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Usuários de unidades de informação como elementos centrais para o acesso à informação e cultura

SILVA, A. S. da; MARTENDAL, F. F. A perspectiva social nos estudos de usuários em arquivos, bibliotecas e museus: teoria e prática. [recurso eletrônico]. Florianópolis, SC: Rocha Gráfica e Editora, 2021. (Selo Nyota). 978-65-87264-44-8. (Ebook). Disponível em: https://encurtador.com.br/bzBG4. Acesso em: 09 jan. 2024

Com o entendimento do papel do sujeito no processo de mediação e aquisição de conhecimento, os estudos de usuários de unidades de informação têm se tornado pauta dos debates na área da Ciência da Informação. Neste contexto, esta resenha possibilita fazer uma reflexão crítica sobre as pesquisas contidas na obra intitulada “A perspectiva social nos estudos de usuários em arquivos, bibliotecas e museus: teoria e prática”. Organizada por Andréia Sousa da Silva e Fernanda Frasson Martendal, a coletânea está estruturada em doze capítulos, além do prefácio. Publicada pelo Selo Nyota, a obra possui 268 páginas e apresenta a perspectiva social dos estudos de usuários, categorizados em discussões epistemológicas, ensino e prática.

Com formação na área da Biblioteconomia, a organizadora Andréia Sousa da Silva abarca experiência sobre “[...] Informação Antirracista e Sujeitos Informacionais. Produz pesquisas na área de Ciência da Informação, com ênfase em Biblioteconomia e Arquivologia, com os seguintes temas: Memória social e étnica, Relações Étnico-Raciais, Estudos Afrobrasileiros, Movimentos Sociais na Biblioteconomia, Ética e Política na Biblioteconomia, Fontes de Informação, Usuários da Informação e Comunidade, Mídias Sociais, Bibliotecas Comunitárias, Bibliotecas Públicas e Bibliotecas Escolares” (Silva; Martendal, 2021, p. 257). Fernanda Frasson Martendal é arquivista e tem interesse nas áreas de Organização do Conhecimento, Gestão Documental, Estudos em Práticas Informacionais e Cultura.

Dividida em quatro partes - prefácio, discussões epistemológicas, ensino e os estudos de usuários postos em prática - a obra traz capítulos dedicados às três áreas propostas. Cabe ressaltar que a temática dos estudos de usuários inserida no campo museológico é pouco explorada na obra, sendo apresentada somente em um capítulo que propõe discussões epistemológicas. Nesse sentido, pode-se afirmar que a obra não fornece informações suficientes aos leitores que buscam compreender a temática no campo museológico. Além disso, há predominância de teóricos do campo da Biblioteconomia e Ciência da Informação, mesmo nos textos que tratam dos estudos de usuários nas áreas da Arquivologia e Museologia.

A primeira parte (parte I), “Prefácio”, de autoria de Carlos Alberto Ávila Araújo, destaca a diversidade no campo de estudos de usuários e a complexidade na construção dos olhares sobre a relevância dos usuários. O autor pontua que os estudos de usuários são abordados na obra por uma perspectiva social, substituindo a perspectiva funcionalista. Para Araújo (2021, p. 11),

[...] o estudo dos modos como as pessoas se relacionam com documentos, registros de conhecimento, memória (enfim, informação) pode se beneficiar de perspectivas transversais, que considerem as diferentes instituições e práticas de informação, as diferentes tipologias documentais.

Já na parte II, “Discussões Epistemológicas”, a obra está estruturada em quatro capítulos. Com o objetivo de apresentar as tendências e os desafios sobre os estudos de usuários, Pinto e Geraldo (2021) apresentam o histórico e a evolução da temática no campo da Biblioteconomia. Com título genérico e abrindo a obra, esperava-se que esse capítulo apresentasse ao leitor as tendências e desafios dos estudos de usuários nas três óticas, contudo, os autores desenvolveram a pesquisa em somente uma das três áreas.

Relatam que “os Estudos de Usuários tiveram sua gênese na Ciência da Informação e na Biblioteconomia na década de 1970, iniciando a perspectiva social na década de 1980 e potencializando os estudos científicos no cenário brasileiro a partir do ano de 2010” (Pinto; Geraldo, 2021, p. 35). O capítulo propõe uma análise sobre os estudos de usuários por uma abordagem social como tendência, influenciada por objetivos globais de desenvolvimento sustentável (ODS Agenda 2030 Unesco).

O segundo capítulo da parte II discorre sobre “Reflexiones sobre la biografía institucional y las narrativas biográficas en los estudios de usuarios de archivos de institutos de educación superior”. Fernanda Martendal (2021, p. 42) define

[...] al archivo de los Institutos de Educación Superior como espacios que son constituidos por conjuntos documentales, producidos en su ámbito interno, frutos de sus funciones y actividades”.

Discute sobre os elementos de formação dos arquivos e sobre os usuários destas instituições, onde a história institucional e dos usuários possibilita o conhecimento dos contextos. Nesse capítulo, apesar do referencial teórico consistente apresentado, não é trazido referencial recente que trate da temática no campo arquivístico, como é o caso dos estudos de Rangel (2017RANGEL, T. R. Estudos de usuário em unidades de informação arquivísticas: uma análise teórica e curricular do campo. 2017. TCC (Graduação) - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Escola de Arquivologia. 2017.; 2020).

O capítulo seguinte, de autoria de Medeiros, “Indexação de assunto em arquivos: contribuições para a recuperação da informação pelos usuários”, observa que “[...] a consistência do processo de indexação de assunto e a qualidade de sua representação dependem, dentre outros aspectos, da identificação das formas de consulta utilizadas pelos usuários” (Pinto; Geraldo, 2021, p. 76). O papel e a relevância dos usuários também constam na pesquisa seguinte: “Arquivo, biblioteca e museu como dispositivos de mediação da informação e de reconhecimento dos traços identitários e memorialísticos dos usuários (Santos; Sousa, 2021).

Com autoria de Raquel do Rosário Santos e Ana Claudia Medeiros de Sousa, e intitulado “Arquivo, biblioteca e museu como dispositivos de mediação da informação e de reconhecimento dos traços identitários e memorialísticos dos usuários”, o terceiro capítulo se dedicou à discussão sobre o processo de mediação da informação e sobre o reconhecimento identitário dos usuários a partir desse processo. Ao longo do texto, nota-se a insuficiência de autores dos campos arquivístico e museológico. Além disso, percebe-se a ausência da elucidação do processo de mediação nas três áreas, impossibilitando ao leitor a identificação das diferenças, aproximações e distanciamentos. A exemplo, poderia ter sido explicitado o contexto arquivístico como um elemento diferenciador entre as bibliotecas e os arquivos. Autores como Lousada e Almeida Júnior (2012LOUSADA, M., ALMEIDA JÚNIOR, O. F. A Mediação da Informação e a Arquivística: Aproximações Teóricas. In: VALENTIM, M. L. P. (ed.). Estudos avançados em Arquivologia. Marília: Oficina Universitária; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2012, p. 259274. ISBN: 978-65-5954-129-4. DOI: https://doi.org/10.36311/2012.978-85-7983-266-6.
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) e Ferreira e Almeida Júnior (2013FERREIRA, L. E.; ALMEIRA JÚNIOR, O. F. A mediação da informação no âmbito da arquivística. Perspectivas em Ciência da Informação, Belo Horizonte, v. 18, n. 1, p. 158-167, 2013. Disponível em: http://hdl.handle.net/20.500.11959/brapci/34389. Acesso em: 19 out. 2023.
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) não foram localizados no trabalho. É oportuno ressaltar que há, na área da Arquivologia, uma tese dedicada exclusivamente à temática do capítulo, a saber: a mediação da informação na Teoria Arquivística (Lousada, 2015).

A terceira parte do livro apresenta três textos dedicados à discussão sobre os estudos de usuários inseridos na modalidade de ensino. Todavia, nessa seção, não consta nenhum texto dedicado à discussão e apresentação do ensino dos estudos de usuários pelas escolas de Arquivologia, Biblioteconomia e Museologia no Brasil. Traz dois capítulos de autores estrangeiros que discorrem sobre estratégias para o ensino do desenho e implantação dos estudos de usuários em arquivos e bibliotecas e sobre um grupo de usuários em uma experiência universitária; ambos os textos foram construídos com base na realidade Argentina. Além desse aspecto, a Museologia também não é citada nessa seção.

Intitulado “Estrategias para enseñar a diseñar e implementar estudios de usuarios: punto de partida para la innovación desde las necesidades de los usuarios de archivos y bibliotecas”, o texto de María Carmen Ladrón de Guevara descreve o contexto, o processo e as estratégias para o ensino da temática para os cursos de Arquivologia e Biblioteconomia, no âmbito da Facultad de Filosofía y Humanidades de la Universidad Nacional de Córdoba. O texto apresenta de forma didática o processo de elaboração dos estudos de usuários que têm como etapas: preliminar, desenho e a implementação. Aponta as estratégias necessárias para ensinar os procedimentos e recursos aos estudantes. Para a autora (Guevara, 2021, p. 107), a

[...] enseñanza de los estudios de usuarios (EU) contempla conocer a los estudiantes y proponerles, por un lado, a través de estrategias de aprendizaje, construir un conocimiento profundo en torno a la necesidad e importancia de estos estudios y por otro, los métodos, técnicas e instrumentos.

Em seguida, o trabalho de autoria de Mariana Zattar e Nyzia Sá debate “A relação entre competência em informação e prática informacional: um relato de experiência no ensino, na pesquisa e na extensão universitária”. Essa relação entre a competência em informação e os estudos de usuários se estabelece com o paradigma informacional cunhado por Capurro (2003): físico, cognitivo ou social.

Dando continuidade, o capítulo seguinte, intitulado “Usuarios en comunidades vulnerables: bibliotecología social y experiencia universitaria docente argentina” (Díaz-Jatuf; Appella), discorre sobre os processos sociais, políticos e culturais que transversalizam as noções de cidadania e de inclusão social em bibliotecas localizadas em comunidades vulneráveis. Apresenta um estudo de caso sobre a capacitação e formação de usuários em comunidades vulneráveis, com base na experiência docente realizada em universidades argentinas, focalizada no desenvolvimento de conhecimentos sobre empatia, direitos humanos, aspectos sociopolíticos das comunidades vulneráveis e pensamento crítico.

Na parte IV do livro, as organizadoras apresentam em cinco capítulos a temática “Os estudos de usuários postos em prática”. Nessa seção, encontram-se poucas informações sobre os métodos, procedimentos e ferramentas de estudos de usuários utilizados nas pesquisas apresentadas. Em um dos trabalhos, é possível localizar de forma objetiva a aplicação prática dos estudos de usuários, colaborando de forma precisa para o reconhecimento, pelos leitores, das técnicas/procedimentos utilizados.

O primeiro capítulo, elaborado por Costa, Campos e Sousa, trata das “Recomendações para a atuação dos/das bibliotecários/as frente às necessidades informacionais impostas pela pandemia da covid-19”. Aborda de forma teórica os desafios e problemas informacionais consequentes da pandemia e as práticas biblioteconômicas com viés social para a disponibilização do acesso à informação, além de trazer informações para a atuação dos profissionais em Biblioteconomia para a identificação e combate às fake news.

O segundo capítulo da parte IV, com autoria de Santana, Rezende e Carvalho (2021), discute “O perfil dos leitores do ensino médio da biblioteca escolar da Escola Estadual Brasília e as relações com o avanço da informação tecnológica, em Porto Velho-RO”. O entendimento sobre o perfil desses leitores se consolida, nesta pesquisa de natureza aplicada, por meio das discussões sobre os estudos de usuários em biblioteca escolar aplicados à instituição escolhida. Elenca o perfil dos leitores e algumas recomendações por eles apresentadas, no âmbito da biblioteca pesquisada, sem detalhamento metodológico.

Prosseguindo com as pesquisas de natureza aplicada, Glaucia Vaz (2021, p. 187), no capítulo intitulado “Práticas informacionais em arquivos: contexto social dos usuários do Arquivo Público Mineiro”, busca “[...] determinar o contexto social dos usuários do Arquivo Público Mineiro e relacioná-lo com o seu processo de pesquisa desenvolvido dentro da instituição”. Ao longo do texto, a autora identifica as principais barreiras que impedem o acesso, tanto de forma remota como presencial. Utiliza a matriz comparada para analisar as percepções dos usuários que apontaram a necessidade de ações integradas nos arquivos para o desenvolvimento de habilidades e de competência em informação.

Representando a aplicação dos estudos de usuários em bibliotecas universitárias, Silva e Costa (2021) dedicam o seu capítulo ao conhecimento do grau de satisfação dos usuários estudantes e pesquisadores da Biblioteca do Curso de Física da Universidade Federal do Ceará (UFC). Com o título “Comportamento de busca e uso da informação: um estudo com docentes e discentes especializados na área de física”, a pesquisa traz as abordagens teórico-conceituais que fundamentam o conceito de comportamento informacional dos usuários, transitando pelo processo de busca da informação, pela mediação da informação em bibliotecas universitárias e pela caracterização do comportamento informacional dos docentes e discentes do PPGFIS. Concluem que “os sujeitos da pesquisa estão conscientes das escolhas que favorecem a produtividade e inovação de seus resultados” (Silva; Costa, 2021, p. 226).

Após essa abordagem, o último capítulo da obra, intitulado “El acceso a la información de los usuarios en los archivos históricos en el Perú: una mirada desde el interior del país”, conta com a autoria de Elizabeth-Ascencio e Elizabeth-Huisa. Para as autoras, a investigação dos usuários de arquivos permite conhecer a comunidade do país e os arquivos que custodiam documentos que constituem a memória peruana. A pesquisa parte da escassez literária arquivística no país para priorizar a investigação dos usuários de arquivos regionais de Cusco e Lambayeque. Conclui que os usuários consultados reconhecem a relevância dos documentos arquivísticos para a constituição da identidade do país e suas preferências referentes à consulta e acesso ao acervo.

Ao longo de todo o livro, a questão dos estudos de usuários é colocada como um tema relevante para o processo de mediação e como garantia do acesso aos recursos informacionais. Apresenta de forma tímida a temática nos campos da Museologia e Arquivologia e explora de forma ampliada na área da Biblioteconomia. Os capítulos apresentados refletem a presença do tema nesses campos do saber, tendo mais amplitude nos estudos biblioteconômicos e ainda se consolidando na Arquivologia e Museologia. Entretanto, é notória a relevância dos esforços dedicados à construção desta obra ao campo da Ciência da Informação no Brasil.

Resenhar uma coletânea é sempre uma tarefa complexa, pois coloca a questão de como apresentar ao leitor os escritos de diferentes autores de forma a apontar os pontos fortes e as ausências e suas divisões estruturais. A obra em questão tem o mérito de ser uma das poucas na literatura brasileira dedicadas inteiramente ao assunto dos estudos de usuário e apresenta algumas experiências internacionais. Sua tessitura traz a reflexão teórica, epistemológica, além de ensaiar, de forma tímida, algumas práticas sobre o assunto nos campos dos Arquivos e Bibliotecas, exceto em Museus.

Reconhecimentos

Não aplicável.

REFERÊNCIAS

  • FERREIRA, L. E.; ALMEIRA JÚNIOR, O. F. A mediação da informação no âmbito da arquivística. Perspectivas em Ciência da Informação, Belo Horizonte, v. 18, n. 1, p. 158-167, 2013. Disponível em: http://hdl.handle.net/20.500.11959/brapci/34389 Acesso em: 19 out. 2023.
    » http://hdl.handle.net/20.500.11959/brapci/34389
  • LOUSADA, M., ALMEIDA JÚNIOR, O. F. A Mediação da Informação e a Arquivística: Aproximações Teóricas. In: VALENTIM, M. L. P. (ed.). Estudos avançados em Arquivologia. Marília: Oficina Universitária; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2012, p. 259274. ISBN: 978-65-5954-129-4. DOI: https://doi.org/10.36311/2012.978-85-7983-266-6
    » https://doi.org/10.36311/2012.978-85-7983-266-6
  • LOUSADA, M. A mediação da informação na teoria arquivística. 2015. 135 f. Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Filosofia e Ciências, 2015.
  • RANGEL, T. R. Estudos de usuário em unidades de informação arquivísticas: uma análise teórica e curricular do campo. 2017. TCC (Graduação) - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Escola de Arquivologia. 2017.
  • RANGEL, T. R. Estudos de usuários. In: MARIZ, A. C. A.; RANGEL, T. R. Arquivologia: temas centrais em uma abordagem introdutória. Rio de Janeiro: FGV, 2020.
  • Financiamento:

    Não aplicável.
  • Aprovação Ética:

    Não aplicável.
  • Disponibilidade de dados e material :

    Não aplicável.
  • JITA:

    CB. User studies.
  • ODS:

    4. Educação de Qualidade

Editado por

Editor:

Gildenir Carolino Santos

Disponibilidade de dados

Não aplicável.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    27 Set 2023
  • Aceito
    22 Dez 2023
  • Publicado
    09 Jan 2024
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