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Modificações vocais acústicas produzidas pelo som hiperagudo

Acoustic vocal modifications produced by high-pitched sound

Resumos

OBJETIVO: descrever as modificações vocais acústicas após a produção da técnica vocal do som hiperagudo em mulheres adultas jovens, sem queixas vocais e com laringe normal. MÉTODOS: participaram do estudo 23 sujeitos que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, preencheram um questionário, realizaram avaliação otorrinolaringológica com laringoscopia indireta, exame dos órgãos fonoarticulatórios e funções estomatognáticas e triagem auditiva. Realizaram o som hiperagudo em três séries de 15 repetições, em tempo máximo de fonação com intervalos de 30 segundos de repouso passivo entre cada série. A análise vocal acústica foi realizada através do Multi-Dimensional Voice Program, Modelo 5105, da Kay Pentax. RESULTADOS: na avaliação acústica vocal, após o som hiperagudo, constatou-se o aumento das medidas de frequência fundamental e das medidas de perturbação da frequência fundamental, diminuição das medidas de perturbação da intensidade, ruído, quebra de voz, irregularidade da voz e tremor, mas não houve significância estatística em todas as medidas oferecidas pelo programa. CONCLUSÃO: neste grupo, os sons hiperagudos não produziram efeitos acústicos estatisticamente significantes sobre o sinal vocal.

Fonação; Voz; Acústica da Fala; Distúrbios da Voz


PURPOSE: to describe acoustic vocal modifications that may occur after the vocal technique production of high-pitched sound in young adult women without voice complaints and with normal larynx. METHODS: 23 subjects participated in the study and signed the Free and Clarified Consent, completed a questionnaire, the ear, nose and throat evaluation was performed with indirect laryngoscopy; stomatognathic system evaluation, and hearing screening. They produced the high-pitched sound in three series of fifteen repetitions, maximum time speech with intervals of 30-second rest between each series. Vocal acoustic analysis was carried out using the Multi-Dimensional Voice Program Model 5105, of Kay Pentax. RESULTS: in the vocal acoustic analysis, we was noted after the high-pitched sound, increasing measures of fundamental frequency and fundamental frequency perturbation, reduction measures of intensity perturbation, noise, voice breaks, voice irregularity and tremor. However, there was no statistical significance in any of the measures offered by the program. CONCLUSION: in this group, the high-pitched sound showed no significant acoustic effects statistically significance on the voice signal.

Phonation; Voice; Speech Acoustics; Voice Disorders


ARTIGOS ORIGINAIS

Modificações vocais acústicas produzidas pelo som hiperagudo

Acoustic vocal modifications produced by high-pitched sound

Geise Roman-NiehuesI; Carla Aparecida CieloII

IFonoaudióloga Clínica; Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de Santa Maria

IIFonoaudióloga; Professora Adjunta do Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal de Santa Maria, UFSM, Santa Maria, RS; Doutora em Linguística Aplicada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Geise Roman-Niehues Rua Antônio Ampessan, 158 Erechim – RS CEP: 99700-000 E-mail: geiseroman@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: descrever as modificações vocais acústicas após a produção da técnica vocal do som hiperagudo em mulheres adultas jovens, sem queixas vocais e com laringe normal.

MÉTODOS: participaram do estudo 23 sujeitos que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, preencheram um questionário, realizaram avaliação otorrinolaringológica com laringoscopia indireta, exame dos órgãos fonoarticulatórios e funções estomatognáticas e triagem auditiva. Realizaram o som hiperagudo em três séries de 15 repetições, em tempo máximo de fonação com intervalos de 30 segundos de repouso passivo entre cada série. A análise vocal acústica foi realizada através do Multi-Dimensional Voice Program, Modelo 5105, da Kay Pentax.

RESULTADOS: na avaliação acústica vocal, após o som hiperagudo, constatou-se o aumento das medidas de frequência fundamental e das medidas de perturbação da frequência fundamental, diminuição das medidas de perturbação da intensidade, ruído, quebra de voz, irregularidade da voz e tremor, mas não houve significância estatística em todas as medidas oferecidas pelo programa.

CONCLUSÃO: neste grupo, os sons hiperagudos não produziram efeitos acústicos estatisticamente significantes sobre o sinal vocal.

Descritores: Fonação; Voz; Acústica da Fala; Distúrbios da Voz

ABSTRACT

PURPOSE: to describe acoustic vocal modifications that may occur after the vocal technique production of high-pitched sound in young adult women without voice complaints and with normal larynx.

METHODS: 23 subjects participated in the study and signed the Free and Clarified Consent, completed a questionnaire, the ear, nose and throat evaluation was performed with indirect laryngoscopy; stomatognathic system evaluation, and hearing screening. They produced the high-pitched sound in three series of fifteen repetitions, maximum time speech with intervals of 30-second rest between each series. Vocal acoustic analysis was carried out using the Multi-Dimensional Voice Program Model 5105, of Kay Pentax.

RESULTS: in the vocal acoustic analysis, we was noted after the high-pitched sound, increasing measures of fundamental frequency and fundamental frequency perturbation, reduction measures of intensity perturbation, noise, voice breaks, voice irregularity and tremor. However, there was no statistical significance in any of the measures offered by the program.

CONCLUSION: in this group, the high-pitched sound showed no significant acoustic effects statistically significance on the voice signal.

Keywords: Phonation; Voice; Speech Acoustics; Voice Disorders

INTRODUÇÃO

As técnicas vocais são utilizadas em todas as práticas fonoaudiológicas, na prevenção, na reabilitação e no aperfeiçoamento vocal. A terapia de voz deve ter base científica, envolvendo o conhecimento de inúmeras áreas de estudo, como a fisiologia e fisiopatologia da voz; sua acústica e aerodinâmica; e correlatos vocais de estados emocionais.

As técnicas vocais são inúmeras e diversificadas, englobando o método de sons facilitadores, dos quais se destaca o som de apoio hiperagudo 1,2.

Sua execução se dá, basicamente, pela produção da voz em registro de falsete, quando somente uma pequena porção da borda das pregas vocais vibra, resultando em diminuição da excursão lateral da onda mucosa. A voz resultante apresenta característica aguda, de intensidade débil e extensão reduzida 1,3,4 o que é ocasionado pela menor ativação do músculo tiroaritenóideo (TA) e a maior ativação do músculo cricotireóideo (CT), provocando o alongamento e tensionamento das pregas vocais com possibilidade de fenda glótica em toda a extensão e maior aproximação das pregas vocais em seu terço anterior 1-4.

Há uma importante lacuna na pesquisa da área de voz: a documentação do efeito das técnicas vocais terapêuticas, embora no Brasil, se esteja buscando maior cientificidade nesta área 5-8.

Em decorrência desses fatores e buscando maior entendimento da aplicabilidade do som de apoio hiperagudo, o presente estudo visa a descrever as modificações vocais acústicas ocorridas após a produção desta técnica vocal em mulheres adultas jovens, sem queixas vocais e com laringe normal, por meio do programa Multi Dimensional Voice Program-Model 5105 da Kay Pentax (MDVP).

O maior conhecimento dos efeitos do som hiperagudo na normalidade pode subsidiar novas pesquisas, que avaliem objetivamente os efeitos da técnica em grupos com diferentes afecções vocais e laríngeas, permitindo parâmetros de comparação. Além disso, os resultados encontrados em laringes normais podem amparar a técnica como um exercício a ser utilizado em aquecimento vocal naqueles sujeitos que não apresentam problemas laríngeos.

MÉTODOS

A pesquisa caracteriza-se por ser um estudo de campo exploratório, quantitativo e qualitativo.

Os critérios de inclusão dos sujeitos foram: ler e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), conforme recomendação da norma 196/96 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa – CONEP/1996; sexo feminino, pela facilidade de captação de sujeitos; e idade variando de 18 e 40 anos, pois nessa faixa etária, acredita-se que o aparelho fonador não sofra a interferência das alterações hormonais e estruturais da muda vocal e do envelhecimento.

Os critérios de exclusão foram: apresentar história pregressa de doenças neurológicas, psiquiátricas ou gástricas, que poderiam influenciar a performance vocal ou o entendimento das ordens durante as avaliações; relato de estar em período de gravidez ou pré-menstrual, que poderiam influenciar a performance vocal, pelo edema em pregas vocais; apresentar gripe, alergias respiratórias ou outra doença que limitasse o desempenho na execução do som hiperagudo, no dia das avaliações; apresentar perda auditiva, pois a audição normal é importante para o monitoramento vocal; apresentar alterações na musculatura orofacial ou nas funções neurovegetativas (deglutição, mastigação) que poderiam comprometer a execução do som de apoio hiperagudo ou a performance vocal; ser profissional da voz, em função do conhecimento prévio sobre o som hiperagudo e sua utilização para aquecimento vocal; apresentar queixa vocal, pois a mesma poderia estar relacionada a alguma alteração vocal orgânica e/ou funcional, comprometendo o desempenho vocal e o resultado da laringoscopia, que indicaria a presença de alteração laríngea; relato de alteração vocal, como rouquidão ou perda de voz frequente, por comprometer o desempenho vocal, ou possivelmente caracterizar um sinal de alteração laríngea; ser fumante e/ou consumir álcool em excesso (segundo a Organização Mundial de Saúde, não ingerir mais de duas doses por dia), pois tais agentes são agressivos à laringe e podem constituir problemas vocais orgânicos; cantar em coros, a fim de evitar noções de técnicas vocais ou uma voz "treinada"; ter realizado tratamento fonoaudiológico e/ou otorrinolaringológico (ORL) prévios, para evitar que o sujeito tivesse qualquer patologia laríngea (mesmo já tratada), ou condicionamento vocal; ao exame otorrinolaringológico, não proporcionar adequada visualização das estruturas da laringe à laringoscopia indireta, para a classificação de uma laringe sem alteração; não conseguir realizar o som de apoio hiperagudo sem esforço; apresentar qualquer alteração orgânica e/ou funcional ao nível das pregas vocais ao exame de laringoscopia indireta, pois distúrbios ao nível de laringe poderiam comprometer tanto o resultado da observação laríngea como os dados de voz.

Apresentaram-se como voluntários 32 indivíduos, dos quais nove não preencheram os critérios de inclusão e de exclusão da pesquisa. Foram excluídos: um indivíduo, na aplicação do questionário, por relatar estar em período menstrual, dois por serem fumantes e dois por terem distúrbios alérgicos; três por não terem disponibilidade para realizar a avaliação Otorrinolaringológica; um por apresentar alterações no sistema estomatognático (presença de Overjet maior que 5 mm). Preencheram os critérios de inclusão e de exclusão 23 indivíduos, voluntários, do sexo feminino, com idades entre 18 e 39 anos e média de idade de 22,7 anos.

Após a assinatura do TCLE, foram realizadas avaliações com o objetivo de selecionar a amostra conforme os critérios de inclusão e de exclusão propostos. Os indivíduos preencheram um questionário sobre os critérios mencionados anteriormente; realizaram avaliação otorrinolaringológica com laringoscopia indireta 2 por médico otorrinolaringologista, sendo posicionados sentados, com a cabeça levemente inclinada para frente e para cima, e solicitados a colocarem a língua para fora e, com a ajuda do médico tracionando a língua envolvida em gaze, emitir a vogal /i/ em tom agudo, que possibilita melhor visualização das estruturas laríngeas durante o exame, sendo introduzido o espelho de Garcia previamente aquecido até a faringe para visualização da laringe e suas estruturas e funcionamento.

Ainda, realizou-se o exame dos órgãos fonoarticulatórios e das funções estomatognáticas, solicitando-se ao participante que fizesse movimentos com os lábios, com a língua, bochechas e palato, seguindo exemplo dado pela fonoaudióloga, para verificar a mobilidade dos mesmos. Por meio do toque, foi identificado o tônus das estruturas e, pela observação e por meio das respostas do paciente, foi analisada a postura dos órgãos. As alterações na deglutição e mastigação foram identificadas por meio da observação da alimentação do sujeito. Foram considerados como alterações os seguintes resultados: lábios abertos ou entreabertos, com pouca mobilidade e/ou tônus diminuído; língua com pouca mobilidade, postura alterada, freio lingual curto e/ou tônus diminuído; bochechas assimétricas ou caídas, com pouca mobilidade e/ou tônus diminuído; palato ogival ou estreito, palato mole com presença de úvula bífida ou sulcada; deglutição atípica ou adaptada; mastigação unilateral ou problemas significativos de oclusão. Para esta avaliação foram utilizados: luvas descartáveis; espátulas de madeira; alimentos sólidos (bolacha), pastosos (iogurte) e líquidos (água).

Também foi realizada uma triagem auditiva com pesquisa de tons puros por via aérea nas frequências de 500, 1000, 2000 e 4000Hz a 25 dB 9, utilizando-se o audiômetro Fonix FA 12 Digital.

Os voluntários que atenderam aos propósitos e critérios da pesquisa (n=23) foram encaminhados à coleta de dados e os demais, conforme o motivo da exclusão, foram encaminhados para avaliação médica otorrinolaringológica (sujeitos tabagistas e alérgicos) e odontológica, (sujeito com overjet) e descartados do estudo (n=9).

Os 23 indivíduos selecionados como grupo de estudo realizaram individualmente, em sala acusticamente tratada, a coleta de uma emissão sustentada da vogal /a/, por meio da gravação digital, utilizando-se o gravador digital Creative modelo MuVo TX FM 512 MB da Soundblaster. Os indivíduos ficaram em pé, com os braços estendidos ao longo do corpo, o microfone do aparelho posicionado em ângulo de 90º, à distância de quatro centímetros, e em frente à boca, para evitar interferência no sinal 10-14. Foi solicitado aos sujeitos que sustentassem a emissão da vogal oral aberta central /a/, em frequência e intensidade habituais, após inspiração profunda, em tempo máximo de fonação (em função da edição da amostra vocal descrita adiante), e orientados a não utilizar a reserva expiratória, com o objetivo de manter ao máximo as características do sinal irradiado pelos lábios.

Após a coleta da voz, os participantes foram orientados a produzir três séries de 15 repetições 5,15 do som hiperagudo, inspirando profundamente e emitindo a vogal /i/ em falsete, ou seja, com qualidade hiperaguda, débil, e ligeiramente soprosa, sem hipercontração muscular de cintura escapular e laríngea, sem deslocamento cervical e mandibular (com o queixo paralelo ao chão), e sem variação de pitch e/ou de loudness durante a sustentação do hiperagudo.

Após cada série, foi dado um intervalo de 30 segundos de repouso passivo, quando os sujeitos permaneceram em silêncio absoluto 5,15. Todas as produções foram acompanhadas, realizando-se as correções necessárias para que todos os indiví­duos realizassem a técnica corretamente e de forma similar. Os indivíduos permaneceram sentados, com os pés apoiados no chão e coluna ereta, puderam consumir água, mas nenhuma outra substância durante execução da técnica. A ingestão de água não foi considerada uma variável interveniente nos resultados (medidos logo após as séries do exercício) devido ao fato da hidratação sistêmica levar um período de horas para ocorrer, uma vez que a literatura a indica de duas a três horas antes do uso intensivo da voz 2. Assim, o consumo durante a técnica não comprometeria os resultados glóticos.

Imediatamente após a realização das séries do exercício, coletou-se novamente a emissão sustentada da vogal /a/, nas mesmas condições descritas anteriormente, para comparação dos dados.

As emissões gravadas foram analisadas acusticamente pelo programa MDVP, Model 5105, da Kay Pentax, sendo excluído o início da emissão, para que o ataque vocal não interferisse na análise dos dados 10,11, e considerados apenas os quatro segundos iniciais da emissão 8,11,14. As amostras da vogal /a/ dos sujeitos foram quantizadas em 25 kHz e 16bits para esta análise, conforme especificações do programa e da literatura 10.

As medidas extraídas pelo MDVP e consideradas neste estudo foram: frequência fundamental média (f0); frequência fundamental máxima (fhi); frequência fundamental mínima (flo); desvio-padrão da frequência fundamental (STD); frequência do tremor da amplitude (Fatr); Jitter absoluto (Jita); Jitter percentual (Jitt); Média relativa da perturbação (RAP); Quociente de perturbação do Pitch (PPQ); Quociente de perturbação do Pitch suavizado (sPPQ); coeficiente da variação da frequência fundamental (vf0); Shimmer em dB (ShdB); Shimmer percentual (Shim); Quociente de perturbação da amplitude (APQ); Quociente de perturbação da amplitude suavizado (sAPQ); Coeficiente de variação da amplitude (vAm); Proporção ruído-harmônico (NHR); Índice de turbulência da voz (VTI); Índice de fonação suave (SPI); Índice de intensidade da frequência do tremor (FTRI); Índice de intensidade da amplitude do tremor (ATRI); Grau de quebra da voz (DVB); Grau dos componentes sub-harmônicos (DSH); Grau de silêncio – período sem voz (DUV); Número de quebras vocais (NVB); Números de segmentos sub-harmônicos (NSH); Números de segmentos não sonorizados (NUV).

Tais medidas englobam todas as oferecidas pelo programa, fornecendo subsídios para detectar quaisquer alterações provocadas pelo exercício testado, para estudos específicos de determinadas medidas, e sua relação com outras, uma vez que compõem grupos de medidas complementares entre si, possibilitando maior entendimento do sinal analisado (medidas de frequência, de perturbação de frequência, de perturbação de amplitude, de ruído, de perturbações de longo prazo no sinal).

Quanto aos valores de normalidade, para f0 foram considerados 150 a 250 Hz 10,16-18. Para as demais medidas, foram considerados os valores propostos pelo programa MDVP (Threshold) para o sexo feminino.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição de origem (registro número 019087).

Após as avaliações os dados encontrados foram tratados estatisticamente, por meio da estatística descritiva, e organizados em tabelas. Foi utilizado o teste não paramétrico de Wilcoxon e o Teste t, utilizados para comparar as produções pré e pós-som hiperagudo, a um nível de significância de 5%.

RESULTADOS

Os resultados da avaliação acústica vocal, ilustrados nas Tabelas 1, 2, 3 e 4, não mostraram significância estatística em todas as medidas oferecidas pelo MDVP, após o uso do som hiperagudo no grupo de estudo.

Contatou-se, após a realização do som hiperagudo, um aumento, embora não estatisticamente significante, das medidas de f0, fhi, flo, Jita, Jitt, RAP e PPQ. Da mesma forma, observou-se diminuição das medidas de STD, sPPQ, vf0, ShdB, Shim, APQ, sAPQ, vAm, NHR, VTI, SPI, FTRI, ATRI, DSH, DUV, NSH e NUV. E não houve mudança nas medidas de DVB e NVB.

DISCUSSÃO

Durante a produção do som hiperagudo ocorre o relaxamento dos TAs, e maior contração do CT. A laringe apresenta um movimento de báscula, que ocorre em consequência da inclinação que a cartilagem tireóidea faz sobre a cartilagem cricóidea 1,2,6.

A configuração de comprimento, massa e tensão de pregas vocais durante a vibração das mesmas está diretamente envolvida na modificação da frequência da voz. O aumento da f0 se dá, basicamente, pela diminuição da massa, e alteração do comprimento e tensão das pregas vocais, com maior concentração de vibração na região de borda, e maior ativação do CT 1-4,6,19.

No presente estudo, observou-se uma tendência ao aumento da f0, se comparadas as emissões pré e pós-som hiperagudo (Tabela 1), embora não estatisticamente significante. A literatura descreve aumento significante da f0 durante o som hiperagudo 1-4,6,10,20-22, e essa tendência de deslocamento da frequência após o exercício, pode ser explicada como um indício da hipercontração do CT durante a execução da técnica e que pode ter se mantido imediatamente após, na emissão em registro modal. Afirma-seque a f0 parece não se modificar significantemente como resultado de terapia de voz, salvo algumas exceções 2, o que está de acordo com os resultados deste trabalho.

Um estudo verificou os efeitos dos exercícios de som basal e sopro e som agudo (hiperagudo), por meio de avaliação perceptivo-auditiva da qualidade vocal e análise eletroglotográfica de 18 fonoaudiólogas sem queixa vocal, conhecedoras dos exercícios avaliados. Os resultados obtidos, considerando-se apenas o exercício do sopro e som agudo, mostraram que, após a utilização de um minuto da técnica 79,64% das emissões apresentaram-se perceptivo-auditivamente diferentes, onde as maiores modificações foram obtidas no pitch (53,31%), seguidas da loudness (37,03%). Na avaliação acústica eletroglotográfica, houve um aumento de 29 Hz na frequência fundamental, após a execução da técnica, e o coeficiente de contato das pregas vocais não se modificou 23. No presente estudo, o aumento não significante de 24,774 Hz da f0, após a realização do hiperagudo, converge parcialmente com os resultados desses autores.

Da mesma forma, o ajuste do som hiperagudo, além de auxiliar o aumento da f0 1-4,6, parece estar estreitamente relacionado com o aumento da fhi e flo, e do desvio-padrão das medidas de f0 e flo, embora não estatisticamente significantes, das produções pós-som hiperagudo deste estudo (Tabela 1), sugerindo modificações nas medidas acústicas de frequência após o exercício 1,2,24.

Estes resultados podem estar relacionados à aproximação das pregas vocais, na produção do som hiperagudo, promover um estiramento dos músculos TA, principalmente do seu feixe interno, que pouca ou nenhuma vibração de mucosa posterior ocorre, enquanto a porção anterior vibra rapidamente 1,2. As porções laterais dos TA não atuam para produzir a voz de falsete, embora existam variações individuais 3. A onda mucosa concentra-se na margem medial das pregas vocais, sendo sua amplitude e altura gradualmente reduzidas na produção do falsete 1,3,4,10,21,22. Todos esses fenômenos favorecem a produção das altas frequências durante o hiperagudo 2, podendo ocorrer discreta manutenção deste ajuste imediatamente após a sua realização.

O discreto aumento de todas as medidas de Jitter, (Jita, Jitt, RAP e PPQ), embora não estatisticamente significante (Tabela 2), sugere o aumento da perturbação de frequência ciclo a ciclo 8,10,11 pela modificação da movimentação mucosa após a técnica.

Durante a produção da voz em registro de falsete, somente uma pequena porção da borda das pregas vocais vibra, resultando em uma diminuição da excursão lateral da onda mucosa 1. A voz resultante apresenta característica aguda, de intensidade débil e extensão reduzida 1,3,4,10,19-22,25,26.

A diminuição das medidas de Shimmer (ShdB, Shim, APQ e sAPQ), referentes à passagem e ao controle do ar transglótico a cada ciclo glótico, relacionando-se com a resistência glótica e com a presença de ruído no sinal 10,11, embora não estatisticamente significante (Tabela 3), sugere menor escape aéreo transglótico, melhor fechamento glótico e maior estabilidade 10 após o hiperagudo. Levanta-se a hipótese de que a mucosa das pregas vocais tenha ficado mais solta, favorecendo o fenômeno de Bernoulli e proporcionando melhor fechamento, pois, durante o hiperagudo, a borda da mucosa é amplamente mobilizada, uma vez que ocorre o relaxamento quase total dos tiroaritenóideos 1,2,10,20,21.Além disso o shimmer oferece uma medida indireta do ruído à fonação 10, reforçando a hipótese de maior controle e estabilidade 10 após o hiperagudo.

A maior mobilização das bordas da mucosa no hiperagudo 1,10,20,21 pode ter gerado o aumento das medidas de Jitter após o mesmo, sugerindo que a perturbação da frequência ciclo a ciclo seja reflexo imediato de uma mucosa mais solta para vibrar até o falante reajustar totalmente sua emissão ao registro modal, uma vez que variações de jitter podem ser originadas de variações de tensão e massa das pregas vocais 10 como ocorre no hiperagudo 1,2.

O treino respiratório específico, por meio de exercícios voltados à musculatura respiratória pode garantir melhor desempenho vocal 1,15. O trabalho respiratório, visando à melhor coordenação pneumofonoarticulatória (CPFA) para uma emissão com maior estabilidade, é de grande importância na terapia fonoaudiológica tanto em pacientes disfônicos quanto no aperfeiçoamento vocal de profissionais da voz 1. Neste estudo, a discreta diminuição das medidas de vf0 e vAm, embora não estatisticamente significante (Tabelas 2 e 3), sugere maior CPFA e estabilidade de longo termo (vf0 e vAm) da fonação após o hiperagudo, não convergindo com a literatura, que propõe um treino respiratório especifico para a CPFA.

A técnica em si, sem um treino respiratório específico, pareceu gerar maior estabilidade de longo termo (vf0 e vAm) e maior estabilidade da emissão, podendo-se pensar em sua utilização também para o trabalho de CPFA, possivelmente em função do ajuste glótico do hiperagudo, descrito anteriormente, favorecer o controle da saída progressiva do ar expiratório. Além disso, a literatura 2 descreve o som de apoio como favorecedor de melhor equilíbrio funcional da produção vocal, entendendo-se o equilíbrio entre os três níveis de produção da voz: respiratório, fonatório e articulatório/ressonantal.

Da mesma forma, é possível que os fatores supracitados tenham contribuído para a diminuição das medidas de tremor FTRI e ATRI (medidas de perturbação a longo prazo 10) e das medidas de DUV e NUV, embora não estatisticamente significantes (Tabela 4), em função deste efeito sobre a CPFA e sobre a mobilização da mucosa, melhorando a estabilidade da emissão e a vibração da mucosa. É importante, na interpretação dessas medidas de tremor e de segmentos não sonorizados em vozes normais, observar que estavam dentro do limiar de normalidade do programa, tanto antes quanto após a realização da técnica, e que sua existência dentro da faixa de normalidade pode ser interpretada como a instabilidade natural do sinal vocal, uma vez que o mesmo consiste em uma onda complexa quase periódica, ou seja, com presença de certa quantidade de energia acústica aperiódica ou irregularidades 2,8,10,11.

O som hiperagudo tem indicações na literatura como técnica de aquecimento vocal fisiológico. A técnica beneficia os profissionais da voz, porque permite às pregas vocais maior flexibilidade de alongamento e encurtamento, durante as variações de frequência, deixa a mucosa mais solta, propiciando maior habilidade ondulatória, e em consequência, reúne melhores condições gerais de produção vocal 1,2, o que vai ao encontro dos resultados desta pesquisa.

Provavelmente, a mobilização intensa da borda da mucosa durante o hiperagudo, mesmo com discreto aumento da perturbação ciclo a ciclo da f0, faz com que a prega vocal vibre de forma mais solta durante a fonação em registro modal. Assim, é possível que ocorra melhora da fonte do sinal laríngeo, pelo aquecimento da musculatura envolvida, pela renovação da camada de muco e homogeneização da mucosa e também melhora da ressonância, gerando um sinal glótico mais harmônico, melhor propagado e modificado pelo trato ressonantal, propiciando diminuição do ruído glótico e aumento do número de harmônicos amplificados 1,2,10,11. Esse fato pode ser observado pela diminuição das medidas de NHR, VTI, SPI, DSH e NSH, relacionadas ao ruído, embora não estatisticamente significantes (Tabela 4), juntamente com as medidas de shimmer, já discutidas.

Os parâmetros DVB e NVB (Tabela 4) que medem o grau e o número de quebras vocais da emissão (períodos não-harmônicos, em que a f0 não pode ser detectada ou quando existe interrupção na produção vocal 11) apresentaram o valor zero pré e pós-técnica. Isto pode ser explicado pelo fato dos sujeitos da pesquisa apresentavam vozes saudáveis.

Os sujeitos deste estudo apresentavam laringe normal e nenhuma queixa vocal (critérios de inclusão), bem como passaram por vários critérios de exclusão, e mesmo assim as medidas pré-técnica de Jitt, RAP, vF0, ShdB, Shim, APQ, sAPQ, vAm e ATRI (Tabelas 2, 3 e 4) se apresentaram fora da normalidade pelos índices do programa, provavelmente pelas características da amostra de padronização utilizada pelo mesmo (poucos sujeitos com vozes normais e apenas americanos) 27. Mesmo com essa hipótese, optou-se por considerar a normativa do programa, uma vez que não foram encontrados estudos na literatura sobre padrões de normalidade de mulheres brasileiras utilizando-se medidas do MDVP. No entanto, atestando os efeitos do hiperagudo sobre a voz, mesmo que não estatisticamente significantes, verificou-se que as medidas que se apresentavam alteradas mostraram modificações e, de uma forma geral, aproximaram-se do intervalo de normalidade proposto pelo Threshold do MDVP após a execução da técnica.

É possível que em uma amostra maior, as tendências poderão apresentar resultados estatisticamente significantes.

As pesquisas com ênfase em medidas acústicas enriquecem a compreensão do processo de produção vocal e das características do sinal laríngeo e do sinal irradiado. Entretanto, é importante também aprofundar estudos sobre a avaliação perceptivo-auditiva da voz e a auto-análise de voz feita pelo sujeito, tanto em condições de análise inicial, quanto comparativas. Salienta-se, ainda, a importância e a necessidade de estudos que correlacionem as avaliações mencionadas entre si com as avaliações de imagem laríngea para maior entendimento das variáveis envolvidas na produção de voz.

CONCLUSÃO

No grupo estudado, a realização dos sons hiperagudos não resultou em modificações vocais acústicas estatisticamente significantes em todas as medidas testadas pelo MDVP.

Recebido em: 27/07/2008

Aceito em: 11/09/2009

Conflito de interesses: inexistente

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Nov 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Recebido
      27 Jul 2008
    • Aceito
      11 Set 2009
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