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A divulgação voluntária e o gerenciamento de resultados contábeis: evidências no mercado de capitais brasileiro * * Trabalho apresentado no Encontro Anual da Associação Americana de Contabilidade, Chicago, IL, Estados Unidos da América, agosto de 2015.

RESUMO

Este estudo examina a associação entre a divulgação voluntária de informações econômicas e financeiras e o gerenciamento dos resultados contábeis. Os argumentos delineados sobre o tema partem do pressuposto de que uma política de divulgação voluntária consistente pode coibir o gerenciamento de resultados. A análise é conduzida em uma amostra aleatória de 66 empresas brasileiras de capital aberto não financeiras no período de 2005 a 2012. Para medir a divulgação voluntária, usa-se o índice proposto por Consoni e Colauto (2016). Como proxy para gerenciamento de resultados, foram utilizados accruals discricionários (AD) estimados com base no modelo de Dechow, Sloan e Sweeney (1995). A relação entre essas variáveis é analisada usando-se o modelo de equações simultâneas e o método de regressão de dados em painel com efeitos aleatórios. Esperava-se, a priori, uma relação negativa e significativa; no entanto o resultado principal do estudo indica que a divulgação voluntária e o gerenciamento de resultados não são simultaneamente determinados ou associados. Embora os resultados obtidos contradigam alguns pressupostos teóricos, existem explicações alternativas para esse resultado. Primeiro, o conjunto de evidências empíricas nessa pesquisa, além daqueles de estudos anteriores, deve ser interpretado com cautela, já que não há consenso em relação às variáveis de divulgação voluntária e gerenciamento de resultados contábeis. Segundo, várias empresas no Brasil podem não ter interesse em fornecer uma divulgação voluntária de alta qualidade porque grande parte dos seus acionistas usufrui de benefícios privados de controle. Essa situação reduz a importância da potencial demanda de mercado por informação, estratifica a assimetria de informação e não impede o gerenciamento de resultados.

Palavras-chave:
informações contábeis; divulgação voluntária; gerenciamento de resultados; mercados emergentes; accruals discricionários

ABSTRACT

This study examines the association between the voluntary disclosure of economic and financial information and earnings management. The outlined arguments on the subject are based on the assumption that consistent voluntary disclosure policies may reduce earnings management. The analysis is conducted on a random sample of 66 non-financial Brazilian listed companies in the 2005-2012 period. To measure voluntary disclosure, the index proposed by Consoni and Colauto (2016) is used. As a proxy for earnings management, discretionary accruals (DA) are estimated based on the model by Dechow, Sloan, and Sweeney (1995). The relationship between these measurements is analyzed using a model of simultaneous equations and by the random effects regression method with panel data. A significant negative relationship was expected a priori; however, the main result of the study indicates that voluntary disclosure and earnings management are not simultaneously determined or associated. Although the results obtained contradict certain theoretical assumptions, there are alternative explanations for this finding. The empirical set of evidence in this research, in addition to those in previous studies, should be interpreted with caution because there is no consensus on the measures for voluntary disclosure and earnings management. Second, several companies in Brazil may not be interested in providing high-quality voluntary disclosure because most of their shareholders enjoy private benefits of control. This issue reduces the importance of the potential market demand for information, stratifies information asymmetry, and does not prevent earnings management.

Keywords
accounting information; voluntary disclosure; earnings management; emerging markets; discretionary accruals

1. INTRODUÇÃO

Embora se saiba que a divulgação corporativa traz benefícios, como maior liquidez de mercado dos títulos negociados e menor custo de capital ( Botosan, 1997Botosan, C. A. (1997). Disclosure level and cost of equity capital. The Accounting Review, 72, 323-349., 2006; Lopes & Alencar, 2010Lopes, A. B., & Alencar, R. C. (2010). Disclosure and cost of equity capital in emerging markets: the Brazilian case. The International Journal of Accounting, 45, 443-464.; Welker, 1995Welker, M. (1995). Disclosure policy, information asymmetry, and liquidity in equity markets. Contemporary Accounting Research, 11, 801-827.), nem sempre os gestores estão dispostos a aumentar o nível de divulgação contábil. Além desses benefícios, há outros elementos provavelmente mais competitivos que podem justificar um controle gerencial mais rígido sobre as informações, contribuindo para a importância da oportunidade de divulgá-las ou não.

Em geral, os gestores têm acesso a informações mais específicas e precisas sobre os negócios da empresa do que outros agentes do mercado, mas podem querer divulgar ou reter essas informações conforme seus interesses pessoais ( Demsetz & Lehn, 1985Demsetz, H., & Lehn, K. (1985). The structure of corporate ownership: cause and consequences. Journal of Political Economy, 93(6), 1155-1177.). Segundo Watts e Zimmerman (1986Watts, R., & Zimmerman, J. (1986). Positive accounting theory. Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall.), ao decidirem quais informações reportar, os gestores tentam avaliar como os métodos alternativos podem afetar sua riqueza.

Segundo Dye (1988Dye, R. A. (1988). Earnings management in an overlapping generation model. Journal of Accounting Research, 26, 195-235.), o gestor tem vantagem informacional sobre os acionistas porque estes têm mais dificuldade para observar diretamente o desempenho da empresa e, consequentemente, para identificar as perspectivas futuras de negócios. Nesse sentido, Scott (2012Scott, W. R. (2012). Financial accounting theory (6th ed.). Toronto: Pearson.) observa que essa assimetria de informações proporciona condições ideais para a transmissão de informações seletivas e distorcidas, funcionando como uma alavanca ao risco moral. Assim, uma maior assimetria informacional permite que os gestores usem esse critério com a finalidade específica de gerenciar os resultados contábeis.

A assimetria informacional pode ser reduzida mediante divulgação voluntária e regulação mais rígida ( Scott, 2012Scott, W. R. (2012). Financial accounting theory (6th ed.). Toronto: Pearson.). No entanto, a regulação em um contexto de conflito de agência só existe se o regulador puder exigir a divulgação de informações que os participantes do mercado não querem divulgar voluntariamente ( Beyer, Cohen, Lys, & Walther, 2010Beyer, A., Cohen, D. A., Lys, T. Z., & Walther, B. R. (2010). The financial reporting environment: review of the recent literature. Journal of Accounting and Economics, 50, 296-343.). Segundo Watts e Zimmerman (1986Watts, R., & Zimmerman, J. (1986). Positive accounting theory. Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall.), o reconhecimento, a mensuração e a divulgação de informações contábeis nem sempre são guiados por decisões imparciais, mas podem decorrer de incentivos econômicos que maximizem a utilidade esperada de uma das partes interessadas. Os gestores ignoram o fato de que, no gerenciamento de resultados, as escolhas contábeis deveriam ser guiadas pelos princípios econômicos do negócio da companhia.

A hipótese que orienta este estudo prediz que a divulgação voluntária e o gerenciamento de resultados são negativamente relacionados, pois essa relação é baseada na relação de cada uma dessas variáveis com a assimetria informacional. Healy e Palepu (2001Healy, P., & Palepu, K. (2001). Information asymmetry, corporate disclosure and capital markets: a review of empirical disclosure literature. Journal of Accounting and Economics, 31, 405-440.), Lambert, Leuz e Verrecchia (2007Lambert, R. C., Leuz, C., & Verrecchia, R. A. (2007). Accounting information, disclosure and de cost of capital. Journal of Accounting Research, 45, 385-420. ), e Verrecchia (1983Verrecchia, R. E. (1983). Discretionary disclosure. Journal of Accounting and Economics, 5, 365-380.) apresentam a divulgação voluntária como um fator que contribui para a redução da assimetria informacional. Para Dye (1985Dye, R. A. (1985). Strategic accounting choice and effects of alternative financial reporting requirements. Journal of Accounting Research, 23, 544-574., 1988Dye, R. A. (1988). Earnings management in an overlapping generation model. Journal of Accounting Research, 26, 195-235.) e Schipper (1989Schipper, K. (1989). Commentary on earnings management. Accounting Horizons, 3, 91-102.), entre outros, a assimetria informacional entre gestores e investidores é a condição necessária para gerenciar os resultados. A partir dessa perspectiva, este estudo almeja investigar a relação entre a divulgação voluntária de informações econômicas e financeiras e o gerenciamento de resultados no mercado de capitais brasileiro.

A divulgação voluntária e o gerenciamento de resultados são temas recorrentes de pesquisa nas áreas financeira e contábil. Contudo, existem poucas evidências empíricas sobre a relação entre eles no caso específico do mercado de capitais brasileiro. Um exemplo é o estudo de Murcia e Wuerges (2011Murcia, F. D., & Wuerges, A. (2011). Escolhas contábeis no mercado brasileiro: divulgação voluntária de informações versus gerenciamento de resultados. Revista Universo Contábil, 7(2), 28-44. ), que explora essa relação nos anos de 2006 a 2008 usando uma amostra das 100 maiores empresas listadas na Bolsa de Valores, Mercadoria e Futuros de São Paulo (BM&FBOVESPA), e relata uma associação parcialmente negativa entre divulgação voluntária e gerenciamento de resultados.

Para aprofundar essa discussão, explora-se o período de 2005 a 2012. Parte desse período é marcado por ajustes resultantes do processo de alinhamento aos padrões internacionais de contabilidade a partir de 2008. Consoni e Colauto (2016Consoni, S., & Colauto, R. D. (2016). Voluntary disclosure in the context of convergence with International Accounting Standards in Brazil. Review of Business Management, 18(62), 658-677.) apresentam evidências de que esse processo pode ser entendido como um fator exógeno com efeito positivo e significativo sobre a divulgação voluntária no Brasil. Portanto, o índice proposto por Consoni e Colauto (2016Consoni, S., & Colauto, R. D. (2016). Voluntary disclosure in the context of convergence with International Accounting Standards in Brazil. Review of Business Management, 18(62), 658-677.) é adotado como métrica de divulgação voluntária e, diferentemente de Murcia e Wuerges (2011Murcia, F. D., & Wuerges, A. (2011). Escolhas contábeis no mercado brasileiro: divulgação voluntária de informações versus gerenciamento de resultados. Revista Universo Contábil, 7(2), 28-44. ), a proxy de gerenciamento de resultados empregada é accruals discricionários (AD) estimados por meio do modelo de Dechow et al. (1995Dechow, P. M., Sloan, R. G., & Sweeney, A. P. (1995). Detecting earnings management. The Accounting Review, 70(2), 193-225.).

A análise feita neste estudo revela que a divulgação voluntária e o gerenciamento de resultados não são codeterminados nem associados. Isto é, a ausência de relação entre as variáveis investigadas sugere que as decisões de divulgação não são um determinante importante na prática de gerenciamento de resultados no Brasil. No caso dos mercados estadunidense ( Jo & Kim, 2007Jo, H., & Kim, Y. (2007). Disclosure frequency and earnings management. Journal of Financial Economics, 84, 561-590.; Lobo & Zhou, 2001Lobo, G. J., & Zhou, J. (2001). Disclosure quality and earnings management. Asia-Pacific Journal of Accounting and Economics, 8(1), 1-20.) e britânico ( Iatridis & Kadorinis, 2009Iatridis, G., & Kadorinis, G. (2009). Earnings management and firm financial motives: a financial investigation of UK listed firms. International Review of Financial Analysis, 18, 164-173.), há evidências de associação negativa. Assim, deve-se notar que proxies diferentes para a divulgação voluntária e o gerenciamento de resultados dificultam as comparações diretas. Ademais, as diferenças institucionais entre mercados podem influenciar a divulgação voluntária e o gerenciamento de resultados.

Outro elemento crucial é a compreensão da divulgação voluntária como resposta à assimetria informacional. Como observado por Francis, Nanda e Olsson (2008Francis, J., Nanda, D., & Olsson, P. (2008). Voluntary disclosure, earnings quality e cost of capital. Journal of Accounting Research, 46(1), 53-99.), a hipótese segundo a qual a divulgação voluntária é determinante para a qualidade dos resultados reportados pelas empresas ignora o fato de que a própria divulgação voluntária pode estar baseada em informações de má qualidade. Esse ponto deve ser discutido e outras metodologias devem ser usadas para melhor entender o comportamento da divulgação voluntária e do gerenciamento de resultados no contexto brasileiro.

2. REVISÃO DE LITERATURA E DESENVOLVIMENTO DE HIPÓTESES

2.1 Divulgação Voluntária de Informações

A demanda por recursos adicionais sempre aumenta quando surgem novas oportunidades de investimento suscetíveis de serem associadas ao aumento cada vez maior da assimetria informacional entre insiders e outsiders ( Healy & Palepu, 2001Healy, P., & Palepu, K. (2001). Information asymmetry, corporate disclosure and capital markets: a review of empirical disclosure literature. Journal of Accounting and Economics, 31, 405-440.). Os modelos analíticos, como aqueles desenvolvidos por Diamond e Verrecchia (1991Diamond, D., & Verrecchia, R. E. (1991). Disclosure, liquidity and the cost of capital. The Journal of Finance, 46, 1325-1359.), Glosten e Milgrom (1985Glosten, L., & Milgrom, P. (1985). Bid, ask, and transaction prices in a specialist market with heterogeneously informed traders. Journal of Financial Economics, 26, 71-100.) e Kim e Verrecchia (1994Kim, O., & Verrecchia, R. E. (1994). Market liquidity and volume around earnings announcements. Journal of Accounting and Economics, 17, 41-68.), mostram que a assimetria informacional diminui à medida em que o nível de divulgação voluntária de informações aumenta porque e isso pode reduzir o componente de seleção adversa do bid-ask spread (o mecanismo de proteção do preço quando os títulos são vendidos ou comprados). Consequentemente, o volume de negociação e a liquidez de mercado das ações aumentam, reduzindo potencialmente o custo de capital.

Segundo Grossman (1981Grossman, S. J. (1981). The informational role of warranties and private disclosure about product quality. Journal of Law and Economics, 24, 461-484.), Milgrom (1981Milgrom, P. (1981). Good news and bad news: representation theorems and applications. Bell Journal of Economics, 17, 18-32.) e Milgrom e Roberts (1986Milgrom, P., & Roberts, J. (1986). Relying on the information of interested parties. Rand Journal of Economics, 17, 18-32.), sem a divulgação de informações, os investidores não poderiam distinguir entre ativos de boa e de má qualidade. A falta de informações levaria os investidores a rever suas crenças a respeito do valor da companhia e, logicamente, a ofertar um preço médio para o conjunto de ativos avaliados. Nesse sentido, os gestores são incentivados a divulgar todas as informações que possuem para se distinguirem daqueles com informações menos favoráveis. Por outro lado, a teoria da divulgação voluntária corporativa se dedicou a identificar os motivos pelos quais a divulgação completa de fato não ocorre.

Algumas pesquisas conduzidas por Robert E. Verrecchia e Ronald A. Dye, ou pesquisas às quais contribuíram esses autores, procuraram formular modelos para explicar a divulgação voluntária parcial. Refutando a tese de Verrecchia (2001Verrecchia, R. E. (2001). Essays on disclosure. Journal of Accounting and Economics, 32(1-3), 97-180.) de que não existe teoria unificada da divulgação voluntária, Dye (2001Dye, R. A. (2001). An evaluation of ‘‘essays on disclosure’’ and the disclosure literature in accounting. Journal of Accounting and Economics, 32, 181-235.) demonstra que seus argumentos divergem dos de Verrecchia por considerarem que os modelos de divulgação voluntária são essencialmente endógenos, enquanto Verrecchia (2001Verrecchia, R. E. (2001). Essays on disclosure. Journal of Accounting and Economics, 32(1-3), 97-180.) atribui o mesmo status aos modelos endógenos e exógenos.

De acordo com Dye (2001Dye, R. A. (2001). An evaluation of ‘‘essays on disclosure’’ and the disclosure literature in accounting. Journal of Accounting and Economics, 32, 181-235.), a ideia de que a divulgação voluntária é eficaz e contribui para a alocação eficiente de recursos no mercado de capitais está vinculada à credibilidade das informações financeiras divulgadas. Embora Verrecchia (2001Verrecchia, R. E. (2001). Essays on disclosure. Journal of Accounting and Economics, 32(1-3), 97-180.) mencione a propensão dos gestores de não divulgar informações essencialmente verdadeiras, Dye (2001Dye, R. A. (2001). An evaluation of ‘‘essays on disclosure’’ and the disclosure literature in accounting. Journal of Accounting and Economics, 32, 181-235.) argumenta que Verrecchia omite o que ele considera ser o fator determinante da credibilidade da divulgação, o gerenciamento de resultados.

Nesse sentido, Core (2001Core, J. (2001). A review of the empirical disclosure literature: discussion. Journal of Accounting and Economics, 31, 441-456.) argumenta que a divulgação sem viés não é o ideal do gestor porque tem custo elevado. Essa conclusão se fundamenta no entendimento de Watts e Zimmerman (1986Watts, R., & Zimmerman, J. (1986). Positive accounting theory. Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall., p. 205) de que nem toda manipulação é eliminada e de que somente em mercados de capitais com expectativas racionais os gestores não se aproveitariam dessa manipulação. A ideia de que é muito caro eliminar toda a manipulação indica que os gestores podem introduzir algum viés de divulgação a baixo custo pessoal.

No modelo de Verrecchia (1983Verrecchia, R. E. (1983). Discretionary disclosure. Journal of Accounting and Economics, 5, 365-380.), os custos de divulgação que impedem a divulgação completa não variam de acordo com as informações que o gestor possui. Segundo Verrecchia (1983Verrecchia, R. E. (1983). Discretionary disclosure. Journal of Accounting and Economics, 5, 365-380.), a política discricionária de divulgação dos gestores é influenciada pelos custos da informação divulgada, mas a única motivação dos gestores para divulgarem as informações diz respeito ao seu efeito sobre o valor da companhia.

Em contraponto, Dye (1985Dye, R. A. (1985). Strategic accounting choice and effects of alternative financial reporting requirements. Journal of Accounting Research, 23, 544-574., 1986Dye, R. A. (1986). Proprietary and nonproprietary disclosures. Journal of Business, 59, 331-366.) postula que os custos de divulgação variam conforme a natureza do que for divulgado. Se os investidores não sabem com certeza se os gestores retêm informações privadas, eles não podem interpretar a falta de informação como um sinal de que a companhia em questão está retendo más notícias. Para os investidores, argumenta Dye, as empresas com más notícias se tornam então indiferenciáveis das empresas que não fazem divulgação.

A incerteza sobre o modo de os investidores interpretarem o que é divulgado leva os gestores a publicar informações em função da ideia que fazem dessa interpretação ( Dye, 1985Dye, R. A. (1985). Strategic accounting choice and effects of alternative financial reporting requirements. Journal of Accounting Research, 23, 544-574.). Para interpretar corretamente a ação do gestor, é necessário identificar os incentivos que este tem para divulgar boas e más notícias e o conjunto de informações que o gestor poderia ter divulgado, porém escolheu não fazê-lo. As discussões acerca dessa questão levaram Dye (2001Dye, R. A. (2001). An evaluation of ‘‘essays on disclosure’’ and the disclosure literature in accounting. Journal of Accounting and Economics, 32, 181-235.) a afirmar que a divulgação voluntária é um caso especial da Teoria dos Jogos porque nem sempre é possível concluir que os gestores divulgam apenas informações que aumentam o preço das ações da companhia, escondendo informações que podem reduzi-lo. O motivo é que as más notícias podem ser divulgadas durante negociações sindicais ou quando da concessão de opções de ações, e as boas notícias podem ser divulgadas quando essas opções são exercidas.

É interessante notar que os benefícios da divulgação corporativa resultam tipicamente em uma divulgação voluntária de informações, mas não de todas as informações às quais os gestores da companhia têm acesso. Como notado por Dye (2001Dye, R. A. (2001). An evaluation of ‘‘essays on disclosure’’ and the disclosure literature in accounting. Journal of Accounting and Economics, 32, 181-235.), as melhores informações para o estabelecimento de contratos não são necessariamente as melhores para que os investidores tomem decisões. Assim, os gestores podem estrategicamente escolher o que divulgar e quando divulgar, uma vez que os investidores não sabem exatamente quais informações os gestores detêm.

2.2 Gerenciamento de Resultados

O gerenciamento de resultados foi estudado a partir de diferentes perspectivas e métodos. Como resultado, Mulford e Comiskey (2002Mulford, C. W., & Comiskey, E. E. (2002). The financial numbers games: detecting creative accounting practices. New York, NY: Wiley & Sons.) relatam que surgiram várias caracterizações, tais como o alisamento de resultados ( income smoothing), a redução de lucros correntes em prol de lucros futuros ( big bath), a contabilidade criativa ou a maquiagem de demonstrações contábeis ( window-dressing), entre outras.

Healy e Wahlen (1999Healy, P. M., & Wahlen, J. M. (1999). A review of earnings management literature and its implications for standard setting. Accounting Horizons, 13(4), 365-383., p. 368) e Schipper (1989Schipper, K. (1989). Commentary on earnings management. Accounting Horizons, 3, 91-102., p. 92) explicam que o gerenciamento de resultados pode ser direcionado a modificar as medidas de lucro e os índices econômico-financeiros, modificando assim a forma e o conteúdo das informações contábeis. Supõe-se, assim, que a prática do gerenciamento de resultados pode interferir na credibilidade das informações contábeis e em sua utilidade para a tomada de decisão dos agentes do mercado. Então, ao ser visto como uma ação oportunista, o gerenciamento de resultados deve ser visto também como um fator de redução da qualidade da divulgação publicada.

Para Arthur Levitt (1998Levitt, A. (1998). The importance of high quality accounting standards. Accounting Horizons, 12, 79-82.), ex-presidente da Securities and Exchange Commission (SEC), o gerenciamento de resultados decorre de um declínio na qualidade da divulgação das informações financeiras, e para contê-lo seriam necessárias medidas que exigissem maior transparência e fiscalização da divulgação dos demonstrativos financeiros. No Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) também se manifestou sobre o tema. Na Circular nº 480 (14 de fevereiro de 2007) ( Comissão de Valores Mobiliários/Normas Contábeis e Auditoria/Superintendência de Relações com Empresas, 2007Comissão de Valores Mobiliários/Normas Contábeis e Auditoria/Superintendência de Relações com Empresas. 2007. Ofício-Circular n. 480, de 14 de fevereiro de 2007. Orientações gerais sobre procedimentos a serem observados pelas companhias abertas. Recuperado de http://sistemas.cvm.gov.br/port/atos/oficios/OFICIO-CIRCULAR-CVM-SNC-SEP-01_2007.asp.
http://sistemas.cvm.gov.br/port/atos/ofi...
), a CVM declarou que considera o gerenciamento de resultados uma forma arbitrária de discricionariedade destinada a influenciar ou manipular os números contábeis, ainda que esteja dentro dos limites da lei.

Apesar da redução da confiabilidade nas informações que, muitas vezes, acompanha a prática do gerenciamento de resultados, existem argumentos de que esta prática pode ser útil se mantida dentro de certos limites. Fields, Lys e Vincent (2001Fields, T., Lys, T., & Vincent, L. (2001). Empirical research on accounting choice. Journal of Accounting and Economics, 31(1-3), 255-307.) e Schipper (1989Schipper, K. (1989). Commentary on earnings management. Accounting Horizons, 3, 91-102.) afirmam que o gerenciamento de resultados pode revelar informações sobre o valor da empresa. Nesse sentido, Subramanyam (1996Subramanyam, K. R. (1996). The pricing of discretionary accruals. Journal of Accounting and Economics, 22, 249-281.) e Burgstahler, Hail e Leuz (2006Burgstahler, D. C., Hail, L., & Leuz, C. (2006). The importance of reporting incentives: earnings management in Europe private and public firms. The Accounting Review, 81(5), 883-1016.) referem-se à prática do gerenciamento de resultados como um comportamento oportunista, mas não quando a discricionariedade gerencial é usada para melhor comunicar o desempenho econômico e financeiro subjacente da empresa. Assim, se o gerenciamento de resultados for usado de forma responsável, essa prática pode transmitir ao mercado informações privadas sobre as expectativas de resultados futuros da empresa.

Segundo Dechow e Skinner (2000Dechow, P. M., & Skinner, D. (2000). Earnings management: reconciling the views of accounting academics, practitioners and regulators. Accounting Horizons, 14(2), 235-250.), as diferentes interpretações sobre o gerenciamento de resultados consideram que tal prática seja intencional, porém não esclarecem se a intenção é apenas oportunista ou para transmitir informações privadas aos investidores. Consequentemente, esse aspecto dificulta um entendimento abrangente das motivações dessa prática e leva a resultados empíricos bastante distintos.

De acordo com Schipper (1989Schipper, K. (1989). Commentary on earnings management. Accounting Horizons, 3, 91-102., p. 95), a persistência da assimetria informacional torna possível o gerenciamento de resultados. Essa condição surgiria a partir de uma forma de comunicação contratualmente estabelecida, que não pode ser eliminada sem alterar o contrato. Na mesma linha de raciocínio, Dye (1988Dye, R. A. (1988). Earnings management in an overlapping generation model. Journal of Accounting Research, 26, 195-235.) argumenta que o gerenciamento de resultados ocorre quando uma ou mais hipóteses do Princípio de Revelação ( Revelation Principle) são violadas, uma vez que os mecanismos de monitoramento obrigariam os gestores a revelarem a verdade sobre as informações que possuem.

O Princípio de Revelação se encontra na literatura sobre o desenho de mecanismos. Nesse contexto, os mecanismos se referem a um conjunto de incentivos que levam o agente a atuar de maneira a maximizar a utilidade do principal ( Myerson, 1979Myerson, R. (1979). Incentive compatibility and the bargaining problem. Econometrica, 47, 61-74.). Segundo Lambert (2001Lambert, R. A. (2001). Contracting theory and accountings. Journal of Accounting and Economics, 32, 3-87.), as premissas do Princípio de Revelação estão relacionadas com a comunicação, a forma do contrato e o compromisso assumido. Assim, o autor explica que, de acordo com a lógica dos mecanismos, ao receberem informações privadas, os agentes devem ter a capacidade de transmiti-las na sua dimensão mais completa, isto é, se houver dois sinais, eles serão transmitidos em duas mensagens separadas em vez de agregados em uma única mensagem.

Arya, Glover e Sunder (1998Arya, A., Glover, J., & Sunder, S. (1998). Earnings management and The Revelation Principle. Review Accounting Studies, 3, 7-34.) enfatizam que as pessoas não seguem cegamente as disposições estipuladas por contratos; consequentemente surgem problemas no desenho dos mecanismos a partir da dificuldade de garantir que as partes contratantes divulguem plenamente as informações que possuem. Segundo Dye (1988Dye, R. A. (1988). Earnings management in an overlapping generation model. Journal of Accounting Research, 26, 195-235.), quando o mecanismo é ineficiente, os gestores detêm uma vantagem informacional sobre os acionistas, o que os leva a exercer seu poder discricionário para aplicar normas contábeis em prol de seus próprios interesses, já que os acionistas não podem monitorar perfeitamente o desempenho da empresa e observar as perspectivas do ambiente de negócios. Dye (2001Dye, R. A. (2001). An evaluation of ‘‘essays on disclosure’’ and the disclosure literature in accounting. Journal of Accounting and Economics, 32, 181-235.) retoma essa questão, notando que Verrecchia (2001Verrecchia, R. E. (2001). Essays on disclosure. Journal of Accounting and Economics, 32(1-3), 97-180.) negligencia o que ele considera o fator determinante para a credibilidade informacional, o gerenciamento de resultados.

De acordo com Watts e Zimmerman (1986Watts, R., & Zimmerman, J. (1986). Positive accounting theory. Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall.), os gestores, às vezes, têm o poder de determinar quando um evento será evidenciado pela contabilidade e quais transações afetarão os resultados divulgados, como a apropriação de determinada despesa, receita ou alienação de ativos. Nesse sentido, Bushman, Engel e Smith (2006Bushman, R. M., Engel, E., & Smith, A. (2006). An analysis of the relation between the stewardship and valuation roles of earnings. Journal of Accounting Research, 44(1), 53-83.) explicam que o lucro pode não ser um bom indicador para o monitoramento dos esforços dos gestores. Uma das razões é que o gestor pode escolher normas contábeis para maximizar sua própria utilidade esperada, gerenciando os resultados de modo oportunista e/ou reduzindo a divulgação voluntária.

Como sugerido por LaFond e Watts (2008LaFond, R., & Watts, R. L. (2008). The information role of conservatism. The Accounting Review, 83, 447-478., p. 450), os benefícios privados de controle incentivam os gestores a fazer uso de informações privadas para transferir recursos para si mesmos, “até mesmo na ausência de dívidas baseadas em relatórios contábeis ou de contratos de remuneração”. Ademais, o ambiente institucional pode interferir e trazer vários incentivos para a prática de gerenciamento de resultados. O nível de proteção do investidor pode direcionar as escolhas corporativas em questões como a governança, a política de dividendos, a estrutura financeira e o controle acionário das empresas.

A literatura sobre o gerenciamento de resultados sugere várias explicações e/ou motivações para essa prática, e cada explicação tem sido aplicada a circunstâncias particulares. Healy (1996Healy, P. M. (1996). Discussion of a market based evaluation of discretionary accrual models. Journal of Accounting Research, 34(3), 107-115., p. 108-109) sugere que as motivações para o gerenciamento de resultados são ambíguas, dificultando o estabelecimento de métodos apropriados para analisar determinados comportamentos. Em um grupo de empresas, algumas podem agir de maneira a reduzir o lucro para reduzir a carga tributária ou desencorajar a competição potencial, enquanto outras podem elevar os lucros para maximizar os bônus, atender projeções de analistas ou obter empréstimos. Além disso, todos esses comportamentos podem estar presentes em uma mesma companhia durante um determinado período.

Devido à variedade de ambientes em que as empresas operam, é difícil apresentar uma única explicação adequada para todos os ambientes. Em suma, parece que o gerenciamento de resultados ocorre porque não há medida precisa do lucro líquido e porque os princípios contábeis geralmente aceitos (GAAP) não podem compelir completamente a subjetividade inerente às escolhas de normas contábeis e a certas práticas. Muitas decisões sobre escolhas contábeis são complexas e desafiam uma simples seleção daquela que melhor informa o investidor.

Portanto, a questão da assimetria informacional apresenta-se como um vínculo entre a divulgação voluntária e o gerenciamento de resultados, e suporta a hipótese da pesquisa. Para informar os acionistas, os gestores podem divulgar voluntariamente informações qualitativas e quantitativas além daquilo exigido por lei.

Por meio da divulgação voluntária, os gestores podem mostrar resultados atuais e prospectivos aos interessados na posição financeira da empresa ou podem esclarecer e explicar os critérios adotados para a formulação das normas e estimativas contábeis da companhia ( Lundholm, 2003Lundholm, R. J. (2003). Historical accounting and the endogenous credibility of current disclosures. Journal of Accounting, Auditing and Finance, 18, 207-229.). Segundo Lambert et al. (2007Lambert, R. C., Leuz, C., & Verrecchia, R. A. (2007). Accounting information, disclosure and de cost of capital. Journal of Accounting Research, 45, 385-420. ), esse esforço se propõe reduzir a assimetria informacional e, consequentemente, aumentar a capacidade dos investidores de tomar decisões e monitorar apropriadamente seus investimentos.

Dye (1985Dye, R. A. (1985). Strategic accounting choice and effects of alternative financial reporting requirements. Journal of Accounting Research, 23, 544-574., 1988Dye, R. A. (1988). Earnings management in an overlapping generation model. Journal of Accounting Research, 26, 195-235.) e Schipper (1989Schipper, K. (1989). Commentary on earnings management. Accounting Horizons, 3, 91-102.) consideram que a assimetria informacional entre gestores e acionistas é uma condição necessária para o gerenciamento de resultados. Schipper (1989Schipper, K. (1989). Commentary on earnings management. Accounting Horizons, 3, 91-102.) afirma que altos níveis de assimetria informacional entre gestores e acionistas indicam uma falta de recursos suficientes, incentivos, ou acessos a informações relevantes para monitorar as ações dos gestores.

Trueman e Titman (1988Trueman, B., & Titman, S. (1988). An explanation for accounting income smoothing. Journal of Accounting Research, 26, 127-139.) basearam seu trabalho no pressuposto de que a divulgação voluntária aumenta a transparência e, portanto, o gerenciamento de resultados seria mais facilmente detectado pelos acionistas de empresas com política de divulgação voluntária mais consistente. Nessas circunstâncias, os gestores seriam menos propensos a praticar o gerenciamento de resultados porque seu propósito e sua eficiência dependem do nível de assimetria informacional entre os gestores e os outros participantes do mercado. Assim, os gestores limitariam o nível de divulgação voluntária se quisessem manter a flexibilidade para gerenciar os resultados.

Richardson (2000Richardson, V. F. (2000). Information asymmetry and earnings management: some evidence. Review of Quantitative Finance and Accounting, 15, 325-347. ) explora esses argumentos, sugerindo que o nível de gerenciamento de resultados aumenta à medida que também aumenta o nível de assimetria informacional; ao testar essa relação, ele encontra uma correlação positiva. Para Richardson, essa evidência indica que, quando a assimetria informacional é alta, as partes interessadas nos dados contábeis não conseguem ter acesso às informações necessárias para evitar a manipulação contábil. Assim, à medida que a assimetria informacional aumenta, os gestores podem usar sua discricionariedade para gerenciar os resultados reportados. Na mesma linha de raciocínio, Iatridis e Kadorinis (2009Iatridis, G., & Kadorinis, G. (2009). Earnings management and firm financial motives: a financial investigation of UK listed firms. International Review of Financial Analysis, 18, 164-173.), Jo e Kim (2007Jo, H., & Kim, Y. (2007). Disclosure frequency and earnings management. Journal of Financial Economics, 84, 561-590.) e Lobo e Zhou (2001Lobo, G. J., & Zhou, J. (2001). Disclosure quality and earnings management. Asia-Pacific Journal of Accounting and Economics, 8(1), 1-20.) estimam que a divulgação voluntária é inversamente correlacionada ao gerenciamento de resultados. Baseada nos pressupostos teóricos e nos resultados empíricos discutidos, a hipótese de pesquisa é a seguinte:

  • H1   Quanto maior o índice de divulgação voluntária de informações econômicas e financeiras, menor o nível de gerenciamento de resultados.

3. METODOLOGIA

3.1 Medição da Divulgação Voluntária

Para explorar o que é subjacente ao objetivo deste estudo e as especificidades do contexto analisado, como Botosan (2004Botosan, C. A. (2004). Discussion of a framework for the analysis of a firm risk communication. The International Journal of Accounting, 39, 289-295.) a ele se refere, este estudo utiliza a métrica proposta por Consoni e Colauto (2016Consoni, S., & Colauto, R. D. (2016). Voluntary disclosure in the context of convergence with International Accounting Standards in Brazil. Review of Business Management, 18(62), 658-677.) para medir o conteúdo de divulgação voluntária ( Tabela 1). Esses pesquisadores conceberam a métrica com base em estudos brasileiros e definem seu conteúdo a partir de elementos que permanecem voluntários no decorrer do período do estudo. Esse aspecto da metodologia é relevante no contexto desta análise porque, a partir de 2008, o Brasil começou o processo de convergência às normas internacionais de contabilidade. Ademais, em 2009, o CVM começou a exigir das empresas o preenchimento do Formulário de Referência, que substituiu o Formulário de Informações Anuais (IAN) e contribuiu para alterar a natureza da divulgação e aumentar o volume e o detalhamento das informações divulgadas.

Tabela 1
Índice de divulgação voluntária

Essa métrica privilegia as informações econômico-financeiras, embora a divulgação voluntária não seja restrita a esse conteúdo. Entende-se que essa limitação conduz a análise e deve-se, principalmente, à dificuldade de avaliar a divulgação de informações socioambientais em amostras heterogêneas. Por vezes, esse tipo de informação está vinculado às especificidades das atividades corporativas em determinados segmentos de mercado e pode, até mesmo, ser divulgada em atendimento à regulação setorial específica.

Os procedimentos para a coleta de dados são iguais aos adotados por Consoni e Colauto (2016Consoni, S., & Colauto, R. D. (2016). Voluntary disclosure in the context of convergence with International Accounting Standards in Brazil. Review of Business Management, 18(62), 658-677.), alinhando o escopo de cada item da métrica com o conteúdo do Relatório de Administração e, quando aplicáveis, com algumas partes do IAN e do Formulário de Referência. Para tirar proveito do fato de certas empresas divulgarem informações mais detalhadas, esses pesquisadores definem critérios de codificação que consideram o nível de detalhamento das informações, em termos qualitativos e quantitativos. Assim, quando não há nenhuma informação disponível para determinado item, atribui-se a nota 0; quando poucas informações qualitativas estão disponíveis, apresentadas em termos descritivos, atribui-se 1 ponto; e quando tanto informações qualitativas como quantitativas estão disponíveis (em termos monetários ou não monetários), atribuem-se 2 pontos.

A pontuação absoluta individual varia de 0 a 54 pontos (27 itens medidos, cada um valendo 2 pontos, no máximo). O índice, que é uma proxy para a divulgação voluntária, é obtido dividindo a pontuação absoluta de cada empresa em cada ano pela pontuação máxima. Quanto mais próximo de 1 é o resultado, melhor é a divulgação voluntária da companhia.

Seguindo o raciocínio apresentado por Francis et al. (2008Francis, J., Nanda, D., & Olsson, P. (2008). Voluntary disclosure, earnings quality e cost of capital. Journal of Accounting Research, 46(1), 53-99.), entende-se que a política de divulgação voluntária inclui um conjunto estável de práticas de divulgação. Embora a divulgação voluntária também ocorra em teleconferências, websites e jornais, os documentos citados são acessados por estarem sujeitos a um padrão bastante uniforme de apresentação, tornando possível a comparação entre empresas e a monitoramento da regularidade de suas divulgações.

3.2 Medição do Gerenciamento de Resultados

De acordo com Dechow e Dichev (2002Dechow, P. M., & Dichev, I. D. (2002). The quality of accruals and earnings: the role of accruals estimation errors. The Accounting Review, 77(4), 35-59., p. 39-40), os accruals são ajustes temporários que atrasam ou antecipam o reconhecimento do fluxo de caixa. Como nem todas as decisões financeiras são direcionadas ao gerenciamento de resultados, os pesquisadores separaram os accruals totais em discricionários (comportamento oportunista), e não discricionários (relacionados ao nível da atividade da empresa). A literatura oferece uma variedade de modelos para estimar os AD, muitos dos quais são tentativas de melhorar os modelos anteriores. Para este estudo, usamos o modelo de Dechow et al. (1995), conhecido como o Modelo Jones Modificado. Esse modelo usa accruals agregados para tentar estimar o nível “normal” de accruals, e os desvios desse nível são considerados evidências de gerenciamento de resultados. As vantagens e desvantagens desse modelo foram discutidas por Dechow, Ge e Schrand (2010Dechow, P., Ge, W., & Schrand, C. (2010). Understanding earnings quality: a review of the proxies, their determinants and their consequences. Journal of Accounting and Economics, 50, 344-401.), DeFond (2010DeFond, M. (2010). Earnings quality research: advances, challenges and future research. Journal of Accounting and Economics, 50, 402-409.), Fields et al. (2001Fields, T., Lys, T., & Vincent, L. (2001). Empirical research on accounting choice. Journal of Accounting and Economics, 31(1-3), 255-307.), Guay, Kothari e Watts (1996Guay, W. R., Kothari, S. P., & Watts, R. (1996). A market-based evaluation of discretionary accrual models. Journal of Accounting Research, 34(Supplement 3), 83-105.), Lo (2008Lo, K. (2008). Earnings management and earnings quality. Journal of Accounting and Economics, 45(2-3), 350-357.), Thomas e Zhang (2000Thomas, J., & Zhang, X. (2000). Identifying unexpected accruals: a comparison of current approaches. Journal of Accounting and Public Policy, 19(4-5), 347-376.) e Young (1999Young, S. (1999). Systematic measurement error in the estimation of discretionary accruals: an evaluation of alternative modeling procedures. Journal of Business, Finance and Accounting, 26(7-8), 833-862.), entre outros, mas nenhuma abordagem alternativa oferece uma solução superior. Segundo Subramanyam (1996Subramanyam, K. R. (1996). The pricing of discretionary accruals. Journal of Accounting and Economics, 22, 249-281.), os AD estimados por este modelo são precificados pelo mercado.

Para estimar os AD, é necessário calcular os accruals totais, os quais foram obtidos utilizando-se a abordagem de balanço. Os accruals totais da empresa i no período t são definidos da seguinte maneira:

A T i , t = ( A C i , t C a i x a i , t ) ( P C i , t F E i , t ) D e p r i , t / A i , t - 1 (1)

em que ATi,t representa os accruals totais da empresa i no período t, ∆ ACi,t é a variação de ativo circulante da empresa i no final do período t-1 para o final do período t, ∆ Caixai,t é a variação de caixa disponível da empresa i do final do período t-1 ao final do período t, ∆ PCi,t é a variação do passivo circulante da empresa i do final do período t-1 ao final do período t, ∆ FEi,t é a variação dos financiamentos e empréstimos a curto prazo da empresa i do final do período t-1 para o final do período t, Depri,t é o montante de depreciação, amortização e exaustão da empresa i durante o período t, e Ai,t-1 é o total de ativos da empresa no final do período t-1.

Os AD são estimados usando-se mínimos quadrados ordinários (MQO) agrupados de acordo com a seguinte equação:

T A i , t = α 1 1 A i , t - 1 + α 2 R L i , t - R E C i , t + α 3 P P E i , t + ε i , t (2)

em que ∆ RLi,t é a variação de receita líquida da empresa i do período t-1 ao período t, ponderada pelos ativos totais no final do período t-1, ∆ RECi,t é a variação nas contas a receber (líquidas) da empresa i do período t-1 ao período t, ponderada pelos ativos totais no final do período t-1, PPEi,t é o saldo dos ativos imobilizados (bruto) da empresa i do período t-1 ao período t, ponderada pelos ativos totais no final do período t-1, e εi,t é o termo de erro da empresa i para o período t.

Todas as variáveis do modelo são deflacionadas pelo ativo total do período anterior ( Ai,t-1 ) de modo a minimizar o efeito do tamanho da empresa e o problema de heterocedasticidade. Em relação aos parâmetros do Modelo Jones Modificado, o ativo imobilizado e a diferença na variação entre receita líquida e contas a receber são os principais direcionadores do processo de reconhecimento de accruals. Usando-se os coeficientes estimados α1 e α2 de cada empresa-ano ( equação 2Dechow, P. M., & Skinner, D. (2000). Earnings management: reconciling the views of accounting academics, practitioners and regulators. Accounting Horizons, 14(2), 235-250.), os accruals não discricionários ( ANDi,t ) são calculados da seguinte forma:

A N D i , t = ȃ 1 1 A i , t - 1 + ȃ 2 R L i , t - R E C i , t + ȃ 3 P P E i , t (3)

Os AD absolutos ( ADi,t ) representam a diferença entre accruals totais ( ATi,t ) e accruals não discricionários ( ANDi,t ), como abaixo:

A D i , t = A T i , t A N D i , t (4)

Nesse sentido, os AD são os resíduos da regressão. Quanto mais distante de 0 (positivo ou negativo) estiver o resíduo, maior será o nível de gerenciamento de resultados. A Tabela 2 mostra as estimativas dos parâmetros obtidos pelo Modelo Jones Modificado.

Tabela 2
Coeficientes estimados pelo Modelo Jones Modificado (2005-2012)

O fator de inflação de variância mostra que o modelo não possui problemas de multicolinearidade na especificação. A estatística de Durbin-Watson mostra que não há autocorrelação serial. Por sua vez, os resíduos do modelo não seguem uma distribuição normal. No entanto, segundo Wooldridge (2002Wooldridge, J. M. (2003). Introductory Econometrics. A modern approach. 2 Ed. Ohio: USA, Thomson South-Western., p. 167), os estimadores de MQO satisfazem a normalidade assintótica; isto é, eles têm uma distribuição aproximadamente normal em amostras de tamanho suficientemente grandes. O teste de White detecta heterocedasticidade, tornando os estimadores de MQO ineficientes.

O coeficiente α2 é negativo e está relacionado à diferença da variação entre receita líquida e contas a receber. Teoricamente, é difícil prever o sinal esperado para este coeficiente, uma vez que ele está relacionado ao aumento dos accruals, tanto para elevar como para diminuir os resultados reportados. O coeficiente α3 representa o ativo imobilizado, responsável pela despesa com depreciação, amortização e exaustão e, como esperado, é positivamente correlacionado a essas despesas.

3.3 Modelo Estatístico

A estratégia de pesquisa é desenvolvida com base em um modelo de equações simultâneas. A partir dos argumentos teóricos destacados na literatura, assume-se que a política de divulgação corporativa e o gerenciamento de resultados provêm de decisões endógenas. Assim, as duas equações estruturais seguintes são definidas para compor o sistema de equações simultâneas:

A D i , t = α 0 + α 1 I D V i , t + α 2 R O A i , t - 1 + α 3 A L A V i , t + α 4 I F R S i , t + α 5 T A M i , t + ε i , t (5)

I D V i , t = α 0 + α 1 A D i , t + α 2 C O N i , t + α 3 L I Q i , t + α 4 I F R S i , t + α 5 T A M i , t + ε i , t (6)

em que ADi,t são os accruals discricionários da empresa i no período t, IDVi,t é o índice de divulgação voluntária da empresa i no período t, ROAi,t-1 é o ln (logaritmo natural) de rentabilidade dos ativos da empresa do final do período t-1 ao final do período t, ALAVi,t é o ln da alavancagem contábil da empresa i no final do período t, LIQi,t é um dummy de liquidez das ações da empresa i no final do período t, IFRSi,t é um dummy para o período de convergência às normas internacionais de contabilidade da empresa i no período t, considerando-se o valor de 1 para o período 2009-2012 e do contrário 0, TAMi,t é o tamanho da empresa, medido pelo ln do total de ativos da empresa i no período t, CONi,t são os direitos de controle, medidos pela percentagem de ações ordinárias detidas pelo principal acionista controlador ou a soma das percentagens de ações ordinárias detidas por aqueles que participam do acordo de acionistas da empresa i no período t, e εi,t é o termo de erro da empresa i no período t.

O método de mínimos quadrados em dois estágios (MQ2E) é usado para avaliar o sistema de equações simultâneas. O método MQO produz estimadores inconsistentes para os modelos com variáveis explicativas endógenas. Por outro lado, se não houver variáveis explicativas endógenas, ou em caso de instrumentos fracos, o método MQ2E produz estimadores ineficientes, isto é, que não possuem variância mínima.

3.4 Amostra

Este estudo utiliza a mesma amostra de empresas que foi usada por Consoni e Colauto (2016Consoni, S., & Colauto, R. D. (2016). Voluntary disclosure in the context of convergence with International Accounting Standards in Brazil. Review of Business Management, 18(62), 658-677.). O procedimento de amostragem privilegia a seleção aleatória de empresas que mantiveram um registro ativo na BM&FBOVESPA durante o período de 2005-2012, com exclusão das empresas financeiras. Ao calcular o tamanho mínimo da amostra, com nível de significância de 5% e margem de erro de 10%, Consoni e Colauto obtêm uma amostra de 66 empresas, que representam 32% da população considerada.

Esse critério leva à formação de um painel balanceado de 568 observações. As empresas dos setores de energia elétrica, metalurgia e siderurgia são predominantes na amostra, totalizando 30%. Mais de 55% das empresas da amostra pertencem ao mercado tradicional e, em média, a concentração de direitos de controle é de 73%, medida pela porcentagem de ações ordinárias detidas pelo acionista controlador ou, em casos específicos, a soma de ações ordinárias detidas pelos participantes do acordo de acionistas.

Para avaliar se a amostra é apropriada para a finalidade deste estudo e, consequentemente, a análise dos resultados, foram considerados os seguintes fatores: (i) a amostra tem viés de sobrevivência, isto é, as empresas que fecharam ou abriram o capital após 2005 não fazem parte da amostra. O fato de incluir apenas empresas com registro ativo torna possível o controle indireto dos efeitos potenciais das mudanças econômicas e legais sobre as principais variáveis do estudo, especialmente a divulgação voluntária. Ademais, o estudo procura monitorar a consistência da política de divulgação voluntária das empresas. Contudo, o viés de sobrevivência dificulta a generalização dos resultados; (ii) para não prejudicar a medição de certas variáveis, como a proxy de gerenciamento de resultados, as empresas do setor de finanças e de seguros foram excluídas da amostra porque têm suas próprias regras, planos de contas e propriedades especificas não comparáveis a outros setores; (iii) uma amostra de 66 empresas-ano possibilita a elaboração de um índice de divulgação, dado que, segundo Core (2001Core, J. (2001). A review of the empirical disclosure literature: discussion. Journal of Accounting and Economics, 31, 441-456.), os índices de divulgação exigem um intenso trabalho manual e são viáveis apenas para pequenas amostras.

4. RESULTADOS

4.1 Análise de Regressão Usando MQ2E

Os resultados obtidos por MQ2E e as estatísticas de diagnóstico de estimações são apresentados na Tabela 3.

Tabela 3
Resumo dos resultados para a regressão de Mínimos Quadrados de Dois Estágios

A estatística de Shea R2 da regressão de primeiro estágio indica que os instrumentos são relevantes para explicar os regressores endógenos. Para garantir a identificação, as variáveis endógenas defasadas são usadas como instrumentos. O teste de restrições de sobreidentificação de Sargan é usado para avaliar a adequação dos instrumentos. Esse teste avalia a plausibilidade estatística da suposição de exogeneidade dos instrumentos. O resultado mostra que os instrumentos são estatisticamente relevantes. Para realizar análises com estimadores apropriados, é necessário testar a simultaneidade entre AD e IDV, adotando o teste de especificação de Wu-Hausman. O teste indica que os resíduos não são significativos, como mostrado na Tabela 3; assim, é impossível rejeitar a hipótese nula de exogeneidade. Em outros termos, AD e IDV não apresentam nenhuma relação simultânea nesse modelo.

A estimação de modelos com variáveis explicativas endógenas pelo método MQO produz estimadores inconsistentes. Contudo, o método MQ2E para modelos de estimação produz estimadores ineficientes, que não possuem variância mínima quando não existem variáveis explicativas endógenas ou no caso de instrumentos fracos. Como não há indicações de simultaneidade, é mais eficiente usar o método MQO.

4.2 Análise de Regressão de Dados em Painel

O painel de dados, especificamente o modelo de efeitos fixos, pode ser usado para identificar a inter-relação sequencial entre as variáveis AD e IDV. No entanto, se apenas uma das relações for significativa, uma relação unidirecional será observada entre essas variáveis. Assim, as equações são avaliadas individualmente. Primeiro, a relação funcional entre variáveis dependentes e independentes é testada para observar o comportamento da variável IDV e das variáveis de controle na relação com os AD e vice-versa.

O teste de Hausman para a hipótese nula de consistência de efeitos aleatórios indica que os estimadores de efeitos fixos são menos eficientes; assim, o modelo de efeitos aleatórios é considerado mais apropriado. Os resultados dos testes de diagnóstico do modelo em painel e outros resultados são apresentados na Tabela 4.

Tabela 4
Modelo de dados em painel com efeitos aleatórios

Para a regressão em que os AD são a variável dependente, a única variável significativa é ALAV. Essa relação positiva e significativa sugere que as empresas com índices elevados de endividamento tendem a gerenciar seus resultados para mostrar lucros maiores. Por se tratar de uma função de nível-log, inalterados os demais fatores, o aumento de 10% na alavancagem não tem, em média, praticamente nenhum efeito no gerenciamento dos resultados. Esse resultado mostra que, embora significativo, o efeito econômico é bem pequeno. As demais variáveis não são significativas nem mostram coeficientes significativos. Esses resultados contradizem o pressuposto teórico de que essas variáveis deveriam ser incluídas no modelo e, consequentemente, infere-se que a divulgação voluntária não influencia as variações nos AD no mesmo período de tempo. A análise dos resultados para a regressão em que a divulgação voluntária (IDV) é a variável dependente mostra que, com exceção da variável de concentração acionária (DCON), as demais variáveis de controle são significativas em 1% ou 5%. A relação dessas variáveis condiz com o esperado.

Pelos resultados apresentados, uma relação entre gerenciamento de resultados e divulgação voluntária no período de 2005 a 2012 não é encontrada por meio do teste de simultaneidade; nem mesmo a análise de regressão com painel de dados estabelece alguma associação entre eles. Se uma relação unidirecional fosse constatada no período corrente, poder-se-ia inferir a dependência entre variáveis de interesse, ou seja, a decisão de divulgar voluntariamente dependeria de prévia escolha da política contábil e vice-versa.

Para permitir a análise da influência de variáveis independentes nas variáveis dependentes ao longo do tempo, foram incluídas variáveis dummy para controlar essa dimensão. Neste estudo, as dummies são apresentadas para os anos de 2006 a 2012, uma vez que 2005 é o ano de referência. Apenas o ano 2008 foi considerado significativo em ambos os modelos, demonstrando-se que há uma diferença entre os períodos antes e após 2008. Essa diferença pode ter ocorrido porque muitos pronunciamentos contábeis correntes se tornaram efetivos naquele ano enquanto o Brasil se ajustava às normas internacionais de contabilidade; 2008 foi também o ano da crise do subprime.

Embora se constate que as variáveis AD e IDV não parecem estar associadas no período corrente, este estudo procura determinar se o nível de divulgação voluntária em t-1 afeta o gerenciamento de resultados e se o gerenciamento de resultados em t-1 afeta a divulgação voluntária. Novos testes são conduzidos para testar a relação entre a divulgação voluntária no período anterior e o gerenciamento de resultados e vice-versa. Novamente se realizam testes para identificar a abordagem de dados em painel mais apropriada. Os primeiros dois testes rejeitam a hipótese nula de que o modelo MQO agrupado é adequado, validando a hipótese alternativa de que os modelos de efeitos fixos ou aleatórios são apropriados. O resultado do teste de Hausman indica que o modelo de efeitos aleatórios é o mais apropriado. De modo geral, os resultados não diferem daqueles encontrados quando as variáveis foram analisadas apenas para o período corrente ( Tabela 4).

Esse resultado mostra que a relação entre gerenciamento de resultados e divulgação voluntária não é significativa. Assim, não há evidência de que uma maior divulgação voluntária se reflita em uma menor propensão em gerenciar os resultados no contexto metodológico deste estudo. O resultado contradiz os pressupostos teóricos subjacentes e difere dos resultados empíricos apresentados por Iatridis e Kadorinis (2009Iatridis, G., & Kadorinis, G. (2009). Earnings management and firm financial motives: a financial investigation of UK listed firms. International Review of Financial Analysis, 18, 164-173.), Jo e Kim (2007Jo, H., & Kim, Y. (2007). Disclosure frequency and earnings management. Journal of Financial Economics, 84, 561-590.) Lobo e Zhou (2001Lobo, G. J., & Zhou, J. (2001). Disclosure quality and earnings management. Asia-Pacific Journal of Accounting and Economics, 8(1), 1-20.), além do estudo feito por Murcia e Wuerges (2011Murcia, F. D., & Wuerges, A. (2011). Escolhas contábeis no mercado brasileiro: divulgação voluntária de informações versus gerenciamento de resultados. Revista Universo Contábil, 7(2), 28-44. ) para o Brasil. Esses estudos concluem que a divulgação voluntária é um dos fatores que inibem a prática do gerenciamento de resultados. É importante notar que os diferentes métodos e análises usados em cada estudo dificultam a possibilidade de traçar comparações diretas com os resultados deste estudo.

5. CONCLUSÃO

Os pressupostos teóricos deste estudo foram que, quando os gestores decidem o nível de divulgação voluntária, podem estar propensos a praticar o gerenciamento de resultados para moldar a percepção dos participantes do mercado de acordo com seus planos, ou até a agir em interesse próprio.

Este estudo está baseado na ideia de que a divulgação voluntária contribui para a redução ou eliminação da assimetria informacional e que assimetria informacional mais baixa dificulta o envolvimento no gerenciamento de resultados. Assim, as empresas com maior índice de divulgação voluntária tendem a não praticar o gerenciamento de resultados. Supôs-se a existência de uma relação negativa entre essas variáveis.

Na análise inferencial realizada, descobriu-se que a divulgação voluntária e o gerenciamento de resultados não parecem ser simultaneamente determinados. Com base nos procedimentos utilizados neste estudo, não é possível inferir uma relação significativa entre as medidas usadas. Assim, os resultados são inconclusivos no que diz respeito à capacidade da variável de divulgação voluntária de explicar se as empresas gerenciam ou não os resultados. A ausência de relação entre gerenciamento de resultados e divulgação voluntária sugere que as decisões de divulgação não são um fator determinante do envolvimento das empresas no gerenciamento de resultados no Brasil.

Embora pareça que esse resultado contrasta com o pressuposto de que a divulgação voluntária reduz a assimetria informacional e, consequentemente, limita a prática oportunista do gerenciamento de resultados, este estudo não considera sob quais condições e em que momento a divulgação completa ( full disclosure) deve ocorrer. Um mercado que valoriza informações adicionais pode ajudar a aumentar o nível de divulgação voluntária e melhorar a qualidade das informações divulgadas. Assim, é concebível que a influência da divulgação voluntária sobre a extensão do gerenciamento de resultados dependa da complexa combinação de características das empresas com fatores relacionados ao ambiente institucional.

Uma possível explicação para os resultados obtidos é a percepção de que, no Brasil, muitas empresas talvez não pretendam fazer divulgação voluntária de alta qualidade porque seus acionistas controladores têm posição confortável, aproveitando-se dos benefícios privados que decorrem do seu acesso preferencial às informações. Essa situação reduz a importância da demanda potencial de mercado por informações, estratifica a assimetria informacional e não impede o gerenciamento de resultados oportunista.

As empresas listadas na BM&FBOVESPA melhoraram gradativamente certos aspectos da governança corporativa, mas as mudanças foram muito heterogêneas. As empresas brasileiras ainda são caracterizadas pela alta concentração acionária e frágil governança corporativa, em que o direito de controle se torna possível pela profusa emissão de ações sem direito a voto (ações preferenciais) e o uso de estruturas piramidais ( Silveira, Leal, Barros, & Carvalhal-da-Silva, 2009Silveira, A. M., Leal, R. P. C., Barros, L. B. C., Carvalhal-da-Silva, A. L. (2009). Evolution and determinants of firm-level corporate governance quality in Brazil. Revista de Administração, 44(3), 173-189.).

Devido ao viés de sobrevivência que direcionou o processo de amostragem e de medição da variável de gerenciamento de resultados e da variável de divulgação voluntária, observe-se que os resultados reportados devem ser interpretados com cautela. No que diz respeito à estimativa de AD, ainda existem dúvidas quanto à capacidade dos modelos de medir o gerenciamento de resultados, isto é, de distinguir precisamente entre componentes discricionários e não discricionários. A escolha do modelo usado reflete apenas a escolha do pesquisador, porque o estudo não pretendeu provar sua efetividade.

A pesquisa de certos aspectos da divulgação voluntária das empresas encontra dificuldades em obter uma medida apropriada da divulgação. Por vários motivos, muitos pesquisadores escolhem desenvolver suas próprias medidas. Embora a construção da métrica esteja fundada em estudos anteriores e todo o cuidado tenha sido tomado para identificar os itens cuja divulgação no decorrer do tempo cessou de ser voluntária, o processo não é desprovido de certa subjetividade. A subjetividade pode estar presente tanto na seleção de itens quanto no processo pelo qual são codificados.

Acontece que várias questões ainda precisam ser discutidas em futuros estudos. É preciso ter em mente que a literatura sobre a divulgação voluntária e o gerenciamento de resultados é muito dispersa, parecendo às vezes um quebra-cabeça. Essa situação pode resultar das diferenças entre o entendimento conceitual de cada pesquisador e das suas motivações. É crucial entender a divulgação voluntária como uma resposta à assimetria informacional. Como notado por Francis et al. (2008Francis, J., Nanda, D., & Olsson, P. (2008). Voluntary disclosure, earnings quality e cost of capital. Journal of Accounting Research, 46(1), 53-99.), a ideia de que a divulgação voluntária é determinante para o gerenciamento de resultados ignora o fato de que a divulgação voluntária também pode ser baseada em informações pobres. Esse aspecto torna particularmente difícil a identificação das interações entre gerenciamento de resultados e divulgação voluntária.

Além do mais, um dos grandes desafios da pesquisa empírica sobre gerenciamento de resultados e da divulgação voluntária é a questão da causalidade. Devido à hipótese da natureza endógena da causalidade, é difícil estabelecer e identificar o efeito exato que um mecanismo pode ter sobre o outro. Nesse sentido, o presente estudo é apenas uma tentativa de investigar a relação entre eles. O desenvolvimento ou a aplicação de outros métodos podem também ser contribuições substanciais a essa tarefa.

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    Trabalho apresentado no Encontro Anual da Associação Americana de Contabilidade, Chicago, IL, Estados Unidos da América, agosto de 2015.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2017

Histórico

  • Recebido
    09 Mar 2016
  • Aceito
    05 Jan 2017
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