora nos limiares de audibilidade, especialmente nas altas frequências17.

Os dados da avaliação audiológica possibilitam a identificação de alterações e possíveis indicações de adaptação de aparelho de amplificação sonora individual, minimizando o impacto da perda auditiva na qualidade de vida do indivíduo, uma vez que a audição é fundamental para a comunicação e consequentemente para adaptação ao meio social.

Apesar do crescente número de indivíduos que são submetidos a esses tipos de cirurgias e/ou tratamentos com radioterapia e quimioterapia a cada ano, observa-se escassez de estudos na literatura referentes às consequências auditivas devido ao uso da radioterapia isolada ou concomitante a quimioterapia.

O objetivo do estudo foi comparar os resultados da audiometria tonal liminar, audiometria tonal de altas frequências, logoaudiometria e emissões otoacústicas evocadas por estímulo transiente em adultos com e sem histórico de câncer de cabeça e pescoço.

Métodos

A presente pesquisa foi apresentada, analisada e aprovada pelo Comitê de ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP em suas primeiras versões sob os números 1214/2015 e 1215/2015. Estudo prospectivo, realizado no Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, Brasil nas Disciplinas dos Distúrbios da Audição e Distúrbios da Comunicação Humana.

O estudo foi observacional transversal comparativo envolvendo dois grupos, sendo estes GE-Grupo Estudo e GC-Grupo Controle, pareados segundo as variáveis sexo e idade. Inicialmente, os protocolos dos pacientes com câncer de cabeça e pescoço em atendimento na instituição de origem foram analisados para composição do GE.

Os critérios de inclusão para este grupo foram: idades entre 30 e 80 anos, sexos feminino e masculino, presença de curvas timpanométricas tipo A e sem histórico de alteração de orelha média e apresentar histórico positivo de câncer primário de cabeça e pescoço submetidos à quimioterapia e/ou radioterapia.

Para o grupo controle, os critérios de inclusão foram: presença de curvas timpanométricas tipo A ausência de histórico de alteração de orelha média, histórico de câncer e ausência do uso de medicamentos e/ou fármacos ototóxicos.

Para ambos os grupos os critérios de exclusão foram: alterações cognitivas e/ou psiquiátricas evidentes ou diagnosticadas, passado otológico positivo e uso de aparelho de amplificação sonora individual.

Participaram desse estudo 46 indivíduos, por amostra de conveniência, sendo 23 com histórico de câncer submetidos à quimioterapia e/ou radioterapia e 23 sem histórico positivo de câncer, com idades entre 30 e 80 anos. O grupo controle foi pareado quanto às variáveis sexo e idade.

Os pacientes que contemplaram os critérios de inclusão foram contatados e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Inicialmente, foi realizada a anamnese audiológica abordando aspectos pessoais do paciente, tais como identificação, história pregressa e possíveis queixas auditivas.

Os procedimentos realizados foram: meatoscopia, audiometria tonal liminar (250 a 8000 Hz), audiometria de altas frequências (10.000, 12.000, 14.000 Hz), logoaudiometria, imitanciometria, emissões otoacústicas evocadas por estímulo transiente (EOAT).

Foi realizada a inspeção visual do meato acústico externo (MAE) com uso do otoscópio para verificar se havia impedimentos de orelha externa.

A audiometria tonal liminar foi realizada em cabina acústica com uso de fones supra-aurais22. O exame audiométrico foi realizado com audiômetro Itera II e iniciado pela frequência de 1000 Hz, seguido pelas frequências de 2000, 3000, 4000, 6000, 8000, 500 e 250 Hz, respectivamente, com fones supra-aurais (TDAH-39). Os limiares auditivos para as frequências de 10.000, 12.000 e 14.000 Hz foram pesquisados utilizando-se o mesmo procedimento da Audiometria Tonal Liminar, com fones circum-aurais (HDA-200).

Considerou-se audição como dentro dos padrões de normalidade, quando a média das frequências de 500, 1000 e 2000 Hz foi melhor ou igual a 25 dB. Em caso de perda auditiva, a mesma foi classificada quanto ao grau de acordo com a proposta apresentada por Lloyd e Kaplan23.

Os procedimentos de logoaudiometria, envolvendo o Limiar de Recepção de Fala (LRF) e Índice Percentual de Reconhecimento de Fala (IPRF), foram realizados a viva-voz, com o paciente na cabina acústica. No IPRF, o paciente foi instruído a repetir monossílabos em nível de apresentação constante de 40 dB acima da média dos limiares tonais de 500, 1000 e 2000 Hz. A repetição correta dos 25 monossílabos equivale a 100% de acertos, sendo que a cada erro cometido pelo paciente foi subtraído 4% deste total. Indivíduos com ausência de comunicação oral foram instruídos a apontar figuras solicitadas pela avaliadora (pão, mão, pé, mel, sal, flor, mar, gol, pá e chá). A totalidade das 20 figuras equivale a 100% de acertos, sendo que a cada erro cometido pelo paciente foi subtraído 5% deste total. O equipamento utilizado foi o audiômetro Itera II.

As EOAT foram captadas por meio de uma sonda com um microfone posicionado no meato acústico externo, vedado por uma oliva de látex. Foi realizado em cabina acústica com o equipamento Ilo92. O estímulo eliciador manteve-se entre 75 e 85 dBpeNPS. As bandas de frequências pesquisadas foram 1000, 2000, 3000 e 4000 Hz. Os critérios empregados para considerar presença de resposta no teste das emissões otoacústicas evocadas transientes foram Finitzo24: amplitude de resposta (relação sinal/ruído) igual ou superior a 3 dB NPS, nas bandas de frequência de 1000, 2000, 3000 e 4000 Hz, reprodutibilidade geral igual ou superior a 50%, estabilidade da sonda igual ou superior a 70%, superposição das ondas A e B por inspeção visual.

Para comparação entre os grupos foram utilizados os seguintes testes estatísticos: Teste de Igualdade de Duas Proporções; Teste de postos sinalizados de Wilcoxon, Teste de Mann-Whitney e Teste Paramétrico t de Student. Foi adotado nível de significância de p<0,05 (5%). Os intervalos de confiança construídos ao longo do trabalho foram considerados com 95% de confiança estatística.

Resultados

Participaram desse estudo 46 indivíduos, sendo 23 com histórico de câncer submetidos à quimioterapia e/ou radioterapia e 23 sem histórico positivo de câncer pareados quanto a idade (Teste t de Student, p>0,999). As idades variaram entre 32 e 80 anos sendo a idade média considerada de 59 anos, mediana 58 anos, desvio padrão 12,89 anos, com idade mínima 32 e máxima 80 anos, intervalo de confiança 53,73 - 64,88 anos.

Em relação à distribuição da frequência relativa ao sexo e tipo de tratamento nos grupos estudados, observou-se que o sexo masculino e o tratamento quimioterápico e combinado entre radioterapia e quimioterapia foram predominantes no grupo estudo com a mesma proporção, assim como na distribuição quanto a idade houve o pareamento nos grupos GE e GC e pelo gênero (Tabela 1).

Tabela 1:
Caracterização do Grupo Estudo em relação ao gênero e ao tipo de tratamento

Em ambas as variáveis não houve significância estatística, ou seja, a amostra mostrou-se homogênea para ambas as variáveis. Conclui-se que a amostra foi constituída de adultos com predominância do sexo masculino, sendo o tratamento quimioterápico e o combinado os mais frequentes, com tempo de tratamento com variação de 6 a 36 sessões.

A Tabela 2 indica a comparação entre os grupos estudo e controle em relação aos limiares auditivos tonais, utilizando-se o Teste t de Student.

Tabela 2:
Comparação entre Grupo Estudo e Grupo Controle em relação aos limiares auditivos tonais, em dBNA, obtidos na audiometria tonal liminar

Frente ao observado, houve diferença estatisticamente significante entre os grupos nas frequências de 3000, 6000, 8000, 10.000 e 12.500 Hz na audiometria tonal liminar. A Figura 1 apresenta a comparação das 46 orelhas do GE e 46 orelhas do GC em relação aos limiares auditivos tonais obtidos na audiometria tonal liminar.

Figura 1:
Comparação das médias e desvios padrões dos limiares auditivos tonais, em dBNA, obtidos na audiometria tonal liminar entre os grupos Grupo Estudo e Grupo Controle

Não foram observadas diferenças estatisticamente significantes entre os grupos para a porcentagem de acertos no IPRF com palavras monossilábicas (p=0,508), utilizando-se o Teste t de Student e Teste U de Mann-Whitney para comparação entre os grupos. O GE apresentou desempenho, em média, de 90,13%, com desvio padrão de 13,59% e o GC de 91,83% com desvio padrão de 12,39%. A mediana esteve em 96% para ambos os grupos.

A seguir, observa-se a tabela comparativa entre GE e GC na pesquisa das Emissões otoacústicas evocadas por estímulo transiente utilizando-se o teste t de Student (Tabela 3).

Tabela 3:
Medidas descritivas da comparação entre Grupo Estudo e Grupo Controle em relação à amplitude de resposta baseado na relação sinal/ruído na pesquisa das emissões otoacústicas evocadas por estímulo transiente

Não foram observadas diferenças estatisticamente significantes entre os grupos para todos os parâmetros avaliados pela pesquisa das EOAT. Sendo assim, na amostra deste estudo, tanto GE quanto GC mostraram desempenho semelhante entre si na pesquisa das EOAT.

Discussão

No presente estudo, foram avaliados 23 pacientes com histórico positivo de câncer de cabeça e pescoço submetidos ao tratamento quimioterápico e/ou radioterápico. Além disso, constituiu-se um grupo controle com 23 indivíduos pareados quanto ao sexo e idade.

A faixa etária compreendida no estudo variou de 32 a 80 anos de idade, apresentando idade média de 59 anos, caracterizando uma população adulta. A amostra apresentou predominância do sexo masculino, sendo composta por 9 mulheres (39,1%) e 14 homens (60,9%) (Tabela 1). Ao confrontar as características da amostra com os dados da literatura, observou-se concordância no que diz respeito à idade e sexo para o câncer de cabeça e pescoço, uma vez que, segundo os dados da American Cancer Society25, este tipo de neoplasia atinge predominantemente a faixa etária acima de 50 anos de idade, numa proporção de 4 homens para 1 mulher.

O tratamento predominante na amostra foi o tratamento combinado entre radioterapia e quimioterapia (34,8%) e quimioterápico isolado (34,8%), contra 30,4% de tratamento exclusivamente radioterápico (Tabela 1). Segundo a literatura, a escolha do tratamento ideal deve ser definida conforme o consenso entre o cirurgião de cabeça e pescoço, do oncologista e do radioterapeuta, a fim de se determinar a melhor opção terapêutica de acordo com o tipo, local e gravidade do tumor, evitando procedimentos desnecessários2.

Além disso, Menezes26 observou que quando o paciente é submetido ao tratamento combinado, ou seja, quimioterapia e radioterapia, potencializa-se a chance de alteração do limiar audiométrico, ao contrário do que ocorre com o uso isolado de um tratamento. Na presente pesquisa, em relação às medidas descritivas da comparação dos limiares auditivos tonais entre os grupos estudo e controle, quantitativamente, foram observados valores estatisticamente significantes nas frequências de 3000, 6000, 8000, 10.000, 12.500 Hz com piores limiares no grupo estudo (Tabela 2).

Qualitativamente, ao compará-los com os limiares auditivos dos indivíduos do grupo estudo observou-se aumento em relação ao grupo controle na maioria das frequências altas. Tais resultados assemelham-se aos dados de Fausti et al.16, Littman et al.19, Yardley et al.20, Jacob et al.15, Schultz et al.14 que relataram a alteração auditiva causada pelo uso de drogas ototóxicas acometendo as altas frequências, na porção basal da cóclea, podendo evoluir para a porção apical, comprometendo posteriormente as frequências médias e baixas. Tais achados reforçam que a ototoxicidade dos medicamentos, juntamente com a radiação podem levar a perdas auditivas irreversíveis, precoces ou tardias, após o término do tratamento.

Além disso, Almeida et al.21 observaram que os pacientes que foram submetidos ao tratamento quimioterápico com cisplatina associada a outros quimioterápicos, apresentaram alterações auditivas a partir de 1000 Hz, mas com acometimentos mais significantes a partir de 6000 Hz. De igual modo, foi observado neste estudo, alterações auditivas significantemente piores quando comparadas com o grupo controle nas frequências a partir de 6000 Hz (Tabela 2).

Os autores15,21 também relataram que na comparação dos resultados entre a audiometria tonal convencional com a de altas frequências, esta última apresentou-se mais sensível na detecção precoce das alterações auditivas. Contudo, este estudo revelou (Tabela 2) que houve sensibilidade na detecção precoce das alterações auditivas na audiometria convencional, observado com o diagnóstico da perda auditiva a partir da frequência de 3000 Hz.

Em relação ao Índice Perceptual de Reconhecimento de Fala, ambos os grupos não apresentaram alteração quantitativa, corroborando com os achados da Audiometria Tonal Liminar. Não foram observadas diferenças estatisticamente significantes entre os grupos para a porcentagem de acertos no IPRF com palavras monossilábicas, demonstrando resultados compatíveis com as alterações de limiares tonais para ambos os grupos. Autores17 apontaram que há predomínio do comprometimento do tratamento quimioterápico ocorre nas frequências altas, o que, com a intensidade da aplicação do teste, 40dBNS acima da média tritonal, não compromete significantemente a área de fala.

Almeida et al.21 apresentaram resultados da pesquisa das emissões otoacústicas por produto de distorção concordantes aos limiares encontrados na audiometria tonal. Já no presente estudo quando comparadas medidas descritivas das emissões otoacústicas evocadas por estímulo transiente entre os grupos estudo e controle, quantitativamente, não foram observadas diferenças estatisticamente significantes entre os grupos para todos os parâmetros avaliados pela pesquisa das EOAT. Sendo assim, na amostra deste estudo, tanto GE quanto GC mostraram desempenho semelhante entre si na pesquisa das EOAT (Tabela 3), revelando respostas com menor relação sinal/ruído nas frequências altas (3000 e 4000 Hz) quando comparadas com as demais frequências, contrapondo os estudos descritos, este apresenta a alteração no limiar tonal a partir da frequência de 3000 Hz, no entanto não revela alteração quando avaliada a funcionalidade de células ciliadas externas.

Contudo, Garcia et al.12, que realizaram o monitoramento das EOAT em pacientes com osteossarcoma tratados com cisplatina, encontraram o aumento dos limiares auditivos nas frequências altas e na amplitude de respostas nas emissões otoacústicas em baixa dosagem. Garcia et al.12) descreveram um aumento da amplitude das emissões, quando comparada a relação sinal/ruído entre as dosagens de cisplatina, após pequena dose de cisplatina, devido provavelmente às mudanças químicas (metabolismo de cálcio e magnésio) que a cisplatina causa nas células ciliadas, proporcionando um aumento do nível intracelular de cálcio, devido à deficiência de seu antagonista, o magnésio, aumentando a permeabilidade da membrana citoplasmática. Esta mobilidade dos cílios das células ciliadas externas que é dependente do cálcio intracelular, assim, pode proporcionar um aumento das emissões otoacústicas, que pode ser indicativo inicial de lesão e posterior morte celular.

A ototoxicidade causada pela quimioterapia9,11,12,15,17,19-21,27) e radioterapia8,10,14,26,28 é um sério problema, podendo ser limitante à dose12,27,28. Embora haja influência dos fatores como idade, audição inicial antes do uso dos medicamentos, ainda há influência genética dos genes de processamento de medicamentos, assim a farmacogenética, pode influenciar à toxicidade experimentada por cada paciente28.

Neste estudo, não foi controlada a dosagem cumulativa do medicamento quimioterápico do câncer de cabeça e pescoço em adultos, no entanto, foi observada presença de respostas de EOAT o que pode significar que esteja ocorrendo a alteração do metabolismo de cálcio e magnésio evidenciado pelas respostas presentes na avaliação das emissões mesmo com o acometimento audiológico observado na audiometria tonal.

Concluindo, pode-se verificar que a audiometria tonal é o teste mais sensível para identificar o acometimento auditivo devido ao tratamento quimioterápico do câncer de cabeça e pescoço em adultos, no que diz respeito à avaliação audiológica, especialmente nas frequências de 3000, 6000, 8000, 10.000 e 12.500 Hz. No entanto, na avaliação eletroacústica houve presença de resposta, o que indica que o tratamento que o quimioterápico gera alterações no metabolismo de cálcio e magnésio e este incide no aumento das respostas das emissões otoacústicas evocadas por estímulo transiente, o que não permite a identificação da alteração audiológica por meio da avaliação da funcionalidade das células ciliadas externas.

A limitação do estudo foi o controle da medicação utilizada para os diferentes tipos de intervenção no tratamento do câncer de cabeça e pescoço. Contudo, considerando os achados desde estudo, torna-se relevante o acompanhamento auditivo periódico dos pacientes submetidos ao tratamento quimioterápico e/ou radioterápico, em especial àqueles que não apresentarem alterações auditivas pré-tratamento, ou que refiram queixas auditivas durante o tratamento.

Conclusão

Frente ao exposto, pode-se concluir que indivíduos com histórico de câncer de cabeça e pescoço apresentam limiares auditivos tonais mais elevados do que seus controles, sobretudo nas frequências altas, a partir da frequência de 3000 Hz, caracterizando perda auditiva neurossensorial bilateral com configuração descendente, evidenciando o efeito deletério da ototoxicidade no sistema auditivo periférico de adultos, especialmente em sua porção basal, observado com o maior acometimento na audiometria de altas frequências. O reconhecimento de fala manifesta-se compatível com as alterações nestes indivíduos e a avaliação das emissões otoacústicas, com a técnica utilizada neste estudo, não demonstrou diferença estatisticamente significante em pacientes com histórico de câncer de cabeça e pescoço submetidos ao tratamento quimioterápico e/ou radioterápico.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    23 Jul 2019
  • Aceito
    08 Jun 2020
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