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Estratégias de legitimação de eventos negativos: rompimento de barragem de mineração e disclosure

Resumo

Esta pesquisa teve como objetivo analisar as estratégias de legitimação utilizadas no disclosure ambiental que visa neutralizar eventos negativos, tal como acidentes ambientais, contribuindo para identificar e conceitualizar as estratégias de legitimação relativas a eventos negativos e acidentes ambientais utilizadas em relatórios de sustentabilidade. O artigo questiona a confiabilidade dos relatórios de sustentabilidade elaborados por uma empresa referência num setor que é poluidor e gerador de impactos, constatando que esses podem ser manipulados estrategicamente de modo a servir mais aos interesses de legitimação e reparação de imagem de companhias, do que à divulgação clara e objetiva de informações. O artigo explora os mecanismos de reparação de imagem utilizados pela Samarco Mineração nos relatórios de sustentabilidade após a ocorrência do desastre ambiental de Mariana, visando a legitimação de uma das maiores mineradoras do país à época do acidente, e cujas consequências ainda se estendem anos após a sua ocorrência. Na pesquisa, adotou-se o paradigma interpretativista, com abordagem qualitativa e análise de conteúdo textual dos relatórios de sustentabilidade e dos laudos de órgão governamental competente, mediante a técnica de pesquisa documental. Verificou-se que o disclosure ambiental publicado nos relatórios de sustentabilidade é manipulado retoricamente com quantidade massiva de informações positivas, que ofuscam e desviam a atenção do leitor de informações de natureza negativa e as neutralizam com argumentação defensiva e atenuante, evidenciando assim que seu conteúdo não está comprometido com a divulgação imparcial de informações.

Palavras-chave:
estratégias de legitimação; evidenciação ambiental; eventos negativos

Abstract

This research aimed to analyze the legitimation strategies used in environmental disclosure to neutralize negative events, such as environmental accidents, and to help identify and conceptualize the legitimation strategies related to negative events and environmental accidents used in sustainability reports. The article questions the reliability of sustainability reports produced by a benchmark company in a polluting and impact-generating sector, finding that they can be strategically manipulated to serve the interests of legitimizing and repairing the company's image rather than providing clear and objective information. The article examines the image repair mechanisms used by Samarco Mineração in its sustainability reports following the Mariana environmental disaster, with the aim of legitimizing one of the largest mining companies in the country at the time of the accident, the consequences of which are still being felt years after its occurrence. The research adopted the interpretivist paradigm, with a qualitative approach and textual content analysis of sustainability reports and reports from the relevant government agency, using the documentary research technique. It was found that the environmental disclosure published in sustainability reports is rhetorically manipulated with a massive amount of positive information, which overshadows and diverts the reader's attention from negative information and neutralizes it with defensive and mitigating arguments, thus showing that its content is not committed to the impartial disclosure of information.

Keywords:
legitimation strategies; environmental disclosure; negative events

1. INTRODUÇÃO

O disclosure ambiental publicado nos relatórios de sustentabilidade (RS) está inserido nas estratégias de legitimação empresariais (Demers & Gond, 2019Demers, C., & Gond, J. P. (2019). The Moral Microfoundations of Institutional Complexity: Sustainability Implementation as Compromise-Making at An Oil Sands Company. Organization Studies, 41(4), 563-586. https://doi.org/10.1177/0170840619867721
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). É o resultado das ações executivas voltadas ao interesse dominante e tem preferência pela linguagem narrativa à quantificável, pois a linguagem textual pode ser deliberadamente moldada e enviesada para influenciar (De Groot et al., 2015De Groot, E. B., Nickerson, C., Korzilius, H. P. L. M., & Gerritsen, M. (2015). Picture this: Developing a Model for the Analysis of Visual Metadiscourse. Journal of Business and Technical Communication, 30(2), 165-201. https://doi.org/10.1177/1050651915620235
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) e controlar as impressões do público (Cho et al., 2010Cho, C. H., Roberts, R. W., & Patten, D. M. (2010). The language of US corporate environmental disclosure. Accounting Organizations and Society, 35(4), 431-443. https://doi.org/10.1016/j.aos.2009.10.002
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).

As estratégias de disclosure ambiental voluntário permitem que as organizações desenhem e concebam um tipo de mensagem que molde a forma como o público relevante as percebem (Neu et al., 1998Neu, D., Warsame, H., & Pedwell, K. (1998). Managing public impressions: Environmental disclosures in annual reports. Accounting, Organizations and Society, 23(3), 265-282. https://doi.org/10.1016/S0361-3682(97)00008-1
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), a fim de se legitimarem. Elas podem ser usadas oportunisticamente para produzir informações que são parcialmente ou seletivamente reveladas (Merkl-Davies & Brennan, 2017Merkl-Davies, D. M., & Brennan, N. M. (2017). A theoretical framework of external accounting communication: Research perspectives, traditions, and theories. Accounting Auditing & Accountability Journal, 30(2), 433-469. https://doi.org/10.1108/AAAJ-04-2015-2039
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) em resposta à pressões recebidas (Lee et al., 2017Lee, C. Y., Lee, J. H., & Gaur, A. S. (2017). Are large business groups conducive to industry innovation? The moderating role of technological appropriability. Asia Pacific Journal of Management, 34, 313-337. https://doi.org/10.1007/s10490-016-9481-0
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).

O controle das impressões do público se dá quando, numa atitude oportunista e para seu próprio interesse (Ben-Amar & Belgacem, 2018Ben-Amar, W., & Belgacem, I. (2018). Do socially responsible firms provide more readable disclosures in annual reports? Corporate Social Responsibility and Environmental Management, 25(2-3), 1009-1018. https://doi.org/10.1002/csr.1517
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), empresas selecionam estrategicamente informações a fim de atenuar seu efeito junto a públicos proeminentes (Kuruppu et al., 2019Kuruppu, S. C., Milne, M. J., & Tilt, C. A. (2019). Gaining, maintaining and repairing organisational legitimacy: When to report and when not to report. Accounting, Auditing and Accountability Journal, 32(7), 2062-2087. https://doi.org/10.1108/AAAJ-03-2013-1282
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). Para tanto, realçam algumas ações de forma descritiva em documentos corporativos, de modo a destacar atitudes organizacionais específicas de natureza positiva, ao mesmo tempo que ignoram outras, distorcendo a percepção dos leitores (Neu et al., 1998Neu, D., Warsame, H., & Pedwell, K. (1998). Managing public impressions: Environmental disclosures in annual reports. Accounting, Organizations and Society, 23(3), 265-282. https://doi.org/10.1016/S0361-3682(97)00008-1
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). Assim, organizações recorrem à argumentação defensiva, esquivando-se com o uso deliberado de termos imprecisos e de caráter atenuante (Beattie, 2014Beattie, V. (2014). Accounting narratives and the narrative turn in accounting research: Issues, theory, methodology, methods and a research framework. The British Accounting Review, 46(2), 111-134. https://doi.org/10.1016/j.bar.2014.05.001
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) ao se referirem aos acidentes e aos danos causados por eles.

As estratégias utilizadas na ocorrência de eventos negativos são respostas a crises decorrentes de acidentes ambientais com grande repercussão. Elas visam reparar a legitimidade da empresa por meio de táticas argumentativas que se contrapõem às consequências adversas das informações negativas divulgadas (Merkl-Davies et al., 2011Merkl-Davies, D. M., Brennan, N. M., & McLeay, S. J. (2011). Impression management and retrospective sense making in corporate narratives. Accounting Auditing & Accountability Journal, 24(3), 315-344. https://doi.org/10.1108/09513571111124036
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). A reparação de imagem é uma forma de discurso (De Jong & Van Der Meer, 2017De Jong, M. D. T., & Van Der Meer, M. (2017). How Does It Fit? Exploring the Congruence Between Organizations and Their Corporate Social Responsibility (CSR) Activities. Journal of Business Ethics, 143, 71-83. https://doi.org/10.1007/s10551-015-2782-2
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) que as corporações usam estrategicamente para persuadir (Crilly et al., 2016Crilly, D., Hansen, M. T., & Zollo, M. (2016). The grammar of decoupling: A cognitive-linguistic perspective on firms’ sustainability claims and stakeholders’ interpretation. Academy of Management Journal, 59(2), 705-729. https://doi.org/10.5465/amj.2015.0171
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) e manter boas relações com o público relevante (Michelon et al., 2016Michelon, G., Pilonato, S., & Ricceri, F. (2015). CSR reporting practices and the quality of disclosure: An empirical analysis. Critical Perspectives on Accounting, 33, 59-78. https://doi.org/10.1016/j.cpa.2014.10.003
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), a fim de os influenciar favoravelmente. Essas crises afetam públicos formadores de opinião (Suchman, 1995Suchman, M. C. (1995). Managing legitimacy: Strategic and institutional approaches. The Academy of Management Review, 20(3), 571-610. https://doi.org/10.2307/258788
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), que podem reconhecer um evento negativo como ofensivo e danoso à reputação da empresa.

Diversos estudos têm identificado uma relação entre as estratégias de disclosure ambiental e as intenções de legitimação relacionadas a eventos negativos. Lupu e Sandu (2017Lupu, I., & Sandu, R. (2017). Intertextuality in corporate narratives: A discursive analysis of a Contested privatization. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 30(3), 534-564. https://doi.org/10.1108/AAAJ-05-2014-1705
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) pesquisaram essa relação em narrativas corporativas e textos de mídia. O estudo analisou os relatórios anuais e artigos relevantes publicados na mídia após a privatização de uma empresa romena e concluiu que as narrativas se produzem em meio a discursos da sociedade, sendo construídas nos níveis individual e organizacional.

Asay et al. (2018Asay, H. S., Libby, R., & Rennekamp, K. (2018). Firm performance, reporting goals, and language choices in narrative disclosures. Journal of Accounting and Economics, 65(2-3), 380-398. https://doi.org/10.1016/j.jacceco.2018.02.002
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) fizeram um experimento com gerentes a fim de subsidiar evidências acerca de como os resultados e a performance das empresas influenciam o uso da linguagem corporativa. Os autores verificaram que o disclosure de notícias ruins se caracterizava por ser de mais difícil leitura do que o de notícias de natureza positiva. Também constatou-se que o disclosure positivo ofusca a baixa performance, que é relatada com maior uso de voz passiva e pouco uso de pronomes pessoais.

Hahn e Lülfs (2014Hahn, R., & Lülfs, R. (2014). Legitimizing negative aspects in GRI-oriented sustainability reporting: A qualitative analysis of corporate disclosure strategies. Journal of Business Ethics, 123(3), 401-420. https://doi.org/10.1007/s10551-013-1801-4
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) utilizaram a análise qualitativa de conteúdo em RS padrão Global Report InitiativeGlobal Report Initiative. (2016). Sustainability Disclosure Database. Retrieved from: https://database.globalreporting.org/.
https://database.globalreporting.org/...
(GRI) de empresas listadas nas bolsas norte-americana Dow Jones e na alemã DAX. O estudo categorizou as diversas estratégias de legitimação, utilizadas para relatar eventos negativos de natureza ecológica e social causados pela atividade empresarial.

O artigo de Arora e Lodhia (2016Arora, M. P., & Lodhia, S. (2016). The BP Gulf of Mexico Oil Spill: Exploring the Link Between Social and Environmental Disclosures and Reputation Risk Management. Journal of Cleaner Production, 140, 1287-1297. https://doi.org/10.1016/j.jclepro.2016.10.027
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) explorou o uso do disclosure social e ambiental pela petrolífera British Petroleum a fim de gerenciar sua reputação após a ocorrência do acidente no Golfo do México em 2010, e concluiu que nele a empresa desviava atenção dos danos causados pelo enorme vazamento de óleo por meio de relatos autorreferentes.

O rompimento das barragens de Fundão e Santarém, pertencentes à Cia Samarco S.A., na cidade de Mariana em 2015, se insere nesse contexto. Foi um desastre de grandes proporções (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis [Ibama], 2015Ibama - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. (2015). Laudo técnico preliminar: Impactos ambientais decorrentes do desastre envolvendo o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, Minas Gerais. Recuperado de: https://www.ibama.gov.br/phocadownload/barragemdefundao/laudos/laudo_tecnico_preliminar_Ibama.pdf
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), considerado o maior acidente socioambiental na história do Brasil (G1 ES, 2020G1ES (2020, December 23). Samarco volta a receber minério e produção de pelotas no ES vai começar nos próximos dias. TV Gazeta ES. Retrieved from: https://g1.globo.com/es/espirito-santo/noticia/2020/12/23/samarco-volta-a-receber-minerio-e-producao-de-pelotas-no-es-vai-comecar-nos-proximos-dias.ghtml
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; Lacaz et al., 2017Lacaz, F. A. C., Porto, M. F. S., & Pinheiro, T. M. M. (2017). Tragédias brasileiras contemporâneas: O caso do rompimento da barragem de rejeitos de Fundão/Samarco. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, 42, e9. https://doi.org/10.1590/2317-6369000016016
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; Saes & Muradian, 2021Saes, B. M., & Muradian, R. (2021). What misguides environmental risk perceptions in corporations? Explaining the failure of Vale to prevent the two largest mining disasters in Brazil. Resources Policy, 72, 102022. https://doi.org/10.1016/j. resourpol.2021.102022
https://doi.org/10.1016/j. resourpol.202...
), levando à morte de pessoas e animais, destruindo ecossistemas e vilarejos, e afetando a subsistência de populações (Medeiros et al., 2018Medeiros, C. R. O., Silveira, R. A., & Oliveira, L. B. (2018). Mitos no desengajamento moral: retóricas da Samarco em um crime corporativo. Revista de Administração Contemporânea, 22(1), 70-91. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2018160310
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; Demajorovic et al., 2019Demajorovic, J., Lopes, J. C., & Santiago, A. L. F. (2019). The Samarco dam disaster: A grave challenge to social license to operate discourse. Resources Policy, 61, 273-282. https://doi.org/10.1016/j.resourpol.2019.01.017
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).

A ocorrência desse desastre levou pesquisadores a se debruçarem sobre o tema, como Theiss e Beuren (2019Theiss, V., & Beuren, I. M. (2019). Racionalidades do gerenciamento de impressão: análise das narrativas contábeis da Samarco Mineração SA pelo rompimento da barragem de rejeitos. Trabalho apresentado na XIX USP International Conference in Accounting. São Paulo, SP.), que investigaram o uso da racionalidade instrumental no gerenciamento de impressão das narrativas contábeis relatadas após o rompimento da barragem. Zanchet, Gomes, Kremer e Pasquali (2017Zanchet, A., Gomes, J. K. O., Kremer, J. T., & Pasquali, K. S. (2017). Estratégias de legitimidade nos relatórios de sustentabilidade e de administração da Samarco Mineração. Revista de Contabilidade da UFBA, 11(3), 51-74. https://doi.org/10.9771/rc-ufba.v11i3.23864
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) também analisaram as estratégias de legitimidade social nos RS da Samarco, constatando mudança no discurso da empresa após o desastre ambiental. Theiss et al. (2021Theiss, V., Beuren, I. M., & Niyama, J. K. (2021). Interface dos elementos da atribuição e das estratégias de legitimidade das narrativas contábeis. Revista Universo Contábil, 17(1), 7-27. https://doi.org/104270/ruc.2021101
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) também analisaram o uso de estratégias textuais de legitimidade, apontando para a predominância de narrativas mais preocupadas em gerar empatia e assegurar legitimidade após o desastre. Em pesquisa de natureza semelhante, Oliveira e Cintra (2019Oliveira, J. A. N. de., & Cintra, Y. C. (2019). Gerenciamento de riscos à reputação no discurso dos relatórios corporativos da Samarco. Revista de Contabilidade e Organizações, 13, e158709. https://doi.org/10.11606/issn.1982-6486.rco.2019.158709
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) concluíram que o disclosure é utilizado para legitimação, em meio a ocorrência de eventos negativos com potencial de ferir a reputação de uma empresa.

A Samarco era uma referência no setor que atuava, com reconhecimento e premiações que a posicionavam entre as dez maiores exportadoras de minérios (Samarco, 2013Samarco (2013). Relatório Anual de Sustentabilidade 2012. Retrieved from: https://www.samarco.com/wp-content/uploads/2020/12/2012-Relatorio-Anual-de-Sustentabilidade.pdf
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). As consequências do desastre produziram “[...] multiplicidade e sobreposição de situações, riscos e efeitos” (Freitas et al., 2019Freitas, C. M., Barcellos, C., Asmjus, C. I. R. F., da Silva, M. A., & Xavier, D. R. (2019). Da Samarco em Mariana à Vale em Brumadinho: Desastres em barragens de mineração e saúde coletiva. Cadernos de Saúde Pública, 35(5), e00052519. https://doi.org/10.1590/0102-311X00052519
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, p. 2) que perduram até hoje, impactando severamente o meio ambiente, a sociedade e a economia. A empresa teve que paralisar a produção em suas minas, só voltando a operar cinco anos após o acidente e com apenas 26% de sua capacidade (G1 ES, 2020G1ES (2020, December 23). Samarco volta a receber minério e produção de pelotas no ES vai começar nos próximos dias. TV Gazeta ES. Retrieved from: https://g1.globo.com/es/espirito-santo/noticia/2020/12/23/samarco-volta-a-receber-minerio-e-producao-de-pelotas-no-es-vai-comecar-nos-proximos-dias.ghtml
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). Também teve de pagar indenizações bilionárias impostas pela justiça (Amorim & Souza, 2022Amorim, F. C. B., & Souza, M. T. S. (2022) Manipulação do disclosure para reparação da imagem corporativa após um desastre ambiental: um estudo do impacto do rompimento da barragem nos relatórios de sustentabilidade da Samarco. Brazilian Business Review, 19(4), 396-413. http://doi.org/10.15728/bbr.2022.19.4.3.pt
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), o que contribuiu para seu elevado endividamento (Lucchesi, 2021Lucchesi, C. (2021, April 29). Samarco avalia propor troca de dívida de US$ 8,8 bi por oferta de ações. Exame. Retrieved from: https://exame.com/negocios/samarco-avalia-propor-troca-de-divida-de-us-88-bi-por-oferta-de-acoes
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). O desastre também gerou queda na produção industrial e extrativa mineral em importantes estados da federação (Castro & Almeida, 2019Castro, L. S; Almeida, E. S. de. (2019). Desastres e desempenho econômico: Avaliação do impacto do rompimento da barragem de Mariana. Geosul, 34(70), 406-429. https://doi.org/10.5007/2177-5230.2019v34n70p406
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).

Como se vê, a ocorrência de eventos dessa natureza expõe as empresas diante do público e pode prejudicar a reputação de marcas, sendo capaz de levá-las a uma postura defensiva e com maior uso do disclosure do tipo reparador. Portanto, pretende-se responder à seguinte questão de pesquisa: como uma empresa prestigiada no setor de mineração manipulou o disclosure ambiental em seus RS a fim de se legitimar? Dessa forma, esta pesquisa teve como objetivo geral analisar as estratégias de validação utilizadas no disclosure ambiental visando neutralizar eventos negativos, como grandes acidentes ambientais.

O estudo contribui com a literatura, evidenciando os problemas da desconfiança com relação ao conteúdo dos RS (Wong & Millington, 2014Wong, R., & Millington, A. (2014). Corporate social disclosure: A user perspective on assurance. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 27(5), 863-887. https://doi.org/10.1108/AAAJ-06-2013-1389
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), muito utilizados por empresas (Stubbs & Higgins, 2014Stubbs, W., & Higgins, C. (2014). Integrated reporting and internal mechanism of change. Accounting Auditing & Accountability Journal, 27(7), 1068-1089. https://doi.org/10.1108/AAAJ-03-2013-1279
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), sobretudo no Brasil, que é um dos países com mais publicações do tipo no padrão da GRI (GRI, 2016Global Report Initiative. (2016). Sustainability Disclosure Database. Retrieved from: https://database.globalreporting.org/.
https://database.globalreporting.org/...
). Isso tem levado um crescente número de pesquisadores a se debruçarem sobre o tema (Lozano & Huisingh, 2011Lozano, R., & Huisingh, D. (2011). Inter-linking issues and dimensions in sustainability reporting. Journal of Cleaner Production, 19(2-3), 99-107. https://doi.org/10.1016/j.jclepro.2010.01.004
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). Por conseguinte, esse relatório é um importante documento em termos da comunicação organizacional e fornece uma visão das operações da empresa para o público (Albertini, 2014Albertini, E. (2014). A Descriptive Analysis of Environmental Disclosure: A Longitudinal Study of French Companies. Journal of Business Ethics, 121(2), 233-254. https://doi.org/10.1007/s10551-013-1698-y
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), merecendo, portanto, atenção.

A metodologia utilizada neste estudo, qualitativa e com uso da técnica de pesquisa documental de dados nos textos dos RS e do laudo do Ibama, revelou os mecanismos de manipulação utilizados por organizações a fim de se legitimarem (Merkl-Davies & Brennan, 2017Merkl-Davies, D. M., & Brennan, N. M. (2017). A theoretical framework of external accounting communication: Research perspectives, traditions, and theories. Accounting Auditing & Accountability Journal, 30(2), 433-469. https://doi.org/10.1108/AAAJ-04-2015-2039
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), visando a isenção de responsabilidade e reparação de imagem junto à sociedade.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

A ocorrência de eventos negativos pode tornar as percepções do público mais importantes do que a realidade em si e, neste caso, importa mais saber se a empresa é vista como responsável do que se é de fato responsável (Benoit, 1997Benoit, W. L. (1997). Image repair discourse and crisis communication. Public Relations Review, 23(2), 177-186. https://doi.org/10.1016/S0363-8111(97)90023-0
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). Assim, empresas agem para lidar com os problemas que põem em risco sua imagem junto ao público com ações de caráter reativo, para reparar a legitimidade, ou de modo proativo, para preservar a legitimidade, vide Tabela 1.

Tabela 1
Categorização de estratégias de legitimação de eventos negativos

A categorização de estratégias de legitimação apresenta uma visão abrangente dos eventos de natureza negativa no âmbito corporativo. Sua ocorrência pode levar os executivos a negarem o problema, a fim de apaziguarem as preocupações (Benoit, 1997Benoit, W. L. (1997). Image repair discourse and crisis communication. Public Relations Review, 23(2), 177-186. https://doi.org/10.1016/S0363-8111(97)90023-0
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). Porém, revelações subsequentes podem depauperar a reserva de legitimidade que a organização tem. Ao invés de negar o problema, a empresa pode se eximir, questionando sua responsabilidade moral e podendo culpar autoridades externas e funcionários individualmente (Suchman, 1995Suchman, M. C. (1995). Managing legitimacy: Strategic and institutional approaches. The Academy of Management Review, 20(3), 571-610. https://doi.org/10.2307/258788
https://doi.org/10.2307/258788...
).

A negação da responsabilidade visa rejeitar e reduzir a responsabilidade da empresa pelo acidente, eximindo-a de culpa ao sustentar que é algo comum na indústria (Benoit, 1997Benoit, W. L. (1997). Image repair discourse and crisis communication. Public Relations Review, 23(2), 177-186. https://doi.org/10.1016/S0363-8111(97)90023-0
https://doi.org/10.1016/S0363-8111(97)90...
). A empresa redireciona a atenção para a indústria como um todo, legitimando aspectos negativos pela generalização (Hahn & Lülfs, 2014Hahn, R., & Lülfs, R. (2014). Legitimizing negative aspects in GRI-oriented sustainability reporting: A qualitative analysis of corporate disclosure strategies. Journal of Business Ethics, 123(3), 401-420. https://doi.org/10.1007/s10551-013-1801-4
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). Em meio a crises de legitimidade, organizações enredarão esforços voltados para ações de correção, com relatos que dissociem sua imagem do incidente (Arora & Lodhia, 2016Arora, M. P., & Lodhia, S. (2016). The BP Gulf of Mexico Oil Spill: Exploring the Link Between Social and Environmental Disclosures and Reputation Risk Management. Journal of Cleaner Production, 140, 1287-1297. https://doi.org/10.1016/j.jclepro.2016.10.027
https://doi.org/10.1016/j.jclepro.2016.1...
), desviando a atenção do público ou realçando sua imagem, além de se associarem a valores sociais positivos e informações auto elogiosas (Cho, 2009Cho, C. H. (2009). Legitimation strategies used in response to environmental disaster: A French case study of total SA.’S Erika and AZF incidents. European Accounting Review, 18, 33-62. https://doi.org/10.1080/09638180802579616
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).

A legitimação de eventos negativos referentes ao disclosure negativo compreende aos desastres e aos acidentes ambientais, abrangendo o uso das estratégias de reparação: Autorização, Racionalidade Aparente, Justificar e Eximir-se da Responsabilidade, Manipulação Temática, Manipulação Retórica, Simplificação de Fatos, Ação Corretiva, e Mortificação, vide Tabela 2.

Tabela 2
Estratégias de reparação da legitimidade referentes a disclosure negativo: acidentes e desastres ambientais, eventos adversos

A Estratégia da Autorização faz referência a autoridades que gozam de reconhecimento e respeitabilidade e que possuem alto poder legitimador (Hahn & Lülfs, 2014Hahn, R., & Lülfs, R. (2014). Legitimizing negative aspects in GRI-oriented sustainability reporting: A qualitative analysis of corporate disclosure strategies. Journal of Business Ethics, 123(3), 401-420. https://doi.org/10.1007/s10551-013-1801-4
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). Companhias justificam ações mencionando pessoas que têm atuação reconhecida em órgãos reguladores e instituições de renome (Lupu & Sandu, 2017Lupu, I., & Sandu, R. (2017). Intertextuality in corporate narratives: A discursive analysis of a Contested privatization. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 30(3), 534-564. https://doi.org/10.1108/AAAJ-05-2014-1705
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). Diferentemente de quando marginalizam um acidente, as empresas não emitem juízo, antes recorrem a entidades e órgãos, que emitem explanações que a empresa infratora usa para se justificar.

Por outro lado, companhias acusadas de ações indevidas também recorrem à Estratégia da Racionalidade Aparente (Van Leeuwen, 2007Van Leeuwen, T. (2007). Legitimation in discourse and communication. Discourse & Communication, 1(1), 91-112. https://doi.org/10.1177/1750481307071986
https://doi.org/10.1177/1750481307071986...
) quando tentam explicar e justificar aspectos negativos, descritos como fatos inevitáveis e normais. Assim, certas práticas são vistas a partir de sua pretensa utilidade, tidas como “fatos da vida” (Hahn & Lülfs, 2014Hahn, R., & Lülfs, R. (2014). Legitimizing negative aspects in GRI-oriented sustainability reporting: A qualitative analysis of corporate disclosure strategies. Journal of Business Ethics, 123(3), 401-420. https://doi.org/10.1007/s10551-013-1801-4
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, p. 411).

A fim de evitar implicações, empresas também podem tentar Justificar e Eximir-se da Responsabilidade, redefinindo parâmetros e objetivos retrospectivamente para que esses aparentem ser condizentes com os valores vigentes. Com essa estratégia, a empresa procura transferir a culpa, argumentando que na verdade outra pessoa ou organização são responsáveis pelo ocorrido, e não ela. Assim, a organização pode se eximir, alegando falta de informação com relação a importantes elementos que contribuíram para o ocorrido (Benoit, 1997Benoit, W. L. (1997). Image repair discourse and crisis communication. Public Relations Review, 23(2), 177-186. https://doi.org/10.1016/S0363-8111(97)90023-0
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).

Se os gerentes não conseguirem idealizar uma narrativa que elimine a responsabilidade moral, podem recorrer a explicações para obter o apoio dos que estão à sua volta (Suchman, 1995Suchman, M. C. (1995). Managing legitimacy: Strategic and institutional approaches. The Academy of Management Review, 20(3), 571-610. https://doi.org/10.2307/258788
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), valendo-se da Manipulação Temática (Leung et al., 2015Leung, S., Parker, L., & Courtis, J. (2015). Impression management through Minimal narrative disclosure in annual reports. The British Accounting Review, 47(3), 275-289. https://doi.org/10.1016/j.bar.2015.04.002
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). Com isso, reforçam a impressão positiva a respeito da organização, a fim de neutralizar (Fooks et al., 2013Fooks, G. J., Gilmore, A. B., Collin, J., Holden, C., & Lee, K. (2013). The limit of corporate social responsibility: Techniques of neutralization, stakeholder management and political CSR. Journal of Business Ethics, 112(2), 283-299. https://doi.org/10.1007/s10551-012-1250-5
https://doi.org/10.1007/s10551-012-1250-...
) os sentimentos negativos surgidos em decorrência do acidente. Assim, a empresa procurará descrever aspectos que lhe são favoráveis ou ações positivas que tenha tomado.

A estratégia da Manipulação Retórica (Leung et al., 2015Leung, S., Parker, L., & Courtis, J. (2015). Impression management through Minimal narrative disclosure in annual reports. The British Accounting Review, 47(3), 275-289. https://doi.org/10.1016/j.bar.2015.04.002
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) visa obscurecer informações negativas (Asay et al., 2018Asay, H. S., Libby, R., & Rennekamp, K. (2018). Firm performance, reporting goals, and language choices in narrative disclosures. Journal of Accounting and Economics, 65(2-3), 380-398. https://doi.org/10.1016/j.jacceco.2018.02.002
https://doi.org/10.1016/j.jacceco.2018.0...
), desviando o foco do leitor do problema (Cho, 2009Cho, C. H. (2009). Legitimation strategies used in response to environmental disaster: A French case study of total SA.’S Erika and AZF incidents. European Accounting Review, 18, 33-62. https://doi.org/10.1080/09638180802579616
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) e colocando o acidente em um contexto mais favorável. A companhia acusada procurará se esquivar com o uso deliberado de termos imprecisos, de caráter atenuante e com maior complexidade, a fim de persuadir o público. Assim, a associação entre a companhia e um aspecto negativo se torna difusa, pois os eventos negativos são divulgados superficialmente (Arora & Lodhia, 2016Arora, M. P., & Lodhia, S. (2016). The BP Gulf of Mexico Oil Spill: Exploring the Link Between Social and Environmental Disclosures and Reputation Risk Management. Journal of Cleaner Production, 140, 1287-1297. https://doi.org/10.1016/j.jclepro.2016.10.027
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) e com relatos ambíguos (Hahn & Lülfs, 2014Hahn, R., & Lülfs, R. (2014). Legitimizing negative aspects in GRI-oriented sustainability reporting: A qualitative analysis of corporate disclosure strategies. Journal of Business Ethics, 123(3), 401-420. https://doi.org/10.1007/s10551-013-1801-4
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).

Na estratégia de Simplificação de Fatos, a empresa menciona a ocorrência de um evento negativo de modo simples, como um fato, sem explanações ou justificações pertinentes. Assim, a companhia apenas quantifica um incidente negativo, mas não o avalia, deixando-o ao julgamento dos leitores do RS. Porém, o que pode ser visto como relato imparcial desafia os leitores a estimarem os fatos relatados sem que tenham parâmetros para tal (Hahn & Lülfs, 2014Hahn, R., & Lülfs, R. (2014). Legitimizing negative aspects in GRI-oriented sustainability reporting: A qualitative analysis of corporate disclosure strategies. Journal of Business Ethics, 123(3), 401-420. https://doi.org/10.1007/s10551-013-1801-4
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).

A ocorrência de acidentes ambientais pode levar as organizações a admitirem a ocorrência de falhas em aspectos limitados de suas operações e agir com firmeza para remediá-las, com a substituição de executivos e processos contraditórios de reestruturação da força de trabalho (Suchman, 1995Suchman, M. C. (1995). Managing legitimacy: Strategic and institutional approaches. The Academy of Management Review, 20(3), 571-610. https://doi.org/10.2307/258788
https://doi.org/10.2307/258788...
). Assim, a empresa divulgará Ações Corretivas que corrijam ou minimizem o problema na expectativa de recompor as operações e negócios que detinham antes do acidente, comprometendo-se a prevenir a repetição de novos acidentes (Benoit, 1997Benoit, W. L. (1997). Image repair discourse and crisis communication. Public Relations Review, 23(2), 177-186. https://doi.org/10.1016/S0363-8111(97)90023-0
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).

Na última estratégia, de Mortificação, a empresa tenta restaurar sua imagem, confessando seu erro e pedindo perdão. Com isso, ela demonstra contrição, com a expectativa de conseguir persuadir seus pares de que podem seguramente retomar transações com ela (Suchman, 1995Suchman, M. C. (1995). Managing legitimacy: Strategic and institutional approaches. The Academy of Management Review, 20(3), 571-610. https://doi.org/10.2307/258788
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). Isso é o moralmente correto a ser feito, pois tentar negar alegações verdadeiras pode arruinar a credibilidade da empresa caso a verdade venha à tona (Benoit, 1997Benoit, W. L. (1997). Image repair discourse and crisis communication. Public Relations Review, 23(2), 177-186. https://doi.org/10.1016/S0363-8111(97)90023-0
https://doi.org/10.1016/S0363-8111(97)90...
).

3. MÉTODO DE PESQUISA

A metodologia adotada nesta pesquisa apoia-se no paradigma interpretativista, orientado por um conjunto básico de ideias e assunções maiores, pois está preocupado com o sentido das coisas em uma perspectiva inerentemente significativa (Denzin & Lincoln, 2017Denzin, N. K., & Lincoln, Y. S. (2017). The discipline and practice of qualitative research. In N. K. Denzin & Y. S. Lincoln, Handbook of Qualitative Research (pp. 15-41). Sage.).

Foi utilizada a abordagem qualitativa, a qual enfatiza aspectos mais profundos e seus significados (Marconi & Lakatos, 2017Marconi, M. A., & Lakatos, E. M. (2017). Metodologia Científica (7a ed.). Atlas.). A coleta de dados foi feita por meio da técnica de pesquisa documental, pois os dados de texto constituem o conteúdo principal dos RS, qualitativos em sua natureza (Deegan et al., 2002Deegan, C., Rankin, M., & Tobin, J. (2002). An examination of the corporate social and environmental disclosures of BHP from 1983-1997 a test of legitimacy theory. Accounting, Auditing and Accountability Journal, 15(3), 312-343. https://doi.org/10.1108/09513570210435861
https://doi.org/10.1108/0951357021043586...
).

Os documentos analisados compreenderam as notas técnicas e laudo do Ibama, bem como os RS. O laudo do Ibama subsidiou o Ministério Público Federal para a proposição de ação civil pública de responsabilização da Samarco pelos danos causados ao meio ambiente. Justifica-se, assim, sua escolha como base de informações técnicas, a fim de contrapor os relatos da empresa às informações oficiais de órgão do estado competente. O conteúdo dos RS foi coletado do website da GRI (GRI, 2016Global Report Initiative. (2016). Sustainability Disclosure Database. Retrieved from: https://database.globalreporting.org/.
https://database.globalreporting.org/...
), tendo sido analisados os períodos anteriores ao desastre de 2012 a 2014, e o relatório bienal publicado pela empresa após o rompimento da barragem relativo a 2015 e 2016 (Samarco, 2017Samarco (2017). Relatório Bienal de Sustentabilidade 2015-2016. Recuperado em: https://www.samarco.com/wp-content/uploads/2020/12/Samarco_Relatorio-Bienal-2015_16-08092017.pdf.
https://www.samarco.com/wp-content/uploa...
), abrangendo o total de 548 páginas.

A estratégia adotada para analisar os dados dos RS se baseia na análise de conteúdo, a qual Bardin (2016Bardin, L. (2016). Análise de Conteúdo (5a ed). Edições 70., p. 42) define como sendo “[...] o conjunto de técnicas de análise que visa obter, por procedimentos sistemáticos de descrição do conteúdo, indicadores que permitam a inferência de conhecimento”. Essa técnica tem reconhecimento de seu uso em relatórios socioambientais (Hooks & van Staden, 2011Hooks, J., & van Staden, C. J. (2011). Evaluating environmental disclosures: The relationship between quality and extent measures. The British Accounting Review, 43(3), 200-213. https://doi.org/10.1016/j.bar.2011.06.005
https://doi.org/10.1016/j.bar.2011.06.00...
) e de meio ambiente (Verbeeten et al., 2016Verbeeten, F. H. M., Gamerschlag, R., & Möller, K. (2016). Are CSR disclosures relevant for investors? Empirical evidence from Germany. Management Decision, 54(6), 1359-1382. https://doi.org/10.1108/MD-08-2015-0345
https://doi.org/10.1108/MD-08-2015-0345...
). A análise de conteúdo foi realizada como base nas categorias teóricas identificadas na revisão da literatura: Autorização e Associação com Símbolos, Racionalização Aparente, Justificar e Eximir-se da Responsabilidade, Manipulação Temática e Retórica, Simplificação de Fatos, Ação Corretiva, e Mortificação.

A coleta dos dados incluiu as informações e a análise textual dos documentos com investigação da narrativa, o que implicou na leitura atenta pelos pesquisadores da narrativa do RS relativa ao rompimento da barragem. Isso assegurou melhor interpretação do sentido de palavras e frases (Abed et al., 2016Abed, S., Al-Najjar, B., & Roberts, C. (2016). Measuring annual report narratives disclosure: Empirical evidence from forward-looking information in the UK prior the financial crisis. Managerial Auditing Journal, 31(4/5), 338-361. https://doi.org/10.1108/MAJ-09-2014-1101
https://doi.org/10.1108/MAJ-09-2014-1101...
), pois se procurou identificar as seções e qualquer passagem com menção ao acidente relacionadas às categorias teóricas. Utilizou-se a análise de conteúdo ex-post facto, técnica predominante em pesquisas que procuram relacionar a intenção legitimadora ao disclosure (O’Donovan, 2002O´Donovan, G. (2002). Environmental disclosure in the annual report: Extending the applicability and predictive of legitimacy theory. Accounting Auditing & Accountability Journal, 15(3), 344-371. https://doi.org/10.1108/09513570210435870
https://doi.org/10.1108/0951357021043587...
) a partir da análise da narrativa e do conteúdo de sentenças, essencial no design de pesquisas por meio da análise de conteúdo (Hooks & van Staden, 2011Hooks, J., & van Staden, C. J. (2011). Evaluating environmental disclosures: The relationship between quality and extent measures. The British Accounting Review, 43(3), 200-213. https://doi.org/10.1016/j.bar.2011.06.005
https://doi.org/10.1016/j.bar.2011.06.00...
). Essas sentenças foram analisadas e realizadas as inferências (Bardin, 2016Bardin, L. (2016). Análise de Conteúdo (5a ed). Edições 70.) sobre a realidade subjacente às mensagens do texto do RS.

Antes de se usar as categorias como estrutura base para análise, elas foram testadas para verificar se suas definições eram viáveis, o que envolveu dois codificadores independentes, que examinavam os RS de forma autossuficiente. Em seguida, os resultados foram discutidos e comparados. Após essa etapa, a estrutura de categorias foi ligeiramente modificada. Esse processo de ajuste assegurou a confiabilidade do instrumento de pesquisa e a objetividade do estudo (Milne & Adler, 1999Milne, M. J., & Adler, R. W. (1999). Exploring the reliability of social and environmental disclosures content analysis. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 12(2), 237-256. https://doi.org/10.1108/09513579910270138
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; Bouten et al., 2011Bouten, L., Everaert, P., Van Liedekerke, L., De Moor, L., & Christiaens, J. (2011). Corporate social responsibility reporting: A comprehensive picture? Accounting Forum, 35(3), 187-204. https://doi.org/10.1108/09513579910270138
https://doi.org/10.1108/0951357991027013...
).

Pesquisadores têm empregado a análise de conteúdo de formas variadas (Deegan et al., 2002Deegan, C., Rankin, M., & Tobin, J. (2002). An examination of the corporate social and environmental disclosures of BHP from 1983-1997 a test of legitimacy theory. Accounting, Auditing and Accountability Journal, 15(3), 312-343. https://doi.org/10.1108/09513570210435861
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; Hooks & van Staden, 2011Hooks, J., & van Staden, C. J. (2011). Evaluating environmental disclosures: The relationship between quality and extent measures. The British Accounting Review, 43(3), 200-213. https://doi.org/10.1016/j.bar.2011.06.005
https://doi.org/10.1016/j.bar.2011.06.00...
), podendo-se destacar duas abordagens principais: a mecanística e a interpretativa. A abordagem mecanística tem foco em prover informações sobre volumes e/ou frequências do disclosure, capturando os dados por meio de contagem de palavras, páginas ou referências concretas e utilizando escalas de gradação que possibilitem extrair relações entre diferentes variáveis. Já a abordagem interpretativa tenta capturar os sentidos subjacentes nas narrativas, sendo mais preocupada com a qualidade e abundância do conteúdo informado e em entender o que e de que forma ele é comunicado (Beck et al., 2010Beck, A. C., Campbell, D., & Shrives, P. J. (2010). Content analysis in environmental reporting research: Enrichment and rehearsal of the method in a British-German context. The British Accounting Review, 42(3), 207-222. https://doi.org/10.1016/j.bar.2010.05.002
https://doi.org/10.1016/j.bar.2010.05.00...
).

Hooks e van Staden (2011Hooks, J., & van Staden, C. J. (2011). Evaluating environmental disclosures: The relationship between quality and extent measures. The British Accounting Review, 43(3), 200-213. https://doi.org/10.1016/j.bar.2011.06.005
https://doi.org/10.1016/j.bar.2011.06.00...
) afirmam que um elemento essencial no design de pesquisa na análise de conteúdo é a seleção da unidade de análise, que em boa parte das pesquisas especificam sentenças, frases, palavras, páginas e suas proporções. Dessa forma, e de acordo com a maioria das análises de disclosure ambiental, a sentença foi usada como unidade de análise. No entanto, frases e suas partes lógicas também foram consideradas como base para codificação, pois fornecem sentido no contexto (Bouten et al., 2011Bouten, L., Everaert, P., Van Liedekerke, L., De Moor, L., & Christiaens, J. (2011). Corporate social responsibility reporting: A comprehensive picture? Accounting Forum, 35(3), 187-204. https://doi.org/10.1108/09513579910270138
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).

4. RESULTADOS: A MUDANÇA DE PADRÃO DO RELATO, DA ÊNFASE NA REPUTAÇÃO POSITIVA À DISSOCIAÇÃO DO DISCLOSURE NEGATIVO

A seção inicial do RS de 2012 relata as dificuldades enfrentadas pela empresa com a queda na demanda por minério de ferro e a redução do preço de venda da pelota. Contudo, o relato da presidência é um contraponto, pois celebra com otimismo as virtudes da empresa ao destacar a excelência de suas operações. Isso permitiu que a Samarco alcançasse um momento especial no ano seguinte, com a maior expansão da história, devido à ampliação de sua capacidade produtiva. Em seu relato a empresa reafirma sua visão de “construir um legado positivo”, pois assegura ter evoluído “rumo à sustentabilidade” (Samarco, 2014Samarco (2014). Relatório Anual de Sustentabilidade 2013. Retrieved from: https://www.samarco.com/wp-content/uploads/2020/12/2013-Relatorio-Anual-de-Sustentabilidade.pdf
https://www.samarco.com/wp-content/uploa...
, p. 4).

Chegamos ao final de 2013 preparados para o grande desafio... nossa Visão 2022 vai muito além do crescimento: diz respeito também, e acima de tudo, à reputação que construímos ao gerar valor com responsabilidade. Por isso, tenho convicção de que estamos na direção certa, tendo a construção de confiança, a perseverança para concretizar nossos objetivos (Samarco, 2014Samarco (2014). Relatório Anual de Sustentabilidade 2013. Retrieved from: https://www.samarco.com/wp-content/uploads/2020/12/2013-Relatorio-Anual-de-Sustentabilidade.pdf
https://www.samarco.com/wp-content/uploa...
, p. 5).

O controle estratégico da empresa sobre impressões do público prossegue no RS de 2014, ao citar que a empresa está “entre as mais importantes” do mercado transoceânico de pelotas de minério de ferro, além de ser “benchmark para o setor” (Samarco, 2015Samarco (2015). Relatório Anual de Sustentabilidade 2014. Retrieved from: https://www.samarco.com/wp-content/uploads/2020/12/2013-Relatorio-Anual-de-Sustentabilidade.pdf
https://www.samarco.com/wp-content/uploa...
, p. 12). E como resultado direto de suas ações, a companhia destaca que garantiu o crescimento do lucro e dos investimentos, fundamentais para tornar suas “plantas mais seguras”, pois aumentou os níveis de controle das atividades com maior periculosidade (Samarco, 2015Samarco (2015). Relatório Anual de Sustentabilidade 2014. Retrieved from: https://www.samarco.com/wp-content/uploads/2020/12/2013-Relatorio-Anual-de-Sustentabilidade.pdf
https://www.samarco.com/wp-content/uploa...
, p. 12). O risco também é relacionado à escassez de recursos hídricos e à queda nos preços do minério de ferro, aspectos externos à organização (Samarco, 2015Samarco (2015). Relatório Anual de Sustentabilidade 2014. Retrieved from: https://www.samarco.com/wp-content/uploads/2020/12/2013-Relatorio-Anual-de-Sustentabilidade.pdf
https://www.samarco.com/wp-content/uploa...
, p. 12).

Assim, as narrativas do período anterior ao desastre apresentam a empresa como protagonista de ações de sucesso. São autorreferentes e exaltam as realizações e a pujança nos negócios, enfatizando a divulgação de informações positivas e de sucesso às quais a empresa se associa, proclamando-as com a clara responsabilização dos fatores internos. De modo diverso, poucas informações adversas e de caráter negativo têm destaque, e invariavelmente são atribuídas a fatores externos. É o que revelam narrativas posteriores ao desastre ambiental, nas quais a companhia deixa o protagonismo de lado e se dissocia do disclosure negativo, com argumentação defensiva e aumento significativo do uso da voz passiva.

O rompimento da barragem leva a empresa a se empenhar e se contrapor às consequências adversas do desastre, recorrendo a declarações menos contundentes a fim de não despertar suscetibilidades no leitor (Amorim & Souza, 2020Amorim, F. C. B., & Souza, M. T. S. (2020). Estratégias de legitimação de eventos negativos: Um estudo do disclosure ambiental após o rompimento de barragem de mineração [Apresentação de trabalho]. Anais do XXIII Seminários em Administração (SEMEAD), São Paulo, São Paulo, Brasil.). Assim, o momento é descrito como uma tragédia que ela “lamenta profundamente”, sustentando que laços de confiança com a sociedade foram colocados à prova (Samarco, 2017Samarco (2017). Relatório Bienal de Sustentabilidade 2015-2016. Recuperado em: https://www.samarco.com/wp-content/uploads/2020/12/Samarco_Relatorio-Bienal-2015_16-08092017.pdf.
https://www.samarco.com/wp-content/uploa...
).

A repetição de palavras especialmente selecionadas ao longo do RS também serve para atenuar a gravidade do relato do desastre ambiental. É o que se vê com o uso recorrente da palavra impacto e derivações, porém, sem menção a impacto negativo, como seria de se esperar,

“[...] a empresa concentrou esforços na assistência emergencial às vítimas, aos seus familiares e às comunidades impactadas [...]com a destinação de recursos para as ações emergenciais; a busca pela minimização dos impactos causados pelos rejeitos [...] estamos mobilizados para reparar o que foi impactado e organizarmos os termos e os custos para arcar com os impactos gerados (Samarco, 2017Samarco (2017). Relatório Bienal de Sustentabilidade 2015-2016. Recuperado em: https://www.samarco.com/wp-content/uploads/2020/12/Samarco_Relatorio-Bienal-2015_16-08092017.pdf.
https://www.samarco.com/wp-content/uploa...
, p. 6, destaque nosso).

O RS de 2015-2016, na seção “Sobre o Rompimento da Barragem de Fundão” (Samarco, 2017Samarco (2017). Relatório Bienal de Sustentabilidade 2015-2016. Recuperado em: https://www.samarco.com/wp-content/uploads/2020/12/Samarco_Relatorio-Bienal-2015_16-08092017.pdf.
https://www.samarco.com/wp-content/uploa...
), dedica atenção especial ao rompimento da barragem, bem como às ações de emergência. Com base em seu conteúdo e no laudo técnico do Ibama (Ibama, 2015Ibama - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. (2015). Laudo técnico preliminar: Impactos ambientais decorrentes do desastre envolvendo o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, Minas Gerais. Recuperado de: https://www.ibama.gov.br/phocadownload/barragemdefundao/laudos/laudo_tecnico_preliminar_Ibama.pdf
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), foi elaborado um comparativo (vide Tabela 3) que evidencia os relatos dos impactos e as ações de reparo executadas pela empresa, os quais foram confrontados com a realidade objetiva dos fatos detalhadamente descritos no respectivo laudo.

Tabela 3
Disclosure ambiental do desastre no RS 2015-2016 da Samarco e Laudo Técnico Ibama

A comparação do laudo do Ibama com o conteúdo dos impactos divulgados no RS de 2015-2016 evidencia a divergência entre os dois relatos. No tópico relativo a áreas de preservação, o laudo menciona a devastação de matas ciliares, soterramento, supressão e arranque de árvores, enquanto o RS sustenta que todos os impactos relacionados à biodiversidade aquática, terrestre e unidades de conservação foram identificados, contudo sem informar os referidos impactos.

Ao abordar os impactos na ictiofauna, o laudo do Ibama cita a mortandade e perda de espécies em corredeiras, poços, soterramento de lagoas e nascentes, a destruição da vegetação aquática, de estuários e de manguezais. Tal é a gravidade dos impactos que o laudo cita a perda do estoque pesqueiro e interrupção da pesca por tempo indeterminado, devido à destruição de áreas de reprodução de peixes (Ibama, 2015Ibama - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. (2015). Laudo técnico preliminar: Impactos ambientais decorrentes do desastre envolvendo o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, Minas Gerais. Recuperado de: https://www.ibama.gov.br/phocadownload/barragemdefundao/laudos/laudo_tecnico_preliminar_Ibama.pdf
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). De modo diverso, o RS menciona a “abundância de peixes” e omite todos os danos causados pelo acidente (Samarco, 2017Samarco (2017). Relatório Bienal de Sustentabilidade 2015-2016. Recuperado em: https://www.samarco.com/wp-content/uploads/2020/12/Samarco_Relatorio-Bienal-2015_16-08092017.pdf.
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, p. 77).

No item relativo à qualidade da água, o laudo do Ibama relata ter havido impacto profundo e perverso, provocado por desastre de grandes proporções. Porém, o RS minimiza as repercussões destrutivas, relatando que a pluma de rejeitos afetou apenas temporariamente a captação direta de água do Rio Doce. A estratégia de omissão de informações negativas é confrontada com a expansão de ações de reparo que a empresa realizou, citadas com abundância de detalhes, o que dá a dimensão exata da destruição causada. Elas incluem a construção de adutora com 2,5 km de extensão, a perfuração de 12 poços, o fornecimento de 100 bebedouros, e instalação de 120 pontos de monitoramento da água, incluindo sobrevoos para monitoramento da balneabilidade das praias (Ibama, 2015Ibama - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. (2015). Laudo técnico preliminar: Impactos ambientais decorrentes do desastre envolvendo o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, Minas Gerais. Recuperado de: https://www.ibama.gov.br/phocadownload/barragemdefundao/laudos/laudo_tecnico_preliminar_Ibama.pdf
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; Samarco, 2017Samarco (2017). Relatório Bienal de Sustentabilidade 2015-2016. Recuperado em: https://www.samarco.com/wp-content/uploads/2020/12/Samarco_Relatorio-Bienal-2015_16-08092017.pdf.
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).

O laudo do Ibama sustenta que populações de animais de porte reduzido provavelmente foram dizimadas e que é impossível estimar o retorno da fauna ao local, de tão profundo e cruel que foi o impacto. Porém, o RS se limita a relatar que uma grande quantidade de informação sobre a saúde dos animais potencialmente atingidos e sobre mortandade foi acumulada. Paradoxalmente, o relato das ações de reparo é abundante em números, e incluem 225 ações de resgate e reabilitação de aves, anfíbios, répteis e mamíferos, assistência a 5.639 animais, distribuição de insumos, ações para adoção de cães e gatos resgatados, além do resgate de ovos de tartarugas, com proteção de 87.018 filhotes (Ibama, 2015Ibama - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. (2015). Laudo técnico preliminar: Impactos ambientais decorrentes do desastre envolvendo o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, Minas Gerais. Recuperado de: https://www.ibama.gov.br/phocadownload/barragemdefundao/laudos/laudo_tecnico_preliminar_Ibama.pdf
https://www.ibama.gov.br/phocadownload/b...
; Samarco, 2017Samarco (2017). Relatório Bienal de Sustentabilidade 2015-2016. Recuperado em: https://www.samarco.com/wp-content/uploads/2020/12/Samarco_Relatorio-Bienal-2015_16-08092017.pdf.
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).

Os impactos socioeconômicos causados pelo rompimento da barragem de Fundão estão apontados em dez itens no laudo do Ibama. Eles mencionam: a destruição de edificações, pontes, vias e equipamentos urbanos; os prejuízos aos serviços de assistência médica, saúde pública e atendimento de emergências médicas; e o comprometimento do sistema de águas pluviais e de esgotos sanitários, limpeza urbana, recolhimento e destinação do lixo. Porém, detalhes da destruição e impactos negativos são omitidos no RS, e, em contrapartida, as ações executadas pela empresa têm amplo destaque, com o fornecimento de medicamentos, equipamentos médicos e profissionais da área, ações de limpeza sendo mencionados sem que, contudo, seja citado o real motivo dessas ações (Ibama, 2015Ibama - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. (2015). Laudo técnico preliminar: Impactos ambientais decorrentes do desastre envolvendo o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, Minas Gerais. Recuperado de: https://www.ibama.gov.br/phocadownload/barragemdefundao/laudos/laudo_tecnico_preliminar_Ibama.pdf
https://www.ibama.gov.br/phocadownload/b...
; Samarco, 2017Samarco (2017). Relatório Bienal de Sustentabilidade 2015-2016. Recuperado em: https://www.samarco.com/wp-content/uploads/2020/12/Samarco_Relatorio-Bienal-2015_16-08092017.pdf.
https://www.samarco.com/wp-content/uploa...
).

Do mesmo modo, a interrupção nos serviços de telecomunicações, transportes, distribuição de combustíveis e segurança pública, apontados pelo Ibama, são omitidos no RS. Paradoxalmente, a empresa expande os relatos de obras civis que executou com a construção recorde de pontes (uma a cada 15 dias), de espaços públicos, de alameda, de praça e de escolas. Em seu relato, ela não deixa de citar que fez o resgate de 2 mil bens arquitetônicos de igrejas, mas omite a informação de que o turismo na região foi interrompido em razão da lama de rejeitos que invadiu igrejas em cidades históricas de reconhecido valor cultural (Ibama, 2015Ibama - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. (2015). Laudo técnico preliminar: Impactos ambientais decorrentes do desastre envolvendo o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, Minas Gerais. Recuperado de: https://www.ibama.gov.br/phocadownload/barragemdefundao/laudos/laudo_tecnico_preliminar_Ibama.pdf
https://www.ibama.gov.br/phocadownload/b...
; GRI, 2016Global Report Initiative. (2016). Sustainability Disclosure Database. Retrieved from: https://database.globalreporting.org/.
https://database.globalreporting.org/...
).

Dessa forma, a pesquisa evidenciou o gap existente entre o relato da empresa e a realidade objetiva do desastre. As narrativas dos RS são instrumentalizadas pela empresa como resposta à tragédia. Elas foram categorizadas e identificadas como estratégias de reparação voltadas à legitimação, conforme Tabela 4.

Tabela 4
Estratégias de reparação da legitimidade nos RS 2015-2016 da Samarco

Como exposto, os relatórios pesquisados revelaram o uso de diferentes estratégias de reparação da legitimidade a fim de manipular o disclosure favoravelmente, compreendendo as oito categorias teóricas identificadas na revisão da literatura.

A categorização teórica utilizada na análise das narrativas permitiu que se identificasse a forma como acidentes ambientais interferem nos relatos. Assim, a empresa recorreu à estratégia da Autorização (Lupu & Sandu, 2017Lupu, I., & Sandu, R. (2017). Intertextuality in corporate narratives: A discursive analysis of a Contested privatization. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 30(3), 534-564. https://doi.org/10.1108/AAAJ-05-2014-1705
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), apoiando-se em laudos que supostamente a isentariam de responsabilidade. Apesar de se amparar no estrito cumprimento de procedimentos legais e recorrer a instituições e autoridades de renome, a mineradora conclui que o rompimento da barragem foi decorrente de abalos sísmicos “associados a incertezas” (Samarco, 2017Samarco (2017). Relatório Bienal de Sustentabilidade 2015-2016. Recuperado em: https://www.samarco.com/wp-content/uploads/2020/12/Samarco_Relatorio-Bienal-2015_16-08092017.pdf.
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, p. 28). Com tal alegação ela também recorre à estratégia de Racionalização Aparente (van Leeuwen, 2007Van Leeuwen, T. (2007). Legitimation in discourse and communication. Discourse & Communication, 1(1), 91-112. https://doi.org/10.1177/1750481307071986
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), pois descreve o rompimento da barragem como uma fatalidade, alegando ter sido “envolvida em uma tragédia” (Samarco, 2017Samarco (2017). Relatório Bienal de Sustentabilidade 2015-2016. Recuperado em: https://www.samarco.com/wp-content/uploads/2020/12/Samarco_Relatorio-Bienal-2015_16-08092017.pdf.
https://www.samarco.com/wp-content/uploa...
, p. 7).

Nesse sentido, a empresa também se apoia na estratégia de Simplificação de Fatos (Cho, 2009Cho, C. H. (2009). Legitimation strategies used in response to environmental disaster: A French case study of total SA.’S Erika and AZF incidents. European Accounting Review, 18, 33-62. https://doi.org/10.1080/09638180802579616
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; Hahn & Lülfs, 2014Hahn, R., & Lülfs, R. (2014). Legitimizing negative aspects in GRI-oriented sustainability reporting: A qualitative analysis of corporate disclosure strategies. Journal of Business Ethics, 123(3), 401-420. https://doi.org/10.1007/s10551-013-1801-4
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), pois tenta justificar a não divulgação dos níveis de toxicidade nos animais, alegando não haver informações científicas suficientes. De modo semelhante, ela se refere a “investigar a relação de animais mortos”, mas não divulga números, e encerra a questão afirmando que o inventário foi “finalizado em maio de 2016” (Samarco, 2017Samarco (2017). Relatório Bienal de Sustentabilidade 2015-2016. Recuperado em: https://www.samarco.com/wp-content/uploads/2020/12/Samarco_Relatorio-Bienal-2015_16-08092017.pdf.
https://www.samarco.com/wp-content/uploa...
, p. 77). A empresa também relata ter cuidado de grande quantidade de animais em razão da destruição ambiental, mas não informa a condição em que eles se encontravam.

Com a estratégia de Justificar e Eximir-se da Responsabilidade (Suchman, 1995Suchman, M. C. (1995). Managing legitimacy: Strategic and institutional approaches. The Academy of Management Review, 20(3), 571-610. https://doi.org/10.2307/258788
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; Benoit, 1997Benoit, W. L. (1997). Image repair discourse and crisis communication. Public Relations Review, 23(2), 177-186. https://doi.org/10.1016/S0363-8111(97)90023-0
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), a companhia se contrapõe aos fatos com longas e complexas explanações, a fim de desviar o foco do problema. O desastre ambiental é descrito como algo que a empresa “vivenciou”, uma tragédia “marcou a história da Samarco”, e deixou sua “reputação profundamente abalada” (Samarco, 2017Samarco (2017). Relatório Bienal de Sustentabilidade 2015-2016. Recuperado em: https://www.samarco.com/wp-content/uploads/2020/12/Samarco_Relatorio-Bienal-2015_16-08092017.pdf.
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, p. 7). Tal vitimização ecoa nas palavras de seu presidente, o qual sustenta que a empresa veio a ser “envolvida em uma tragédia”, como se o rompimento da barragem fosse algo involuntário e sobre o qual a empresa não tivesse qualquer interferência (Samarco, 2017Samarco (2017). Relatório Bienal de Sustentabilidade 2015-2016. Recuperado em: https://www.samarco.com/wp-content/uploads/2020/12/Samarco_Relatorio-Bienal-2015_16-08092017.pdf.
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, p. 7). Assim, ela procura dissociar sua imagem do desastre ambiental, eximindo-se de responsabilidade e atribuindo pouca importância ao fato.

Colocadas de forma abstrata e vaga, as narrativas dificultam a associação entre a companhia e aspectos negativos. É o que se vê quando a empresa afirma que as ações de resgate de espécies após o desastre “visam embasar um futuro estudo científico sobre peixes”, quando na verdade tais ações ocorreram em virtude da contaminação do rio (SamarcoSamarco (2017). Relatório Bienal de Sustentabilidade 2015-2016. Recuperado em: https://www.samarco.com/wp-content/uploads/2020/12/Samarco_Relatorio-Bienal-2015_16-08092017.pdf.
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, 2017, p. 76). Ao relatar as causas do rompimento da barragem a empresa foge à responsabilidade, pois recorre a construções na voz passiva, evita o uso de pronomes na primeira pessoa do singular e prefere argumentação defensiva e ambígua, sem clara identificação de autoria.

Por outro lado, a empresa assume o protagonismo com a estratégia de Manipulação Temática (Neu et al.,1998Neu, D., Warsame, H., & Pedwell, K. (1998). Managing public impressions: Environmental disclosures in annual reports. Accounting, Organizations and Society, 23(3), 265-282. https://doi.org/10.1016/S0361-3682(97)00008-1
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; Davison, 2008Davison, J. (2008). Rhetoric, repetition, reporting and the “dot.com” era: Words, pictures, intangibles. Accounting, Auditing and Accountability Journal, 21(6), 791-826. https://doi.org/10.1108/09513570810893254
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; Cho et al., 2010Cho, C. H., Roberts, R. W., & Patten, D. M. (2010). The language of US corporate environmental disclosure. Accounting Organizations and Society, 35(4), 431-443. https://doi.org/10.1016/j.aos.2009.10.002
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; Merkl-Davies et al., 2011Merkl-Davies, D. M., Brennan, N. M., & McLeay, S. J. (2011). Impression management and retrospective sense making in corporate narratives. Accounting Auditing & Accountability Journal, 24(3), 315-344. https://doi.org/10.1108/09513571111124036
https://doi.org/10.1108/0951357111112403...
; Rutherford, 2013Rutherford, B. A. (2013). A genre-theoretic approach to financial reporting research. The British Accounting Review, 45(4), 297-310. https://doi.org/10.1016/j.bar.2013.06.006
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; Beattie, 2014Beattie, V. (2014). Accounting narratives and the narrative turn in accounting research: Issues, theory, methodology, methods and a research framework. The British Accounting Review, 46(2), 111-134. https://doi.org/10.1016/j.bar.2014.05.001
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; Leung et al., 2015Leung, S., Parker, L., & Courtis, J. (2015). Impression management through Minimal narrative disclosure in annual reports. The British Accounting Review, 47(3), 275-289. https://doi.org/10.1016/j.bar.2015.04.002
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; Asay et al., 2018Asay, H. S., Libby, R., & Rennekamp, K. (2018). Firm performance, reporting goals, and language choices in narrative disclosures. Journal of Accounting and Economics, 65(2-3), 380-398. https://doi.org/10.1016/j.jacceco.2018.02.002
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), na qual ela se destaca e se associa de modo afirmativo e direto a iniciativas de sucesso, colocando-se, inclusive, como referência para a sociedade e para o setor com as ações de reparo que executou. Para tanto, a mineradora contrapõe informações auto elogiosas, que exaltam seus feitos e sua reputação, com o uso de linguagem mais direta e objetiva. É dessa forma que a empresa propagandeia ações emergenciais no relato posterior à tragédia, lembrando que elas constituem uma importante iniciativa para se levar ao conhecimento público (Samarco, 2017Samarco (2017). Relatório Bienal de Sustentabilidade 2015-2016. Recuperado em: https://www.samarco.com/wp-content/uploads/2020/12/Samarco_Relatorio-Bienal-2015_16-08092017.pdf.
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).

Em seu relato, a Samarco lembra que as ações de reparo podem estimular modelos mais seguros de operação para o setor (Samarco, 2017Samarco (2017). Relatório Bienal de Sustentabilidade 2015-2016. Recuperado em: https://www.samarco.com/wp-content/uploads/2020/12/Samarco_Relatorio-Bienal-2015_16-08092017.pdf.
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). Tal viés egocêntrico é uma constante nos relatos de informações positivas que são repetidas e reforçadas ao longo dos RS, o que constitui um poderoso instrumento de memorização, moldando a forma como públicos relevantes percebem a corporação. Por meio dele, a empresa se destaca por suas ações positivas, ao contrário da estratégia da Manipulação Retórica (Neu et al., 1998Neu, D., Warsame, H., & Pedwell, K. (1998). Managing public impressions: Environmental disclosures in annual reports. Accounting, Organizations and Society, 23(3), 265-282. https://doi.org/10.1016/S0361-3682(97)00008-1
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; Cho et al., 2010Cho, C. H., Roberts, R. W., & Patten, D. M. (2010). The language of US corporate environmental disclosure. Accounting Organizations and Society, 35(4), 431-443. https://doi.org/10.1016/j.aos.2009.10.002
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; Rutherford, 2013Rutherford, B. A. (2013). A genre-theoretic approach to financial reporting research. The British Accounting Review, 45(4), 297-310. https://doi.org/10.1016/j.bar.2013.06.006
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; Beattie, 2014Beattie, V. (2014). Accounting narratives and the narrative turn in accounting research: Issues, theory, methodology, methods and a research framework. The British Accounting Review, 46(2), 111-134. https://doi.org/10.1016/j.bar.2014.05.001
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; Leung et al., 2015Leung, S., Parker, L., & Courtis, J. (2015). Impression management through Minimal narrative disclosure in annual reports. The British Accounting Review, 47(3), 275-289. https://doi.org/10.1016/j.bar.2015.04.002
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), na qual a empresa se omite.

Essa estratégia narrativa tem caráter dissimulador, pois se apoia na linguagem complexa e menos direta e com relativização dos impactos, explanações generalizantes e pouco transparentes. É o que a empresa faz quando sustenta que a pluma de rejeitos afetou apenas temporariamente a captação de água do rio Doce. Com a escolha criteriosa e seletiva de palavras, a companhia apazigua os ânimos e reduz a percepção de ofensividade do incidente, afirmando que os rejeitos impactaram corpos hídricos. De igual modo, também não informa que poluiu rios e mangues e nem as razões que a levaram a instalar cercas ao longo das margens do rio afetado. A mineradora sustenta que há animais potencialmente atingidos e, embora fale em investigar a relação de animais mortos, não divulga tal lista (Samarco, 2017Samarco (2017). Relatório Bienal de Sustentabilidade 2015-2016. Recuperado em: https://www.samarco.com/wp-content/uploads/2020/12/Samarco_Relatorio-Bienal-2015_16-08092017.pdf.
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).

Manipulando palavras, a empresa afirma que 11,1 milhões de m³ de rejeitos estão “se diluindo ao longo do rio Doce”, impactando corpos hídricos (Samarco, 2017Samarco (2017). Relatório Bienal de Sustentabilidade 2015-2016. Recuperado em: https://www.samarco.com/wp-content/uploads/2020/12/Samarco_Relatorio-Bienal-2015_16-08092017.pdf.
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, p. 11-62). Neste jogo de palavras, a mineradora declara que passou a se relacionar com povos indígenas (Samarco, 2017Samarco (2017). Relatório Bienal de Sustentabilidade 2015-2016. Recuperado em: https://www.samarco.com/wp-content/uploads/2020/12/Samarco_Relatorio-Bienal-2015_16-08092017.pdf.
https://www.samarco.com/wp-content/uploa...
), omitindo o real motivo que a levou a tomar tal iniciativa. Ela realça ações de natureza positiva e ignora as que desgastam sua imagem, com as informações sendo divulgadas apenas parcialmente e seletivamente. A companhia também suprime a apresentação de dados quantitativos que poderiam elucidar os fatos, diferentemente do que faz em outras seções do RS que são abundantes em informações de natureza positiva, geralmente apresentadas em gráficos, tabelas, séries históricas e ocupando páginas inteiras, com tais informações sendo claramente identificadas em relação à autoria.

A ostensiva e massiva divulgação de ações de reparo executadas pela empresa atende ao propósito de demonstrar sua capacidade de agir, dissociando-a do desastre ao se sobrepor a ele. Essa estratégia da Ação Corretiva (Benoit, 1997Benoit, W. L. (1997). Image repair discourse and crisis communication. Public Relations Review, 23(2), 177-186. https://doi.org/10.1016/S0363-8111(97)90023-0
https://doi.org/10.1016/S0363-8111(97)90...
; Hahn & Lülfs, 2014Hahn, R., & Lülfs, R. (2014). Legitimizing negative aspects in GRI-oriented sustainability reporting: A qualitative analysis of corporate disclosure strategies. Journal of Business Ethics, 123(3), 401-420. https://doi.org/10.1007/s10551-013-1801-4
https://doi.org/10.1007/s10551-013-1801-...
; Arora & Lodhia, 2016Arora, M. P., & Lodhia, S. (2016). The BP Gulf of Mexico Oil Spill: Exploring the Link Between Social and Environmental Disclosures and Reputation Risk Management. Journal of Cleaner Production, 140, 1287-1297. https://doi.org/10.1016/j.jclepro.2016.10.027
https://doi.org/10.1016/j.jclepro.2016.1...
) serve para neutralizar os sentimentos negativos e contrários surgidos em decorrência do desastre ambiental. Porém, a extensão e o alcance de tais obras dão uma ideia da destruição causada. A empresa faz um balanço das ações de reparo que realizou, com amplo destaque em página inteira e dados numéricos em tamanho grande, visando impressionar o leitor.

Finalmente, com a estratégia da Mortificação (Suchman, 1995Suchman, M. C. (1995). Managing legitimacy: Strategic and institutional approaches. The Academy of Management Review, 20(3), 571-610. https://doi.org/10.2307/258788
https://doi.org/10.2307/258788...
; Benoit, 1997Benoit, W. L. (1997). Image repair discourse and crisis communication. Public Relations Review, 23(2), 177-186. https://doi.org/10.1016/S0363-8111(97)90023-0
https://doi.org/10.1016/S0363-8111(97)90...
; Arora e Lodhia, 2016Arora, M. P., & Lodhia, S. (2016). The BP Gulf of Mexico Oil Spill: Exploring the Link Between Social and Environmental Disclosures and Reputation Risk Management. Journal of Cleaner Production, 140, 1287-1297. https://doi.org/10.1016/j.jclepro.2016.10.027
https://doi.org/10.1016/j.jclepro.2016.1...
), a organização admite seu erro, lamenta as mortes e, com aparente resignação, declara ter refletido e aprendido a lição, demonstrando estar pronta a retomar suas atividades. Assim, expressa seu pesar pelas mortes associadas ao rompimento da barragem, junto com sentimentos e orações em prol de familiares e amigos das vítimas. A mineradora também lamenta a dispensa de 40% dos funcionários, um ajuste necessário para se adequar a um novo momento que viria a partir de ampla reflexão imposta pela tragédia. Esses ajustes viriam a atingir a figura do então diretor-presidente, pressionado a se afastar por conta de inquéritos policiais, fato que é comunicado discretamente em nota de rodapé no RS (Samarco, 2017Samarco (2017). Relatório Bienal de Sustentabilidade 2015-2016. Recuperado em: https://www.samarco.com/wp-content/uploads/2020/12/Samarco_Relatorio-Bienal-2015_16-08092017.pdf.
https://www.samarco.com/wp-content/uploa...
).

A companhia também visa restaurar sua imagem, com a ideia de uma “nova Samarco”, capaz de se tornar um modelo para outras empresas do setor, contribuindo para a “mineração mais segura”, bem como em “trabalhar na busca de boas práticas”, e “retomar a confiança da sociedade” (Samarco, 2017Samarco (2017). Relatório Bienal de Sustentabilidade 2015-2016. Recuperado em: https://www.samarco.com/wp-content/uploads/2020/12/Samarco_Relatorio-Bienal-2015_16-08092017.pdf.
https://www.samarco.com/wp-content/uploa...
, p. 6-7). Planos esses que se enquadram idealmente em um “propósito comum”, planejado como elemento de futuridade, porém vago e impreciso (Samarco, 2017Samarco (2017). Relatório Bienal de Sustentabilidade 2015-2016. Recuperado em: https://www.samarco.com/wp-content/uploads/2020/12/Samarco_Relatorio-Bienal-2015_16-08092017.pdf.
https://www.samarco.com/wp-content/uploa...
, p. 6-7).

6. CONCLUSÃO

O objetivo deste estudo foi analisar as estratégias de legitimação utilizadas no disclosure ambiental visando neutralizar eventos negativos, como grandes acidentes ambientais. A análise das narrativas dos RS constatou que a Samarco procurou atenuar as consequências do desastre em prol da sua reputação e imagem com a divulgação imparcial de informações, pois a publicação de quantidade massiva de informações positivas ofusca e desvia a atenção do leitor do disclosure negativo. Este foi neutralizado com o uso da argumentação defensiva e atenuante, bem como mediante a supressão de dados objetivos e de natureza quantitativa.

A análise do conteúdo dos RS permitiu constatar as contradições existentes entre os relatos que a empresa fez nos períodos anteriores ao desastre e os publicados posteriormente. Assim, as narrativas precedentes ao desastre são caracterizadas pelo protagonismo que enaltece a reputação positiva, reforçada por expressões de otimismo e autoelogios. Com esse fim, organizações recorrem à linguagem mais direta e objetiva, pois as colocam em destaque e como centro das atenções, associando-as de modo inequívoco às iniciativas bem-sucedidas. Tal forma de relato diverge do que é apresentado no RS posterior ao desastre que, visando atender à estratégia de omissão de fatos, emprega argumentação defensiva e inerentemente ambígua, com explanações generalizantes e pouco transparentes, relativizando o disclosure negativo com longas explanações vagas e abstratas.

A manipulação das narrativas dos RS também é útil para negar a realidade objetiva, encoberta por ostensivas ações de reparo propagandeadas estrategicamente, por meio das quais a companhia se redime do desastre ambiental causado. Nelas, ela se apresenta como benfeitora e referência moral em meio a um contexto de devastação e mortes, omitido de forma dissimulada. Porém, a amplitude e visibilidade atribuídas a essas ações de reparo apenas reforçam a dimensão da gravidade do ocorrido e denunciam a responsabilidade da companhia.

Assim, esta pesquisa traz uma importante contribuição no campo teórico para o estudo do disclosure ambiental nos RS, pois apresenta a conceitualização de estratégias de legitimação relativas a eventos negativos e acidentes ambientais. Adicionalmente contribui na prática, ao revelar o papel dos RS como instrumentos de legitimação das companhias em meio a crises.

Dentre as limitações deste estudo se destaca a subjetividade do método de análise adotado, pois a pesquisa é de natureza interpretativa e procurou relacionar a intenção legitimadora ao disclosure mediante a análise do conteúdo dos RS expressos em narrativas, não sendo possível avaliar os resultados efetivos das ações implementadas pela empresa. Dessa forma, visando ampliar e aprofundar o escopo apresentado, sugere-se como pesquisa futura a realização de um estudo de natureza interpretativista das imagens nos relatórios divulgados por empresas de setores potencialmente poluidores, como o setor de mineração, que está em evidência pela ocorrência de grandes acidentes ambientais no Brasil. Nesse sentido, também se recomenda a realização de um estudo comparativo com o desastre da barragem de Brumadinho, ocorrido cerca de três anos após o rompimento da barragem de Fundão e cuja propriedade, em regime de joint venture, também era da Vale S.A.

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  • 40
    Este é um texto bilíngue. Este artigo também foi traduzido para o idioma inglês, publicado sob o DOI https://doi.org/10.1590/1808-057x20231739.en
  • 50
    Este artigo deriva de uma tese de doutorado defendida pelo autor Fernando César Bezerra de Amorim, em 2019.
  • 60
    Trabalho apresentado no SemeAd 2020, São Paulo, SP, Brasil, novembro de 2020.

Editado por

Editor-Chefe:

Andson Braga de Aguiar

Editores Associados:

Márcia Martins Mendes De Luca e Eduardo da Silva Flores

Disponibilidade de dados

Citações de dados

Global Report Initiative. (2016). Sustainability Disclosure Database Retrieved from: https://database.globalreporting.org/

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    23 Jun 2022
  • Revisado
    12 Jul 2022
  • Aceito
    20 Out 2023
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