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Influências de atores institucionais na adoção de normas contábeis para o setor público em Portugal

Resumo

Este estudo analisa como diferentes atores institucionais influenciaram a adoção de normas contábeis baseadas nas IPSAS em Portugal. Há necessidade de se compreenderem os acionamentos de estruturas sociais de significação, de legitimação e de dominação por diferentes atores institucionais em processos de adoção de normas contábeis, nomeadamente em contextos de crise financeira. O estudo do caso português é particularmente relevante devido ao fato de o processo de adoção de novas normas contábeis baseadas nas IPSAS ocorrer num contexto de crise financeira relacionada com a problemática das dívidas soberanas. O conhecimento do processo de adoção de normas contábeis baseadas nas IPSAS em Portugal pode ser útil para atuais e futuros agentes de mudança contábil em outros países. Esta pesquisa adotou uma metodologia de estudo de caso retrospectivo, suportada nos métodos documental e de entrevistas semiestruturadas, como métodos de coleta de dados e de geração de evidências. Este estudo contribui principalmente para mostrar a relevância do uso balanceado de diferentes estruturas sociais (significação, legitimação e dominação) em processos de mudança contábil, assim como para mostrar o reforço do poder de atores institucionais do nível econômico e político diante dos demais atores institucionais em contextos de crise financeira.

Palavras-chave:
normatização contábil; setor público; IPSAS; teoria institucional; Portugal

ABSTRACT

This study analyzes how different institutional actors influenced the adoption of accounting standards based on the IPSAS in Portugal. There is a need to understand how social structures of signification, legitimation, and domination are activated by different institutional actors in the process of adopting accounting standards, particularly in a context of financial crisis. The study of the Portuguese case is particularly relevant due to the fact that the process of adopting new accounting standards based on the IPSAS took place in the context of a financial crisis related to the sovereign debt problem. Knowledge of the process of adopting accounting standards based on the IPSAS in Portugal can be useful for current and future agents of accounting changes in other countries. This research adopted a retrospective case study methodology, supported by documentary sources and semi-structured interviews as data collection and evidence generation methods. The main contribution of this study is to show the relevance of the balanced use of different social structures (signification, legitimation, and domination) in accounting change processes, as well as to show the strengthening of the power of institutional actors at the economic and political level vis-à-vis other institutional actors in contexts of financial crisis.

Keywords:
accounting standardization; public sector; IPSAS; institutional theory; Portugal

1. INTRODUÇÃO

As condições facilitadoras (enabling conditions) (Grossi et al., 2023Grossi, G., Steccolini, I., Adhikari, P., Brown, J., Christensen, M., Cordery, C., & Vinnari, E. (2023). The future of public sector accounting research. A polyphonic debate. Qualitative Research in Accounting & Management, 20(1), 1-37. http://dx.doi.org/10.1108/QRAM-09-2022-0135
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) necessárias para o sucesso das mudanças na contabilidade do setor público, apesar de discutidas pela literatura, ainda têm sido pouco exploradas. É verdade que a contabilidade para o setor público tem sido objeto de maior atenção internacional (Aquino et al., 2020Aquino, A. C. B., Lino, A. F., Cardoso, R. L., & Grossi, G. (2020). Legitimating the standard-setter of public sector accounting reforms. Public Money & Management, 40(7), 499-508. https://doi.org/10.1080/09540962.2020.1769381
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; Bilhim et al., 2022Bilhim, J. A. F., Azevedo, R. R., & Santos, P. G. (2022). Reformas do Setor Público e Mudanças na Contabilidade Pública. Revista Contabilidade, Gestão e Governança, 25(esp), 388-397. https://doi.org/10.51341/cgg.v25iesp.3012
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; Lapsley & Miller, 2019Lapsley, I., & Miller, P. (2019). Transforming the public sector: 1998-2018. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 32(8), 2211-2252. https://eprints.lse.ac.uk/101931/1/Transforming_the_public_sector.pdf
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), envolvendo a diversidade de entidades públicas (Fahmid et al., 2020Fahmid, I. M., Harun, H., Graham, P., Carter, D., Suhab, S., An, Y., Zheng, X., & Fahmid, M. M. (2020). New development: IPSAS adoption, from G20 countries to village governments in developing countries. Public Money & Management, 40(2), 160-163. https://doi.org/10.1080/09540962.2019.1617540
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). Têm também sido identificadas pressões para que se iniciem mudanças nas práticas contábeis dos setores públicos de países de todo o mundo (Grossi & Argento, 2022Grossi, G., & Argento, D. (2022). The fate of accounting for public governance development. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 35(9), 272-303. https://ideas.repec.org/a/eme/aaajpp/aaaj-11-2020-5001.html
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), nomeadamente com o objetivo de controlar os gastos e os déficits públicos (Rossi et al., 2015Rossi, F., Jorge, S., Jesus, M., & Caperchione, E. (2015). Introduction to a symposium on new challenges for public-sector accounting: IPSAS, budgetary reporting and national accounts. International Journal of Public Administration, 38(4), 237-239. https://doi.org/10.1080/01900692.2014.999574
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). Por sua vez, a adoção das International Public Sector Accounting Standards (IPSAS) pelos governos nacionais tem sido apresentada como crucial para melhorar a transparência e a qualidade dos relatórios financeiros do setor público (Gómez-Villegas et al., 2020Gómez-Villegas, M., Brusca, I., & Bergmann, A. (2020). IPSAS in Latin America: Innovation, isomorphism or rhetoric? Public Money & Management, 40(7), 489-498. https://doi.org/10.1080/09540962.2020.1769374
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; Jorge et al., 2016Jorge, S., Jesus, M., & Laureano, R. (2016). Governmental accounting maturity toward IPSASs and the approximation to national accounts in the European Union. International Journal of Public Administration, 39(12), 976-988. https://doi.org/10.1080/01900692.2015.1068324
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), bem como para gerar informação financeira mais comparável entre diferentes países e minimizar as diferenças existentes nos seus princípios contábeis geralmente aceites (Polzer, 2022Polzer, T., Grossi, G. & Reichard, C. (2022). Implementation of the international public sector accounting standards in Europe. Variations on a global theme. Accounting Forum, 46(1), 57-82. https://doi.org/10.1080/01559982.2021.1920277
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;Schmidthuber et al., 2022Schmidthuber, L., Hilgers, D., & Hofmann, S (2022). International Public Sector Accounting Standards (IPSASs): A systematic literature review and future research agenda. Financial Accountability & Management, 38, 119-142.).

No entanto, as mudanças de práticas contábeis levantam inúmeras questões. Algumas estão relacionadas com os atores institucionais envolvidos nos processos de normatização contábil (Guerreiro et al., 2015Guerreiro, M., Rodrigues, L., & Craig, R. (2015). Institutional change of accounting systems: The adoption of a regime of adapted international financial reporting standards. European Accounting Review, 24(2), 379-409. https://doi.org/10.1080/09638180.2014.887477
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; Gomes et al., 2015Gomes, P., Fernandes, M., & Carvalho, J. (2015). The international harmonization process of public sector accounting in Portugal: The perspective of different stakeholders. International Journal of Public Administration, 38(4), 268-281. https://doi.org/10.1080/01900692.2015.1001237
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), com os recursos humanos e tecnológicos disponibilizados por quem gere esses processos (Azevedo, Aquino et al., 2020Azevedo, R. R., Aquino, A. C. B., Neves, F. R., & Silva, C. M. (2020). Deadlines and software: Disentangling local government accounting reforms in Brazil. Public Money & Management, 40(7), 509-518. https://doi.org/10.1080/09540962.2020.1766203
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; Azevedo, Lino et al., 2020Azevedo, R. R., Lino, A. F., Aquino, A. C. B., & Machado-Martins, T. C. P. (2020). Financial management information systems and accounting policies retention in Brazil. International Journal of Public Sector Management, 33(2-3), 207-227. https://doi.org/10.1108/IJPSM-01-2019-0027
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), ou mesmo com o contexto em que se discutem as mudanças de práticas contábeis (Oulasvirta, 2014Oulasvirta, L. (2014). The reluctance of a developed country to choose International Public Sector Accounting Standards of the IFAC: A critical case study. Critical Perspectives on Accounting, 25(3), 272-285. https://doi.org/10.1016/j.cpa.2012.12.001
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; Liguori & Steccolini, 2017Liguori, M., & Steccolini, I. (2017). The power of language in legitimating public-sector reforms: When politicians “talk” accounting. The British Accounting Review, 50(2), 161-173. https://doi.org/10.1016/j.bar.2017.09.006
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). Consequentemente, a adoção das IPSAS e a sua aplicação têm variado muito entre países e níveis governamentais (Christiaens et al., 2015Christiaens, J., Vanhee, C., Manes-Rossi, F., Aversano, N., & Cauwenberge, P. (2015). The effect of IPSAS on reforming governmental financial reporting: An international comparison. International Review of Administrative Sciences, 81(1), 158-177. https://doi.org/10.1177/0020852314546580
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; Organization for Economic Co-operation and Development [OECD], 2017Organization for Economic Co-operation and Development. (2017). Accrual practices and reform experiences in OECD countries. OECD Publishing. https://doi.org/10.1787/9789264270572-en
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; Polzer et al., 2020Polzer, T., Gårseth-Nesbakk, L. & Adhikari, P. (2020), Does your walk match your talk? Analyzing IPSASs diffusion in developing and developed countries. International Journal of Public Sector Management, 33(2/3), 117-139.), justificando a necessidade de explorar a adoção das IPSAS, ou de normas contábeis baseadas nas IPSAS, em diferentes contextos. Faltam particularmente estudos que explorem processos de adoção das IPSAS que contemplem períodos de crises financeiras. Esses períodos podem permitir evidenciar melhor os diferentes graus de poder dos atores envolvidos em processos de mudança de práticas contábeis.

Portugal é um Estado membro da União Europeia (UE), que, tendo por base as IPSAS, adotou o designado sistema de normatização contábil para as administrações públicas (SNC-AP). O estudo do caso português assume particular relevância devido ao fato da adoção de normas contábeis baseadas nas IPSAS ter ocorrido num contexto em que o país se encontrava perante uma grave crise financeira e sob a intervenção monetária por parte de entidades externas. No processo de adoção dessas normas contábeis interveio um vasto conjunto de atores institucionais cujas influências têm de ser interpretadas no contexto social em que essas normas foram discutidas e adotadas. Assim, o presente estudo pretende responder à seguinte questão de investigação: Como diferentes atores institucionais influenciaram a adoção de normas contábeis baseadas nas IPSAS em Portugal?

Em termos de lentes teóricas, este estudo adota o modelo institucional de Dillard et al. (2004Dillard, J. F., Rigsby, J. T., & Goodman, C. (2004). The making and remaking of organization context: Duality and the institutionalization process. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 17(4), 506-542. http://dx.doi.org/10.1108/09513570410554542
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), que propõem uma análise mais abrangente dos processos de mudança ao combinar a teoria institucional Meyer e Rowan (1977Meyer, J. W., & Rowan, B. (1977). Institutionalized organizations: Formal structure as myth and ceremony. American Journal of Sociology, 83(2), 340-363 http://www.jstor.org/stable/2778293
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) com a teoria da estruturação de Giddens (1984Giddens, A. (1984). The constitution of society: Outline of the theory of structuration. University of California Press.), atendendo ainda às noções de contexto social de Weber (1968Weber, M. (1968). Economy and society: An outline of interpretive sociology. Bedminster Press.). Esse modelo permite ilustrar o processo de adoção das novas normas contábeis para o setor público português e a influência de atores institucionais de três níveis (em cascata) de ambiente social que se movem hierarquicamente: nível econômico e político, nível do campo organizacional e nível organizacional. Consistente com a teoria da estruturação, esse modelo teórico vai permitir analisar o processo de adoção de novas práticas contábeis para o setor público português por meio de estruturas sociais de significação, legitimação e dominação acionadas por uma variedade de atores institucionais.

Além desta introdução, este estudo contempla mais quatro seções. A próxima atende à revisão de literatura sobre a contextualização da normatização contábil no setor público, bem como às lentes teóricas adotadas neste estudo. Segue-se a seção da metodologia de investigação, que antecede a seção dos resultados empíricos. Por último, serão apresentadas a seção da discussão dos resultados e a seção das conclusões deste estudo.

2. REVISÃO DA LITERATURA

2.1 Contextualização da Normatização Contábil no Setor Público

As IPSAS são desenvolvidas e emitidas pelo International Public Sector Accounting Standards Board (IPSASB) e pretendem estabelecer normas públicas de contabilidade, com base no regime de competência, para serem utilizadas pelas entidades do setor público de todo o mundo. Em 2001 o IPSASB, composto por 18 membros nomeados pelo conselho da International Federation of Accountants (IFAC), lançou um conjunto de normas internacionais de contabilidade pública, que refletem uma aproximação das normas do setor público às do setor privado (Jorge et al., 2019Jorge, S., Brusca, I., & Nogueira, S. (2019). Translating IPSAS into national standards: An illustrative comparison between Spain and Portugal. Journal of Comparative Policy Analysis: Research and Practice, 21(5), 445-462. https://doi.org/10.1080/13876988.2019.1579976
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). As (novas) práticas contábeis nos setores público e privado visam a harmonização internacional e a minimização das diferenças nos relatórios financeiros entre países (Schmidthuber et al., 2022Schmidthuber, L., Hilgers, D., & Hofmann, S (2022). International Public Sector Accounting Standards (IPSASs): A systematic literature review and future research agenda. Financial Accountability & Management, 38, 119-142.).

As normas internacionais de contabilidade pública são um tema que tem merecido a atenção dos países do G20 (Grupo dos 20 países mais ricos). Por exemplo, na página 3 do “Comunicado emitido pelo Centro de Informações do G20” (G20 Information Centre, 2013G20 Information Centre (2013). Communiqué of Meeting of G20 Finance Ministers and Central Bank Governors, Moscow. http://www.g20.utoronto.ca/2013/2013-0216-finance.html
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), que se sucedeu à reunião decorrida em Moscovo em 2013, é referido que é necessário “avaliar melhor os riscos para a sustentabilidade da dívida pública”, e isso inclui “ter em conta as circunstâncias específicas de cada país, observar a transparência e a comparabilidade dos relatórios do setor público e monitorizar o impacto da vulnerabilidade do setor financeiro na dívida pública”, aumentando a pressão para a adoção de sistemas de contabilidade que permitam uma maior comparabilidade e transparência da informação prestada pelas diferentes entidades do setor público (Rossi et al., 2015Rossi, F., Jorge, S., Jesus, M., & Caperchione, E. (2015). Introduction to a symposium on new challenges for public-sector accounting: IPSAS, budgetary reporting and national accounts. International Journal of Public Administration, 38(4), 237-239. https://doi.org/10.1080/01900692.2014.999574
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; Jorge et al., 2016Jorge, S., Jesus, M., & Laureano, R. (2016). Governmental accounting maturity toward IPSASs and the approximation to national accounts in the European Union. International Journal of Public Administration, 39(12), 976-988. https://doi.org/10.1080/01900692.2015.1068324
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; Bilhim et al., 2022Bilhim, J. A. F., Azevedo, R. R., & Santos, P. G. (2022). Reformas do Setor Público e Mudanças na Contabilidade Pública. Revista Contabilidade, Gestão e Governança, 25(esp), 388-397. https://doi.org/10.51341/cgg.v25iesp.3012
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). Assim, organizações internacionais e países influenciam a adoção das IPSAS ou, pelo menos, a sua utilização como ponto de partida para sistemas de contabilidade mais transparentes e que permitam a comparabilidade da informação financeira prestada pelas diferentes entidades do setor público (Gomes et al., 2015Gomes, P., Fernandes, M., & Carvalho, J. (2015). The international harmonization process of public sector accounting in Portugal: The perspective of different stakeholders. International Journal of Public Administration, 38(4), 268-281. https://doi.org/10.1080/01900692.2015.1001237
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). Já na página 5 do “Relatório da Assembleia Geral das Nações Unidas” (United Nations General Assembly, 2006United Nations General Assembly (2006). Investing in the United Nations for a stronger Organization worldwide: Detailed report. https://documents.un.org/doc/undoc/gen/n06/346/73/pdf/n0634673.pdf?token=2q58VGil3KTd2m0JKl&fe=true
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, p. 5), produzido em 2006, era referido que “as IPSAS são credíveis, de alta qualidade e de produção independente, e a sua adoção é apoiada por governos, organismos de contabilidade profissional e organizações internacionais”.

Por sua vez, ao nível dos países da UE tem-se falado em European Public Sector Accounting Standards (EPSAS), que terão as IPSAS como referência (Jorge et al., 2019Jorge, S., Brusca, I., & Nogueira, S. (2019). Translating IPSAS into national standards: An illustrative comparison between Spain and Portugal. Journal of Comparative Policy Analysis: Research and Practice, 21(5), 445-462. https://doi.org/10.1080/13876988.2019.1579976
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, Bilhim et al., 2022Bilhim, J. A. F., Azevedo, R. R., & Santos, P. G. (2022). Reformas do Setor Público e Mudanças na Contabilidade Pública. Revista Contabilidade, Gestão e Governança, 25(esp), 388-397. https://doi.org/10.51341/cgg.v25iesp.3012
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). À semelhança do que aconteceu com o processo de adoção das IFRS pela UE, pretendem-se normas de contabilidade pública que se adaptem à realidade europeia, tendo por base as IPSAS. Essa ideia foi reforçada com a ocorrência da crise das dívidas soberanas que teve grande incidência nos países da UE, com particular foco na necessidade do controle do déficit e da dívida pública, dado que o plano de estabilidade e crescimento da UE (União Europeia, 1997aEuropean Union. (1997a, July 7). Regulation (EC) no. 1466/1997. Official Journal of the European Communities, 209, 1-5. https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:31997R1466
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; 1997bEuropean Union. (1997b, July 7). Regulation (EC) no. 1467/1997. Official Journal of the European Communities , 209, 6-11. https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:31997R1467
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) visava criar condições para que os seus Estados-Membros tivessem finanças sólidas e políticas fiscais coordenadas. Uma situação de crise financeira e uma dependência externa são grandes pressões para a mudança dos normativos de contabilidade pública (Oulasvirta, 2014Oulasvirta, L. (2014). The reluctance of a developed country to choose International Public Sector Accounting Standards of the IFAC: A critical case study. Critical Perspectives on Accounting, 25(3), 272-285. https://doi.org/10.1016/j.cpa.2012.12.001
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; Gomes et al., 2015Gomes, P., Fernandes, M., & Carvalho, J. (2015). The international harmonization process of public sector accounting in Portugal: The perspective of different stakeholders. International Journal of Public Administration, 38(4), 268-281. https://doi.org/10.1080/01900692.2015.1001237
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).

Em 2011 foi lançado o chamado Six Pack, um pacote de seis medidas que visava reforçar a governação da UE. Uma das medidas legislativas desse pacote constava na Diretiva n. 2011/85/UEEuropean Union. (2011, November 8). Council Directive 2011/85/EU. Official Journal of the European Union , (306), 41-47. https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:32011L0085
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do Conselho, que estabelece os requisitos aplicáveis aos quadros orçamentais dos Estados-Membros. Essa medida atribui à UE a responsabilidade pela avaliação da adoção de normas de contabilidade pública nos Estados-Membros com base nas IPSAS. Na primeira consulta pública realizada pela UE durante o ano de 2012, sobre a adequação das IPSAS, a Alemanha mostrou-se mais defensora de uma solução europeia, ou seja, do desenvolvimento de normas ao nível da Europa, as já denominadas EPSAS. Já a França, a Polônia e a Áustria manifestaram-se contra a aplicação das IPSAS, afirmando que estas não têm legitimidade política. No entanto, as empresas internacionais de contabilidade e os órgãos de contabilidade oficiais têm sido fortes defensores das IPSAS (Pontoppidan & Alijarde, 2016Pontoppidan, C. & Alijarde, I. B. (2016). The first steps towards harmonizing public sector accounting for European Union member states: Strategies and perspectives. Journal Public Money & Management, 36(3), 181-188. https://doi.org/10.1080/09540962.2016.1133970
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). Essa defesa feita pelas empresas de contabilidade poderá dever-se ao fato de as IPSAS serem semelhantes às IFRS e, por isso, facilitarem seu trabalho.

Posteriormente, em 2013, no documento que acompanhava a consulta pública “Rumo à aplicação de Normas Europeias de Contabilidade aplicadas ao Setor Público (EPSAS) para os Estados-Membros da UE” (EC, 2013EC - European Commission (2013). Towards implementing harmonised public sector accounting standards in Member States: Report from the Commission to the Council and the European Parliament. https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:52013DC0114
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), dirigido ao Conselho e ao Parlamento Europeu, a Comissão Europeia (CE) considera ser indispensável implementar as IPSAS no contexto europeu. No entanto, admitia que essas normas não poderiam ser aplicadas aos Estados membros da UE sem sofrerem algumas adaptações. Para justificar essa posição, a CE argumenta que as IPSAS não atendiam às políticas contábeis que são seguidas na UE, dando em algumas situações oportunidades de tratamento contábil diferenciadas, dificultando assim o processo de harmonização. A CE considera também que as IPSAS ainda não refletiam os fluxos governamentais na sua totalidade, tais como impostos e taxas, não estando totalmente preparadas para as necessidades específicas de divulgação dos setores públicos dos Estados-Membros da UE (Polzer et al., 2022Polzer, T., Grossi, G. & Reichard, C. (2022). Implementation of the international public sector accounting standards in Europe. Variations on a global theme. Accounting Forum, 46(1), 57-82. https://doi.org/10.1080/01559982.2021.1920277
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).

Apesar da UE ter a intenção de desenvolver as EPSAS, no documento de “Estratégia e plano de trabalho do IPSASB para o quadriénio 2019-2023” (IFAC, 2019IFAC - International Federation of Accountants (2019). IPSASB strategy and work plan 2019-2023. IFAC. https://documents.un.org/doc/undoc/gen/n06/346/73/pdf/n0634673.pdf?token=2q58VGil3KTd2m0JKl&fe=true
https://documents.un.org/doc/undoc/gen/n...
) consta o desenvolvimento das IPSAS, a sensibilização para as IPSAS e os benefícios da adoção, tentando evidenciar as vantagens nos Estados-Membros da UE. É importante referir que ainda não existem EPSAS, mas apenas uma proposta de estrutura conceitual para elas. Nesse contexto, as IPSAS têm sido o referencial contabilístico para a definição de normas de contabilidade para os setores públicos dos países da UE. Portugal, como Estado-Membro da UE, tem participado desse debate de adoção das IPSAS, ou das IPSAS adaptadas ao contexto europeu.

2.2 Modelo Institucional de Dillard, Rigsby e Goodman (2004)

Diferentes modelos de teoria institucional têm sido adotados pelos investigadores para explicar a influência de diversos atores envolvidos em processos de mudança de práticas contabilísticas (Robalo, 2014Robalo, R. C. (2014). Explanations for the gap between management accounting rules and routines: An institutional approach. Revista de Contabilidad,17(1), 88-97. https://www.elsevier.es/es-revista-revista-contabilidad-spanish-accounting-review-368-articulo-explanations-for-gap-between-management-S1138489114000041; Guerreiro et al., 2015Guerreiro, M., Rodrigues, L., & Craig, R. (2015). Institutional change of accounting systems: The adoption of a regime of adapted international financial reporting standards. European Accounting Review, 24(2), 379-409. https://doi.org/10.1080/09638180.2014.887477
https://doi.org/10.1080/09638180.2014.88...
; Major et al., 2018Major, M., Conceição, A., & Clegg, S. (2018). When institutional entrepreneurship failed: The case of a responsibility centre in a Portuguese hospital. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 31(4), 1199-1229. http://dx.doi.org/10.1108/AAAJ-09-2016-2700
http://dx.doi.org/10.1108/AAAJ-09-2016-2...
; Wanderley et al., 2022Wanderley, C. A., Cullen, J., & Tsamenyi, M. (2022). The unfolding rationales surrounding management accounting innovations: A balanced scorecard case.Accounting, Auditing & Accountability Journal, 35(5), 1212-1238. http://dx.doi.org/10.1108/AAAJ-05-2019-4001
http://dx.doi.org/10.1108/AAAJ-05-2019-4...
). O modelo institucional de Dillard et al. (2004Dillard, J. F., Rigsby, J. T., & Goodman, C. (2004). The making and remaking of organization context: Duality and the institutionalization process. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 17(4), 506-542. http://dx.doi.org/10.1108/09513570410554542
http://dx.doi.org/10.1108/09513570410554...
), que tem como objetivo explicar as dinâmicas institucionais nos processos de mudança organizacional, acrescenta as noções de contexto social de Weber (1968Weber, M. (1968). Economy and society: An outline of interpretive sociology. Bedminster Press.) à teoria institucional de Meyer & Rowan (1977Meyer, J. W., & Rowan, B. (1977). Institutionalized organizations: Formal structure as myth and ceremony. American Journal of Sociology, 83(2), 340-363 http://www.jstor.org/stable/2778293
http://www.jstor.org/stable/2778293...
), que defende que as organizações que querem se legitimar adotam práticas das suas congéneres mais bem-sucedidas, e atende ainda à teoria da estruturação que traz a mudança ao processo institucional de Giddens (1984Giddens, A. (1984). The constitution of society: Outline of the theory of structuration. University of California Press.), reconhecendo a possibilidade de as instituições serem criadas e modificadas por meio de ações de indivíduos e/ou grupos.

Como ilustrado na Figura 1, o modelo de Dillard et al. (2004Dillard, J. F., Rigsby, J. T., & Goodman, C. (2004). The making and remaking of organization context: Duality and the institutionalization process. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 17(4), 506-542. http://dx.doi.org/10.1108/09513570410554542
http://dx.doi.org/10.1108/09513570410554...
) admite que os processos de mudança institucional se movem hierarquicamente em cascata pelos três níveis existentes: o nível econômico e político (EP) e o nível do campo organizacional (CO). O nível econômico e político fornece as bases para as instituições ao nível do campo organizacional, e o campo organizacional fornece o contexto para as instituições com que as organizações se confrontam e em que estão inseridas. Este modelo também admite que diferentes grupos de atores estejam numa posição mais influente nos diferentes níveis institucionais. Por exemplo, os agentes governamentais, os reguladores e os legisladores podem ser os principais atores no nível econômico e político. Os líderes da indústria, os sindicatos e os consultores externos podem ter uma influência significativa no nível do campo organizacional, e os gestores e os trabalhadores podem ser os principais atores do nível organizacional.

Figura 1.
Modelo de Dillard et al. (2004 Dillard, J. F., Rigsby, J. T., & Goodman, C. (2004). The making and remaking of organization context: Duality and the institutionalization process. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 17(4), 506-542. http://dx.doi.org/10.1108/09513570410554542
http://dx.doi.org/10.1108/09513570410554...
)

Especificamente no nível econômico e político são definidos os procedimentos e normativos (CEP) aceites no contexto macro, sob a influência das forças como o poder político e os interesses econômicos (Distribuição de Poder) e de acordo com as limitações existentes, como os princípios contabilísticos e os normativos legais. Atendendo ao contexto de adoção (total ou parcial) de IPSAS por parte de Estados-Membros da UE, a CE, o Parlamento Europeu, governos dos Estados-Membros e entidades financiadoras das dívidas soberanas são exemplos de atores institucionais do nível econômico e político. Eles têm a capacidade de mobilizar importantes aliados e recursos para implementar mudanças contábeis, contribuindo assim para a institucionalização de práticas contábeis alternativas (Guerreiro et al., 2015Guerreiro, M., Rodrigues, L., & Craig, R. (2015). Institutional change of accounting systems: The adoption of a regime of adapted international financial reporting standards. European Accounting Review, 24(2), 379-409. https://doi.org/10.1080/09638180.2014.887477
https://doi.org/10.1080/09638180.2014.88...
).

Posteriormente, atores do nível do campo organizacional, nomeadamente organizações de profissionais, traduzem e disseminam os parâmetros definidos no nível econômico e político (CCO) sob a forma de regras para o nível organizacional (PCO), em que os recursos serão depois alocados às tarefas necessárias. Ao operacionalizar as práticas no nível organizacional, profissionais inovadores (I) vão otimizar o desempenho dos processos dentro dos limites estabelecidos no campo organizacional. Essas novas práticas adaptadas serão depois disseminadas pelas congêneres do nível organizacional, denominadas adotantes tardias (AT), e essa adoção e disseminação irão legitimar as novas práticas (P’CO) e implicar o seu reporte ao nível do campo organizacional, em que podem ser aceites ou não, e é nessa fase que surge a mudança institucional pela mudança de critérios (C’CO). Os resultados dessa mudança são depois reportados ao nível superior e convertidos por meio da mudança nas forças do poder político e interesses econômicos em normas/regras (C’EP), que voltam a percorrer novamente os três níveis em sentido descendente.

A adoção de práticas contábeis, dentro e entre os três níveis, decorre de algum tipo de isomorfismo, que define e reconhece a praticidade e utilidade dos procedimentos. Os isomorfismos podem ocorrer pela via coerciva, mimética ou normativa (DiMaggio & Powell, 1983DiMaggio, P. J., & Powell, W. W. (1983). The iron cage revisited: Institutional isomorphism and collective rationality in organizational fields. American Sociological Review, 48(2), 147-160. https://doi.org/10.2307/2095101
https://doi.org/10.2307/2095101...
). Estamos perante isomorfismos de natureza coerciva quando as práticas são adotadas por imposição de um órgão de soberania ou de gestão, ou quando se revestem de natureza jurídica. Podem ainda ser de natureza mimética, quando há uma cópia total ou parcial de práticas bem-sucedidas, ou de natureza normativa, quando as práticas são influenciadas por entidades de profissionais de referência, procurando-se maior rigor e/ou credibilidade. Por exemplo, Gomes et al. (2015Gomes, P., Fernandes, M., & Carvalho, J. (2015). The international harmonization process of public sector accounting in Portugal: The perspective of different stakeholders. International Journal of Public Administration, 38(4), 268-281. https://doi.org/10.1080/01900692.2015.1001237
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) atenderam ao processo de harmonização da contabilidade do setor público em Portugal e evidenciaram, por meio da teoria institucional, que os estímulos da reforma provêm fundamentalmente do contexto econômico e político, com uma combinação de pressões coercivas, normativas e miméticas.

Recorrendo à teoria da estruturação de Giddens (1984Giddens, A. (1984). The constitution of society: Outline of the theory of structuration. University of California Press.), o modelo de Dillard et al. (2004Dillard, J. F., Rigsby, J. T., & Goodman, C. (2004). The making and remaking of organization context: Duality and the institutionalization process. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 17(4), 506-542. http://dx.doi.org/10.1108/09513570410554542
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) contempla também três eixos de tensão que operam entre os níveis institucionais. O primeiro, de representação institucional, reporta à estrutura social da significação e define o reconhecimento de representação simbólica dado a atores de um nível institucional pelos demais atores. O segundo eixo, o de racionalidade dos processos e critérios, reporta à estrutura social da legitimação em que são reconhecidas normas e condutas institucionais. Esses dois eixos determinam, no contexto da normatização contábil, as ligações e orientações entre atores de diferentes níveis e o reconhecimento da utilidade de novas práticas contábeis. O terceiro eixo é o de poder, de domínio ou controle, e que reporta à estrutura social da dominação, ou à capacidade de controlar e mobilizar recursos. É também esse o eixo que pauta o ritmo da mudança, mais rápida ou mais lenta.

O modelo de Dillard et al. (2004Dillard, J. F., Rigsby, J. T., & Goodman, C. (2004). The making and remaking of organization context: Duality and the institutionalization process. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 17(4), 506-542. http://dx.doi.org/10.1108/09513570410554542
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) tem sido adotado por investigadores da área da contabilidade para compreender e explicar processos de mudança em práticas contabilísticas. Por exemplo, Guerreiro et al. (2015Guerreiro, M., Rodrigues, L., & Craig, R. (2015). Institutional change of accounting systems: The adoption of a regime of adapted international financial reporting standards. European Accounting Review, 24(2), 379-409. https://doi.org/10.1080/09638180.2014.887477
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) utilizaram esse modelo para compreender o processo de mudança do normativo contabilístico para o setor privado em Portugal. Os autores mostram como o contexto socioeconômico e o contexto político podem facilitar e até mover importantes aliados para influenciarem os processos de mudança institucional. Já Adhikari e Garseth-Nesbakk (2016Adhikari, P., & Garseth-Nesbakk, L. (2016). Implementing public sector accruals in OECD member states: Major issues and challenges. Accounting Forum, 40(2), 125-142. https://doi.org/10.1016/j.accfor.2016.02.001
https://doi.org/10.1016/j.accfor.2016.02...
) argumentam que para a implementação de uma contabilidade por competência nos Estados-Membros da UE é necessário existir comunicação entre os diferentes níveis institucionais.

3. METODOLOGIA

Procurando compreender como diferentes atores institucionais influenciaram a adoção do SNC-AP em Portugal, este estudo adotou uma abordagem qualitativa, recorrendo à metodologia de estudo de caso retrospectivo. Para o efeito, recorreu-se ao método documental e ao método de entrevistas semiestruturadas, que são particularmente indicados quando se pretende responder às questões do tipo “como” (Vieira et al., 2017Vieira, R., Major, M., & Robalo, R. (2017). Investigação qualitativa em contabilidade. In R. Vieira & M. Major (Ed), Contabilidade e controlo de gestão: Teoria, metodologia e prática (pp. 139-171). Editora Escolar.; Yin, 2014Yin, R. K. (2014). Case Study Research Design and Methods. Sage.).

Este estudo assentou fundamentalmente na análise de um vasto conjunto de documentos produzidos por diferentes atores institucionais, nomeadamente organismos da UE e do Estado Português, em diferentes momentos (Tabela 1). Todos os documentos foram analisados atendendo ao contexto social e institucional em que foram produzidos.

Complementarmente, foram realizadas, entre janeiro e março de 2019, entrevistas semiestruturadas com pessoas fortemente ligadas a processos de normatização contábil em Portugal e que acompanharam de perto o processo de adoção do SNC-AP (Tabela 2), como membros da Comissão de Normalização Contabilística (CNC), da Administração Pública, da academia, da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC) e da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (OROC).

As primeiras entrevistas foram realizadas com membros do comitê de normatização contábil para o setor público. Estas incidiram essencialmente na identificação dos motivos que levaram à adoção do SNC-AP, com vista a elucidar quais os principais intervenientes em todo esse processo e quais as bases utilizadas para a construção das normas de contabilidade pública em Portugal. As entrevistas foram conduzidas na língua nativa dos entrevistados (português), tendo sido gravadas e transcritas para que houvesse uma maior confiabilidade no processo de análise da evidência obtida. Posteriormente, as transcrições das entrevistas foram enviadas aos respectivos entrevistados para que estes pudessem validar a informação coletada durante a entrevista, e também para que ainda pudessem acrescentar alguma informação adicional.

Tabela 1
Lista de fontes documentais

Com o objetivo de triangulação da informação obtida por meio do método documental e das entrevistas, como aconselhado por Vieira et al. (2017Vieira, R., Major, M., & Robalo, R. (2017). Investigação qualitativa em contabilidade. In R. Vieira & M. Major (Ed), Contabilidade e controlo de gestão: Teoria, metodologia e prática (pp. 139-171). Editora Escolar.), a coleta de dados e a geração de evidência seguiram um processo iterativo. Por exemplo, em cada nova entrevista que foi agendada teve-se em consideração uma revisão da evidência gerada pelas entrevistas precedentes e pelo vasto conjunto de documentos coletados até sua realização. As entrevistas foram particularmente importantes para validar interpretações dos investigadores baseadas nos documentos já coletados, mas também para identificar novas fontes documentais. Esse processo de triangulação permitiu alcançar o ponto de saturação, isto é, o ponto em que os investigadores já não obtinham novas evidências.

Tabela 2
Lista de entrevistas

O processo iterativo de análise da informação coletada se assentou nas três etapas sugeridas por Miles et al. (2014Miles, M. B., Huberman, A. M., & Saldana, J. (2014). Qualitative data analysis: A Methods Sourcebook. Sage.). Em primeiro lugar, a informação coletada a partir dos documentos e das entrevistas semiestruturadas foram codificados e agrupados em categorias que foram definidas de acordo com cada nível institucional do modelo institucional de Dillard et al. (2004Dillard, J. F., Rigsby, J. T., & Goodman, C. (2004). The making and remaking of organization context: Duality and the institutionalization process. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 17(4), 506-542. http://dx.doi.org/10.1108/09513570410554542
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). O objetivo aqui foi ordenar e dar significado à informação coletada. Em segundo lugar, esses dados foram organizados para identificar padrões por meio das lentes do modelo institucional adotado. Finalmente, foram retiradas e verificadas as conclusões.

4. ESTUDO EMPÍRICO

4.1 Pressões de Atores Institucionais do Nível Econômico e Político

As primeiras normas de contabilidade pública em Portugal emergiram com o Decreto-Lei n. 232/1997Portugal. Decree-Law no. 232 (1997, August 3). Approves the Official Public Accounting Plan, defines its scope and creates the Public Administration Accounting Standardization Committee. Diário da República, no. 203, Series I-A., e tiveram por base as normas contábeis nacionais para o setor privado, cuja última alteração mais significativa havia ocorrido em 1989 (Decreto-Lei n. 410/1989Portugal. Decree-Law no. 410 (1989, November 21). Approves the Official Accounting Plan. Diário da República, no. 268, Series I.). O Decreto-Lei n. 232/1997Portugal. Decree-Law no. 232 (1997, August 3). Approves the Official Public Accounting Plan, defines its scope and creates the Public Administration Accounting Standardization Committee. Diário da República, no. 203, Series I-A. apresenta o resultado do trabalho de um grupo denominado “Estrutura de missão”, que teve como objetivo principal a elaboração do plano oficial de contabilidade pública (POCP), objetivo que havia sido definido em 1992, quando do regime da administração financeira do Estado português (Decreto-Lei n. 155/1992Portugal. Decree-Law no. 155 (1992, July 28). Establishes the State's financial administration regime. Diário da República, no. 172, Series I-A.). Posteriormente à entrada em vigor do POCP, e devido às especificidades de alguns setores do Estado português, foram sendo desenvolvidos planos setoriais para a saúde, a educação, as autarquias locais, e para as organizações do sistema de solidariedade e segurança social.

As primeiras indicações da necessidade de alteração do POCP começaram a ser dadas muito antes da decisão de adoção do SNC-AP em 2015 (Decreto-Lei n. 192/2015Portugal. Decree-Law no. 192 (2015, September 11). Approves the Accounting Standardization System for Public Administrations (SNC-AP), which includes the conceptual structure of public financial information, the public accounting standards and the multidimensional chart of accounts, respectively set forth in Annexes I to III to this Decree-Law and which form an integral part thereof, and amends (fifth amendment) Decree-Law no. 158/2009 of 13 July, which approves the Accounting Standardization System. Diário da República, no. 178, Series I.). Relativamente à consolidação de contas, o POCP apresentava a fragilidade de não estabelecer normas e princípios em que devia estar assente a consolidação de contas, tal como já acontecia com as normas contábeis para o setor privado. Essa situação evidencia um sinal de isomorfismo mimético das práticas contábeis do setor privado em Portugal (DiMaggio & Powell, 1983DiMaggio, P. J., & Powell, W. W. (1983). The iron cage revisited: Institutional isomorphism and collective rationality in organizational fields. American Sociological Review, 48(2), 147-160. https://doi.org/10.2307/2095101
https://doi.org/10.2307/2095101...
). Assim, em 2010, diante dessa fragilidade do POCP, foi publicada a Portaria n. 474/2010Ordinance no. 474 (2010, July 1). Establishes the model of vocational training certificate, which, within the scope of the National Qualifications System, is intended to certify the successful completion of a certified training course not included in the National Catalogue of Qualifications. Diário da República, no. 126, Series II., na qual consta que o POCP, aprovado pelo Decreto-Lei n. 232/1997Portugal. Decree-Law no. 232 (1997, August 3). Approves the Official Public Accounting Plan, defines its scope and creates the Public Administration Accounting Standardization Committee. Diário da República, no. 203, Series I-A., não tinha presente os princípios a aplicar na consolidação de contas e incitava a urgência de se enquadrar em legislação relativa à consolidação. Tiveram início aqui os primeiros sinais de estruturas de significação da teoria da estruturação de Giddens (1984Giddens, A. (1984). The constitution of society: Outline of the theory of structuration. University of California Press.), incorporadas no modelo institucional de Dillard et al. (2004Dillard, J. F., Rigsby, J. T., & Goodman, C. (2004). The making and remaking of organization context: Duality and the institutionalization process. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 17(4), 506-542. http://dx.doi.org/10.1108/09513570410554542
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) para mudanças contábeis no setor público português. Tal como refere um dos entrevistados [C], “O processo do SNC-AP já há muitos anos que vem sendo falado, e partiu da necessidade de o Estado ter uma conta única […], saber a real saúde dos diversos subsistemas que existem no mesmo. O Estado só consegue gerir bem/melhor se realmente conhecer os valores, os custos envolvidos, as receitas que detém e o patrimônio que tem. O SNC-AP advém dessa necessidade”.

Nesse contexto, as IPSAS foram indicadas como base para a consolidação, e começou a falar-se num novo sistema público de normatização contábil baseado nelas. Foi referida a importância da consolidação de contas, nomeadamente na comparação da informação com diferentes setores do Estado e nos processos de tomada de decisão. Foram também sublinhadas a qualidade da informação e a sua transparência.

A Portaria n. 474/2010Ordinance no. 474 (2010, July 1). Establishes the model of vocational training certificate, which, within the scope of the National Qualifications System, is intended to certify the successful completion of a certified training course not included in the National Catalogue of Qualifications. Diário da República, no. 126, Series II. considera que se deve estabelecer como objetivo a criação de critérios e práticas para a consolidação de contas, apontando-se a criação de um sistema contábil para o setor público. Essa portaria prescreve que as entidades que fazem parte do perímetro de consolidação das entidades públicas devem cumprir os requisitos mínimos de conteúdos estabelecidos nas normas nacionais e internacionais de contabilidade pública, coerente com a Diretiva n. 83/349 da UE. Há, assim, evidência clara de estruturas de legitimação para suportar a mudança do sistema contábil para o setor público em Portugal.

Por sua vez, a crise das dívidas soberanas na UE levou a CE e o Eurostat a estarem mais preocupados com a confiabilidade da informação contábil reportada pelos Estados-Membros. Essa preocupação levou à criação, em 2011, de um pacote de medidas a serem aplicadas aos Estados-Membros, o qual foi denominado Six Pack. No âmbito desse pacote de medidas, o artigo 16.º, n. 3, da Diretiva n. 2011/85/EUEuropean Union. (2011, November 8). Council Directive 2011/85/EU. Official Journal of the European Union , (306), 41-47. https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:32011L0085
https://eur-lex.europa.eu/legal-content/...
, que estabelece os requisitos aplicáveis aos quadros orçamentais dos Estados membros, veio informar que até ao final de 2012 a CE realizaria uma avaliação das normas internacionais de contabilidade do setor público. Também é evidenciado nessa Diretiva o papel crucial da UE na supervisão dos dados orçamentais, e daí a necessidade de dados transparentes, reais e confiáveis, sendo que se acentuou a necessidade de harmonização das normas de contabilidade pública. Essa Diretiva contempla ainda que os Estados-Membros devem criar sistemas contábeis que incluam todos os subsetores da administração pública.

Estruturas de significação da necessidade de alterações das normas contábeis para o setor público são reforçadas por atores institucionais do nível econômico e político (CE e Eurostat). Apesar de não obrigar, a Diretiva n. 2011/85/EUEuropean Union. (2011, November 8). Council Directive 2011/85/EU. Official Journal of the European Union , (306), 41-47. https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:32011L0085
https://eur-lex.europa.eu/legal-content/...
veio “encorajar” os Estados membros da UE a adotarem práticas de natureza corporativa para alterarem as suas normas de contabilidade pública.

Na sequência do pacote de medidas Six Pack, em 2011 é publicada em Portugal uma nova lei do enquadramento orçamental, Lei n. 64CLaw n. 64C. (2011, December 30). Approves the strategy and procedures to be adopted under the budget framework law, as well as the timetable for their implementation until 2015. Diário da República, no. 250, Series I., de 30 de dezembro de 2011. Nesta são apresentadas as fragilidades existentes no sistema orçamental português, e é feita uma clarificação sobre os processos metodológicos distintos utilizados entre a ótica da contabilidade nacional e a ótica da contabilidade pública. A primeira baseia-se no princípio da competência, sendo importante para a divulgação de contas ao nível europeu. Já a contabilidade pública utilizada na prestação de contas pelas diversas entidades do Estado português assentava no regime de caixa. Com a nova lei do enquadramento orçamental, o Estado português aciona estruturas de legitimação (Giddens, 1984Giddens, A. (1984). The constitution of society: Outline of the theory of structuration. University of California Press.; Dillard et al., 2004Dillard, J. F., Rigsby, J. T., & Goodman, C. (2004). The making and remaking of organization context: Duality and the institutionalization process. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 17(4), 506-542. http://dx.doi.org/10.1108/09513570410554542
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) com a CE e o Eurostat, na medida em que procura corresponder às medidas do Six Pack.

O contexto de crise financeira em Portugal veio acelerar o processo de adoção de normas contábeis baseadas nas IPSAS. Durante o mais recente processo de intervenção monetária, em 2011, as três entidades financiadoras (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e CE) fizeram, conjuntamente, recomendações ao Governo português para que fossem utilizadas as IPSAS nos processos de prestação de contas, aumentando assim a transparência e a responsabilização. A atuação dessas entidades institucionais do nível econômico e político mostra a ativação de estruturas de dominação associadas ao seu poder de financiadores da República Portuguesa. O processo de alteração foi formalizado a partir da reforma levada a cabo pelo Ministério das Finanças do Governo português em 2011, tal como referido por um dos entrevistados [B]: “O processo foi iniciado pelo Governo português, que alterou a estrutura orgânica da CNC”. Diante da crescente pressão para uma melhor gestão dos recursos financeiros públicos decorrente da intervenção monetária por parte das referidas entidades externas, em 2012 o Governo português delegou à CNC a criação de um sistema contábil público que fosse coerente com as IPSAS e com o sistema de normatização contábil (SNC) adotado em 2009 para o setor privado (Decreto-Lei n. 134/2012Portugal. Decree-Law no. 134 (2012, July 29). Revises the structure and composition of the Accounting Standardization Committee, adapting it to the new standardization responsibilities for the public sector. Diário da República, no. 125, Series I.).

As pressões externas de atores institucionais do nível econômico e político exercidas sobre o Governo português são visíveis. Por exemplo, procurando legitimar a sua ação, o Governo português promove uma reestruturação da CNC, fazendo com que essa entidade passe a ser responsável pela normatização contábil para o setor público, incluindo as várias administrações públicas. No Decreto-Lei n. 134/2012Portugal. Decree-Law no. 134 (2012, July 29). Revises the structure and composition of the Accounting Standardization Committee, adapting it to the new standardization responsibilities for the public sector. Diário da República, no. 125, Series I. é apresentada a nova estrutura orgânica da CNC, incluindo dois comitês distintos: um para o setor privado e outro para o setor público. No preâmbulo desse Decreto-Lei dá-se grande ênfase à contabilidade pública, salientado a necessidade de “uma nova fase de reforma na administração pública”. Também no artigo 2.º é comunicado o novo objetivo da CNC: “incumbe à CNC realizar trabalhos técnicos com vista à aprovação de um único sistema de normatização contábil para o setor público adaptado às normas internacionais específicas para o setor público (IPSAS) e às leis nacionais em que estas matérias são reguladas”.

É também de se salientar o recurso destinado a estruturas de significação para enquadrar o novo sistema de normatização contábil para o setor público. Isso é observável no texto do Decreto-Lei n. 134/2012Portugal. Decree-Law no. 134 (2012, July 29). Revises the structure and composition of the Accounting Standardization Committee, adapting it to the new standardization responsibilities for the public sector. Diário da República, no. 125, Series I., mas também no “Documento de estratégia orçamental de 2012-2016”, do Ministério das Finanças português, em que se salienta que será necessário fazer uma reforma da contabilidade pública tendo por base as IPSAS, argumentando que essa reforma vai permitir conhecer com “mais rigor” a situação financeira das entidades públicas portuguesas.

Por sua vez, as pressões externas para a adoção de normas de contabilidade pública baseadas nas IPSAS continuaram a ser frequentemente reforçadas por meio de estruturas de significação desencadeadas por atores institucionais do nível econômico e político. Por exemplo, em 2013 a CE elaborou um relatório dirigido ao Conselho Europeu e ao Parlamento Europeu relativo à aplicação de normas de contabilidade harmonizadas do setor público nos Estados-Membros. Nesse relatório é evidenciado que a crise das dívidas soberanas desencadeou a necessidade de harmonização das normas para os Estados-Membros poderem demonstrar os dados orçamentais com realidade e confiabilidade. Esse documento defende ainda as IPSAS como sendo o “único conjunto de normas contábeis do setor público reconhecido internacionalmente”, influenciando a sua adoção pelos Estados-Membros. Um outro exemplo em que existe a intenção de influenciar os governos nacionais a adotarem as IPSAS está patente no comunicado emitido em 2013, em Moscovo, pelo Centro de Informações do G20, que aconselha explicitamente a sua adoção.

4.2 O Relevante Papel de Outros Atores Institucionais

Apesar da forte influência dos atores institucionais do nível econômico e político, é também de se salientar o relevante papel de outros atores institucionais no processo de adoção do SNC-AP em Portugal. Esses atores estão posicionados no nível do campo organizacional ou no nível organizacional, atendendo à conceitualização do modelo institucional de Dillard et al. (2004Dillard, J. F., Rigsby, J. T., & Goodman, C. (2004). The making and remaking of organization context: Duality and the institutionalization process. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 17(4), 506-542. http://dx.doi.org/10.1108/09513570410554542
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). São atores institucionais que tendem a estar representados nos dois comitês de normatização contábil da CNC (comitê para o setor público e comitê para o setor privado), que resultaram da alteração da estrutura orgânica da CNC com o objetivo claro de alterar o normativo contábil para o setor público (Decreto-Lei n. 134/2012Portugal. Decree-Law no. 134 (2012, July 29). Revises the structure and composition of the Accounting Standardization Committee, adapting it to the new standardization responsibilities for the public sector. Diário da República, no. 125, Series I.), como nos relembra um dos entrevistados: “anteriormente à intervenção financeira externa de 2011, havia a CNC para a contabilidade empresarial, e havia uma comissão fora da CNC para contabilidade pública. Houve um processo de fusão das duas comissões de normatização contábil, formando-se dois comitês distintos dentro da CNC, um para o setor privado e outro para o setor público” (E).

Na verdade há diversos atores institucionais com representação na CNC, representados não só no conselho geral da CNC, que tem o poder de aprovar ou rejeitar as normas que são elaboradas e propostas por ambos os comitês, como também nos próprios comitês de normatização contábil. Como definido no Decreto-Lei n. 134/2012Portugal. Decree-Law no. 134 (2012, July 29). Revises the structure and composition of the Accounting Standardization Committee, adapting it to the new standardization responsibilities for the public sector. Diário da República, no. 125, Series I., o comitê para o setor público conta com representantes da Direção Geral do Orçamento, da Direção Geral das Autarquias Locais, da Inspeção Geral de Finanças, da OROC, da OCC, de professores de escolas de contabilidade e de especialistas independentes. Por sua vez, a participação ativa desses atores institucionais no processo de adoção do SNC-AP foi confirmada pelos entrevistados A, B, D e E. Por exemplo, o entrevistado B afirma que “todas as entidades que faziam parte do comitê público estiveram envolvidas”. Todos os atores institucionais envolvidos deram o seu contributo e influenciaram o processo de adoção do SNC-AP, na medida em que era necessário adaptar o normativo internacional ao caso português. Referindo-se a esses atores institucionais, o entrevistado A afirma que “cada um deles trouxe a perspetiva que tinha da prática da administração pública, enquanto stakeholders”.

O envolvimento de vários atores do nível do campo organizacional no processo de adoção do SNC-AP em Portugal evidencia a importância das estruturas de legitimação, que ajudaram a suportar a necessidade de mudança das práticas contábeis do setor público português. Essa legitimação pode ser maior quanto mais atores do campo organizacional estiverem envolvidos, na medida em que mais atores podem implicar maior conhecimento acumulado e maior capacidade de disseminação das normas contábeis para os atores do nível organizacional. Apesar de as normas contábeis serem elaboradas como base nas IPSAS, havia assuntos em que se podiam tomar decisões sobre que métodos utilizar, quais se aplicavam no caso português, e por vezes eram solicitadas opiniões a entidades específicas, como no exemplo que é referido pelo entrevistado A: “uma das normas em que nós na altura achámos que era difícil para os membros da CNC que ali estavam se pronunciarem tinha a ver com a norma dos benefícios dos empregados, e pedimos uma opinião ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social”.

Grande parte das entidades do Estado português tem o seu próprio departamento de contabilidade. No entanto, algumas delas são obrigadas a ter revisor oficial de contas inscrito na OROC, profissionais que normalmente exercem funções em entidades do setor privado. As diferenças do setor privado para o setor público eram grandes, o que exigia um maior esforço desses profissionais. A harmonização contábil torna-se por isso uma mais-valia para os revisores oficiais de contas, uma vez que permite uma maior convergência entre as normas do setor público e as do setor privado. Anteriormente à reforma, o livro das Normas Internacionais de Contabilidade do Setor Público (2012) foi traduzido para português, e a tradução foi levada a cabo pela OROC. Tal como refere o entrevistado D, “a OROC tinha acabado de publicar uma tradução, em livro, de todas normas internacionais de contabilidade do setor público, o que ajudou muito o trabalho da CNC, que pegou nessas normas que já estavam traduzidas”.

Muitos dos atores institucionais com representação na CNC tinham participado do processo de adoção das normas contábeis para o setor privado. Esses atores, como a OROC, a OCC e os professores de escolas de contabilidade, influenciaram a aproximação das normas contábeis para o setor público (SNC-AP) às normas contábeis para o setor privado (SNC). Essa prática de aproximação já havia sido institucionalizada quando da adoção, em 1997, das primeiras normas de contabilidade pública em Portugal (Decreto-Lei n. 232/1997Portugal. Decree-Law no. 232 (1997, August 3). Approves the Official Public Accounting Plan, defines its scope and creates the Public Administration Accounting Standardization Committee. Diário da República, no. 203, Series I-A.), que tiveram por base as normas contábeis nacionais para o setor privado, conforme já foi referido neste estudo.

É importante ter em consideração que o SNC tem por base as IFRS, e as IPSAS são baseadas nas IFRS. Portanto, há uma clara evidência das IFRS e do SNC como estruturas de significação (Giddens, 1984Giddens, A. (1984). The constitution of society: Outline of the theory of structuration. University of California Press.; Dillard et al., 2004Dillard, J. F., Rigsby, J. T., & Goodman, C. (2004). The making and remaking of organization context: Duality and the institutionalization process. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 17(4), 506-542. http://dx.doi.org/10.1108/09513570410554542
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), na medida em que constituem uma representação simbólica no âmbito das práticas contábeis em Portugal para o setor privado e ajudam a atribuir significado à necessidade de mudança das normas contábeis para o setor público. Tal como mencionado por um dos entrevistados [B], “houve uma instrução clara para aumentarmos a comparabilidade com o setor privado […]. Como já todos conhecíamos as IFRS, não foi nada complicado”. Outro entrevistado [A] refere que “houve uma preocupação em manter, como acontece com as IPSAS, algum alinhamento com as normas para o setor privado português, até porque nós partimos do SNC para desenvolver o SNC-AP”.

Também ao nível internacional há referências a países que podem ser exemplos de certas normas, denotando a existência de estruturas de legitimação. É o caso da norma de controle de gestão adotada na Espanha, que foi considerada no SNC-AP. Um dos entrevistados [A] afirma o seguinte: “Fomos ver algumas normas de Espanha, também chegamos a ver algumas de Inglaterra e do Brasil, não sei que normas em particular”. Mesmo no documento da CNC de 2013, em que são definidas as “linhas orientadoras para o sistema de normatização contábil”, é referido que o novo sistema contabilístico deverá ter uma estrutura conceitual tomando o exemplo de França e Espanha, não esquecendo a base do normativo contábil para o setor privado (o SNC).

Apesar de o processo de adoção do SNC-AP evidenciar o envolvimento de uma variedade de atores institucionais, há ainda alguns atores que poderiam estar (mais) envolvidos. Por exemplo, no âmbito do nível organizacional (Dillard et al., 2004Dillard, J. F., Rigsby, J. T., & Goodman, C. (2004). The making and remaking of organization context: Duality and the institutionalization process. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 17(4), 506-542. http://dx.doi.org/10.1108/09513570410554542
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) não foi possível obter evidência clara sobre como foram consideradas as perspetivas dos profissionais que preparam as demonstrações financeiras nas entidades do setor público, os quais não são necessariamente membros da OCC. Também não se conseguiu evidência da participação das associações ligadas ao setor público no processo de adoção do SNC-AP, como a associação nacional de municípios portugueses. No preâmbulo do Decreto-Lei n. 192/2015Portugal. Decree-Law no. 192 (2015, September 11). Approves the Accounting Standardization System for Public Administrations (SNC-AP), which includes the conceptual structure of public financial information, the public accounting standards and the multidimensional chart of accounts, respectively set forth in Annexes I to III to this Decree-Law and which form an integral part thereof, and amends (fifth amendment) Decree-Law no. 158/2009 of 13 July, which approves the Accounting Standardization System. Diário da República, no. 178, Series I. é referido que “foram ouvidos os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas, a Associação Nacional de Municípios Portugueses, a Associação Nacional de Freguesias […]”. No entanto, e apesar de ser mencionado no Decreto-Lei que a Associação Nacional de Municípios Portugueses e a Associação Nacional de Freguesias foram auscultadas sobre a alteração do normativo contábil, da restante documentação consultada não foi possível obter evidência de que tenham tido algum tipo de influência (relevante) sobre o processo de adoção do SNC-AP. Um dos entrevistados [C], que é vice-presidente de um município português, comenta o seguinte: “foi uma decisão top-down, ou seja, temos as normas internacionais de contabilidade e vamos adaptar estas normas ao caso português”.

No nível organizacional, os profissionais de contabilidade de entidades públicas não fizeram parte desse processo de adoção do SNC-AP, assim como não foram convenientemente preparados para aplicar essa norma. E apesar de muitas entidades públicas já utilizarem contabilidade por competência, existem diversas dificuldades sentidas pelos profissionais de contabilidade do setor público, como refere um dos entrevistados [C]: “passar de uma contabilidade de caixa para uma contabilidade por competência é difícil, nomeadamente ao nível da formação dos técnicos superiores que estão nas diversas entidades públicas”. Por outro lado, tem se falado da necessidade de existirem contabilistas obrigatoriamente certificados pela OCC nas entidades do setor público, mas nada está ainda definido.

5. DISCUSSÃO DE RESULTADOS

A adoção das IPSAS pelos governos nacionais tem sido apresentada como crucial para facilitar a comparabilidade da informação financeira (Bilhim et al., 2022Bilhim, J. A. F., Azevedo, R. R., & Santos, P. G. (2022). Reformas do Setor Público e Mudanças na Contabilidade Pública. Revista Contabilidade, Gestão e Governança, 25(esp), 388-397. https://doi.org/10.51341/cgg.v25iesp.3012
https://doi.org/10.51341/cgg.v25iesp.301...
; Jorge et al., 2016Jorge, S., Jesus, M., & Laureano, R. (2016). Governmental accounting maturity toward IPSASs and the approximation to national accounts in the European Union. International Journal of Public Administration, 39(12), 976-988. https://doi.org/10.1080/01900692.2015.1068324
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; Polzer et al., 2022Polzer, T., Grossi, G. & Reichard, C. (2022). Implementation of the international public sector accounting standards in Europe. Variations on a global theme. Accounting Forum, 46(1), 57-82. https://doi.org/10.1080/01559982.2021.1920277
https://doi.org/10.1080/01559982.2021.19...
; Schmidthuber et al., 2022Schmidthuber, L., Hilgers, D., & Hofmann, S (2022). International Public Sector Accounting Standards (IPSASs): A systematic literature review and future research agenda. Financial Accountability & Management, 38, 119-142.). Por sua vez, Dillard et al. (2004Dillard, J. F., Rigsby, J. T., & Goodman, C. (2004). The making and remaking of organization context: Duality and the institutionalization process. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 17(4), 506-542. http://dx.doi.org/10.1108/09513570410554542
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) argumentam que os processos de mudança institucional se movem hierarquicamente em cascata por três níveis: o nível econômico e político, o nível do campo organizacional e o nível organizacional. Estudos realizados em contexto europeu evidenciam que as reformas contábeis tendem a ser fortemente influenciadas pelos atores do nível econômico e político (Guerreiro et al., 2015Guerreiro, M., Rodrigues, L., & Craig, R. (2015). Institutional change of accounting systems: The adoption of a regime of adapted international financial reporting standards. European Accounting Review, 24(2), 379-409. https://doi.org/10.1080/09638180.2014.887477
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), tendo-se tornado um meio para a UE exercer a sua influência sobre alterações contábeis nos Estados membros (Liguori & Steccolini, 2017Liguori, M., & Steccolini, I. (2017). The power of language in legitimating public-sector reforms: When politicians “talk” accounting. The British Accounting Review, 50(2), 161-173. https://doi.org/10.1016/j.bar.2017.09.006
https://doi.org/10.1016/j.bar.2017.09.00...
).

Apesar do relevante papel desempenhado por outros atores institucionais, é evidente a forte influência de atores institucionais do nível econômico e político na adoção das normas contábeis baseadas nas IPSAS em Portugal. Os atores desse nível institucional recorreram a estruturas de significação, legitimação e dominação com o objetivo de influenciar a adoção de normas contábeis baseadas nas IPSAS. Este estudo, realizado no contexto português, mostra também diferenças de poder entre atores do nível econômico e político, as quais tendem ainda a aumentar em contextos de crise financeira, dada a sua maior capacidade de controlar e mobilizar recursos.

Por sua vez, a adoção de normas contábeis poderá ser tanto mais eficaz quanto mais fortes forem as estruturas de significação, legitimação e de dominação levadas a cabo pelos atores institucionais. Ao longo do processo de adoção das normas contábeis baseadas nas IPSAS em Portugal há evidências de estruturas de significação e legitimação acionadas pelos atores do nível econômico e político. No entanto, a adoção dessas normas foi fortemente condicionada por estruturas de dominação acionadas pelas entidades financiadoras da república portuguesa (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e CE), que se posicionam no nível econômico e político. Parece haver já algum consenso de que as alterações nos sistemas contábeis podem ser impulsionadas em contextos de crises financeiras (Gomes et al., 2015Gomes, P., Fernandes, M., & Carvalho, J. (2015). The international harmonization process of public sector accounting in Portugal: The perspective of different stakeholders. International Journal of Public Administration, 38(4), 268-281. https://doi.org/10.1080/01900692.2015.1001237
https://doi.org/10.1080/01900692.2015.10...
; Oulasvirta, 2014Oulasvirta, L. (2014). The reluctance of a developed country to choose International Public Sector Accounting Standards of the IFAC: A critical case study. Critical Perspectives on Accounting, 25(3), 272-285. https://doi.org/10.1016/j.cpa.2012.12.001
https://doi.org/10.1016/j.cpa.2012.12.00...
; Polzer et al., 2022Polzer, T., Grossi, G. & Reichard, C. (2022). Implementation of the international public sector accounting standards in Europe. Variations on a global theme. Accounting Forum, 46(1), 57-82. https://doi.org/10.1080/01559982.2021.1920277
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; Pontoppidan & Brusca, 2016Pontoppidan, C. & Alijarde, I. B. (2016). The first steps towards harmonizing public sector accounting for European Union member states: Strategies and perspectives. Journal Public Money & Management, 36(3), 181-188. https://doi.org/10.1080/09540962.2016.1133970
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). Por exemplo, o estudo de Pontoppidan & Brusca (2016Pontoppidan, C. & Alijarde, I. B. (2016). The first steps towards harmonizing public sector accounting for European Union member states: Strategies and perspectives. Journal Public Money & Management, 36(3), 181-188. https://doi.org/10.1080/09540962.2016.1133970
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) argumenta que a crise financeira nos Estados-Membros da UE fez com que esta percebesse a importância de melhorar os sistemas contábeis, levando os políticos a sublinharem, de forma mais acentuada, a importância de alteração desses sistemas.

Este estudo mostra a relevância da ação conjunta dos três tipos de estruturas sociais contemplados no modelo institucional de Dillard et al. (2004Dillard, J. F., Rigsby, J. T., & Goodman, C. (2004). The making and remaking of organization context: Duality and the institutionalization process. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 17(4), 506-542. http://dx.doi.org/10.1108/09513570410554542
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), e pode ajudar a compreender processos de mudança institucional mais longos reportados por estudos realizados em outros contextos institucionais (Aquino et al., 2020Aquino, A. C. B., Lino, A. F., Cardoso, R. L., & Grossi, G. (2020). Legitimating the standard-setter of public sector accounting reforms. Public Money & Management, 40(7), 499-508. https://doi.org/10.1080/09540962.2020.1769381
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; Azevedo, Aquino et al., 2020Azevedo, R. R., Aquino, A. C. B., Neves, F. R., & Silva, C. M. (2020). Deadlines and software: Disentangling local government accounting reforms in Brazil. Public Money & Management, 40(7), 509-518. https://doi.org/10.1080/09540962.2020.1766203
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, Polzer et al., 2022Polzer, T., Grossi, G. & Reichard, C. (2022). Implementation of the international public sector accounting standards in Europe. Variations on a global theme. Accounting Forum, 46(1), 57-82. https://doi.org/10.1080/01559982.2021.1920277
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) em que podem existir fortes estruturas de significação que podem não ser suficientemente acompanhadas de adequadas estruturas de legitimação e/ou de dominação. Este estudo contribui para se antever que os processos de mudança institucional tenderão a ser mais rápidos quanto mais intensas e balanceadas forem as três estruturas sociais acionadas pelos atores institucionais.

Apesar da forte influência dos atores institucionais do nível econômico e político, atores de outros níveis podem influenciar processos de adoção de normas contábeis. Este estudo mostra a relevância dos atores do nível do campo organizacional, os quais foram fundamentais para dar significado à necessidade de novas normas contábeis, bem como para as legitimarem no contexto português, evidenciando eixos de tensão que operam entre os níveis institucionais do modelo de Dillard et al. (2004Dillard, J. F., Rigsby, J. T., & Goodman, C. (2004). The making and remaking of organization context: Duality and the institutionalization process. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 17(4), 506-542. http://dx.doi.org/10.1108/09513570410554542
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) assentes na teoria da estruturação de Giddens (1984Giddens, A. (1984). The constitution of society: Outline of the theory of structuration. University of California Press.).

A influência dos atores do nível do campo organizacional esteve muito relacionada com o conhecimento acumulado que tinham sobre as IPSAS (Jorge et al., 2019Jorge, S., Brusca, I., & Nogueira, S. (2019). Translating IPSAS into national standards: An illustrative comparison between Spain and Portugal. Journal of Comparative Policy Analysis: Research and Practice, 21(5), 445-462. https://doi.org/10.1080/13876988.2019.1579976
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), mas também sobre os processos de normatização contábil anteriores, nomeadamente em termos das normas contábeis mais recentes para o setor privado em Portugal. Muitos dos atores que faziam parte do comitê da CNC para o setor público haviam participado da elaboração de normas contábeis para o setor privado, aprovadas em 2009. Por sua vez, as organizações de profissionais de contabilidade em Portugal, a OCC e a OROC, sempre defenderam uma maior aproximação das normas contábeis do setor público às normas contábeis do setor privado, o que também aconteceu. Assim, este estudo permite mostrar a importância dos atores do nível do campo organizacional em processos de mudança institucional, mesmo quando há um forte poder institucional de atores do nível econômico e político.

Por último, este estudo salienta a falta de envolvimento de atores do nível organizacional no processo de adoção de normas contábeis baseadas nas IPSAS. A falta de envolvimento desses atores está relacionada com o baixo nível de conhecimento das IPSAS, nomeadamente dos preparadores das demonstrações financeiras dessas entidades (Polzer et al., 2022Polzer, T., Grossi, G. & Reichard, C. (2022). Implementation of the international public sector accounting standards in Europe. Variations on a global theme. Accounting Forum, 46(1), 57-82. https://doi.org/10.1080/01559982.2021.1920277
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). Apesar de muitas entidades públicas já utilizarem contabilidade por competência, há evidência de existirem diversas dificuldades por parte dessas entidades em fazerem a transição de uma contabilidade com base no regime de caixa para uma contabilidade com base no regime de competência. Assim, é de se esperar que os processos de implementação das normas contábeis baseadas nas IPSAS nos diferentes tipos de entidades do setor público português ocorram em diferentes velocidades, como tem sido reportado em outros estudos (Azevedo, Aquino et al., 2020Azevedo, R. R., Aquino, A. C. B., Neves, F. R., & Silva, C. M. (2020). Deadlines and software: Disentangling local government accounting reforms in Brazil. Public Money & Management, 40(7), 509-518. https://doi.org/10.1080/09540962.2020.1766203
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). A presente pesquisa em contexto português mostra que a adoção de um novo normativo contábil não implicou, numa primeira fase, o envolvimento direto de atores do nível organizacional, mas estes mostram-se fundamentais para que a mudança institucional ocorra.

6. CONCLUSÃO

Este estudo analisou como diferentes atores institucionais influenciaram a adoção de normas contábeis baseadas nas IPSAS em Portugal. Para o efeito, atendeu-se aos diferentes níveis institucionais definidos em Dillard et al. (2004Dillard, J. F., Rigsby, J. T., & Goodman, C. (2004). The making and remaking of organization context: Duality and the institutionalization process. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 17(4), 506-542. http://dx.doi.org/10.1108/09513570410554542
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), bem como às estruturas sociais de significação, legitimação e dominação exercidas por diferentes atores institucionais envolvidos nesse processo de mudança contábil. Essas estruturas foram principalmente acionadas por atores do nível econômico e político em relação aos demais atores, evidenciando-se que essa reforma contábil em Portugal foi de natureza top-down, com baixa participação dos profissionais da contabilidade, e fortemente influenciada pelas normas contábeis do setor privado.

Este estudo contribui para a literatura de diferentes formas. Em primeiro lugar, contribui para se compreender que o acionamento balanceado de diferentes estruturas sociais (significação, legitimação e dominação) por parte dos atores institucionais envolvidos tenderá a acelerar processos de mudança institucional. Essa é uma relevante novidade deste estudo, mostrando a combinação de diferentes estruturas sociais ao longo de todo o processo de adoção do normativo contábil para o setor público em Portugal, mas mostrando também a sua maior eficácia em contexto de crise financeira.

Em segundo lugar, o estudo contribui para reforçar o argumento relativo ao poder dos atores institucionais do nível econômico e político em detrimento dos demais atores institucionais em processos de mudança contábil, tal como referido por Guerreiro et al. (2015Guerreiro, M., Rodrigues, L., & Craig, R. (2015). Institutional change of accounting systems: The adoption of a regime of adapted international financial reporting standards. European Accounting Review, 24(2), 379-409. https://doi.org/10.1080/09638180.2014.887477
https://doi.org/10.1080/09638180.2014.88...
). Este estudo também mostra que o poder de alguns atores do nível econômico e político tende ainda a aumentar em contextos de crise financeira, dada a sua maior capacidade de controlar e mobilizar recursos nesses contextos.

Em segundo lugar, o estudo contribui para reforçar o argumento relativo ao poder dos atores institucionais do nível econômico e político em detrimento dos demais atores institucionais em processos de mudança contábil, tal como referido por Guerreiro et al. (2015Guerreiro, M., Rodrigues, L., & Craig, R. (2015). Institutional change of accounting systems: The adoption of a regime of adapted international financial reporting standards. European Accounting Review, 24(2), 379-409. https://doi.org/10.1080/09638180.2014.887477
https://doi.org/10.1080/09638180.2014.88...
). Este estudo também mostra que o poder de alguns atores do nível econômico e político tende ainda a aumentar em contextos de crise financeira, dada a sua maior capacidade de controlar e mobilizar recursos nesses contextos.

Em terceiro lugar, o estudo contribui para mostrar que, mesmo quando há um forte poder dos atores do nível econômico e político, outros atores têm a capacidade de influenciar os processos de mudança institucional. No caso da adoção das normas contábeis baseadas nas IPSAS em Portugal, os atores do nível do campo organizacional também exerceram as suas influências ao longo do processo de mudança contábil, particularmente por meio das suas representações no comitês de normatização contábil da CNC, ator institucional que suporta o Governo português em matérias de normatização contábil.

Por último, o estudo ainda contribui para fortalecer a literatura existente mostrando que, apesar dos atores do nível organizacional serem importantes para que a mudança institucional ocorra, eles tendem a não ser envolvidos numa primeira fase de processos de mudança do tipo top-down contemplados no modelo institucional de Dillard et al. (2004Dillard, J. F., Rigsby, J. T., & Goodman, C. (2004). The making and remaking of organization context: Duality and the institutionalization process. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 17(4), 506-542. http://dx.doi.org/10.1108/09513570410554542
http://dx.doi.org/10.1108/09513570410554...
).

Em termos de investigação futura, sugere-se que estudos que atendam a processos de adoção/alteração de normativos contábeis sob as lentes da teoria institucional procurem explorar as potenciais diferenças de poder entre atores de um mesmo nível institucional, nomeadamente do nível econômico e político e do nível do campo organizacional. Sugere-se ainda que novos estudos procurem explorar as dinâmicas das reformas contábeis baseadas nas IPSAS em países sob forte dependência financeira, quer em termos velocidade do seu processo de adoção/implementação, quer em termos do grau de variabilidade dessas normas diante das IPSAS.

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  • 40
    Este é um texto bilíngue. Este artigo também foi traduzido para o idioma inglês, publicado sob o DOI https://doi.org/10.1590/1808-057x20231778.en
  • 50
    Este artigo deriva de uma dissertação de mestrado defendida pela autora Ana Rita Ribeiro de Matos, orientada por Rui Manuel da Costa Robalo, em 2019.
  • 60
    Trabalho apresentado no XVIII Congresso Internacional de Contabilidade e Auditoria, Lisboa, Portugal, outubro de 2021.

Editado por

Editor-Chefe:

Andson Braga de Aguiar

Editores Associados:

Márcia Martins Mendes De Luca e Eduardo da Silva Flores

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    09 Set 2022
  • Revisado
    10 Out 2022
  • Aceito
    20 Out 2023
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