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Sintomas vocais e desvantagem vocal em adultos usuários de implante coclear

RESUMO

Objetivo:

investigar a presença de desvantagem vocal e sintomas vocais em usuários adultos de implante coclear e verificar sua correlação com a autoavaliação da qualidade vocal.

Métodos:

participaram 27 adultos com implante coclear de ambos os sexos com idade entre 19 e 57 anos. Foram aplicados os questionários de autoavaliação Índice de Desvantagem Vocal e Escala de Sintomas Vocais. Além disso, os participantes responderam uma questão sobre autopercepção vocal.

Resultados:

a pontuação média para o Índice de Desvantagem Vocal foi de 28,74 no total, e a pontuação média da Escala de Sintomas Vocais foi de 29,22. A correlação entre o Índice de Desvantagem Vocal e a questão de autopercepção vocal indicaram que ao passo que a percepção da voz piora, há maior desvantagem vocal em todos os domínios do questionário. Para a Escala de Sintomas Vocais houve correlação positiva e moderada entre a autopercepção vocal e a pontuação dos domínios limitação, emocional e a pontuação total.

Conclusão:

foi possível verificar presença de desvantagem e sintomas relacionados à voz, no que se refere a questões funcionais, orgânicas e de limitação na população estudada. Existe correlação positiva e moderada entre a pontuação dos questionários e a autoavaliação da qualidade vocal dos participantes.

Descritores:
Qualidade de Vida; Autoavaliação; Voz; Perda Auditiva; Implante Coclear

ABSTRACT

Purpose:

to investigate the presence of vocal symptoms and handicap in adults with cochlear implants, and verify the correlation with their self-perception of the voice quality.

Methods:

twenty-seven adults of both genders, with cochlear implants, in the age range of 19 to 57 years participated. The participants answered the self-assessment protocols Voice Handicap Index and Voice Symptom Scale. Furthermore, the participants answered an additional question about how they rated their voices.

Results:

for the Voice Handicap Index, the average score was 28.74, in total, and the average score for the Voice Symptom Scale was 29.22, in total. The correlation between the scores of the Voice Handicap Index and the self-perception of the voice showed that the worse the perception, the more handicap in every domain of the protocol. For the Voice Symptoms Scale, the results showed that there is a positive and moderate correlation between the self-perception of the voice and the total scores as well as for the impairment and emotional subscales.

Conclusion:

this study verified the presence of handicap and symptoms related to voice, mainly, regarding physical, functional and limitation aspects for the adults with cochlear implants. There is a positive and moderate correlation between the score of the protocols applied and self-evaluation of the vocal quality of the participants.

Keywords:
Quality of Life; Self-Assessment; Voice; Hearing Loss; Cochlear Implantation

Introdução

A deficiência auditiva pode causar comprometimento no convívio social do indivíduo, visto que interfere diretamente no desenvolvimento da linguagem, fala, comunicação interpessoal e aprendizagem, podendo prejudicar o desenvolvimento acadêmico e profissional da pessoa acometida11. Cacciatore F, Napoli C, Abete P, Marciano E, Triassi M, Rengo F. Quality of life determinants and hearing function in an elderly population: Osservatorio Geriatrico Campano Study Group. Gerontology. 1999;45(6):323-8.

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-33. Battaglini MP, Cecíla BM, de Souza DdG. Desempenho de seleção e nomeação de figuras em crianças com deficiência auditiva com implante coclear. Temas Psicol. 2012;20(1):189-202.. O Implante Coclear (IC) é um recurso efetivo que melhora diversos aspectos da qualidade de vida do deficiente auditivo. Atualmente mais de 100.000 mil pessoas no mundo são usuárias desse dispositivo44. Bernardes R. Implante coclear e sua elação com a identidadedo implantado: expectativas e possibilidades. In: Anais do VI Seminário Nacional de Educação Especial; V Encontro de Pesquisadores em educação especial e inclusão escolar; 2014; Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia: Centro de ensino, pesquisa, extensão e atendimento em educação especial; 2014..

Voz e audição estão intimamente relacionados. Ouvir é uma atividade complexa e elaborada que envolve desde a detecção de estímulos sonoros pelos órgãos periféricos até sua interpretação pelo sistema auditivo nervoso central. Portanto, pode-se dizer que a audição configura um fator importante para a manutenção de um padrão vocal adequado55. Buosi MMB. A interdependência entre habilidades auditivas e produção vocal. Fono Atual. 2002;5(20):53-7.. Por apresentar um papel primordial no desenvolvimento da comunicação oral, a audição torna-se essencial para o desenvolvimento do padrão de emissão vocal66. Prado AdC. Principais características da produção vocal do deficiente auditivo. Rev. CEFAC. 2007;9(3):404-10..

A produção vocal engloba todo um sistema que envolve respiração, fonte sonora, aspectos ressonantais, suprasegmentares e articulatórios77. Nunes RB, Souza AM, Duprat AeC, Silva MA, Costa RC, Paulino JG. Vocal tract analysis in patients with vocal fold nodules, clefts and cysts. Braz J Otorhinolaryngol. 2009;75(2):188-92., sendo que o monitoramento auditivo auxilia o indivíduo a controlar todos esses aspectos, incluindo duração, frequência fundamental e os formantes. É importante também na correlação e aprimoramento do controle neuromuscular dos órgãos envolvidos na produção vocal.

Considerando o indivíduo surdo, pode-se dizer que a perda auditiva é um impedimento para o desenvolvimento normal da voz, pois restringe o indivíduo na recepção desta e reduz a habilidade do falante de monitorar sua própria voz22. Cavadas M, Pereira LD, Behlau M. Disfonia infantil e processamento auditivo central. In: Valle MGM (org). Voz: diversos enfoques em fonoaudiologia. Rio de Janeiro: Revinter; 2002. p. 99-109.,88. de Souza LBR. Differences between vocal parameters of cochlear implanted children and children who use individual sound amplification device. Rev. CEFAC. 2013;15(3):616-21..

As características vocais de indivíduos com deficiência auditiva podem variar de acordo com o tipo, grau de severidade e natureza pré ou pós-lingual da perda auditiva99. Behlau M, Thomé R, Azevedo R, Rehder MI, Thomé DC. Disfonias congênitas. In: Behlau M (org). Voz: o livro do especialista. Vol II. 1 ed., São Paulo: Revinter; 2005. p. 1-50.. Alterações vocais citadas na literatura incluem tensão, soprosidade, monotonia, ausência de ritmo, potência diminuída, qualidade desagradável, rouquidão, cansaço vocal, pitch elevado, redução da gama tonal, loudness com excessiva variação, desequilíbrio ressonantal, padrão respiratório alterado, ataque vocal brusco e articulação ininteligível1010. Coelho AC, Bevilacqua MC, Oliveira G, Behlau M. Relação entre voz e percepção de fala em crianças com implante coclear. Pro Fono R. Atual. Cientif. 2009;21(1):7-12.. Dessa forma, a voz do paciente com IC merece atenção da Fonoaudiologia em termos de avaliação, intervenção e até mesmo autoavaliação.

A autoavaliação de um indivíduo sobre seu problema de voz é um meio utilizado para conhecer as principais desvantagens e sintomas em relação ao problema, verificar a efetividade de uma intervenção e desenvolver procedimentos diretivos para a prática clínica1111. Behlau M, Oliveira G, Santos LeM, Ricarte A. Validação no Brasil de protocolos de auto-avaliação do impacto de uma disfonia. Pro Fono R. Atual. Cientif. 2009;21(4):326-32.. A percepção do indivíduo a respeito da própria voz, bem como do impacto da alteração vocal em sua qualidade de vida complementa a percepção do clínico quanto o grau desta alteração1212. Ugulino AC, Olivera G, Behlau M. Disfonia na percepção do clínico e do paciente. J Soc Bras Fonoaudiol. 2012;24(2):113-8.. Em pacientes com IC, essa investigação pode influenciar na conduta terapêutica, na conscientização dos efeitos da alteração vocal e na constatação da eficácia do tratamento1313. Madeira FB, Tomita S. Voice Handicap Index Evaluation in patients with moderate to profound bilateral sensorineural hearing loss. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76(1):59-70.

14. Pinto MM. Idade no diagnóstico e no início da intervenção de crianças deficientes auditivas em um serviço público de saúde auditiva brasileiro. Arquivos IntOtorrinolaringol. 2012;16(1):44-9.
-1515. Costa FP, Yamasaki R, Behlau M. Influence of clinical context in characterization of severity of vocal deviation Influence of clinical context in characterization of severity of vocal deviation. Audiol Commun Res. 2014;19(1):69-74..

Dessa forma, a importância de se mapear a existência e a impressão de uma alteração vocal em implantados cocleares está em compreender sua perspectiva em relação a sua voz e ao impacto de uma alteração, bem como desenhar um plano terapêutico. Assim, o clínico pode acompanhar seu progresso, possibilitando maior chance de sucesso terapêutico e satisfação individual1616. Klodsinki D, Fadel CBXF, Costa FM, Santos RS, Rosa MdO, Dassie-Leire AP. Correlation between voice symptoms and auditory-perceptual evaluation of voice in dysphonic individuals. Audiol Commun Res. 2015;20(1):84-7.. Em pesquisa bibliográfica foi encontrado apenas um trabalho envolvendo essa temática1313. Madeira FB, Tomita S. Voice Handicap Index Evaluation in patients with moderate to profound bilateral sensorineural hearing loss. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76(1):59-70., onde o questionário Índice de desvantagem vocal foi aplicado numa população adulta com deficiência auditiva a partir de grau moderado em uso de aparelho de amplificação sonora individual.

Diante do exposto o objetivo do presente estudo é investigar a presença de desvantagem vocal e sintomas vocais em usuários adultos de implante coclear e verificar a sua correlação com a autoavaliação da qualidade vocal.

Métodos

O projeto desta pesquisa foi encaminhado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Centro Universitário do Distrito Federal - UDF via Plataforma Brasil, CAAE: 50409715.3.0000.5650.

Os participantes foram contatados por telefone, e-mail e redes sociais para participar do estudo e, se de acordo, receberam a carta de informação e o Termo de Consentimento Livre Esclarecido sobre o trabalho e a garantia de sigilo quanto a quaisquer informações da identificação, segundo orientações da Resolução 169 de 10 de outubro de 1996 do Conselho Nacional de Saúde.

Participaram 27 adultos de ambos os sexos, com idade entre 19 e 57 anos, com deficiência auditiva de origem pré-lingual ou pós-lingual, de grau severo a profundo, usuários de IC. Não houve diferenciação quanto ao tempo de instalação da deficiência auditiva, uso unilateral ou bilateral do implante, uso de aparelho de amplificação sonora individual contralateral, limiares auditivos com o dispositivo ou quaisquer outras variáveis, visto que o objetivo deste estudo foi conhecer o perfil de desvantagem e sintomas vocais da população implantada em geral.

Os critérios de inclusão para participação neste estudo foram: ter idade entre 18 e 60 anos; habilidade de leitura e compreensão das questões; ausência de comprometimentos de natureza intelectual ou emocional; participação em programa de reabilitação no serviço de origem; e experiência auditiva com o IC há pelo menos um ano. Já os critérios de exclusão foram: uso atual ou pregresso de cigarro; consumo diário de bebidas alcoólicas; uso profissional da voz; e histórico de alteração laríngea.

Todos os participantes responderam aos questionários de autoavaliação Índice de Desvantagem Vocal (IDV)1717. Behlau M, Alves dos Santos LeM, Oliveira G. Cross-cultural adaptation and validation of the voice handicap index into Brazilian Portuguese. J Voice. 2011;25(3):354-9. e Escala de Sintomas Vocais (ESV)1818. Moreti F, Zambon F, Oliveira G, Behlau M. Cross-cultural adaptation, validation, and cutoff values of the Brazilian version of the Voice Symptom Scale-VoiSS. J Voice. 2014;28(4):458-68..

O Índice de Desvantagem Vocal (IDV) é um protocolo que mede o quanto um problema de voz traz prejuízos na vida do indivíduo e avalia os aspectos incapacidade, desvantagem e defeito vocal. Possui 30 questões que englobam três domínios: funcional, orgânico e emocional. A pontuação é calculada por meio de somatório simples e pode variar de 0 a 120. Quanto maior o valor, maior a desvantagem vocal.

Já a escala de Sintomas Vocais ESV traz informações de funcionalidade, impacto emocional e sintomas físicos que um problema de voz pode acarretar na vida do indivíduo. Consta de 30 questões, sendo 15 referentes ao domínio limitação (funcionalidade), oito ao domínio emocional (efeito psicológico) e sete ao domínio físico (sintomas orgânicos).

Os questionários foram respondidos num único encontro pelo próprio participante após orientações de preenchimento dadas pelos pesquisadores. Foi enfatizado que as questões deveriam ser respondidas considerando unicamente a voz e não outros aspectos como habilidades auditivas, fala e linguagem. Além disso, os participantes responderam à seguinte questão de autopercepção vocal: “Circule como você avalia sua voz”. Os participantes avaliaram suas vozes como excelente (1), muito boa (2), boa (3), razoável (4) ou ruim (5).

A pontuação dos questionários foi tabulada e submetida à análise estatística descritiva e correlação da autopercepção vocal com a pontuação dos questionários (pontuação total e pontuação por domínio). Para apresentação dos dados dos questionários, foi realizada estatística descritiva com os valores de média, mediana, moda, desvio padrão (DP) e variância. Para estudar a correlação entre as variáveis numéricas foi utilizado o coeficiente de correlação de Spearman para dados não paramétricos. Foi adotado o nível de significância de 5% e a seguinte escala de correlação positiva e negativa1919. Franzblau AN. A primer of statistics for non-statisticians. Compant HB, editor. New York;1958.:

  • <0,2: correlação negligenciável

  • 0,2 a 0,4: correlação fraca

  • 0,4 a 0,6: correlação moderada

  • 0,6 a 0,8: correlação forte

  • 0,8: correlação muito forte

Resultados

Foram avaliados 27 adultos de 19 a 57 anos, sendo 10 do sexo feminino (37,04%) e 17 do sexo masculino (62,96%). A idade média dos respondentes foi de 37,6 anos, sendo a idade média entre as mulheres de 34,6 anos e entre os homens de 39,3 anos. Os valores médios da pontuação bem como os demais resultados medidas de tendência central do IDV e ESV são apresentados na Tabela 1.

Tabela 1:
Valores descritivos das pontuações dos protocolos de autoavaliação Índice de Desvantagem Vocal e Escala de Sintomas Vocais em usuários adultos de implante coclear

Para a autopercepção vocal 5 (18,5%) participantes avaliaram suas vozes como excelentes, 5 (18,5%) avaliaram suas vozes como muito boas, 13 (48,1%) como boas, 3 (11,1%) como razoáveis e 1 (3,7%) como ruim.

Sobre a distribuição da pontuação total do IDV em relação às respostas da pergunta sobre autopercepção vocal, verificou-se que os participantes que consideraram suas vozes “excelentes” apresentaram pontuação reduzida no IDV, sugerindo pouca ou nenhuma desvantagem vocal. Houve também grande variação na pontuação do IDV para os participantes que consideraram suas vozes muito boas. Destaca-se ainda que apenas 1 participante avaliou sua voz como ruim e que esse participante apresentou pontuação elevada no questionário (Figura 1).

Figura 1:
Distribuição da pontuação do Índice de Desvantagem Vocal total segundo a questão sobre autopercepção vocal

Sobre a distribuição da pontuação total da ESV em relação às respostas da pergunta sobre autopercepção vocal, verificou-se uma distribuição uniforme dos respondentes em todas as categorias da autopercepção vocal. Na opção 5 da escala de autopercepção vocal há um traço, pois uma única pessoa avaliou sua voz como “ruim”. As opções ‘1’, ‘2’ e ‘3’ apresentam outliers, que são sujeitos para os quais o resultado fugiu do padrão dos demais (Figura 2).

Figura 2:
Distribuição da pontuação total da Escala de Sintomas Vocais segundo a questão adicional sobre autopercepção vocal

Para a correlação entre a autopercepção vocal com a pontuação dos questionários foi utilizado o coeficiente de Spearman. Os resultados indicaram que há correlação positiva moderada entre a autopercepção vocal e a pontuação do IDV. Ao passo que a autopercepção da voz piorou, houve maior desvantagem vocal em todos os domínios do IDV (Tabela 2).

Tabela 2:
Correlação entre escores do protocolo Índice de Desvantagem Vocal e autopercepção vocal de usuários adultos de implante coclear

Referente aos resultados do coeficiente de Spearman para a correlação entre a autopercepção vocal com a pontuação da ESV, houve correlação positiva e moderada entre a autopercepção vocal e pontuação total da ESV, a subescala limitação e a subescala emocional. Não houve resultado estatisticamente significante para a correlação entre a autopercepção vocal e o domínio físico da ESV (Tabela 3).

Tabela 3:
Correlação entre escores da Escala de Sintomas Vocais e autopercepção vocal de usuários adultos de implante coclear

Discussão

A voz é um instrumento muito importante para a comunicação oral humana, e devido à falta de monitoramento auditivo, deficientes auditivos tem a percepção da produção vocal prejudicada66. Prado AdC. Principais características da produção vocal do deficiente auditivo. Rev. CEFAC. 2007;9(3):404-10., causando diversos desvios na qualidade vocal. A literatura demonstra grande interesse em desenvolver e utilizar medidas de resultados baseadas na opinião do paciente, tais como os índices de qualidade de vida e de desvantagem, pois tentam captar a percepção do paciente com relação a sua voz1717. Behlau M, Alves dos Santos LeM, Oliveira G. Cross-cultural adaptation and validation of the voice handicap index into Brazilian Portuguese. J Voice. 2011;25(3):354-9..

Este estudo investigou os sintomas vocais e desvantagem vocal em adultos usuários de IC, e analisou se existe correlação entre esses sintomas/desvantagem com sua autopercepção da qualidade vocal.

A Tabela 1 referente às medidas de tendência central mostra pontuação média de 28,74 para o IDV e 29,22 para o ESV. O estudo que validou o IDV1111. Behlau M, Oliveira G, Santos LeM, Ricarte A. Validação no Brasil de protocolos de auto-avaliação do impacto de uma disfonia. Pro Fono R. Atual. Cientif. 2009;21(4):326-32.,1717. Behlau M, Alves dos Santos LeM, Oliveira G. Cross-cultural adaptation and validation of the voice handicap index into Brazilian Portuguese. J Voice. 2011;25(3):354-9.) no Brasil encontrou na população com problemas vocais a média de 48,1 no total; 12 para o domínio funcional; 22,2 para o orgânico; e 13,9 para o domínio emocional, sendo que 52% da população avaliou sua voz como ruim e 48% avaliou como razoável. Em estudo posterior2020. Moreti F, Zambon F, Behlau M. Voice symptoms and vocal deviation self-assessment in different types of dysphonia. CoDAS. 2014;26(4):331-3., foi determinado o valor de corte de 19 pontos para o escore total deste instrumento, discriminando a pontuação apresentada por indivíduos saudáveis e indivíduos com problemas vocais.

Dessa forma, embora seja uma comparação empírica, pode-se inferir que a população usuária de IC estudada apresenta menos desvantagem vocal do que a população com problemas vocais em geral, porém apresenta pontuação que sugere desvantagem vocal em relação à população sem problemas vocais, já que a pontuação média ultrapassou o valor de corte que indica ausência de desvantagem vocal.

Já o estudo de validação da ESV1818. Moreti F, Zambon F, Oliveira G, Behlau M. Cross-cultural adaptation, validation, and cutoff values of the Brazilian version of the Voice Symptom Scale-VoiSS. J Voice. 2014;28(4):458-68. encontrou valor de corte de 16 pontos para discriminar indivíduos disfônicos de indivíduos com vozes saudáveis. A pontuação média dos indivíduos com problemas vocais foi de 30,12 para a subescala limitação; 8,85 para sintomas emocionais; 10,46 para os sintomas físicos e 49,43 no total. Dessa forma, assim como para o IDV, sugere-se que os usuários de IC estudados têm menor índice de sintomas vocais do que a população disfônica, porém apresenta pontuação que sugere sintomas vocais além do que é considerado normal.

Os domínios onde a população deste estudo apresentou maior pontuação foram os domínios funcional e orgânico no IDV, e no domínio limitação para a ESV. Dessa forma sugere-se que a população com IC nota certo grau de dificuldade referente ao uso vocal no dia-a-dia e a sintomas físicos ou orgânicos, o que pode ser decorrente do uso incorreto da voz, ou questões orgânicas, porém essas dificuldades não causam impacto emocional2121. Deary IJ, Wilson JA, Carding PN, MacKenzie K. VoiSS: a patient-derived Voice Symptom Scale. J Psychosom Res. 2003;54(5):483-9..

Neste trabalho houve correlação positiva moderada entre os questionários de autoavaliação e a autopercepção da voz. Ressalta-se que a autopercepção da qualidade vocal pode ser influenciada pela personalidade e fatores psicológicos2222. Kasama ST, Brasolotto AG. Percepção vocal e qualidade de vida. Pro Fono R. Atual. Cientif. 2007;19(1):19-28., além de fatores auditivos e cinestésicos2323. do Carmo RD, Camargo Z, Nemr K. Relação entre qualidade devida e auto-percepção da qualidade vocal de pacientes laringectomizados totais: estudo piloto. Rev. CEFAC. 2006;8(4):518-28.. Em ambos os estudos de validação1717. Behlau M, Alves dos Santos LeM, Oliveira G. Cross-cultural adaptation and validation of the voice handicap index into Brazilian Portuguese. J Voice. 2011;25(3):354-9.,1818. Moreti F, Zambon F, Oliveira G, Behlau M. Cross-cultural adaptation, validation, and cutoff values of the Brazilian version of the Voice Symptom Scale-VoiSS. J Voice. 2014;28(4):458-68.) a pontuação dos questionários aumenta à medida que a autopercepção vocal dos indivíduos piora o que também ocorreu com a população deste trabalho.

Um estudo que avaliou desvantagem vocal em deficientes auditivos1313. Madeira FB, Tomita S. Voice Handicap Index Evaluation in patients with moderate to profound bilateral sensorineural hearing loss. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76(1):59-70. com diferentes graus de perda auditiva também evidenciou queixas vocais nessa população. O estudo comparou os resultados da população de deficientes auditivos e ouvintes e encontrou grande variabilidade nas respostas, mas houve diferença estatisticamente significante em todos os domínios do IDV, sugerindo que alterações de voz decorrentes da surdez afetam aspectos funcionais, orgânicos e emocionais. Desta forma, os autores consideraram que sintomas de um problema de voz incluem não apenas quadros de rouquidão ou astenia da voz, por exemplo, mas também outras questões como a falta de monitoramento auditivo da voz que influencia na sua produção, e consequentemente na vida desses pacientes no que se refere ao uso vocal em situações do dia-a-dia.

O IC traz benefícios globais na percepção auditiva, e consequentemente na linguagem receptiva e expressiva, incluindo a melhora da qualidade vocal. Proporciona monitoramento auditivo e com isso melhora a produção vocal e consequentemente na qualidade de vida do usuário, desde que esteja em bom funcionamento e o paciente bem adaptado. Há relatos sobre melhora das medidas de ruído e de perturbação, do controle fonatório, da frequência fundamental, de parâmetros de rugosidade e tensão, e do pitch2424. Coelho AC, Brasolotto AG, Bevilacqua MC. Análise sistemática dos benefícios do uso do implante coclear na produção vocal. J Soc Bras Fonoaudiol. 2012;24(4):395-402..

Um estudo realizado com crianças com audição normal e com IC2525. de Souza LB, Bevilacqua MC, Brasolotto AG, Coelho AC. Cochlear implanted children present vocal parameters within normal standards. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2012;76(8):1180-3. mostrou que crianças implantadas matriculadas em programas de reabilitação podem apresentar características vocais semelhantes às características vocais de crianças com a audição normal, uma vez que os parâmetros de voz podem ser melhorados por meio da experiência auditiva, fornecidos pelo monitoramento auditivo favorecido pelo dispositivo.

Entretanto, ainda com o uso do IC, deve-se levar em conta que alguns usuários, principalmente os pré-linguais, podem não conseguir perceber uma alteração, uma vez que sempre apresentaram modelo vocal inadequado. Isso não ocorre com a população ouvinte disfônica que possui a experiência de um modelo vocal adequado.

Um dado que chamou a atenção foi referente à pontuação das questões sobre o uso do telefone no IDV e na ESV. Para a pergunta “você tem dificuldade para falar ao telefone?” da ESV somando a pontuação de “às vezes”, “quase sempre” e “sempre” obteve-se um total de 66,6% de respostas positivas. No IDV, somando a pontuação de “às vezes”, “quase sempre” e “sempre” da questão “uso menos o telefone do que eu gostaria” obteve-se um total de 85,1% de respostas positivas. Embora tenham sido orientadas a não levar em consideração o problema auditivo, essas questões foram as que tiveram maior pontuação, sugerindo que os participantes da pesquisa, apresentam dificuldades para falar ao telefone, pois o seu interlocutor pode não compreender com clareza o que é falado devido a desvios na produção vocal.

Outro achado relevante foi que dois participantes deste estudo apresentaram padrão de respostas distintas dos demais participantes (Figura 1 e Figura 2), pois obtiveram pontuações elevados nos questionários e autopercepção vocal ruim. Dessa forma pode-se questionar se esses indivíduos conseguem diferenciar voz de fala, se têm bons resultados com o IC, se receberam intervenção fonoaudiológica adequada, ou ainda se possuem alguma alteração laríngea que justifique a alteração vocal.

Este estudo limitou-se à aplicação dos questionários e da questão sobre autopercepção da voz, porém essa temática é digna de aprofundamento. Além da aplicação dos questionários, estudo futuros podem realizar a correlação da pontuação com a avalição perceptiva e/ou acústica da voz, por exemplo e levar em consideração as variáveis inerentes a perda auditiva.

A atuação fonoaudiológica para pessoas implantadas tem enfoque predominante na reabilitação auditiva66. Prado AdC. Principais características da produção vocal do deficiente auditivo. Rev. CEFAC. 2007;9(3):404-10.. Entretanto, é importante os fonoaudiólogos pensarem também na voz do usuário de IC, tanto pelas características vocais descritas na literatura quanto pela presença, ainda que discreta, de desvantagem vocal e sintomas vocais, como observado neste estudo.

Conclusão

Foi possível verificar presença de desvantagem e sintomas relacionados a voz, principalmente do que se refere a questões funcionais, orgânicas e de limitação na população adulta usuária de IC. Existe correlação positiva e moderada entre a pontuação dos questionários aplicados e a autoavaliação da qualidade vocal dos participantes. Dessa forma, este estudo conclui que adultos com IC tem poucos prejuízos autorreferidos em relação à voz. Ainda assim há necessidade de ações preventivas, conscientização, orientação e reabilitação vocal para essa população.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    03 Out 2018
  • Aceito
    01 Mar 2019
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