Open-access Tipo de ecolalia em crianças com Transtorno do Espectro Autista

RESUMO:

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma síndrome caracterizada por prejuízos persistentes na comunicação social recíproca, com interação social restrita e padrões repetitivos de comportamentos, interesses e atividades. Os comportamentos repetitivos na linguagem podem manifestar-se pelo aparecimento da ecolalia, fenômeno persistente caracterizado como um distúrbio de linguagem, com repetição da fala do outro, dividida em imediata ou tardia. Teve como objetivo a verificação do tipo de ecolalia e das habilidades comunicativas em sete meninos com TEA, com idades entre quatro e sete anos, que fazem uso da comunicação oral. Foram realizadas duas atividades distintas: avaliação das crianças em uma sessão de atendimento fonoaudiológico em situação lúdica, analisada pelo Protocolo de Observação Comportamental e aplicação de um questionário com os pais e profissionais para verificar suas opiniões quanto ao uso, tipo e frequência de ecolalia. Das sete crianças do estudo, seis apresentaram ecolalia imediata e uma tardia; a criança que utilizou ecolalia tardia apresentou menor pontuação no protocolo de observação comportamental, porém para os demais sujeitos não houve relação direta entre o tipo e número de ecolalia com a pontuação. O questionário aplicado com pais e profissionais mostrou concordância quanto à presença da ecolalia. As crianças com TEA deste estudo apresentaram habilidades comunicativas e aspectos do desenvolvimento cognitivo comprometidos e maior número de ecolalias imediatas. Estudos com o tema ecolalia ainda são escassos na literatura nacional. Este relato de casos clínicos pode contribuir para futuras pesquisas sobre a caracterização da linguagem em crianças com TEA e conduta terapêutica dos fonoaudiólogos.

DESCRITORES: Transtorno Autístico; Ecolalia; Linguagem

ABSTRACT:

The Autistic Spectrum Disorder (ASD) is a syndrome characterized by persistent impairments in reciprocal social communication, social interaction with restricted and repetitive behavior patterns, interests and activities. Repetitive behaviors in language can be manifested by the occurrence of echolalia, persistent phenomenon characterized as a language impairment, with repetition of the speech of the other, divided into immediate or delayed. The study aimed to check the type of echolalia and communication skills in seven boys with ASD, ages between four and seven, who use oral communication. Two different activities were carried out: evaluation of children in a speech therapy session in playful situation, analyzed by the Behavioral Observation Protocol and the application of a questionnaire with parents and professionals to check their opinions on the use, type and frequency of echolalia. From the seven children in the study, six had immediate and one delayed echolalia; the child who presented delayed echolalia had lower scores on behavioral observation protocol, but for the other subjects there was no direct relationship between the type and number of echolalia to the score. The questionnaire with parents and professionals showed agreement on the presence of echolalia. Children with ASD in this study had communication skills and aspects of cognitive development compromised and more immediate echolalia. Studies with echolalia theme are still rare in the national literature. This case report can contribute to future research on the characterization of language in children with ASD and therapeutic management of speech.

KEYWORDS: Autistic Disorder; Echolalia; Language

Introdução

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento, caracterizado por déficits persistentes na comunicação social e interação social em múltiplos contextos. Apresenta padrões restritos e repetitivos de comportamentos, interesses ou atividades, com sintomas precoces no período do desenvolvimento, causando prejuízos no funcionamento social da vida do indivíduo1. Os principais sintomas estão frequentemente relacionados ao atraso de linguagem, compreensão pobre do discurso, fala ecolálica, uso de linguagem literal e unilateral e pouca ou nenhuma iniciativa social. Esses sintomas estão presentes desde o início da infância, acarretando limitações e prejuízos na vida diária. Conforme a CID-102, o autismo é "um transtorno invasivo do desenvolvimento, definido pela presença de desenvolvimento anormal e/ou comprometimento que se manifesta antes da idade de três anos e pelo tipo característico de funcionamento anormal em todas as três áreas de interação social, comunicação e comportamento restrito e repetitivo". Essa nova classificação engloba distúrbios anteriormente referidos como autismo infantil, transtorno invasivo do desenvolvimento não-específico, transtorno desintegrativo da infância e transtorno de Asperger.

No que diz respeito ao campo de comportamentos repetitivos na linguagem, o discurso repetitivo é proeminente e pode se manifestar por autorrepetição da sua fala ou repetição do outro, por meio da ecolalia3. Nas crianças com TEA de uso predominante da comunicação verbal, a ecolalia é um fenômeno persistente que se caracteriza como um distúrbio de linguagem, definida como a repetição em eco da fala do outro4. A ecolalia é normalmente distinguida em duas categorias: imediata ou tardia, caracterizada por pouco tempo após a emissão inicial e após maior tempo de produção pelo interlocutor, respectivamente5. Considera-se uma característica constante e prolongada da fala da criança com TEA, que pode vir a diminuir ou se ausentar, conforme o desenvolvimento da fala; sua estrutura possibilita avaliar as competências linguísticas e prever a formação das habilidades de comunicação com pressuposto de que estas desenvolvem as habilidades sociais do indivíduo6.

Algumas crianças autistas apresentam ecolalia e a utilizam como um dispositivo de comunicação, com uso da repetição como confirmação do desejo, mecanismo de regulamento do comportamento ou o meio de falar quando ainda são incapazes de usar as palavras livremente. A ecolalia tardia, no entanto, é considerada como um sinal precoce de TEA7. No atendimento fonoaudiológico da criança com TEA é possível afirmar que o uso de recortes de enunciados ouvidos pela criança confirma a participação da linguagem como um processo singular em cada sujeito8. É importante ressaltar que a ecolalia, muitas vezes, é encontrada no processo normal de aquisição de linguagem e o que a diferencia da patológica é que esta é contínua e persistente9.

Em um estudo que pretendia examinar a ecolalia imediata e tardia em uma criança de seis anos de idade com TEA, notou-se a presença de ambas em situações habituais e espontâneas e, na maior parte das imediatas, a ocorrência se deu quando o adulto corrigia a fala da criança ou na tentativa de modificar seu comportamento. Outro aspecto descrito é que nesses dois tipos de ecolalia imediata, a criança adicionava um novo componente ao seu discurso ou o modificava, bem como acrescentava variações, sugestivas de uma reapropriação do modelo. As ecolalias tardias foram divididas em: ecolalias próprias (self), ecolalias dos outros (other) e ecolalias impessoais (impersonal) e todas foram consideravelmente estereotipadas. Um olhar sobre o contexto permitiu sugerir que as ecolalias são usadas pela criança como forma de se posicionar em relação aos seus interlocutores, podendo servir como um recurso emocional ou de postura perante a situação a que está exposta. Desta forma, a ecolalia deve ser vista como um grande e flexível recurso de comunicação, considerando-a um fenômeno de interação e não somente uma manifestação patológica10.

Outra pesquisa recente investigou a natureza do fenômeno da ecolalia em situações similares à vida real, no contexto induzido (pesquisador e autista) e incidental (pesquisador, outro sujeito e autista no mesmo ambiente), relacionando a quantidade de ecolalia produzida e o grau de severidade no domínio de comunicação, por meio do uso das escalas Vineland e SVFB (Escala de avaliação observacional de funções básicas). Os dezoito participantes com TEA, entre dezessete e trinta e seis anos, apresentaram maior número de ecolalias no contexto induzido, sendo que aqueles que obtiveram menor pontuação mostraram menos recursos de interação, domínio afetivo e comunicativo mais prejudicado e não pareciam estar aptos a inibir o comportamento ecolálico, especialmente em situações mais estressantes11.

Há diferentes visões sobre a ecolalia na fala da criança com TEA e suas implicações, podendo ser entendida no contexto em que ocorre e na atribuição de funções comunicativas distintas para a fala e, em alguns casos, pode se apresentar como fala estereotipada e não comunicativa12. Uma reflexão acerca do papel da ecolalia no desenvolvimento da linguagem de pessoas com TEA e de suas funções pode contribuir como um recurso terapêutico e ferramenta de comunicação. Apesar de ser apontada como parte da fala da criança com TEA, há escassos métodos quantitativos que avaliam especificamente este comportamento13. Neste sentido, um estudo desenvolveu uma técnica automática de quantificar as repetições por meio de transcrições e comparou a frequência do comportamento entre crianças com TEA, desenvolvimento típico e distúrbios de linguagem. Os achados mostraram que crianças com TEA repetem a linguagem dos outros mais do que as outras populações estudadas14.

Desta maneira, a relevância deste relato de casos clínicos relaciona-se com a escassez de estudos nacionais que descrevam de forma diferenciada as características da ecolalia e sua repercussão nas habilidades de comunicação da criança com TEA. A hipótese inicial é que a criança com TEA utiliza ecolalia frequentemente em sua comunicação social, com prejuízos às habilidades comunicativas, quando comparada a crianças com desenvolvimento adequado de linguagem. Desse modo, o presente estudo experimental qualitativo objetivou verificar o tipo de ecolalia e habilidades comunicativas em crianças com TEA, bem como a percepção dos pais/responsáveis e profissionais quanto a ecolalia das crianças com TEA.

Apresentação do caso

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas- UNICAMP, sob o parecer número 437.740, e iniciada após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) pelos responsáveis, após terem sido orientados pela pesquisadora. Trata-se de um estudo experimental transversal qualitativo realizado com sete crianças do sexo masculino com diagnóstico interdisciplinar de transtorno do espectro autista (TEA), segundo os critérios do DSM-51) (Tabela 1). As crianças apresentavam uso da comunicação oral e frequentavam terapia fonoaudiológica semanalmente.

Tabela 1:
Caracterização da amostra

Coleta e análise de dados

Na primeira etapa, realizou-se uma sessão de entrevistas com seis pais/responsáveis (um dos responsáveis é mãe de dois irmãos gêmeos), por meio de um questionário com catorze perguntas a respeito da idade do diagnóstico do TEA, uso de diálogo, uso de ecolalia imediata e/ou tardia, ocorrência e frequência da ecolalia, surgimento do comportamento ecolálico, tempo de intervenção fonoaudiológica e sobre a diminuição ou não da fala ecolálica após o início da intervenção terapêutica (Figura 1). Além dos pais, o questionário também foi realizado com as duas fonoaudiólogas que atendiam as crianças. Dentre as sete crianças, seis frequentavam terapia fonoaudiológica e apenas uma não havia frequentado, pois o diagnóstico ainda era recente no momento da pesquisa.

Figura 1:
Questionário aplicado aos pais e profissionais

Posteriormente, foi realizada uma sessão fonoaudiológica com 30 minutos de filmagem individual das crianças em atividade lúdica. Essa filmagem ocorreu com a participação da pesquisadora no mesmo ambiente da criança e da profissional, porém nos casos em que foi notada instabilidade comportamental, optou-se pela realização da atividade somente entre a fonoaudióloga e a criança.

A análise dos vídeos foi elaborada a partir do Protocolo de Observação Comportamental (PROC),15 que descreve a observação do comportamento da criança em situação lúdica para verificar a capacidade comunicativa e cognitiva infantil. A descrição do instrumento é qualitativa e quantitativa, com pontuação máxima de 70 pontos para habilidades comunicativas, 60 pontos para compreensão da linguagem oral e 70 pontos para aspectos da cognição, com escore total de 200 pontos. As habilidades comunicativas são divididas em: habilidades conversacionais, função comunicativa, meios de comunicação e níveis de contextualização da linguagem.

Uma segunda análise realizada no vídeo focou-se na presença ou ausência de ecolalia e o seu tipo. Para este estudo, definiu-se como ecolalia imediata a emissão da criança no tempo de zero a cinco segundos que está relacionada à resposta logo após, ou em até duas locuções a partir da locução modelo do interlocutor. Para determinar ecolalia tardia estabeleceu-se o tempo a partir de seis segundos, relacionado à resposta após duas ou mais locuções do interlocutor16.

Resultados

Questionário aos pais e profissionais

Dentre as perguntas do questionário direcionado sobre a ecolalia, foi possível notar que houve maior concordância dos pais e profissionais quanto a presença de diálogo, presença da ecolalia e ecolalia tardia, seguido da ecolalia imediata, frequência e a diminuição com o passar do tempo.

Figura 2:
Relação entre respostas dos pais/profissionais

Com relação à presença do diálogo, quatro pais concordaram com os profissionais que seus filhos utilizam o diálogo para se comunicar (S1, S2, S3, S5); houve concordância em um caso que a criança não utiliza o diálogo (S6); uma discordância, na qual o pai afirma não ter diálogo e o profissional opina em sentido contrário (S7). Quanto ao S4, os pais afirmam haver diálogo, mas a criança ainda não se encontrava em terapia fonoaudiológica.

Quando questionados sobre a presença da ecolalia, os pais das crianças S1, S2, S3, S5 e S7 concordaram com os profissionais, ambos notando sua existência; já os pais de S6 afirmaram que seu filho não se utilizava de ecolalia, embora o profissional notasse a presença do fenômeno. Os pais do S4 observavam uso de ecolalia em seu filho.

Especificamente sobre o tipo de ecolalia imediata, os pais de S1, S2, S5, e S7 concordaram com os profissionais que as crianças apresentavam este tipo de ecolalia; os pais de S3 e S6 negam a ocorrência, enquanto o profissional afirma seu uso. A resposta dos pais de S4 foi positiva sobre a presença. Já quanto à ecolalia tardia, os pais de S1, S3, S5, S7 estavam em acordo com os profissionais quanto à ocorrência; no caso de S6, pais e profissionais afirmaram não observar ecolalia imediata; não houve concordância quanto ao S2, já que os pais afirmaram a presença de ecolalia tardia e o profissional não observa tal fato. Os pais do S4 observaram presença da ecolalia tardia.

Quanto à frequência da ecolalia, os pais de S1, S3, S5 e S7 afirmaram que seus filhos utilizam a ecolalia várias vezes ao dia, concordantes com as profissionais que observavam diversas vezes durante as sessões fonoaudiológicas semanais. Os pais de S2 e S6 não souberam descrever a frequência da ocorrência, sendo que os profissionais que atendem ambos notavam frequentemente a ecolalia; os pais de S4 afirmaram observar raramente tal fato.

No que se refere à diminuição do uso da ecolalia com o passar do tempo, os pais de S2, S3, S4, S5 e S7 afirmam que notam sua redução, concordantes com os profissionais. Somente para o S7, porém, o profissional foi discordante dos pais, ao afirmar que notou ter aumentado com o tempo, devido ao fato de a criança ter desenvolvido a fala. Os pais de S6 não souberam relatar e o profissional afirmou ter aumentado também devido ao desenvolvimento da fala; os pais de S1 opinaram que não houve diminuição da ecolalia, discordantes do que relatava o profissional.

Dentre os momentos nos quais percebem o uso da ecolalia pelos filhos, os pais citaram os seguintes momentos: brincadeiras, momentos que a criança não se encontra em atividade, situações de nervosismo e raiva. Os profissionais citam contextos de isolamento, atividades de jogos simbólicos e a construção do discurso narrativo.

Análise da atividade lúdica

Durante as atividades lúdicas, seis crianças apresentaram episódios de ecolalia imediata e apenas uma episódios de ecolalia tardia. Do total de ecolalias (imediatas + tardias), 92,31% dos episódios se referiram à ecolalia imediata e 7,69% de ecolalia tardia, realizado por uma criança (S7). Evidencia-se, desse modo, a predominância da fala ecolálica imediata. Apenas uma criança (S3) não apresentou nenhum tipo de ecolalia durante a filmagem.

Tabela 2:
Número de ecolalias e pontuação no Protocolo de Observação Comportamental

Quanto à avaliação do desenvolvimento comunicativo e cognitivo infantil, por meio da análise do PROC, as sete crianças com TEA mostraram habilidades comunicativas expressivas e aspectos do desenvolvimento cognitivo abaixo do esperado para sua idade; duas crianças mostraram desempenho em compreensão da linguagem verbal abaixo do esperado e todas apresentaram pontuação total abaixo do esperado (Tabela 3).

Tabela 3:
Pontuação do Protocolo de Observação Comportamental

Além da análise quantitativa do PROC, as características qualitativas da linguagem de cada criança estão descritas abaixo:

Características gerais das habilidades comunicativas

As crianças S1, S5 e S6 apresentaram comunicação intencional plurifuncional, ampla participação em atividade dialógica por meios verbais, ligados ao contexto imediato. Já S2, S3 e S4 apresentaram comunicação intencional plurifuncional, ampla participação em atividade dialógica por meios verbais não ligados ao contexto imediato. No entanto, o S7 apresentou comunicação intencional com funções primárias, restrita participação em atividade dialógica por meios verbais.

Características gerais da organização linguística

As crianças S1, S5 e S6 apresentaram produção de enunciados (duas ou mais palavras organizadas no nível da frase); S2, S3 e S4 apresentaram produções de discurso (frases encadeadas); o S7 apresentou apenas produção de palavras isoladas.

Características gerais da compreensão da linguagem oral

Dentre as crianças avaliadas, S7 não respondia sistematicamente; S1 e S6 compreendiam ordens com até duas ações, ligadas ao contexto imediato; S2, S3, S4 e S5 compreendiam ordens com 3 ou mais ações, não ligadas ao contexto imediato.

Características gerais da imitação

Os S1, S6 e S7 imitaram gestos visíveis no próprio corpo, sendo que S7 imitou somente sons não verbais; S2, S3, S4 e S5 imitaram gestos visíveis e não visíveis ao próprio corpo e imitaram sons verbais e não verbais, com acréscimo das crianças S1 e S6 neste último aspecto.

Características gerais do desenvolvimento cognitivo

S7 mostrou-se na fase avançada sensório-motor; S1 e S6 na transição entre sensório motor e representativo; S2, S3, S4 e S5 se encontravam na fase representativa.

Cabe ressaltar neste relato o resultado do S7, pois se trata da única criança com episódios de ecolalia tardia no decorrer dos 30 minutos da sessão fonoaudiológica e obteve menor pontuação no PROC, com déficit significativo nas habilidades comunicativas. No âmbito das habilidades conversacionais, a intenção comunicativa está pouco presente; não inicia a conversação; responde, aguarda seu turno e raramente participa de forma ativa da atividade dialógica. Suas funções comunicativas estão ausentes quanto a instrumental, interativa, nomeação, informativa, heurística e narrativa. Raramente demonstra apenas a função de protesto; faz uso de enunciados de duas palavras como meio de comunicação e seu nível de contextualização da linguagem refere-se somente à situação imediata e concreta.

Para os outros sujeitos não foi encontrado, qualitativamente, relação direta entre o número e tipo de ecolalias apresentadas e seu desempenho nas habilidades comunicativas do PROC. Desta forma, não necessariamente a maior pontuação deste instrumento significou maior ou menor número de ecolalias no discurso das crianças.

Discussão

A partir dos resultados encontrados, é possível perceber que a caracterização da amostra é compatível ao encontrado em literaturas internacionais17),(18. O TEA afeta entre quatro a cinco vezes mais sujeitos do sexo masculino comparado ao feminino17. Uma possível explicação para isso é que indivíduos do sexo feminino só são identificados com TEA quando demonstram comportamento e cognição mais comprometidos19, acarretando em um diagnóstico tardio. Neste estudo a amostra é composta somente por crianças do sexo masculino, conforme demanda de uma instituição de referência na região. Tal fato pode confirmar a predominância deste gênero, mesmo se tratando de um grupo pequeno. Em relação à idade de diagnóstico, sabe-se que há alguns anos as crianças eram diagnosticadas na faixa etária de três a quatro anos de idade18, porém pesquisas recentes evidenciam que o estudo acerca das características e comportamentos de crianças com TEA quando ainda bebês fornecem indícios de reconhecimento de desenvolvimento atípico e, assim, é cada vez mais comum o diagnóstico precoce20),(21. Corroborando esse dado, a maior parte das crianças deste estudo foram diagnosticadas com TEA antes dos quatro anos de idade. O diagnóstico após esta faixa etária, no entanto ainda é comum e esse fato é um sinal de alerta para a necessidade de maior disseminação de informações sobre o transtorno e seus aspectos, possibilitando futuras identificações precoces das características do TEA pelos pais, pois eles são, a priori, a principal fonte de contato com a criança.

A utilização do questionário com pais e profissionais foi essencial na busca pela identificação do uso e tipo de ecolalia realizada pela criança com TEA. Ambos estavam empenhados em contribuir com suas experiências em atividades diárias e direcionadas com relação à linguagem das crianças. A aplicação do questionário proporcionou aos pais reflexão acerca da fala e linguagem de seus filhos e maior percepção do quadro, o que é essencial para o desenvolvimento de crianças com TEA22. A proposta de investigar a percepção dos pais sobre a fala ecolálica de seus filhos mostrou-se eficaz para efeito de comparação entre as respostas obtidas e a real utilização por parte da criança, uma vez que apenas uma mãe não esteve de acordo quanto ao uso da ecolalia, mesmo com a presença durante a sessão filmada. A divergência entre as respostas obtidas pelos pais e profissionais pode ser justificada pelo fato da linguagem ser um dos aspectos trabalhados durante a sessão terapêutica, o que pode proporcionar ao profissional maior sensibilidade às ocorrências de episódios de fala ecolálica. Com relação ao aumento ou diminuição da ocorrência da ecolalia na fala das crianças, um estudo observou que 10 crianças com TEA que comunicavam-se com seus pais principalmente por meio da ecolalia após 20 semanas de terapia apresentaram redução no uso desse recurso e aumento na comunicação espontânea23. Esta constatação fortalece a evidência que o aumento do uso da ecolalia pode ser considerado uma etapa importante e positiva no processo de aquisição de linguagem e sua redução ocorrerá conforme o aumento das competências linguísticas do sujeito.

A ecolalia imediata foi o tipo predominante neste estudo, pois somente o S7 apresentou episódios de ecolalia tardia. Este resultado pode estar relacionado ao curto tempo de duração da filmagem, uma vez que a ecolalia tardia foi relatada pelos profissionais em quatro sujeitos. Uma característica que pode ser encontrada na ecolalia imediata é a adição de um novo componente ao discurso10, fato este encontrado apenas em S2, que apresentou variação no discurso ecolálico, sugerindo uma reapropriação do modelo. Esse mesmo sujeito apresentou a maior pontuação no PROC e mostrou mais recursos comunicativos, evidenciando a ecolalia como um recurso linguístico a partir da sua reapropriação. Quanto à classificação das ecolalias tardias, os 3 episódios apresentados pelo S7 são classificados10 como ecolalias dos outros (other-echoes), pois o discurso da criança se referia a declarações do interlocutor com quem ela interagia. No tocante às ecolalias tardias, as ocorrências nessa pesquisa sugerem sua categorização como pedidos24, uma vez que, a partir da análise qualitativa do contexto, o sujeito a utiliza para solicitar mudanças na atividade lúdica.

A aplicação do PROC permitiu notar que as habilidades comunicativas e os aspectos do desenvolvimento cognitivo foram os mais comprometidos, uma vez que todas as crianças apresentaram desempenho abaixo da pontuação esperada para este protocolo. Somente duas crianças não apresentaram pontuação adequada na compreensão verbal da linguagem. Estes dados fortalecem os critérios diagnósticos do DSM-51) quanto ao TEA, caracterizado por pouca ou nenhuma iniciativa social em diferentes níveis de gravidade, associados a deficiência intelectual ou atraso global do desenvolvimento. Com relação à utilização do PROC como instrumento de avaliação, não foram encontradas pesquisas que apontassem sua utilização como ferramenta de detecção de sinais de TEA. Sendo assim, a análise baseada neste protocolo pode auxiliar a avaliação fonoaudiológica em crianças com este quadro, já que seu objetivo é detectar sinais de habilidades comunicativas comprometidas.

Conclusão

O presente estudo indicou que a maior parte das crianças desta amostra apresentou ecolalia, sendo a do tipo imediata mais frequente que a tardia. Também foi possível observar que não houve relação direta entre o tipo de ecolalia e o desempenho geral na avaliação das habilidades da linguagem. Nesta pesquisa, todas as crianças apresentaram desempenho abaixo do esperado nas habilidades comunicativas e aspectos do desenvolvimento cognitivo e menor comprometimento na compreensão da linguagem verbal.

Quanto às características da linguagem observadas por pais e profissionais, a maioria esteve em concordância quanto à presença, tipo e frequência da ecolalia nas crianças. Sendo ela um comportamento frequente na construção do discurso da criança com TEA, sua presença pode contribuir para a conduta terapêutica do fonoaudiólogo, a fim de utilizá-la no percurso de aprimoramento das competências linguísticas do sujeito. Portanto, estudos com maior números de sujeitos envolvidos são necessários para melhor caracterização da ecolalia no TEA.

Agradecimentos

Ao CNPq pelo financiamento deste estudo.

À fonoaudióloga Fernanda Caroline Pinto da Silva pela colaboração no estudo.

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  • Fonte de auxílio: PIBIC/ CNPq

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    01 Mar 2015
  • Aceito
    07 Set 2015
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