Open-access 25 anos de cuidados com a voz profissional: avaliando ações

25 years of professional voice care: analyzing the actions

Resumos

OBJETIVO: analisar as informações adquiridas por profissionais da voz em ações preventivas e verificar o impacto destas para a saúde vocal. MÉTODOS: participaram 100 profissionais da voz, de ambos os sexos, entre 16 e 55 anos, sendo professores, locutores, cantores, atores e operadores de tele-serviços. Os sujeitos estudados responderam a um questionário sobre cuidados com a voz, a proveniência das orientações recebidas e a aplicação das mesmas e, ainda, a qualificação destas quanto sua eficácia. RESULTADOS: as informações mais citadas, a partir das orientações recebidas foram: hidratação, apontada por 66% (N=66) dos sujeitos e o consumo de maçã citado por 32% (N=32), não sendo, no entanto, as mais apontadas como utilizadas pelo grupo estudado. Os exercícios de aquecimento vocal são utilizados por todos os sujeitos que os referiram (12%), sendo mais praticados pelos cantores. Para 66% dos sujeitos as informações e orientações foram recebidas de diversas fontes profissionais, enquanto que 34% referiram o fonoaudiólogo. Os sujeitos que referiram seguir as orientações sobre os cuidados com a voz (58%, N=58) afirmaram observar melhora na qualidade vocal. CONCLUSÃO: o relevante desconhecimento por parte dos profissionais da voz estudados em relação aos cuidados com a saúde vocal pode ser atribuído a pouca importância dada à saúde preventiva. No entanto, os sujeitos que afirmaram seguir as orientações recebidas confirmam melhoras na voz. Conclui-se que o fonoaudiólogo pode ser considerado como referência de orientação, quando comparado com os diferentes seguimentos de profissionais.

Voz; Prevenção Primária; Qualidade da Voz; Saúde Pública


PURPOSE: to analyze the information acquired by voice professionals in preventive speech actions and check their impact in relation to vocal health. METHODS: 100 voice professionals took part in this study, men and women, between 16 and 55-year old, including teachers, announcers, singers, actors and telemarketing operators. The studied subjects answered a questionnaire on how to take care of voice, origin of received guidance and its application, and how the interviewed subjects qualify its effectiveness. RESULTS: the most cited information, considering the received guidance, was: hydration of vocal cords by 66% (N=66) of the subjects and consumption of apple by 32% (N=32) of the subjects, however, they were not the most used by them. Voice warm up exercises were used by 12% of all those that had cited them, being mostly practiced by the singers. For 66% of the subjects, the information and guidance were received from other professionals while 34% got them from the speech therapists. And 58% (N= 58) of the people who closely followed the guidance steps affirmed having noted an improvement in their voice quality. CONCLUSION: the relevant lack of knowledge on the part of the studied voice professionals in relation to the cares with the vocal health can be attributed to the little importance given to preventive speech actions. However, the subjects that affirmed following the received guidance confirmed improvements in voice quality. We may conclude that speech therapists can be considered as guidance reference when compared with different segments of professionals.

Voice; Primary Prevention; Voice Quality; Public Health


VOZ

ARTIGO ORIGINAL

25 anos de cuidados com a voz profissional: avaliando ações

25 years of professional voice care: analyzing the actions

Kelly Hitomi UedaI; Leila Zambuze dos SantosII; Iara Bittante de OliveiraIII

IFonoaudióloga; Clínica Kelly Ueda; Especialização em Voz pelo CEFAC - Saúde e Educação

IIFonoaudióloga; Clínica Leila Zambuze; Especialização em Voz pelo CEFAC - Saúde e Educação

IIIFonoaudióloga; Professora da Pontifícia Universidade Católica de Campinas; Doutora pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas - SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rua Joaquim Moreira, 333 Guarulhos - SP CEP: 07022-060 Tel: (11) 2475-1638/ (11) 8398-1696 E-mail: kelly.ueda@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: analisar as informações adquiridas por profissionais da voz em ações preventivas e verificar o impacto destas para a saúde vocal.

MÉTODOS: participaram 100 profissionais da voz, de ambos os sexos, entre 16 e 55 anos, sendo professores, locutores, cantores, atores e operadores de tele-serviços. Os sujeitos estudados responderam a um questionário sobre cuidados com a voz, a proveniência das orientações recebidas e a aplicação das mesmas e, ainda, a qualificação destas quanto sua eficácia.

RESULTADOS: as informações mais citadas, a partir das orientações recebidas foram: hidratação, apontada por 66% (N=66) dos sujeitos e o consumo de maçã citado por 32% (N=32), não sendo, no entanto, as mais apontadas como utilizadas pelo grupo estudado. Os exercícios de aquecimento vocal são utilizados por todos os sujeitos que os referiram (12%), sendo mais praticados pelos cantores. Para 66% dos sujeitos as informações e orientações foram recebidas de diversas fontes profissionais, enquanto que 34% referiram o fonoaudiólogo. Os sujeitos que referiram seguir as orientações sobre os cuidados com a voz (58%, N=58) afirmaram observar melhora na qualidade vocal.

CONCLUSÃO: o relevante desconhecimento por parte dos profissionais da voz estudados em relação aos cuidados com a saúde vocal pode ser atribuído a pouca importância dada à saúde preventiva. No entanto, os sujeitos que afirmaram seguir as orientações recebidas confirmam melhoras na voz. Conclui-se que o fonoaudiólogo pode ser considerado como referência de orientação, quando comparado com os diferentes seguimentos de profissionais.

Descritores: Voz; Prevenção Primária; Qualidade da Voz; Saúde Pública

ABSTRACT

PURPOSE: to analyze the information acquired by voice professionals in preventive speech actions and check their impact in relation to vocal health.

METHODS: 100 voice professionals took part in this study, men and women, between 16 and 55-year old, including teachers, announcers, singers, actors and telemarketing operators. The studied subjects answered a questionnaire on how to take care of voice, origin of received guidance and its application, and how the interviewed subjects qualify its effectiveness.

RESULTS: the most cited information, considering the received guidance, was: hydration of vocal cords by 66% (N=66) of the subjects and consumption of apple by 32% (N=32) of the subjects, however, they were not the most used by them. Voice warm up exercises were used by 12% of all those that had cited them, being mostly practiced by the singers. For 66% of the subjects, the information and guidance were received from other professionals while 34% got them from the speech therapists. And 58% (N= 58) of the people who closely followed the guidance steps affirmed having noted an improvement in their voice quality.

CONCLUSION: the relevant lack of knowledge on the part of the studied voice professionals in relation to the cares with the vocal health can be attributed to the little importance given to preventive speech actions. However, the subjects that affirmed following the received guidance confirmed improvements in voice quality. We may conclude that speech therapists can be considered as guidance reference when compared with different segments of professionals.

Keywords: Voice; Primary Prevention; Voice Quality; Public Health

INTRODUÇÃO

Em algumas profissões, a voz é essencial para uma comunicação eficaz para viabilização do trabalho, influente na expressão de significados e enriquecimento do discurso. Os cuidados com a voz profissional falada são mencionados desde o começo do século, passado aos indivíduos por profissionais pertencentes às mais diversas áreas, muito antes do reconhecimento da profissão Fonoaudiologia no país, o qual ocorreu em 09/12/1981 1,2.

Profissionais da voz sempre existiram, oradores famosos são citados desde a Grécia Antiga e os ensinamentos de técnica vocal são praticados há séculos. Em todas as grandes épocas da história da civilização havia o teatro e o canto, e com eles o cultivo da voz 2. Surge, assim, o termo "Profissionais da Voz", que se aplica àqueles que a utilizam, de maneira continuada, e procuram por meio de um modo de expressão elaborada atingir um público específico 2,3.

Dependendo da atividade profissional exercida, carga horária excessiva, condições de trabalho adversas, grande interferência em nível biológico, emocional e ambiental, como ruído, poluição e temperatura, a voz, muitas vezes, prejudica-se pelo mau uso e/ou abuso do aparelho fonador, podendo apresentar alterações e patologias, mesmo em não profissionais da voz 4,5. Como conseqüência, há a procura desses profissionais à clínica fonoaudiológica a fim de solucionar algum distúrbio já instalado, quando a disfonia passa a comprometer seu desempenho profissional 4,6. Assim, recomendações de higiene vocal são importantes por referirem-se à prevenção de problemas que podem afetar a voz, não se limitando somente aos cuidados com o aparato vocal, mas também com outros órgãos e funções que podem intervir indiretamente no trato vocal 2,7.

Muitos profissionais da voz não observam certos princípios básicos desse tipo de higiene. Esses indivíduos deveriam ter em mente uma série de preocupações para evitar irritações e desgaste inútil das pregas vocais 8. Estudo com operadores de telemarketing revela que mudanças em fatores de risco como fumo, uso excessivo de medicamentos, problemas respiratórios e sedentarismo, são necessárias, não apenas a diminuição da demanda vocal 9.

Dentre os cuidados de higiene vocal mais citados pela literatura estão: evitar chocolate, cafeína, ar condicionado, mudança brusca de temperatura, poluição, abuso vocal, pigarrear, tossir, alguns medicamentos, fumo, álcool, drogas ilícitas, falar durante exercícios físicos, discussões freqüentes, roupas apertadas, falar em ambientes ruidosos, falar excessivamente durante quadros gripais ou crises alérgicas, falar ou cantar abusivamente em período pré-menstrual, cantar inadequadamente ou abusivamente e fazer parte de corais sem fazer preparo vocal e riso em alta intensidade. São aconselhados: a ingestão de maçã, salsão, frutas cítricas e hidratação; cuidar da saúde em geral (sono, alimentação, etc.); controlar o estresse 2,10,11.

Cabe à Fonoaudiologia realizar atividades preventivas de saúde vocal por meio de campanhas, como "Dia Mundial da Voz" 12, realizar assessorias, cursos e palestras, com intuito de alertar pessoas que utilizam a voz profissionalmente para os sinais e sintomas de alterações vocais, e fornecer informações sobre higiene vocal 13,14.

A prevenção em Fonoaudiologia vem se tornando mais freqüente, com o surgimento de novas propostas de trabalho e experiências englobando ações com o objetivo de interceptar o processo da doença fonoaudiológica, enfatizando a prevenção da saúde e proteção específica (determinada patologia ou de um grupo específico dela, antes que os indivíduos sejam atingidos). A Fonoaudiologia tem um importante papel a desempenhar na intersecção entre as áreas educacionais e da saúde 15,16.

Essas ações têm como objetivo construir conhecimentos básicos sobre anatomia e fisiologia da fonação; vivenciar a construção de conhecimentos sobre higiene vocal; fornecer subsídios teórico-práticos que permitam a incorporação de padrões vocais adequados, atividades para aquecimento e desaquecimento vocal; identificar indivíduos com queixas e manifestações de distúrbios vocais e encaminhá-los para o atendimento especializado necessário 17.

A Fonoaudiologia necessita de estudos e pesquisas que visem compreender o uso profissional da voz para buscar estratégias efetivas no auxílio preventivo e terapêutico 14.

O objetivo deste estudo foi verificar que orientações pessoas que utilizam a voz profissionalmente têm recebido em ações preventivas, identificandose a fonte profissional que as forneceu e seus possíveis impactos na saúde vocal.

MÉTODOS

Participaram deste estudo 100 profissionais da voz, sendo 65 (65%) mulheres e 35 (35%) homens, pertencentes à faixa etária entre 16 e 55 anos. Dentre as profissões, 44 (44%) eram professores de ensino infantil, fundamental, médio, universitário e de academias; 10 (10%) cantores de coral, líricos e populares; 22 (22%) atores de teatro; 11 (11%) locutores de rádio; e 13 (13%) operadores de tele-serviços.

Como critérios de inclusão todos os sujeitos deveriam já ter participado e/ou assistido a orientações em alguma campanha de prevenção, curso ou palestra sobre orientação e cuidados com a voz, não tendo realizado terapia fonoaudiológica. Esses profissionais foram escolhidos aleatoriamente nas cinco regiões (norte, sul, leste, oeste e centro) das cidades de São Paulo e de Guarulhos, estado de São Paulo. Todos participantes assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Foi aplicado um questionário impresso pelas pesquisadoras que permitiu levantar dados relativos aos cuidados com a voz, a proveniência dessas orientações, bem como a adesão às mesmas e se houve resultados positivos (Figura 1). As questões abordaram os seguintes aspectos: profissão, idade, auto-referência da voz como saudável ou não, participação em campanhas de prevenção da saúde vocal, que informações foram recebidas nessas campanhas, utilização ou não dessas orientações em sua rotina e qual o efeito destas na qualidade da voz, caso houvesse as utilizado.


Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do CEFAC - Saúde e Educação, protocolo de Nº 110/05.

Os resultados foram analisados por meio da aplicação do Teste de Igualdade de Duas Proporções, que compara se a proporção de respostas de duas determinadas variáveis e/ou seus níveis é estatisticamente significante. Foi definido para este trabalho um nível de significância de 0,05 (5%) e realizada a comparação dos percentuais inter-grupos, uma vez que, para cada resposta, foram comparados os percentuais dos profissionais, e também intra-grupos, quando se comparam as resposta para cada um dos grupos de profissionais (professores, cantores, locutores, operadores de tele-serviços e atores). Vale lembrar que os percentuais foram calculados para o total de cada categoria profissional.

RESULTADOS

A distribuição dos profissionais pode ser observada na Tabela 1. A média de idade do grupo estudado foi de 30,5 anos. Houve diferença estatisticamente significante entre cantores, operadores de tele-serviços e professores segundo o sexo, sendo que a maior porcentagem de mulheres faz parte do grupo "cantores" (90%, N=9), porém não havendo diferença estatisticamente significante quanto ao percentual de "professor" (84%, N=37).

Verificou-se que 61 sujeitos (61%) consideraram sua voz saudável, e que destes, 21 são professores (34,4%), 19 atores de teatro (31,1%), nove cantores (14,8%), oito locutores (13,1%) e quatro operadores de tele-serviços (6,6%). Os demais, 39 profissionais, não definiram suas vozes como saudáveis.

Quanto à questão que verificou a proveniência das orientações sobre saúde vocal percebe-se, conforme a Tabela 2, que os atores, em sua maioria (59,1%, N=13), referiram ter recebido informações do que chamaram "professores de voz" e para 36,4% destes (N=8) a fonte de orientação foi o fonoaudiólogo. Mediante o teste aplicado, verificou-se que não existiu uma diferença estatisticamente significante entre eles (p=0,131). No entanto, quando relacionados ao conjunto das demais fontes de orientação, tais como professores de canto, otorrinolaringologistas e ainda os que não referiram a fonte de informação, afirmando "ouvir falar" foi encontrada significância estatística. O mesmo ocorreu entre os cantores, em que 60% (N=6) afirmaram ter recebido as informações sobre cuidados vocais de professores de voz e o restante (40%, N=4), de fonoaudiólogos, não apresentando uma diferença estatisticamente significante entre eles (p=0,371), mas com diferença entre os demais.

Já a maioria dos locutores recebeu as informações de fonoaudiólogos (81,8%, N=9), possuindo resultado estatisticamente significante (p<0,001). A maior parte dos operadores de tele-serviços não identificou a fonte de orientação, referindo que "ouviu falar" (92,3%, N=12), também com uma diferença estatística significativa entre eles (p<0,001). Da mesma forma, a maioria dos professores (68,2%, N=30) afirmou que "ouviu falar", enquanto que apenas 25% (N=11) disseram ter recebido as informações por fonoaudiólogos com uma diferença estatisticamente significante em relação aos demais.

Em relação à análise inter-grupos de profissionais, quem recebeu a maioria das informações pelos fonoaudiólogos foi o grupo de locutores radialistas (81,8%, N=9), sendo estatisticamente significante (p<0,001) em relação aos professores e operadores de tele-serviços.

Os grupos de cantores e atores foram os que mais receberam as orientações por meio de professores de voz, 60% (N=6) e 59,1% (N=13) respectivamente, não apresentando diferença estatística entre eles, mas com diferença entre os demais grupos de profissionais. Pelos médicos otorrinolaringologistas, foram os professores em sua totalidade (N=2), porém não houve diferença estatística em relação às demais profissões. Finalmente, "ouviram falar" os operadores de tele-serviços (92,3%, N=12), os professores (68,2%, N=30) e locutores (18,2%, N=2), porém apenas os valores de operadores e professores foram estatisticamente significantes.

Dessa forma, observa-se que o fonoaudiólogo apresentou diferença estatisticamente significante quanto a ser fonte de orientação na categoria dos locutores quando comparado aos demais orientadores, em que o profissional de Fonoaudiologia é citado prioritariamente.

Em relação ao grupo dos operadores de tele-serviços também apresentou valor significativo a não citação de uma fonte de orientação, "ouviu falar". E sobre o grupo dos professores, observa-se diferença estatisticamente significante os que afirmaram "ouvir falar". Foi ainda significante para o grupo de cantores a fonte de orientação professores de canto. Nos demais, não houve diferença estatística.

As orientações mais apontadas, as quais se encontram apresentadas na Tabela 3 foram: hidratação, comer maçã, exercícios de respiração, exercícios de projeção, evitar gelado e exercícios de aquecimento vocal. A hidratação foi referida por 66 sujeitos (66%), sendo 35 professores, 12 operadores de tele-serviços, nove cantores, sete atores e três locutores. Dessa forma, apenas o valor apresentado pelo grupo locutor não foi estatisticamente significante (p=0,789). O consumo de maçã foi indicado por 32 pessoas (32%), sendo 12 operadores de tele-serviços, 11 professores, sete atores e dois cantores, o que mostra apenas que o valor de operadores de tele-serviços apresenta significância estatística (p<0,001). Enquanto que os exercícios de respiração foram citados por 12 atores, cinco professores, dois cantores e dois locutores, totalizando 21 profissionais (21%), o que indica que os valores de todos os profissionais foram estatisticamente significantes. O mesmo ocorreu com os exercícios de projeção da voz, sendo que foram relatados por nove atores, cinco cantores, um locutor e um operador de tele-serviços no total de 16 sujeitos (16%). Na orientação de evitar gelado, referida por 13 profissionais, sendo cinco locutores, três atores, três cantores e dois professores, apenas o grupo de locutores obteve valor estatisticamente significante. Por fim, nos exercícios de aquecimento vocal, citados por cinco atores, três cantores, três locutores e um professor, houve relação estatística significativa apenas em relação ao grupo operador de tele-serviços, por este grupo não ter citado este exercício.

Na comparação intra-grupos, observa-se que dentre os atores houve uma diferença estatisticamente significante (p<0,001) entre os que relataram os exercícios de respiração quando comparados aos exercícios de aquecimento e evitar gelado, e os que relataram exercícios de projeção quando comparados ao item evitar gelado. Dentre os cantores, a hidratação, que foi a mais referida por eles, apresenta significância entre todas as demais orientações. No grupo dos locutores, o item evitar gelado foi estatisticamente significante em relação ao con-sumo de maçã. Já no grupo dos operadores de tele-serviços as orientações mais citadas foram a hidratação e consumo de maçã, sem relação significante entre elas, mas com uma diferença estatisticamente significante entre as demais informações (p<0,001). Finalmente no grupo dos professores, observa-se a hidratação com p<0,001 relacionada aos outros itens citados.

Outras orientações ainda foram apontadas em menores valores, como evitar: álcool, gritar, fumar, ingestão de derivados do leite, cafeína, pigarrear; e realizar exercícios relacionados ao relaxamento, postura, entonação e articulação, entre outros.

Do total, 56 (56%) relataram utilizar todas essas informações, enquanto que seis (6%) não as utilizam e 31 (31%) algumas. As orientações mais utilizadas estão apresentadas na Tabela 4. Não houve uma diferença estatisticamente significativa entre utilizar ou não o conhecimento do consumo da maçã (p=0,134). Em todas as outras informações, a grande maioria faz uso desse conhecimento, com diferença estatisticamente significante (p<0,001). Dentre as mais utilizadas são os exercícios de aquecimento, de projeção, de respiração e a hidratação.

Observa-se, na Tabela 5, que a maioria dos atores (81,8%, N=18), dos cantores (80%, N=8) e dos professores (52,3%, N=26) utiliza todas as orientações sobre saúde vocal, possuindo valores de p estatisticamente significantes em relação aos demais grupos; o grupo dos locutores (63,6%, N=7) utiliza parte das orientações recebidas e a maioria dos operadores de tele-serviços (N=5, 38,4%) não utiliza estas orientações.

A percepção de melhora na qualidade vocal foi relatada por 61% (N=61) dos sujeitos, sendo 23 professores, 19 atores, oito locutores, seis cantores e dois operadores de tele-serviços, tendo sido significante o valor deste último (p<0,001). A melhora parcial foi relatada por 32% (N=32), sendo 15 professores, quatro cantores, quatro operadores de tele-serviços, três atores e dois locutores. Não relataram melhora em 6%) deles (N=6), sendo cinco operadores de tele-serviços (com relação significativa, p<0,001) e um locutor (Tabela 6).

DISCUSSÃO

As análises estatísticas mostraram que o Fonoaudiólogo foi referido como fonte de orientação em todas as modalidades de profissionais da voz. Quando comparado nos subgrupos estudados tais como atores, cantores, operadores e professores, não foram encontradas diferenças estatisticamente significantes entre os médicos otorrinolaringologistas, professores de voz e o fonoaudiólogo, o que mostra a inserção do Fonoaudiólogo também como referência de orientação. Com exceção do caso do locutor, que somente o fonoaudiólogo foi referido, o que pode ser justificado pelo fato de contarem com esse profissional em sua formação.

De forma geral pode-se dizer que o fonoaudiólogo apresentou baixo percentual de referência como fonte de orientação, dada as características desse tipo de profissional, que em teoria dedica-se exclusivamente à comunicação. Estes achados podem ser justificados pela insuficiência de participação do fonoaudiólogo em programas de prevenção, mesmo de sua participação, com esse fim, em outros cursos de formação de profissionais que utilizam a voz como instrumento de trabalho, a exemplo dos cursos de formação de locutores radialistas. Como exemplo mais clássico e citado na literatura têm-se os cursos de licenciatura, os quais não possuem em seus currículos nenhum conteúdo voltado à preparação vocal de professores 4, bem como pela falta de conhecimento desses profissionais em relação ao fonoaudiólogo e seu papel na saúde vocal 18.

Quanto aos cuidados com a voz, a hidratação foi referida pela grande maioria dos sujeitos como um hábito importante a ser seguido e seu consumo foi apontado por quase todos que a relataram. A eficácia da hidratação para a boa produção vocal é descrita em muitos estudos que a apontam como um dos fatores importantes na diminuição das queixas vocais e, conseqüentemente, na melhora da produção vocal 19,20. Observou-se ainda que alguns mitos foram citados, como uso de chás de hortelã, maçã com mel e gengibre, embora estudos científicos verifiquem sua ineficiência 21.

Em relação aos radialistas locutores, pode ser observado que estes apresentam pouca consciência sobre a importância da higienevocal, embora a maioria tenha recebido orientações de fonoaudiólogos. O pouco conhecimento por eles apontado indica que a consciência vocal e os cuidados com a saúde vocal ainda não são ações freqüentes, pelo menos no grupo pesquisado 22. Mesmo fazendo uso parcial das orientações, quase todos referiram melhora na qualidade vocal.

Já os operadores de tele-serviços mostraram conhecer pouco os programas para promoção da saúde vocal, uma vez que há defasagem na divulgação dessas orientações por fonoaudiólogos. Parece haver necessidade de um trabalho específico no âmbito da assessoria fonoaudiológica para tais profissionais, visando cuidar do aparelho fonador, favorecendo-se ao final a quantidade do atendimento e a diminuição do absenteísmo 18. A literatura aponta que mesmo com programas de curta duração há efeitos positivos, como diminuição de esforço e de fadiga vocal e maior limpeza do trato 23. Dessa forma, pode ser explicado o fato de apenas dois itens de orientações sobre os cuidados com a voz terem sido mais referidos por este grupo (hidratação e consumo de maçã). Somente com consumo de água e maçã seria esperado que poucos observassem melhora na qualidade vocal, considerando-se a alta demanda vocal, características de ambiente de trabalho, inerentes a esse tipo de profissional da voz.

A maioria dos professores descreveu a importância da hidratação, assim como afirmaram seu uso. A maçã foi lembrada por parte deste grupo, porém seu consumo foi afirmado por uma minoria. Outros hábitos de higiene vocal também foram citados por eles, mas em menor escala. Este achado pode indicar que ainda apenas essas duas informações são utilizadas como orientações a esses profissionais, como se fosse suficiente para a melhora ou manutenção da qualidade vocal. Embora esses profissionais sejam em grande quantidade no Brasil 24 , os programas de prevenção vocal ainda não fazem parte da realidade de toda essa população. A baixa procura a esses programas pode ser atribuída ao fato do professor não se ver como profissional da voz, mesmo não considerando sua voz saudável 25 e apresentar alta ocorrência de alterações vocais 26 . Parece que orientações preventivas de saúde vocal bem como a vivência de técnicas vocais, durante a formação do professor poderiam ajudar na formação de sua consciência da otimização do uso de sua voz, tanto no que concerne a voz como instrumento de atuação, como a adequada expressividade, para como meio de despertar a atenção de seus alunos 27,28.

Pesquisa realizada com estudantes de pedagogia mostra que as alterações vocais podem ser tratadas antes de começarem a lecionar, o que indicou mudanças significativas quando comparados ao grupo controle 29 . Segundo outro estudo, esses professores que apresentavam alterações durante a graduação e que não realizaram nenhum tratamento na época apresentaram mais alterações vocais durante a carreira, o que indica a importância do treinamento vocal durante o período de formação acadêmica 30.

Nesse sentido, o trabalho fonoaudiológico junto a profissionais da voz, parece necessitar ampliar seus objetivos e focos de ação, incluindo-se questões da organização do trabalho e vida cotidiana, subjetividade e qualidade de vida, para melhor responderem as necessidades e maneiras de profissionais perceberem e lidarem com os problemas vocais 17,31.

Os atores citaram cuidados mais voltados à técnica vocal propriamente dita tais como exercícios para projeção vocal, respiração, entonação, articulação e aquecimento, além da hidratação e maçã. Vale lembrar que essas orientações foram fornecidas em sua maior parte por professores de voz. Porém, eles referem que nem todas essas orientações são utilizadas por eles. Dessa forma, nota-se que mesmo possuindo conhecimento sobre as normas de higiene vocal, não há uso total delas e há manutenção de hábitos nocivos à voz, corroborando achado em literatura 32.

Os cantores referiram conhecimento sobre a importância de ingerir a água, realizar exercícios de projeção e de aquecimento, evitar gritar e beber gelado. O consumo da água foi verificado em todos os cantores, assim como a prática de exercícios de aquecimento. Porém, os de desaquecimento não foram citados, provavelmente por falta de conhecimento, embora programas de aquecimento e desaquecimento tenham sido descritos em literatura, assim como sua eficácia 33,34. A maior parte dos cantores observou melhora na qualidade vocal. Tal dado mostrou-se contrário ao observado em estudo da literatura após treinamento em cantores, em que houve poucas mudanças no comportamento, hábitos e características perceptivas da voz 35.

CONCLUSÃO

Embora seja restrito o conhecimento retido pelos profissionais da voz estudados, assim como a intensidade com que aderiram às informações recebidas, foi possível perceber referência de melhora na qualidade vocal por parte daqueles que afirmaram seguir as orientações.

O relevante desconhecimento por parte dos profissionais da voz estudados em relação aos cuidados com a saúde vocal pode ser atribuído a pouca importância dada à saúde preventiva e ainda, que o fonoaudiólogo pode ser considerado como referência de orientação, quando comparado com os diferentes seguimentos de profissionais, que se destinam a orientar pessoas que utilizam a voz profissionalmente.

Conclui-se que com ações fonoaudiológicas visando à saúde vocal, junto com pessoas que utilizam a voz profissionalmente, a Fonoaudiologia conseguiu se constituir referência e deve visar à sua consolidação.

Recebido em: 17/12/2007

Aceito em: 25/06/2008

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Jan 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Aceito
      25 Jun 2008
    • Recebido
      17 Dez 2007
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