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M4law e sua estrutura: possibilidades de modelagem de domínio sob a perspectiva de um SOC

RESUMO

Introdução:

Nas instituições, a interação entre informação e tecnologia é estratégica, decisiva e frequentemente competitiva, tornando essencial encontrar soluções para melhorar esse gerenciamento. As tecnologias digitais e a internet oferecem recursos para aprimorar a organização das informações e do conhecimento, mas também geram um volume massivo de informações que complicam estes processos. A análise e a avaliação de sistemas direcionados à estruturação e recuperação da informação representam uma valiosa contribuição para o campo de forma prática e teórica.

Objetivo:

Este artigo tem como objetivo descrever a macroestrutura do software M4law, analisando seus elementos sob o ponto de vista de um sistema de organização do conhecimento (SOC), mais especificamente relacionando-o às ontologias e seus constructos. Metodologia: Para tal, realizou-se uma breve revisão de literatura contextualizando a área de organização do conhecimento, os SOC e as ontologias. A análise do M4law partiu de seus elementos mais básicos: os objetos, passando pela sua estrutura hierárquica através da criação de um modelo de representação, bem como a verificação de suas propriedades e potenciais relacionamentos entre elementos.

Resultados:

A partir da análise, verificou-se que o sistema faz uso de estrutura e linguagem que remetem às ontologias, e criou-se um comparativo entre os principais construtos ontológicos e os tipos de objetos do M4law.

Conclusão:

Por fim, considerou-se que apesar de não haver uma ontologia de forma explícita na ambientação do software, ele opera com base em princípios ontológicos, podendo ser identificado como um SOC.

PALAVRAS-CHAVE
Organização do conhecimento; Sistemas de organização do conhecimento; Ontologias; M4law.

ABSTRACT

Introduction:

In institutions, the interaction between information and technology is strategic, decisive and often competitive, making it essential to find solutions to improve this management. Digital technologies and the internet offer resources to improve information and knowledge organization, but they also generate a massive volume of information that complicates these processes. The analysis and evaluation of systems aimed at structuring and retrieving information represent a valuable contribution to the field in a practical and theoretical way.

Objective:

This article aims to describe the macrostructure of the M4law software, analyzing its elements from the point of view of a knowledge organization system (SOC), specifically relating it to ontologies and their constructs. Methodology: To this end, a brief literature review contextualized knowledge organization, SOC, and ontologies. The M4law analysis started from its most basic elements: objects, going through its hierarchical structure, creating a representation model, and verifying its properties and potential relationships between elements.

Results:

The analysis found that the system uses structure and language that refer to ontologies, and a comparison was created between the main ontological constructs and the types of objects in M4law.

Conclusion:

Finally, it was considered that although there is no explicit ontology in the software environment, it operates based on ontological principles and can be identified as a SOC

KEYWORDS
Knowledge organization; Knowledge organization systems; Ontologies; M4law

1 INTRODUÇÃO

No contexto atual, a humanidade produz e consome informação numa velocidade espantosa, e as preocupações com o seu tratamento, sua organização e recuperação eficiente trazem desafios ascendentes para a Ciência da Informação (CI). Através da organização da informação, torna-se possível descrever e representar estes elementos para que eles possam modificar contextos e transformarem-se em conhecimento. A organização do conhecimento, por sua vez, é a área basilar da CI que, por meio da construção de modelos, pode gerar representações da informação e assim construir esquemas conceituais entre domínios diversos. Estas representações são alcançadas com o desenvolvimento de sistemas de organização do conhecimento (SOC), que consistem em sistematizações de conceitos e suas relações em um dado domínio (Brascher; Café, 2008BRASCHER, M.; CAFÉ, L.M.A. Organização da informação ou organização do conhecimento? In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 9, 2008, São Paulo. Anais [...] São Paulo: USP. Disponível em: https://l1nq.com/U6QLK. Acesso em: 21 jan. 2023.
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).

No entanto, para que a CI se desenvolva, se mantenha atualizada e relevante, a inclusão da tecnologia em sua agenda de pesquisas é inevitável. A aproximação entre a CI e a Ciência da Computação tem acontecido desde a concepção dos sistemas de informação e é algo cada vez mais presente e necessário para a organização do conhecimento. As ontologias são um dos elementos de ligação entre essas duas áreas, e vem ganhando cada vez mais destaque nas pesquisas e aplicações.

Dentro das instituições (públicas e/ou privadas), as relações entre informação e tecnologias também se fazem presentes e se revestem de um contexto estratégico, decisório e muitas vezes competitivo, e reforçam a necessidade de encontrar soluções que possam auxiliar nesse processamento. As tecnologias digitais e a internet são fatores de impacto tanto negativo quando positivo, pois se de um lado estão qualificando os processos de organização do conhecimento, representação da informação e desenvolvimento de SOC mais potentes; por outro lado facilitam a produção de informação de forma massiva e dificultam os processos de organização.

Assim, o estudo e avaliação de sistemas voltados para a organização e recuperação da informação é uma importante contribuição para a área em sua dimensão empíricas e aplicada. Este artigo esboça de forma breve uma contextualização das ontologias como um SOC, e apresenta o contexto da pesquisa de mestrado em desenvolvimento por um dos autores, tendo como objetivo descrever a estrutura do software M4law e analisá-lo sob a perspectiva da organização do conhecimento, buscando responder a seguinte questão: o software M4law possui características passíveis de comparação com um SOC como as ontologias? Para tal, é realizada uma comparação dos elementos do sistema com os princípios e constructos previstos nas ontologias. Na seção dois serão apresentados os SOC e as ontologias; na seção três será realizada uma descrição do software M4law e sua estrutura de organização de objetos informacionais; e a seção quatro traz as considerações finais a respeito da comparação entre o software e as ontologias.

1.1 Percurso metodológico

A metodologia utilizada pode ser caracterizada como de natureza aplicada e abordagem qualitativa, e quanto aos objetivos pode ser entendida como um estudo de caso exploratório e descritivo. Os procedimentos metodológicos consistiram em uma revisão de literatura reunindo livros, artigos, teses e dissertações relacionados à área de Organização do Conhecimento com ênfase nas ontologias, para a construção do arcabouço teórico. Em sua grande maioria, as obras foram coletadas em bases de dados como a BRAPCI, Portal de periódicos da CAPES, Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD), Google Acadêmico, entre outras. A escolha das obras teve como foco principal as ontologias e sua caracterização, sendo, portanto, os termos ontologia, ontologias, ontologie e ontologies os mais utilizados nas buscas. Também foi realizada uma pesquisa documental tendo como objeto o software M4law em suas versões Desktop (destinado aos usuários) e Admin (ambiente de desenvolvedores), bem como sua documentação contida nos guias de usuário públicos e nos conteúdos de acesso privado da M-Files a que os autores tiveram acesso, possibilitando a análise do sistema sob uma perspectiva comparativa com as ontologias e suas características.

2 SISTEMAS DE ORGANIZAÇÃO DO CONHECIMENTO (SOC)

Representar um conjunto de conceitos contidos em um domínio por si só não é uma tarefa simples. Ademais, ao aliar isso à complexidade de operação de um sistema informatizado de organização e recuperação da informação, dentro de um grupo de usuários de uma área especializada, torna-se algo desafiador. Para Morville e Rosenfeld (2015MORVILLE, P.; ROSENFELD, L. Information Architecture for the World Wide Web. 4th edition. USA: O’Reilly, 2015., p. 24, tradução nossa):

Estamos falando sobre os desafios inerentes à linguagem e representação. Nenhum documento representa de forma completa e precisa o significado pretendido por seu autor. Nenhum rótulo ou definição captura totalmente o significado de um documento. E não há dois leitores que experimentem ou entendam um determinado documento, definição ou rótulo da mesma maneira. O relacionamento entre palavras e significado é complicado, na melhor das hipóteses.” 1 1 “We’re talking about the challenges inherent in language and representation. No document fully and accurately represents the intended meaning of its author. No label or definition totally captures the meaning of a document. And no two readers experience or understand a particular document or definition or label in quite the same way. The relationship between words and meaning is tricky at best.”

A área de OC é um campo de estudo, ensino e prática que se fundamenta em dois pilares centrais: os processos de organização do conhecimento, como catalogação, classificação, indexação e análise temática, e os SOC, tais como sistemas de classificação, cabeçalhos de assuntos, tesauros, ontologias, sistemas de metadados, entre outros. Em sua amplitude, a OC abarca a exploração e o aprimoramento dos serviços de informação, tendo um alcance que permeia toda a sociedade (Hjorland, 2018HJORLAND, B. Knowledge organization (KO). Encyclopedia of Knowledge Organization, 2018. Disponível em: https://www.isko.org/cyclo/knowledge_organization. Acesso em: 05 fev. 2022.
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). Para Dahlberg (1978)DAHLBERG, Ingetraut. Teoria do conceito. Ciência da informação, Brasília, n. 7, v. 2, p. 101-107, 1978. Disponível em: https://revista.ibict.br/ciinf/article/view/115. Acesso em:02. fev. 2022.
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, a interação dos indivíduos com os objetos do mundo leva à necessidade de definir os elementos com os quais se relacionam, culminando na formação e análise dos conceitos por meio da combinação estruturada desses elementos, facilitando o estabelecimento de relações entre eles e culminando na construção de modelos conceituais de representação.

Os SOC são ferramentas de representação destinadas a criar modelos que sintetizam as estruturas conceituais de áreas particulares, juntamente com sua distribuição e interconexões. Assim, influenciam diretamente a maneira como a informação é recuperada e como o conhecimento é organizado (Hodge, 2000HODGE, Gail. Systems of Knowledge Organization for digital libraries: beyond traditional authority files. Washington, DC: The Digital Library Federation - Council on Library and Information Resources. 2000.; Hjorland, 2018HJORLAND, B. Knowledge organization (KO). Encyclopedia of Knowledge Organization, 2018. Disponível em: https://www.isko.org/cyclo/knowledge_organization. Acesso em: 05 fev. 2022.
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; Schiessl; Shintaku, 2012SCHIESSL, M.; SHINTAKU, M. Sistemas de organização do conhecimento. In: ALVARES, Lilian. Organização da informação e do conhecimento: conceitos, subsídios interdisciplinares e aplicações. São Paulo: B4 Editores, 2012. p. 49-118.). Mazzocchi (2019)MAZZOCCHI, Fulvio. Knowledge organization Systen (KOS). Encyclopedia of Knowledge Organization, 2019. Disponível em: https://www.isko.org/cyclo/kos. Acesso em: 13 abr. 2023.
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entende que a noção de SOC abarca uma variedade de ferramentas desenvolvidas em momentos distintos e com objetivos diversos, porém todos com a finalidade de contribuir para o desenvolvimento da OC.

A representação de um domínio depende da linguagem, que é ampla e variada, o que faz com que haja a necessidade de padronização terminológica focada no contexto de uso e no léxico dos usuários. A representação do conhecimento, por sua vez, é mais abrangente e tem raízes tanto na CI quanto na Ciência da Computação, com foco na construção de modelos de mundo, e por meio dessa, gera SOC. Para Souza (2017SOUZA, S.T. Modelagem de domínios em sistemas de organização do conhecimento (SOC): uma investigação em tesauros e ontologias para a informação legislativa. 2017. 327f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Escola de Ciência da Informação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017. Disponível em: https://encr.pw/xNew1. Acesso em: 25 out. 2022.
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, p. 23):

A elaboração de um SOC implica modelar o conhecimento. A modelagem é o ato de modelar, ou seja, delinear segundo um modelo, criando ou reproduzindo algo de forma a sobressaltar seu relevo ou seus contornos. É fornecer descrições simplificadas por meio de modelos criados a partir do processo cognitivo de realizar abstrações de recortes da realidade, tendo como objeto teorias ou fenômenos observados.

Assim, o processo de construção de um SOC consiste na modelagem de um domínio do conhecimento, visando sua representação em uma estrutura conceitual, muito usada para auxiliar na recuperação da informação. Dentro das categorias de SOC, os tesauros e as ontologias são os instrumentos de maior destaque, uma vez que oferecem grande abrangência semântica e maior aplicação aos cenários digitais, compartilhando etapas de modelagem (Souza, 2017SOUZA, S.T. Modelagem de domínios em sistemas de organização do conhecimento (SOC): uma investigação em tesauros e ontologias para a informação legislativa. 2017. 327f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Escola de Ciência da Informação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017. Disponível em: https://encr.pw/xNew1. Acesso em: 25 out. 2022.
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). Os tesauros guardam relação com controle de vocabulário e a indexação em áreas do conhecimento. As ontologias, por sua vez, são artefatos representacionais e podem resolver problemas de representação e interoperabilidade em sistemas de informação, e serão mais bem descritas a seguir.

3 ONTOLOGIAS

O termo ontologia tem origem na filosofia, e remete ao estudo do ser e dos elementos que existem no mundo. No entanto, por ser usado por áreas do conhecimento diversas, apresenta diferentes interpretações e significados, conforme afirma Ramalho (2010)RAMALHO, R.A.S. Desenvolvimento e utilização de ontologias em bibliotecas digitais: uma proposta de aplicação. 2010. 145f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, UNESP, Marília, 2010. Disponível em: https://acesse.dev/XO47V. Acesso em 15 jan. 2023.
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. No âmbito da CI e da Ciência da Computação, pode ser entendida como um artefato de representação, dotado de estrutura e regras para refletir elementos da realidade (Almeida, 2014ALMEIDA, M.B. Uma abordagem integrada sobre ontologias: Ciência da Informação, Ciência da Computação e Filosofia. Perspectivas em Ciência da Informação, Belo Horizonte, v.19, n.3, p. 242-258, jul./set. 2014. Disponível em: https://encr.pw/d53eV. Acesso em: 15 dez. 2022.
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; Krebs, 2016KREBS, L.M. Terminologia e variação conceitual: um estudo de interface com ontologias. 2016. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada, 2016. Disponível em: https://l1nq.com/34R60. Acesso em 02 jan. 2022.
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).

Ao longo do tempo, seu uso foi expandido para outras áreas do conhecimento, de forma que, a partir da década de 60, a Ciência da Computação apropriou-se da ontologia com uma aplicação especificamente voltada para áreas como engenharia de software, auxiliando na modelagem de sistemas (Almeida, 2014ALMEIDA, M.B. Uma abordagem integrada sobre ontologias: Ciência da Informação, Ciência da Computação e Filosofia. Perspectivas em Ciência da Informação, Belo Horizonte, v.19, n.3, p. 242-258, jul./set. 2014. Disponível em: https://encr.pw/d53eV. Acesso em: 15 dez. 2022.
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). Nessa área, o crescente desenvolvimento de programas e banco de dados para organizar informações levou a novos desafios, motivados pela diversidade de métodos de registros, idiomas e terminologias nas comunidades científicas e profissionais, dificultando assim o progresso das tecnologias como solução para conter o crescente fluxo informacional (Arp; Smith; Spear, 2015ARP, R., SMITH, B.; SPEAR, A. D. Building ontologies with basic formal ontology. Massachusts: Mit Press, 2015.; Almeida, 2020ALMEIDA, M.B. Ontologia em Ciência da Informação: teoria e método. Curitiba: CRV, 2020.)

As ontologias foram vistas como uma possível solução para estas questões, à medida em que poderiam colaborar na integração de dados e reutilização de informações. Para Guarino (1998)GUARINO, N. Formal ontology in information systems. In: FOIS’98, 1998, Trento, Italy. Proceedings of the […]. Amsterdam: IOS Press, 1998. p. 3-15. Disponível em: https://acesse.dev/zYaGJ. Acesso em: 7 dez. 2022.
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, elas influenciam diretamente os sistemas de informações, tornando-se ponto central em seu desenvolvimento, e sua utilização pode ir desde servir como base no processo de criação de programas aplicativos, na concepção de interfaces para o usuário e no desenho de bancos de dados.

Na CI, a ontologia começou a ser usado a partir dos anos 1990, numa aproximação de pesquisas entre ciência da computação e métodos de classificação (Ramalho, 2010RAMALHO, R.A.S. Desenvolvimento e utilização de ontologias em bibliotecas digitais: uma proposta de aplicação. 2010. 145f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, UNESP, Marília, 2010. Disponível em: https://acesse.dev/XO47V. Acesso em 15 jan. 2023.
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), podendo ser vista através de diversas perspectivas, sendo a mais comum relacionada à organização do conhecimento, sendo considerada um tipo de linguagem documentária, portanto, um tipo de SOC (Nascimento; Correa; Pinho, 2019). De acordo com Ramalho (2010RAMALHO, R.A.S. Desenvolvimento e utilização de ontologias em bibliotecas digitais: uma proposta de aplicação. 2010. 145f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, UNESP, Marília, 2010. Disponível em: https://acesse.dev/XO47V. Acesso em 15 jan. 2023.
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, p. 35):

[...] as ontologias apresentam-se como uma nova categoria de instrumentos de representação do conhecimento, possibilitando a descrição formal das relações existentes entre os conceitos e favorecendo melhorias nos processos de representação, organização, disseminação e recuperação de conteúdos documentais.

De acordo com Almeida (2014)ALMEIDA, M.B. Uma abordagem integrada sobre ontologias: Ciência da Informação, Ciência da Computação e Filosofia. Perspectivas em Ciência da Informação, Belo Horizonte, v.19, n.3, p. 242-258, jul./set. 2014. Disponível em: https://encr.pw/d53eV. Acesso em: 15 dez. 2022.
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, o uso das ontologias na CI não se restringe ao seu desenvolvimento como SOC, pois seu alcance vai além da aplicação, podendo ser usada como fundamento no intuito de compreender e modelar domínios, como uma teoria informal, nem sempre mencionada adequadamente na área. Já Minghelli e Chishman (2012)MINGHELLI, T.D.; CHISHMAN, R. Ontologia jurídica e a relação de meronímia. Veredas on-line, Juiz de Fora, 2, p. 85-103, 2012. Disponível em: https://encr.pw/iwOxj. Acesso em: 25 jan. 2022.
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a entendem como um produto tecnológico.

Apesar das perspectivas diversas nas três áreas, os princípios ontológicos são os elementos em comum que as conectam, fornecendo as bases teóricas para seu entendimento e uso, fundamentadas nos estudos sobre categorias para fins de representação de estruturas da realidade, com destaque para o método de Aristóteles, dotado de gênero e “diferenttia” (Sowa, 2001SOWA, J. Building, sharing, and merging ontologies. 2001. Disponível em: https://acesse.dev/vrQ6R. Acesso em: 10 dez. 2022.
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; Almeida, 2014ALMEIDA, M.B. Uma abordagem integrada sobre ontologias: Ciência da Informação, Ciência da Computação e Filosofia. Perspectivas em Ciência da Informação, Belo Horizonte, v.19, n.3, p. 242-258, jul./set. 2014. Disponível em: https://encr.pw/d53eV. Acesso em: 15 dez. 2022.
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).

Para Almeida (2020ALMEIDA, M.B. Ontologia em Ciência da Informação: teoria e método. Curitiba: CRV, 2020., p. 46):

[...] a ontologia em seu entendimento contemporâneo é um artefato formal, para fins de representação da informação e do conhecimento, que têm como vantagem a formulação rigorosa-livre de ambiguidades de definições-, assim como a possibilidade de implementação computacional.

De acordo com Arp, Smith e Spear (2015)ARP, R., SMITH, B.; SPEAR, A. D. Building ontologies with basic formal ontology. Massachusts: Mit Press, 2015. ela pode ser considerada uma taxonomia “sofisticada” com intuito de descrever dados com consistência, e suas definições são de natureza textual - para os seres humanos - e lógica - para as máquinas. No que se refere ao seu produto, Batres, et al (2005BATRES, E. J. et al. Uso de ontologias para a extração de informações em atos jurídicos em uma instituição pública. Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, Florianópolis, v. 10, n. 19, p. 73-88, 2005. Disponível em: https://l1nq.com/kUJv4. Acesso em: 27 dez. 2022.
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, p. 76) afirmam que as ontologias visam:

[...] fornecer um sistema conceitual expresso por um conjunto de termos e suas relações que permitem, a partir de um determinado termo, a localização de termos mais amplos ou mais genéricos, sinônimos, termos oposto e termos associados em geral.

Complementando, Noy e Mcguiness (2004, p. 1, tradução nossa) entendem que a ontologia “[...] define um vocabulário comum para pesquisadores que precisam compartilhar informações em um domínio. Inclui definições interpretáveis por máquina de conceitos básicos no domínio e relações entre eles.”.

Portanto, uma ontologia pode ser entendida como um artefato de representação formal que compreende uma estrutura de conceitos de um domínio, padronizada através de uma taxonomia que comporta relações diversas entre seus elementos, com definições explícitas no intuito de que sejam legíveis tanto por máquina quanto pelo ser humano. Nas definições mencionadas, é possível perceber que apesar da filosofia, CI e Ciência da Computação serem áreas distintas, seus caminhos estão entrelaçados no que se refere às ontologias e seu desenvolvimento, pois é impossível não evocar referências às três simultaneamente.

Sob a perspectiva representacional, uma ontologia é composta dos seguintes construtos (Almeida, 2014ALMEIDA, M.B. Uma abordagem integrada sobre ontologias: Ciência da Informação, Ciência da Computação e Filosofia. Perspectivas em Ciência da Informação, Belo Horizonte, v.19, n.3, p. 242-258, jul./set. 2014. Disponível em: https://encr.pw/d53eV. Acesso em: 15 dez. 2022.
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; Krebs, 2016KREBS, L.M. Terminologia e variação conceitual: um estudo de interface com ontologias. 2016. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada, 2016. Disponível em: https://l1nq.com/34R60. Acesso em 02 jan. 2022.
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; Souza, 2017SOUZA, S.T. Modelagem de domínios em sistemas de organização do conhecimento (SOC): uma investigação em tesauros e ontologias para a informação legislativa. 2017. 327f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Escola de Ciência da Informação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017. Disponível em: https://encr.pw/xNew1. Acesso em: 25 out. 2022.
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; Nascimento; Correa; Pinho, 2019.):

  1. universais/ entidades: elementos que descrevem a realidade;

  2. conceitos: definições/representações mentais;

  3. tipos/categorias/classes/subclasses: conjuntos que agrupam ou demarcam elementos por semelhanças;

  4. instâncias: representam elementos especiais de classes e subclasses;

  5. propriedades: descrevem características das classes e subclasses

  6. regras/axiomas: determinações lógicas que regulam condições entre os elementos;

  7. relações: descrevem os relacionamentos entre elementos na hierarquia.

A quantidade de objetos e a diversidade (e ambiguidade) de suas definições para compor uma estrutura ontológica pode gerar dissonância de entendimentos no momento da construção. Ramalho (2010)RAMALHO, R.A.S. Desenvolvimento e utilização de ontologias em bibliotecas digitais: uma proposta de aplicação. 2010. 145f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, UNESP, Marília, 2010. Disponível em: https://acesse.dev/XO47V. Acesso em 15 jan. 2023.
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sintetiza os componentes principais de uma ontologia com o intuito de diminuir a complexidade, de forma a se caracterizarem em: classes e subclasses, que agrupam coisas/objetos da realidade de acordo com suas características semelhantes; propriedades descritivas, que irão descrever as características das classes; propriedades relacionais, que possibilitam que o relacionamento entre classes da mesma hierarquia ou não seja realizado através de rótulos; regras e axiomas, que são as regras lógicas para inserção de valores, que possibilitam as inferências automáticas; instâncias, que representam os valores das classes e subclasses, de forma a caracterizar os elementos do domínio; e valores, que registram informações concretas referentes às propriedades descritivas (Ramalho, 2010RAMALHO, R.A.S. Desenvolvimento e utilização de ontologias em bibliotecas digitais: uma proposta de aplicação. 2010. 145f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, UNESP, Marília, 2010. Disponível em: https://acesse.dev/XO47V. Acesso em 15 jan. 2023.
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). O quadro a seguir (Quadro 1) sistematiza e compara alguns elementos encontrados na literatura sobre ontologias para melhor compreensão dos construtos.

Quadro 1
Comparação entre construtos de ontologia com base em autores sobre o tema.

Almeida (2020)ALMEIDA, M.B. Ontologia em Ciência da Informação: teoria e método. Curitiba: CRV, 2020. afirma que a diversidade de construtos, os termos usados e seus significados confundem-se com seu uso de forma coloquial, o que colabora para que o entendimento desses elementos tão importantes seja um desafio. Por conta disso, o autor reuniu os principais termos e usos no sentido de defini-los e situá-los dentro do contexto representacional das ontologias (Quadro 2).

Quadro 2
Termos, constructos básicos de representação e suas definições de acordo com Almeida (2020)ALMEIDA, M.B. Ontologia em Ciência da Informação: teoria e método. Curitiba: CRV, 2020.

O elemento que irá balizar a estruturação dos construtos de uma ontologia é o seu compromisso ontológico, que é a definição/conceitualização/descrição do domínio que irá nortear a escolha de categorias, bem como a construção do modelo (Guarino, 1998GUARINO, N. Formal ontology in information systems. In: FOIS’98, 1998, Trento, Italy. Proceedings of the […]. Amsterdam: IOS Press, 1998. p. 3-15. Disponível em: https://acesse.dev/zYaGJ. Acesso em: 7 dez. 2022.
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; Minghelli; Chishman, 2012MINGHELLI, T.D.; CHISHMAN, R. Ontologia jurídica e a relação de meronímia. Veredas on-line, Juiz de Fora, 2, p. 85-103, 2012. Disponível em: https://encr.pw/iwOxj. Acesso em: 25 jan. 2022.
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).

A partir da definição de seus construtos, é possível desenvolver ontologias de tipos diversos, de acordo com o objetivo que se pretende com a representação, a saber: ontologia de alto nível ou genérica, que reúne conceitos gerais de um domínio, e serve para unificar categorias e seus relacionamentos de grandes comunidades, visando melhorar a integração de informações; ontologia de domínio ou tarefa, que partindo da ontologia de alto nível, descrevem conceitos genéricos de um domínio/tarefa, tornando termos mais específicos; ontologia de aplicação, que consiste numa especialização das ontologias de domínio/tarefa para execução de atividades (Guarino, 1998GUARINO, N. Formal ontology in information systems. In: FOIS’98, 1998, Trento, Italy. Proceedings of the […]. Amsterdam: IOS Press, 1998. p. 3-15. Disponível em: https://acesse.dev/zYaGJ. Acesso em: 7 dez. 2022.
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; Ramalho, 2010RAMALHO, R.A.S. Desenvolvimento e utilização de ontologias em bibliotecas digitais: uma proposta de aplicação. 2010. 145f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, UNESP, Marília, 2010. Disponível em: https://acesse.dev/XO47V. Acesso em 15 jan. 2023.
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); e ontologia de referência, que visam representar de forma abrangente os elementos de um domínio, no sentido de reunir conhecimento (Arp; Smith; Spear, 2015ARP, R., SMITH, B.; SPEAR, A. D. Building ontologies with basic formal ontology. Massachusts: Mit Press, 2015.).

Com o êxito de sua adequação tanto na CI quanto na Ciência da Computação, houve um crescimento na construção de ontologias, o que aliado à problemática da falta de padrões para sua criação pode levar a novos problemas na integração e dificuldade no reuso de informações, esvaziando a razão primeira do uso de ontologias: a interoperabilidade (Arp; Smith; Spear, 2015ARP, R., SMITH, B.; SPEAR, A. D. Building ontologies with basic formal ontology. Massachusts: Mit Press, 2015.; Souza, 2017SOUZA, S.T. Modelagem de domínios em sistemas de organização do conhecimento (SOC): uma investigação em tesauros e ontologias para a informação legislativa. 2017. 327f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Escola de Ciência da Informação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017. Disponível em: https://encr.pw/xNew1. Acesso em: 25 out. 2022.
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). Noy e Mcguiness (2004) afirmam que a construção de uma ontologia é um processo criativo em que não há um método certo de execução, e Souza (2017)SOUZA, S.T. Modelagem de domínios em sistemas de organização do conhecimento (SOC): uma investigação em tesauros e ontologias para a informação legislativa. 2017. 327f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Escola de Ciência da Informação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017. Disponível em: https://encr.pw/xNew1. Acesso em: 25 out. 2022.
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entende que a falta de padrões internacionais consolidados seria um indicativo do grau de amadurecimento em que se encontram as ontologias, em comparação a outros SOC, por exemplo.

Entretanto, este cenário pode vir a se modificar por meio do desenvolvimento de estudos para a criação de padrões para construção como a Unified Foundational Ontology (UFO) (Guizzardi, 2005GUIZZARDI, G. Ontological foundations for structural conceptual models. University of Twente, 2005.) e a OntoForInfoScience (2015), por exemplo, e a publicação de duas normas ISO que oferecem recomendações para o processo: ISO/IEC 21838-1:2021INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO/IEC 21838-1:2021 Information technology - Top-level ontologies (TLO) - Part 1: Requirements. Geneve: International Standard Organization, 2021. Information technology - Top-level ontologies (TLO) - Part 1: Requirements (2021INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO/IEC 21838-1:2021 Information technology - Top-level ontologies (TLO) - Part 1: Requirements. Geneve: International Standard Organization, 2021.) e ISO/IEC 21838-2:2021INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO/IEC 21838-2:2021 Information technology - Top-level ontologies (TLO) - Part 2: Basic Formal Ontology (BFO). Geneve: International Standard Organization, 2021. Information technology - Top-level ontologies (TLO) - Part 2: Basic Formal Ontology (BFO) (2021INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO/IEC 21838-2:2021 Information technology - Top-level ontologies (TLO) - Part 2: Basic Formal Ontology (BFO). Geneve: International Standard Organization, 2021.), que aos poucos poderão vir a colaborar para a unificação de métodos.

Sob a perspectiva da organização do conhecimento, é frequente a problemática ontologia X tesauros, no sentido de comparar suas aplicações como SOC, metodologias de construção, teorias que os fundamentam, entre outros tópicos. Suas definições não necessariamente se confundem, pois é possível identificar elementos que os diferenciam, como sua estrutura, finalidade e aplicação. É notório que há influência mútua entre os dois, tanto que Souza (2017)SOUZA, S.T. Modelagem de domínios em sistemas de organização do conhecimento (SOC): uma investigação em tesauros e ontologias para a informação legislativa. 2017. 327f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Escola de Ciência da Informação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017. Disponível em: https://encr.pw/xNew1. Acesso em: 25 out. 2022.
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questiona se os tesauros estariam passando por algo como uma “ontologização”, e sugere as ontologias devem obedecer a fundamentação teórica da CI na sua construção.

Em suma, as ontologias seguiram um percurso de evolução sofrendo influências interdisciplinares, e podem ser vistas como uma nova categoria de SOC, compartilhando características e fundamentos com seus antecessores, mas se apresentando como a mais apta a lidar com o avanço das tecnologias sobre a área da organização do conhecimento (Ramalho, 2010RAMALHO, R.A.S. Desenvolvimento e utilização de ontologias em bibliotecas digitais: uma proposta de aplicação. 2010. 145f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, UNESP, Marília, 2010. Disponível em: https://acesse.dev/XO47V. Acesso em 15 jan. 2023.
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).

3 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

O software M4law2 2 https://www.m4law.com.br/ é um sistema desenvolvido pela Br-IT Softwares3 3 https://www.br-itsoftware.com.br/ , e apresenta-se como uma plataforma de gestão inteligente de conteúdo e documentos voltada para o âmbito jurídico, operando em nuvem e com recursos de inteligência artificial (IA). A empresa é uma das representantes licenciadas no Brasil para comercializar o M-Files, da M-Files Corporation4 4 https://www.m-files.com/ . Esse, por sua vez, se define como um Enterprise content management (ECM), ou seja, uma solução para gerenciamento de informações corporativas que melhora a forma como as empresas gerenciam documentos e outras informações, com foco na organização e recuperação eficientes. Ele se diferencia de um sistema de gerenciamento eletrônico de documentos (GED), pois vai além do uso da tecnologia para organizar documentos de forma tradicional, e foca no gerenciamento de conteúdo estruturado para abarcar informações de forma mais abrangente (M-Files Corporation, 2022M-FILES FOR CUSTOMERS. 2022. Disponível em: https://acesse.dev/lPNnA. Acesso em 5 jan. 2023.
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).

Trata-se de um sistema orientado para metadados, e na sua concepção, entende que esses são informações que descrevem várias facetas de um objeto informacional. A organização se dá com base no próprio objeto por meio da descrição de suas propriedades, considerando-as como “pedaços” de metadados, permitindo a conexão de informações pelo seu contexto (M-Files Customers, 2022M-FILES FOR CUSTOMERS. 2022. Disponível em: https://acesse.dev/lPNnA. Acesso em 5 jan. 2023.
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).

Sob o olhar da organização do conhecimento, estes sistemas corporativos não só podem como devem ser analisados, seja no sentido de buscar elementos que fogem aos princípios da área, para estudos, seja para indicar caminhos e melhorias nessas aplicações, em ambos os casos enriquecendo as agendas de pesquisa do campo.

Desta forma, um dos autores deste artigo faz uso da plataforma M4law em sua atividade profissional desde 2019, e em virtude da realização de sua pesquisa de mestrado, que tem o sistema como objeto de estudo, pôde ter acesso ao ambiente de administrador M-Files Admin (traduzido para uso da M4law), para poder avaliar os elementos estruturais na forma como se apresentam para os desenvolvedores, oportunizando a análise do sistema e de seus elementos. Com isso, surgiu a possibilidade de realizar uma leitura da estrutura do M4law/M-files sob uma perspectiva comparativa com as ontologias.

Em um primeiro momento, identificou-se que o instrumento que mais se assemelha a sua apresentação inicial seria uma taxonomia, pela estrutura hierárquica claramente visualizada (figura 1). Entretanto, um componente bastante presente na operação do sistema é a sua possibilidade de criação de relacionamentos diversos entre objetos através de suas propriedades, o que torna a comparação com uma taxonomia simples menos viável, e o aproxima (sob a perspectiva comparativa) de ferramentas semânticas mais elaboradas, como tesauros e ontologias.

Figura 1
Estrutura de metadados M-Files

Ao observar a apresentação da estrutura do M4law em sua exibição hierárquica (figura 2), identificamos os principais elementos que compõem os objetos no sistema: tipos de objeto, que agrupam todos os objetos que se encontram nas categorias mais gerais e que se distinguem dentro da organização, podendo ir de documento, cliente, processo e/ou consultivo a uma tarefa específica, entre outros; grupos de classes, que poderiam ser aqui vistas como superclasses, de teor mais genérico, no caso de um objeto documento, poderia se subdividir em departamentos que os produzem, como jurídico, administrativo, financeiro, por exemplo; classes, que servem como agrupadores de objetos mais específicos, mas ainda gerais, de certa forma, como uma classe documental intitulada petição, por exemplo; e por fim as propriedades, que consistem nos metadados propriamente ditos, em que cada uma descreve uma particularidade do objeto, inserindo-se aqui as possibilidades de criação de relações entre os diversos objetos contidos no ambiente do sistema.

Figura 2
Estrutura de metadados (exibição hierárquica)

Ao verificar a apresentação dos elementos em sua exibição plana (figura 3), temos acesso a algumas definições que o sistema atribui para o funcionamento de seus objetos. O item tipo de objeto é considerado um conceito de alto nível e é através dele que acontece a modelagem de objetos mais abrangentes; as listas de valores são parâmetros que irão definir a estrutura de propriedades dos objetos e seu preenchimento; as definições de propriedades servem para definir as fichas de metadados padrão atribuídas a cada classe e objeto; e as classes irão agrupar tipos de objetos em categorias mais especializadas. O sistema por si só considera as classes como de grande relevância para o objeto documento, o que de fato se verifica na prática, mas ainda assim se aplica aos demais objetos dentro do sistema.

Figura 3
Estrutura de metadados (exibição plana)

Para fins de demonstração, foi criado um modelo simples de representação no sentido de exemplificar como se apresenta a hierarquia de objetos num contexto da documentação jurídica, âmbito em que o M4law se aplica. Partindo dos objetos de alto nível Pessoa e Documento, foram criadas os grupos de classes Advogado e Cliente e de tipos de documentos com relação a suas áreas (Administrativo, Financeiro, Jurídico). Expandindo o segmento Documento > Jurídico foi criada a classe Petição, que apresenta as propriedades Grupo de classes, Nome ou título, Processo e Cliente (figura 4).

Figura 4
Hierarquia de objetos

Como exemplo, um objeto documento, do grupo de classes jurídico, na classe petição, pode ser relacionado aos objetos processo e cliente através do preenchimento de suas propriedades na ficha de metadados (figura 4).

Figura 4
Relacionamentos através da ficha de metadados

Cada objeto pode ser vinculado a diversos outros. Um Cliente pode ter relacionamento com outros objetos diversos, como contratos, consultivos, demandas, documentos e processos, como o exemplo a seguir, que consta num ambiente de operação real do M4law (figura 5).

Figura 5
Relacionamentos do objeto Cliente

Além da exibição das relações por menus suspensos é possível visualizar através do comando Relacionamentos, que mostra a quantidade de vínculos para cada objeto e a partir dele, como uma teia de referências suspensas (figura 6).

Figura 6
Relações a partir de/ para um objeto Processo

Muitas das atribuições de relacionamentos podem se dar de forma previamente parametrizada (com campos fixos na ficha de metadados de cada objeto) ou por livre adição manual de propriedades, tecendo uma rede de relacionamentos entre os objetos dos mais variados níveis. Além disso, é possível adicionar regras para automatizar ações a partir de cada classe. Vale ressaltar que a estrutura de classificação inicial é configurada antecipadamente por administradores internos da M4law, mas o sistema permite parametrizações de acordo com as mais diversas realidades de uso (figura 7).

Figura 7
Tela de configuração das propriedades de classe

É importante salientar que os usuários podem operar ativamente na criação, modificação de propriedades e atribuição de relacionamentos entre objetos, sendo responsáveis parciais por estruturar a rede de informações que tramitam no sistema. Este fato pode abrir precedentes para ocorrências como classificações e/ou vinculações incorretas, que aliados a fatores como a presença de ambiguidades nas estruturas e ausência de padronização terminológica, podem refletir na busca e recuperação posterior de informações. Desta forma, o momento dedicado à modelagem dos objetos do M4law e sua estrutura no momento pré-implantação é fundamental para a organização, classificação e recuperação das informações no sistema.

Ao longo das pesquisas realizadas sobre o software (tanto M-Files quanto M4law) não foi identificado o termo ontologia em nenhuma documentação ou ambiente do sistema, seja para acesso e consulta de forma livre ou dentro dos ambientes de usuário e administrador a que a autora teve acesso. Por se tratar de um recurso comercial, o acesso às informações técnicas e estruturais de modelagem do sistema podem estar restritas aos seus desenvolvedores e parceiros, portanto, não há como atestar se há uma ontologia de alto nível como fundamentação, ou se a M-Files Corporation desenvolveu sua própria estrutura, o que dificulta o entendimento de suas bases constitutivas.

Apesar disso, existem elementos que remetem a uma estrutura ontológica implícita na plataforma, como o uso de uma linguagem próxima das usadas para a especificação de ontologias. É possível enxergar o software num contexto de artefato representacional, com sua taxonomia central e dotado de relações de subsunção entre seus itens. Partindo de sua apresentação numa hierarquia que abarca tipos de objetos, grupos de classes, classes e propriedades, bem como seus relacionamentos, foi possível traçar um paralelo de comparação com os construtos de uma ontologia (tabela 3).

Quadro 3
Comparativo entre construtos de representação e elementos da estrutura do M-Files/M4law

Também se verificou que as propriedades que o sistema oferece podem se encaixar na divisão de Ramalho (2010)RAMALHO, R.A.S. Desenvolvimento e utilização de ontologias em bibliotecas digitais: uma proposta de aplicação. 2010. 145f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, UNESP, Marília, 2010. Disponível em: https://acesse.dev/XO47V. Acesso em 15 jan. 2023.
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entre descritivas e relacionais, pois além de quantificar valores para as classes, permitem a atribuição de relações com outros objetos através dos metadados.

Para Guarino (1998)GUARINO, N. Formal ontology in information systems. In: FOIS’98, 1998, Trento, Italy. Proceedings of the […]. Amsterdam: IOS Press, 1998. p. 3-15. Disponível em: https://acesse.dev/zYaGJ. Acesso em: 7 dez. 2022.
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, qualquer sistema de informação é orientado por uma ontologia, e Almeida (2020)ALMEIDA, M.B. Ontologia em Ciência da Informação: teoria e método. Curitiba: CRV, 2020. corrobora esta afirmação e entende as ontologias como um tipo de meta-modelo de representação usados em sistemas para a representação do conhecimento. O M-Files por ser um sistema de gerenciamento inteligente de conteúdo, tem como premissa a apresentação de informações estruturadas de um domínio (no caso do M4law, o jurídico) com foco na organização e recuperação de informações estruturadas, e por esse motivo pode ser visto como um sistema baseado em conhecimento, que faz uso da interação entre uma ontologia, um motor de inferência e sua interface em um sistema especialista para seu usuário (Almeida, 2020ALMEIDA, M.B. Ontologia em Ciência da Informação: teoria e método. Curitiba: CRV, 2020.).

Um aspecto que tem menor destaque no sistema é a apresentação visual dos objetos. Apesar de exibir as imagens de exemplo da estrutura hierárquica no ambiente de administrador, não permite uma visualização mais completa entre a estrutura de itens e suas relações, como são comuns nas ontologias, e que auxilia na compreensão do que está sendo representado no domínio.

4 CONCLUSÃO: M-Files/M4law versus ontologias

Este artigo se destinou a realizar uma descrição da estrutura do M4law e uma comparação dessa com as ontologias, no sentido de compreendê-lo como um SOC. Entende-se que há muito a ser explorado no contexto do software, não se descartando o desenvolvimento de mais estudos acerca do assunto, tendo em vista a riqueza do tema e a colaboração para a área da OC. Como visto, o potencial de construção e parametrização de objetos da plataforma é amplo, o que possibilita a criação de fluxos que podem reproduzir as mais diversas realidades, o que pode ser um desafio quando direcionado a cenários que não busquem uma adequada modelagem conceitual prévia como base. Consideramos que a condução de pesquisas aplicadas no sentido da construção de um instrumento como um tesauro ou uma ontologia integrada ao sistema, buscando a padronização terminológica e a modelização conceitual podem qualificar ainda mais a organização do sistema e a entrega das informações recuperadas.

Por fim, ainda que o M-Files/M4law não cite de forma direta sua constituição como ontologia, existe a presença de princípios ontológicos em sua operação, tendo em vista sua apresentação hierárquica e a categorização para representação das informações do domínio, bem como a semelhança de seus elementos com os constructos ontológicos. Além disso, pode ser visto como um SOC, pois destina-se a representar um domínio do conhecimento através de sua estrutura, seus conceitos e relacionamentos, com foco na organização e recuperação de informações.

Reconhecimentos

Os autores gostariam de agradecer à equipe da Br-It Softwares pelo apoio à condução dos estudos sobre o software M4law.

  • 1
    “We’re talking about the challenges inherent in language and representation. No document fully and accurately represents the intended meaning of its author. No label or definition totally captures the meaning of a document. And no two readers experience or understand a particular document or definition or label in quite the same way. The relationship between words and meaning is tricky at best.”
  • 2
  • 3
  • 4
  • Financiamento: Não aplicável.
  • Aprovação ética: Não aplicável.
  • Disponibilidade de dados e material: Não aplicável.
  • Imagem: Extraída do Lattes.
  • JITA:

    ID. Knowledge representation.
  • ODS:

    9. Indústria, inovação e infraestrutura.

REFERÊNCIAS

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Editado por

Editor: Gildenir Carolino Santos

Disponibilidade de dados

Disponibilidade de dados e material: Não aplicável.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    03 Set 2023
  • Aceito
    18 Jun 2024
  • Publicado
    27 Jun 2024
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