Importância da pesquisa translacional no estudo dos distúrbios orofaciais

Prezados editores,

Nas últimas décadas, estudos na área da Fonoaudiologia vêm emergindo em todo o mundo, sobretudo no Brasil¹. No entendimento dos distúrbios orofaciais, são encontradas na literatura pesquisas com diferentes delineamentos, sendo eles transversais², coortes³, estudos do tipo caso-controle⁴, ensaios clínicos randomizados⁵, relatos de caso⁶, revisões narrativas⁷, integrativas⁸ e sistemáticas⁹, dentre outros.

Na busca por aprimorar os conhecimentos desta área, começaram a surgir estudos tentando entender os distúrbios orofaciais em modelos animais. É relevante mencionar pesquisas que avaliaram os distúrbios orofaciais em modelos experimentais representativos de condições como desnutrição^10-12, paralisia cerebral^11,13,14, doença de Parkinson^15,16. Esses estudos permitiram analisar estruturas e mecanismos fisiológicos complexos, tais como a análise histoquímica de fibras dos músculos mastigatórios masseter e digástrico, difíceis de serem analisados em modelo humano.

Ademais, os avanços nas pesquisas dos distúrbios orofaciais têm gerado novos questionamentos e demandas, exigindo reorganização das abordagens empregadas¹⁷. Nessa perspectiva, uma nova abordagem da pesquisa científica vem se disseminando pelo mundo. Trata-se da “Pesquisa translacional", que tem como objetivo promover pesquisa interdisciplinar e acelerar a troca bidirecional entre ciência básica e clínica, para mover os achados de pesquisa básica do laboratório para ambientes aplicados envolvendo pacientes e populações^18,19.

O termo “pesquisa translacional” surgiu na década de 1960, especialmente na área da Oncologia. Segundo o Instituto Nacional do Câncer dos EUA, a pesquisa translacional é aquela que “transforma descobertas científicas em aplicações clínicas para reduzir a incidência, morbidade e mortalidade por doenças"²⁰. A abordagem contemporânea sobre pesquisa translacional teve destaque no ano de 2002, em um editorial publicado no Journal of the American Medical Association (JAMA), que destacou a importância da tradução dos novos conhecimentos, mecanismos e técnicas gerados pela pesquisa científica básica em novas abordagens de prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças²¹.

De acordo com a Sociedade Americana do Câncer, a ciência básica envolve estudos de laboratório que fornecem a base para a pesquisa clínica^21,22. Já a pesquisa clínica é aquela realizada em seres humanos, na qual o pesquisador interage direta ou indiretamente com os participantes, o que inclui o manejo dos seus dados e/ou dos seus materiais biológicos. Ambos os tipos de pesquisa são imprescindíveis para responder a questões sobre promoção da saúde, causa, prevenção, diagnóstico, tratamento e impacto das doenças nos serviços de saúde e na sociedade²³.

A direcionalidade da pesquisa translacional não é tão clara e apresenta diferentes interpretações. Por um lado, há uma visão linear e unidirecional (da bancada para a beira do leito) que é a mais utilizada; outro modelo seria uma translação bidirecional e ainda linear (da bancada para a beira do leito e, por vezes, daí novamente para a bancada); e, finalmente, uma visão mais complexa, na qual o processo de translação seria um processo dinâmico e de sentido variado¹⁸.

Adicionalmente, de acordo com o instituto de medicina dos Estados Unidos, a pesquisa translacional é unidirecional e inclui duas áreas de tradução. Uma é o processo de aplicação de descobertas geradas durante pesquisas em laboratório e em estudos pré-clínicos ao desenvolvimento de ensaios e estudos em humanos (T1). A segunda área de tradução diz respeito à pesquisa que visa aprimorar a adoção das melhores práticas na comunidade (T2)²⁴. Em um contexto mais amplo, outros autores trazem uma abordagem sistêmica para a pesquisa translacional (T3), mostrando que ela promove a integração multidirecional de pesquisa básica, pesquisa orientada ao paciente (pesquisa clínica de caráter individual) e pesquisa de base populacional, com o objetivo de longo prazo de melhorar a saúde da população^25,26.

Diante do que foi exposto, a pesquisa translacional pode trazer uma nova perspectiva aos estudos envolvendo os distúrbios miofuncionais orofaciais, visando a promoção da saúde, prevenção, diagnóstico e tratamento. Pesquisas com essa abordagem visam trazer uma aplicabilidade real do conhecimento, melhorando a aplicação clínica de novos conceitos terapêuticos e proporcionando benefícios diretos à população²⁷. Com isso, salienta-se que a pesquisa translacional na Fonoaudiologia é de grande relevância, sendo ela unidirecional, bidirecional ou multidirecional, uma vez que atua no desenvolvimento de estudos que possam não apenas resolver os problemas de saúde da população, mas também influenciar a formulação de políticas de saúde adequadas para atender as necessidades dos pacientes e comunidades.

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• Fonte de financiamento: Nada a declarar

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  02 Set 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  15 Jan 2024
• Revisado
  15 Jan 2024
• Aceito
  22 Jan 2024