Open-access Avaliação da regulação das custas forenses e sua correlação com o nível de judicialização: evidência das Justiças estaduais brasileiras no período de 2009 a 2018

ASSESSMENT OF COURT FEES’ REGULATION AND ITS CORRELATION WITH THE LEVEL OF JUDICIALIZATION: EVIDENCE OF BRAZILIAN STATE COURTS FROM 2009 TO 2018

Resumo

Baseada na análise econômica do Direito, a teoria da litigância propõe um modelo teórico em que são identificados os fatores que influenciam a tomada de decisão acerca do acionamento ou não do Poder Judiciário quando os agentes se encontram diante de um cenário de conflito. De acordo com esse modelo normativo, o baixo custo para o acionamento dos tribunais pode constituir em um incentivo à judicialização. O objetivo desta pesquisa é verificar se a variação do valor das custas forenses pode influenciar a quantidade de litígios. Especificamente, é testada empiricamente a existência de correlação entre a alteração da regulação estadual das custas forenses e o nível de judicialização, medido sobre a variação percentual da quantidade de processos no ano subsequente. A pesquisa adotou abordagem quantitativa e descritiva, tendo sido considerados dados sobre as custas forenses e o número de processos dos tribunais estaduais brasileiros entre os anos de 2009 e 2018. Por meio de um teste estatístico de diferença de médias, foi possível identificar que reduções das custas estão relacionadas a um aumento médio de 6% na quantidade de processos no ano seguinte. Já para os aumentos das custas, não foi possível identificar relação com reduções dos números de processos.

Palavras-chave Direito e Economia; regulação; custas forenses; eficiência judicial; nível de judicialização

Abstract

The economic analysis of the litigation proposes a theoretical model that identify the factors that influence agents’ decision-making about whether to turn to the Judiciary when faced with a conflict. According to this normative model, the low cost of court fees may constitute an incentive to judicialization. The purpose of this paper is to verify whether court fees’ price variation can influence lawsuits quantity. Specifically, it is an empirical test about the existence of a correlation between the change in the state regulation of court fees and the level of judicialization, measured on the percentage change in the number of cases in the subsequent year. It was adopted a quantitative and descriptive approach, considering the data on court fees and the number of cases from Brazilian’s state courts, between the years 2009 to 2018. Through a statistical test of difference of means, it was possible to identify that reductions in court fees are related to an average increase of 6% in the number of cases in the following year. As for the court fees increases, it was not possible to identify a relationship with reductions in the number of cases.

Keywords  Law and Economics; regulation; court fees; judicial efficacy; litigation rates

Introdução

O objetivo deste artigo é verificar se a variação das custas forenses pode influenciar a quantidade de litígios. Em específico, é testado empiricamente um dos aspectos da teoria econômica da litigância. Pretende-se, assim, examinar se a alteração da regulação estadual das custas forenses tem efeito na judicialização, medida sobre a variação percentual da quantidade de processos no ano subsequente.

O problema prático ora examinado refere-se ao enfrentamento da morosidade do Poder Judiciário. A discussão de fundo perpassa a definição do papel a ser desempenhado pelo sistema jurídico. Divergentes embasamentos teóricos apresentam a questão sob perspectivas diferentes. Por exemplo, defensores da universalização do acesso à Justiça apontam que a facilitação do ajuizamento de processos seria uma ferramenta para assegurar a distribuição de direitos (CAPPELLETTI e GARTH, 1988). Marc Galanter (1974) descreve as limitações do sistema de justiça a partir das características dos litigantes - habituais (repeat players) ou ocasionais (one shooters) - e, em ensaio especulativo, propõe mecanismos focados no papel redistributivo do sistema legal. Ao discutir os efeitos sistêmicos da atuação desses litigantes habituais no cenário brasileiro, Susana Henriques da Costa (FERRAZ et al., 2017, p. 188, grifo nosso) afirma:

O Judiciário é muitas vezes utilizado de uma forma estratégica por esses grandes litigantes, que se recusam a adotar entendimentos já consolidados pelo próprio Judiciário. Então, o grande litigante já sabe que está errado, que tem que entregar, que tem que dar determinado benefício assistencial (no caso do INSS), já há uma jurisprudência pacificada, e ele continua atuando de forma contrária ao direito, de forma ilícita. Por quê? Porque lhe é estrategicamente interessante. O Judiciário brasileiro não consegue de fato resolver macrolitígio, ele vai trabalhando o problema individual, mas não consegue mudar comportamentos. Por quê? Porque esses grandes litigantes têm o oligopólio do Judiciário e atuam de forma muito estratégica dentro desta arena e a manipulam. Porque continuamos achando que tem que abrir porta para todo mundo, porque o acesso deveria ser universal. Eu acho que chegou a hora de começarmos a pensar uma política redistributiva de acesso, que signifique tirar grandes litigantes do Poder Judiciário, pensar em técnicas que consigam tornar desinteressante o uso estratégico do Judiciário por esses grandes litigantes, para, assim, pensar em abrir as portas do Judiciário para quem não tem. Precisamos começar a pensar em fazer escolhas políticas em prejuízo, em detrimento dos grandes litigantes, o que é algo que não é pauta no Brasil.

Há, ainda, corrente que enfatiza a instrumentalização dos processos, defendendo a implementação de ferramentas procedimentais específicas para demandas repetitivas como solução ao enfrentamento da sobrecarga do Poder Judiciário (GUIMARÃES, 2018; VITORELLI, 2018). Entretanto, tais técnicas podem acarretar prejuízos ao julgamento das demandas individuais (TARTUCE e ASPERTI, 2019).

Por fim, com base na análise econômica do Direito, a teoria da litigância (SHAVELL, 1997) modela os parâmetros que influenciam a decisão de levar uma causa à Justiça, entre os quais é identificado o valor das custas forenses. Este artigo restringe-se ao teste empírico da citada teoria da litigância. Trata-se, portanto, de estudo com escopo limitado, que parte de premissas teóricas particulares dessa ótica econômica, primordialmente focada na eficiência.1

A análise econômica do Direito originou-se de movimento norte-americano da década de 1960.2 Divergindo do tradicional aspecto meramente argumentativo das análises jurídicas, esse ramo da ciência vale-se de conceitos da teoria econômica capazes de prever as consequências dos comportamentos humanos, e testa, empiricamente, a realidade. Trata-se do emprego de ferramentas da microeconomia para examinar aspectos legais. Em quais circunstâncias a lei produzirá determinada consequência? Quais elementos da lei devem ser modificados para que seja alcançado o resultado almejado pelo legislador e pela sociedade? Busca-se a otimização da configuração legal capaz de maximizar os benefícios sociais. Como resultado, pretende-se oferecer evidência sobre os efeitos de obrigações legais no comportamento dos agentes (COOTER e ULEN, 2011).

Esse ramo da literatura aponta no sentido de que as custas forenses representam fator que influencia a tomada de decisão acerca do acionamento ou não do Poder Judiciário, quando os agentes se encontram diante de um cenário de conflito. Em trabalho precursor, Shavell (1997) propõe um modelo teórico de análise econômica da litigância, identificando as circunstâncias que levam a um aumento dos acordos e, em oposição, à diminuição da submissão de julgamentos aos tribunais. Uma das variáveis a ser considerada é justamente a distribuição dos custos do litígio.

No campo empírico, há evidências de estudo realizado na Espanha, onde inexistia um sistema de custas forenses até 2002. Mora-Sanguinetti e Martínez-Matute (2019) coletaram dados entre 2001 e 2015 para analisar se a introdução de cobrança de custas afetava a demanda por justiça, medida em litígios cíveis per capita. Em conclusão, foi apurada a redução do nível de litígios e do congestionamento dos tribunais. Porém, os resultados não foram homogêneos, observando-se variações dependendo do tipo de procedimento, da carga processual do tribunal e de condições locais macroeconômicas. O cerne da pesquisa, portanto, foi a avaliação de dois momentos específicos: com ou sem custas. Diferentemente, o cenário brasileiro permite um estudo mais amplo. Isso porque os diversos estados-membros possuem autonomia para a regulação das custas no âmbito da Justiça estadual. Assim, são geradas mais situações a serem estudadas, como casos de aumento e de diminuição das custas (e não apenas introdução de custas e sua retirada), dentro de um mesmo contexto socioeconômico, em um mesmo país.

Também deve ser registrada a existência de evidências empíricas no Brasil, conforme dissertação de Pimentel (2017). Sua abordagem restringiu-se a testar apenas um dos elementos das custas forenses, qual seja, o recursal, circunscrito ao ambiente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). Revelou, assim, que a regulação em grau maior dos valores estipulados como requisito para a interposição de recurso resulta em menor recorribilidade das decisões. Trata-se de trabalho limitado ao estado do Rio de Janeiro e, ainda, ao exame dos custos recursais. Nesse ponto está a distinção entre citado estudo e o realizado neste artigo, qual seja, sua abrangência. A proposta ora executada avaliou a correlação entre custas forenses (não apenas recursais) e a quantidade de processos em todos os estados da federação.

Vislumbra-se um paradoxo: de um lado, a literatura aponta que a regulação das custas forenses pode servir como ferramenta para diminuir a judicialização; de outro lado, a realidade prática brasileira em que a atual regulação das custas tem potencial de agravar o problema da judicialização. O congestionamento do sistema de justiça brasileiro é evidente: são 78,7 milhões de processos aguardando solução, tendo sido ajuizados, em um período de um ano, 28,1 milhões de novos processos, e julgados 31,9 milhões (BRASIL, 2019a, p. 79-80).

Contudo, por que motivo a grande quantidade de processos é um fator de preocupação? Por que a regulação de matéria que possa afetar essa realidade tem relevância? A existência de um Poder Judiciário eficiente é considerada um fator de desenvolvimento econômico (DAM, 2006). Logo, permitir que os tribunais sejam sobrecarregados com processos pode significar a condenação à ineficiência da prestação jurisdicional e, em igual medida, ao atraso no desenvolvimento econômico. Logo, a avaliação dessas medidas regulatórias no cenário brasileiro permitirá o aprimoramento das políticas públicas do setor.

A questão de pesquisa proposta assume especial relevância diante da atual distribuição dos custos anuais do Poder Judiciário brasileiro: despesa de R$ 86,4 bilhões, enquanto a arrecadação com o recolhimento de custas, emolumentos e taxas totaliza R$ 11,9 bilhões (BRASIL, 2019b). Assim, apenas 13,85% dos custos do Judiciário foram suportados pelos litigantes, enquanto o restante foi subsidiado pelo Estado e pago pela sociedade. Há, pois, incentivos para a judicialização.

Considera-se, ainda, que o custo do Poder Judiciário é importante na medida em que se trata de prestação de serviço público. Diante da evolução do conceito de Estado no tempo, vê-se que várias funções estatais estão sendo repensadas e redimensionadas (MAJONE, 2017). Nesse sentido, a realização de justiça não seria um sinônimo de Poder Judiciário. O modelo econômico aponta para a eficiência na resolução de conflitos fora do Poder Judiciário. A justiça, assim, pode ser alcançada por autocomposição (acordos extrajudiciais entre as partes) ou mesmo arbitragem. Ou seja, existem outras formas alternativas de resolução de conflitos que proporcionam justiça sem exigir que tal tarefa seja desenvolvida e custeada pelo Estado. Diante dessa redefinição do papel do Estado, a regulação se coloca como ferramenta essencial. Por exemplo, foram editadas leis que passaram a admitir esses métodos alternativos em nosso sistema; porém, não se criou um desincentivo ao acionamento do Poder Judiciário.

O ponto central, portanto, é a regulação das custas forenses. Trata-se de taxa por prestação de serviço público, e sua fixação depende de lei promulgada pelo respectivo estado-membro. Logo, é possível examinar empiricamente quais foram os efeitos em cada localidade, relacionando o valor das custas à quantidade de processos. Pretende-se examinar, de maneira ampla, se há correlação entre essas variáveis.

Assim, a contribuição desta pesquisa é no sentido de identificar a existência de correlação entre a alteração dos valores das custas forenses e a quantidade de processos. Dessa forma, revela-se que o controle do valor das custas forenses pode ser empregado, pelo Poder Público, como um instrumento regulatório na formulação de políticas públicas que busquem garantir a eficiência do Poder Judiciário. Ressalva-se que não se inclui no escopo da pesquisa a demonstração de causalidade.

O artigo está estruturado da seguinte forma: a primeira seção descreve o arcabouço normativo das custas forenses no Brasil. A segunda seção apresenta a teoria da análise econômica da litigância e os estudos empíricos já realizados. A terceira seção destaca o papel do Poder Judiciário no desenvolvimento econômico. A quarta seção tem como foco o aspecto regulatório do tema. A quinta seção fornece detalhes sobre a metodologia empregada para o tratamento dos dados. A sexta seção expõe os resultados. Ao final, tem-se a conclusão.

1. Arcabouço normativo das custas forenses no Brasil

As custas têm natureza jurídica de taxa.3 Trata-se, pois, de tributo cujo fato gerador é a utilização de serviço público divisível e específico (BRASIL, 1966). Sua instituição é de competência do ente federativo vinculado à prestação do serviço jurisdicional (BRASIL, 1988). Em virtude do respectivo regime jurídico, impõe-se a aplicação do princípio constitucional da anterioridade de exercício. Isso significa que a alteração legislativa do valor das custas só pode produzir efeitos no ano seguinte àquele em que foi publicada. Por essa razão, a metodologia de pesquisa adotada considerou a quantidade de processos no ano seguinte ao da alteração do valor das custas.

O sistema permite, portanto, que cada Estado estabeleça os critérios para o cálculo das custas vigentes em seu território. Como resultado, vê-se uma variação: alguns tribunais definem quantias iniciais fixas para as custas, determinadas pelas faixas de valores das causas; outros cobram as custas tendo por base um percentual do valor da causa, em regra definindo valores mínimos e máximos de cobrança; há ainda tribunais que usam modelos híbridos, mesclando os dois sistemas de fixação de valores anteriormente mencionados (BRASIL, 2019b). Observa-se que não é considerado no cálculo o custo do serviço jurisdicional então prestado. Essa desconexão é contrária ao entendimento doutrinário, que aponta ser um dos objetivos da instituição de taxas justamente viabilizar o cumprimento das funções públicas por meio da cobertura dos respectivos custos (HARET, 2010). A Tabela 1, a seguir, ilustra a discrepância existente nos patamares estaduais de fixação de custas em uma perspectiva temporal.

Tabela 1 -
Custas

Em relação à forma de arrecadação das custas, nosso Código de Processo Civil (CPC) estipula que cabe a cada parte arcar com a despesa dos atos que realizarem ou requererem no processo.4 Assim, incumbe ao autor, quando do ajuizamento da ação, adiantar o pagamento das custas. No entanto, ao final do processo, incumbe ao vencido ressarcir ao vencedor as despesas que antecipou.5 Logo, é o réu condenado que arca com o custo do processo, incluindo o valor das custas adiantadas pelo autor, mas paga tudo ao final como verba sucumbencial. Portanto, uma política pública que diminua o valor das custas torna mais barata a atitude do réu de usar o processo para protelar o cumprimento de uma obrigação. Por que resolver um problema fora da Justiça se eu (réu culpado) posso, por um custo muito baixo, adiar o pagamento dessa obrigação por meio do processo? Toda a sociedade subsidia essa atitude do réu, já que o valor das custas é inferior ao verdadeiro custo da prestação jurisdicional, sendo suportado por impostos de todos os cidadãos - dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) indicam um déficit entre o custo do Poder Judiciário e o valor arrecadado com as custas.6

Por fim, é pertinente abordar a relação entre custas e acesso à Justiça. Trata-se de senso comum a perspectiva de que a diminuição das custas permitiria maior acesso dos cidadãos ao Poder Judiciário, situação apontada como distribuição de justiça. No entanto, essa visão desconsidera o sistema processual em vigor. Isso porque já existe ferramenta que garante o acesso da parte hipossuficiente ao Judiciário, qual seja, a gratuidade de Justiça (BRASIL, 2015). Logo, a diminuição do valor das custas não serve para aumentar o acesso à Justiça já que esse papel é desempenhado pela gratuidade. Na verdade, a situação é justamente o inverso, na medida em que a fixação de custas em valor baixo tem potencial de aumentar demasiadamente a quantidade de processos e, por conseguinte, repercutir na morosidade do Judiciário, situação que evidentemente não representa distribuição de justiça (CARNEIRO e CADEMARTORI, 2018).

2. Análise econômica da litigância

Shavell (1997) desenvolve, de forma normativa, o seguinte raciocínio: existe um desalinhamento entre os níveis privado e socialmente desejáveis de acordos formalizados para a resolução de conflitos. Assim, os julgamentos ocorrem com mais frequência do que seria vantajoso para a sociedade. Isso porque há um custo social decorrente do acionamento do Poder Judiciário que não é totalmente suportado pelas partes em litígio. Trata-se, pois, de uma externalidade negativa, visto que tais custos são transferidos para toda a sociedade. Logo, a solução seria a internalização dessa externalidade por meio de regulação, aumentando-se o custo do litígio para o infrator e, com isso, incentivando-o a evitar o julgamento e a resolver o conflito por outros meios - autocomposição ou métodos alternativos de resolução de conflitos.

Trata-se de um modelo econômico simplificado que, partindo de algumas premissas, demonstra que o custo do litígio é um dos fatores que influencia a decisão das partes de submeter ou não um conflito ao Poder Judiciário.7,8

Ilustrativamente, a teoria elaborada por Shavell (1997, p. 581-582) pode ser compreendida por meio de um exemplo. Considere que uma vítima sofreu um dano de R$ 1.000. Partindo da racionalidade, a vítima escolherá ajuizar um processo para receber esse dano sempre que seus custos para isso forem inferiores à quantia que ela pretende receber. Logo, se seus gastos forem de R$ 300, a vítima escolherá processar. Essa é a visão privada da vítima, que desconsidera outros fatores. Ao provocar o Judiciário, a vítima desencadeia outros custos, que não são suportados por ela: considera-se que o réu gastará R$ 200 para se defender e os custos do Estado serão de R$ 100; logo, o custo social associado ao litígio não será apenas de R$ 300, mas a soma (R$ 300 de gastos da vítima + R$ 200 de gastos do réu + R$ 100 de gastos do Estado = R$ 600). Nesse caso, pretendendo-se receber um benefício de R$ 1.000, incorre-se em custos sociais de R$ 600, deixando um líquido de R$ 400 (a quantia final é inferior à quantia gasta para recebê-la).

Além disso, também há benefício social que não entra na decisão da vítima quando pensa em processar: o efeito dissuasor do processo em relação a outros potenciais infratores/danos que, em última análise, representa um incentivo para o investimento em precaução. Se um infrator sabe que, se for processado, deverá pagar R$ 1.000 e ainda sua própria defesa (R$ 200), isso pode servir de incentivo para que ele aja com cautela e gaste em formas preventivas de evitar o dano (SHAVELL, 1997, p. 582).

As situações hipotéticas narradas servem para demonstrar o desalinhamento entre a esfera privada e a social. Existem custos e benefícios que extrapolam a esfera individual, mas que não são considerados pelo agente no momento de sua decisão sobre a forma de solução para um litígio. Por conseguinte, o volume de processos e o nível de precaução são, de maneira geral, inapropriados sob a perspectiva social.

Diante dessas externalidades - negativas, em relação aos custos, e positivas, quanto aos benefícios -, justifica-se a intervenção do Estado para regular a situação. No caso, busca-se um desenho institucional que, ao manipular as variáveis integrantes da equação, represente tentativa de compatibilização dos interesses - privado e social - e promoção da alocação eficiente de recursos. Porém, Shavell (1997) admite que não existe uma medida mágica ou política simples para alcançar esse propósito, já que entre os fatores a serem considerados está o efeito dissuasor do processo, cujo cálculo é intrinsecamente complicado.

Consciente dessas limitações, a presente pesquisa é um recorte desse modelo proposto, para analisar apenas uma relação, qual seja, a taxa de custas forenses e a quantidade de processos. Portanto, não integra o objeto deste artigo a discussão da teoria em si, bem como de outras conexões entre os elementos relacionados. Pretende-se, assim, a verificação empírica da suposta influência das custas forenses na quantidade de demandas. Portanto, é testada a seguinte hipótese central do artigo:

H1: a variação no valor das custas tem relação com a variação do número de processos no ano subsequente.

De modo específico, testa-se empiricamente se a redução no valor das custas está relacionada ao aumento no número de processos e, de maneira análoga, se o aumento no valor das custas está associado à redução no número de processos.

É relevante destacar o trabalho empírico de Pimentel (2017), que avaliou os efeitos dos custos recursais na decisão das partes de recorrer ou não de uma decisão judicial. Sua pesquisa foi estruturada para comparar o índice de recorribilidade de sentenças da fase de conhecimento proferidas em três grupos de casos distintos, selecionados em amostra do TJRJ: sentenças proferidas em 2015 pela Justiça Comum (JC 15), sentenças proferidas em 2017 pela Justiça Comum (JC 17) e sentenças proferidas em 2015 pelos Juizados Especiais Cíveis (JEC 15).

A separação dos grupos levou em consideração duas circunstâncias: permitir a comparação entre JC e JEC, sistemas com diferentes incentivos, já que, no primeiro, os custos recursais não são considerados elevados, enquanto no segundo esses custos são apontados como elevados;9 confrontar os dados da JC em dois momentos temporais, em 2015 e em 2017, diante da alteração introduzida pelo novo CPC, que representou o agravamento dos custos recursais ante a introdução do instituto da sucumbência recursal.10

Em conclusão, Pimentel (2017) apresentou a Tabela 2, a seguir:

Tabela 2 -
Sentenças recorríveis e índice de recorribilidade

As situações apresentadas podem ser classificadas quanto ao custo para recorrer, sendo o mais elevado JEC 15, o intermediário JC 17 e o mais brando JC 15. Essa classificação considera o sistema existente que prescreve diferentes custos para esses casos. O resultado anterior demonstra que, quanto mais elevado é o custo para recorrer, menor é o índice de recorribilidade. Portanto, os dados coletados indicaram a confirmação da hipótese levantada, no sentido de que os custos dos litígios influenciam a decisão das partes de litigar, ou, no caso, de continuar litigando.

Identificam-se, assim, referencial teórico e evidência empírica no sentido de que os custos processuais repercutem na decisão das partes de submeter um conflito à apreciação do Judiciário.

Nesse contexto, assume relevância a regulação das custas processuais, já que consiste em fator que pode influenciar a quantidade de processos submetidos ao Poder Judiciário. Sob o ponto de vista da sociedade, normalmente é mais eficiente que as partes resolvam suas controvérsias por meio não judicial.

3. O papel do Poder Judiciário no desenvolvimento econômico

O adequado desempenho das instituições é fundamental para o desenvolvimento econômico de um país (ACEMOGLU e ROBINSON, 2019; RODRIK, SUBRAMANIAN e TREBBI, 2004; NORTH, 1994). Dentro do arranjo estatal, cabe ao Poder Judiciário garantir o enforcement. O bom funcionamento dos tribunais reduz os riscos enfrentados pelas empresas e, por conseguinte, aumenta sua disposição de investir (WORLD BANK, 2005, p. 86). Inclusive, a alteração material da legislação, quando desacompanhada do fortalecimento do Judiciário, é insuficiente para promover uma mudança na realidade do país (DAM, 2006).

Para realizar adequadamente essa função, exige-se que a atuação do Poder Judiciário seja efetiva. Vários fatores influenciam essa configuração, entre os quais se incluem o grau de formalismo do sistema, a existência de precedentes (diminuição de incerteza), a independência estrutural e funcional dos julgadores e a eficiência da prestação jurisdicional (relacionada ao tempo de duração do processo) (DAM, 2006).

Ao examinar um processo produtivo, afirma-se que ele é eficiente quando, empregando-se os mesmos insumos e materiais, não é possível produzir em maior quantidade (COOTER e ULEN, 2011). Ou seja, com aquele nível de matéria-prima, atinge-se o maior patamar de produção possível. Aplicando-se esse conceito para o caso estudado, a avaliação da eficiência depende do nível de produtividade institucional.

Especificamente em relação ao Poder Judiciário, o nível de eficiência é afetado tanto pela produtividade dos magistrados e servidores quanto pela quantidade de processos. Portanto, a avaliação da eficiência do Poder Judiciário é uma tarefa complexa, na medida em que sua quantificação depende de vários parâmetros.

O CNJ desenvolveu o Índice de Produtividade Comparada da Justiça (IPC-Jus) para medir a eficiência relativa dos tribunais. Em última análise, a métrica compara a produtividade dos tribunais considerando os recursos (financeiros e humanos) de cada unidade e busca avaliar se o tribunal foi capaz de baixar mais processos, quando comparado aos demais, com recursos semelhantes.

Quando a quantidade de novos processos é maior do que a produtividade judicial, o estoque de processos aguardando julgamento aumenta e, consequentemente, aumenta o tempo de espera por uma decisão judicial. Historicamente, a taxa de congestionamento da Justiça estadual é de aproximadamente 70% (BRASIL, 2019b, p. 95). Ou seja, de todos os novos processos ajuizados em um ano, julgam-se 30%. Ademais, dados do CNJ indicam que, entre 2015 e 2021, houve um aumento de 30% na quantidade de casos novos por ano - passando de 535.644 para 696.868 -, e, entre 2011 e 2021, a quantidade de casos pendentes aumentou aproximadamente 53% - passando de 1.062.666 para 1.624.546 (BRASIL, 2019a).

Portanto, o nível de eficiência depende, de um lado, da produtividade dos juízes e servidores, e, de outro lado, do volume de processos. Ainda que estivéssemos em um ambiente institucional extremamente produtivo, em que juízes e servidores trabalhassem no máximo de suas capacidades, se o ambiente externo representar uma enxurrada de novos processos a cada ano, o resultado será, inevitavelmente, o acúmulo desses processos.

Há, pois, uma limitação estrutural da quantidade de processos que o Poder Judiciário consegue absorver. Por essa razão, o aprimoramento institucional também perpassa pela criação de incentivos com o objetivo de diminuir o volume total de novos processos. Ou seja, a implementação de políticas estatais que diminuam a judicialização.

Esse é justamente o ponto de interesse deste artigo: avaliar se a variação do valor das custas é uma medida que pode incentivar os litigantes a não acionarem o Poder Judiciário. Nesse contexto, algumas informações do CNJ servem para traçar um diagnóstico sobre a eficiência do Judiciário (Gráficos 1, 2 e 3).

Gráfico 1 -
Casos novos por ramo de Justiça

Gráfico 2 -
Casos pendentes por ramo de Justiça

Gráfico 3 -
Série histórica de casos novos por magistrado

Os dados indicam a elevada quantidade de processos e a sobrecarga do Poder Judiciário, com evidente prejuízo para a celeridade. A existência desses estoques de processos em atraso é um sintoma de disfuncionalidade do Judiciário. Como consequência, essa circunstância leva a um descrédito da confiança pública na instituição e a uma hesitação em confiar nela (DAM, 2006, p. 13).

Diante desse cenário, uma das alternativas possíveis seria a tentativa de diminuição do quantitativo de processos e de melhoria da eficiência da prestação jurisdicional, promovendo-se, em última análise, o desenvolvimento econômico. A hipótese ora examinada pretende testar se o aumento do valor das custas pode servir como instrumento para o aprimoramento do sistema de justiça.

Por outro lado, uma solução aparentemente óbvia seria aumentar a estrutura do Poder Judiciário. No entanto, essa alternativa não possui fundamento científico. Ao contrário, uma revisão de literatura na América Latina e no Caribe demonstrou que não existe correlação entre os níveis gerais de recursos destinados ao Judiciário e o tempo de julgamento dos processos (BOTERO et al., 2003, p. 63).

Ademais, a escassez de recursos públicos não recomenda tal alargamento de forma ilimitada. Isso porque o vetor que orienta o atual Estado pós-moderno se estabelece no sentido de que lhe cabe buscar a solução menos onerosa e que proporcione os melhores resultados, dentro das alternativas possíveis.11 E a regulação das custas coloca-se como medida de fácil implementação e grande potencial de resultado, sem onerar desnecessariamente os cofres públicos.

4. Regulação e políticas públicas: objetivo, avaliação e regulador

Os argumentos até então apresentados apoiam-se na ótica da análise econômica do Direito. Somando-se a toda essa fundamentação, é relevante destacar lições da Teoria da Regulação. Isso porque aludido ramo científico pode contribuir para o exame que se pretende, na medida em que já consolidou ensinamentos que se mostram pertinentes no presente caso.

Primeiro, parte-se do conceito amplo de regulação, entendida como um conjunto de técnicas e procedimentos para coordenar os interesses públicos e privados (PROSSER, 2006). Nessa concepção, os objetivos regulatórios ultrapassam a gestão econômica (correção de falhas de mercado) e alcançam também responsabilidades sociais.

Sob esse enfoque, é possível concluir que as custas forenses representam um tipo de regulação, especificamente tributária. As legislações estaduais fixam parâmetros para a cobrança dessa taxa, que tem como fato gerador a prestação do serviço público jurisdicional. Porém, diante dessa concepção ampla, a pergunta essencial que se coloca é: qual o objetivo regulatório dessas leis?

A visão ora apresentada apoia-se na análise econômica do Direito para afirmar que dentro dos objetivos dessa regulação deve estar o aperfeiçoamento do sistema de justiça. O modelo econômico da litigância permite traçar uma correlação entre os custos processuais e o nível de judicialização. Assim, é possível relacionar esses dois elementos, chegando-se ao seguinte desdobramento: de que forma deve ser realizada a regulação das taxas de custas forenses de maneira que permita conformar a realidade do Poder Judiciário e transformá-lo em uma instituição que cumpra efetivamente a sua função social?

Delimitado o objetivo regulatório, o próximo passo é realizar a avalição do seu cumprimento. Trata-se de etapa fundamental da regulação, na medida em que permite o aperfeiçoamento do próprio sistema (BALDWIN, CAVE e LODGE, 2012, p. 254). É justamente nesse contexto que se insere a presente pesquisa. Pretende-se testar empiricamente os efeitos regulatórios das diferentes taxas de custas estabelecidas pelos estados em relação aos níveis de judicialização.

Com base na Teoria da Regulação, outro aspecto relevante relaciona-se ao agente regulador. Entende-se pela necessidade de afastamento do regulador daquela atividade regulada (MITNICK, 1978). Trata-se de distanciamento que permite uma atuação regulatória equilibrada e orientada à realização de um objetivo da sociedade. Evita-se, assim, que a regulação sirva aos interesses de grupos específicos (BALDWIN, CAVE e LODGE, 2012, p. 40-68).

Sob essa ótica, carece de legitimidade a atuação do próprio Judiciário no sentido de pretender regular as taxas de custas, sob pena de caracterização de captura. Explica-se: como grupo de poder, é interesse do Judiciário aumentar sua atuação, na medida em que o efeito político daí decorrente beneficia a instituição ao representar um alargamento do seu âmbito de influência. Esse interesse pode ser atingido por meio da diminuição das taxas de custas forenses. Como já explicitado anteriormente, o baixo custo processual incentiva a judicialização. Assim, cria-se uma situação de volume processual aumentado que é apresentada como justificativa para requisição de maior investimento público na própria estrutura judicial. Porém, o aumento exagerado da quantidade de processos prejudica a realização do objetivo regulatório, qual seja, a eficiência do Poder Judiciário. Por essa razão, é preocupante a intenção do CNJ de atuar como protagonista nessa matéria.12

5. Metodologia

Com base na revisão da literatura, a hipótese central do trabalho é a de que a variação do valor das custas estaria relacionada à variação da quantidade de processos no ano subsequente. As informações sobre o número de processos foram extraídas da base de dados fornecida pelo CNJ, que contempla os anos de 2009 a 2018. Já as informações sobre as custas, extraídas da coleta de informações realizada pelo site Migalhas,13 que considera os anos de 2002 a 2019. Portanto, o cruzamento das informações das duas fontes restringe o período estudado aos anos de 2009 a 2018.

A base de dados do CNJ permitiu a criação da variável Processos, referente ao quociente anual de processos novos por 100.000 habitantes por ano, para cada Tribunal de Justiça. Já em relação às custas, o site Migalhas informa tais valores para causas de R$ 10.000 (ano de 2009) e de R$ 100.000 (anos de 2010 a 2018) (videTabela 1). Com objetivo de tornar comparáveis os valores, foi utilizado o percentual das custas em relação ao valor da causa, resultando na criação da variável Custas:

  • Ano de 2009: Custas = custas processuais / R$ 10.000

  • Período de 2010 a 2019: Custas = custas processuais / R$ 100.000

Com o objetivo de testar a hipótese central da pesquisa, a primeira etapa foi identificar se houve variação anual nas custas (ΔCustas), levando à identificação de três grupos: estados que reduziram as custas, estados que aumentaram as custas e estados que mantiveram estável o valor das custas. O grupo considerado estável é utilizado como um grupo de controle para avaliar os efeitos das variações das custas sobre o número de processos no ano subsequente.

Com o objetivo de evitar que oscilações economicamente insignificantes fossem classificadas como aumento ou reduções, considerou-se como aumento quando este foi superior a 1% em relação ao patamar anterior e, de maneira análoga, considerou-se como redução quando o decréscimo foi superior a 1% em relação ao patamar anterior.14

A segunda etapa consistiu na identificação da variação anual de processos novos (ΔProcessos). Para cada grupo foi calculada a média e o desvio-padrão da variação percentual do número de processos novos, considerando-se o ano seguinte em relação ao ano de alteração do valor das custas. Posteriormente, foi realizada a comparação entre esses grupos e as respectivas médias da variação percentual do número de processos. Tal comparação foi realizada por meio de um teste estatístico de diferença de médias para duas amostras diferentes.

6. Análise de resultados

Na Tabela 3, a seguir, são apresentadas as principais estatísticas descritivas das quatro variáveis consideradas neste estudo: (i) o valor percentual das custas em relação ao valor da causa (Custas); (ii) o número de processos por 100.000 habitantes (Processos); (iii) a variação do percentual das custas (ΔCustas); (iv) a variação percentual do número de processos novos, por 100.000 habitantes, para o ano seguinte (ΔProcessos).

Na primeira coluna estão descritas as variáveis do estudo. As três colunas seguintes apresentam os dados para cada grupo (redução, aumento ou estável), enquanto as três últimas colunas apresentam os testes de diferença de médias.

Tabela 3 -
Estatísticas descritivas e testes de diferença de médias

Os resultados da Tabela 3 indicam que a variação média de redução das custas foi de 36%, enquanto a variação média do aumento foi de 20%. As oscilações são estatisticamente diferentes (todas as médias são estatisticamente significativas, com 99% de confiança).

Há evidência de aumento médio de 6% no número de processos no ano subsequente à redução das custas (a diferença é estatisticamente significativa para as comparações em relação ao grupo estável e de aumento, com 99% e 95% de confiança, respectivamente). Entretanto, não há evidência de efeito sobre o número de processos quando há aumento nas custas (não é possível observar diferença estatisticamente significativa quando comparados os grupos de aumento e estável).

De maneira geral, os resultados em relação à redução de custas são compatíveis com a literatura. Isso porque os dados demonstraram que uma diminuição das custas está relacionada a um aumento na quantidade de processos. Logo, a judicialização mais barata pode impactar negativamente a estrutura do Poder Judiciário, em virtude do aumento do volume de julgamentos.

Contudo, o aumento das custas não gerou impacto na diminuição da quantidade de processos; na verdade, a quantidade de processos se manteve no mesmo nível daqueles estados em que as custas ficaram estáveis. Nesse contexto, é importante destacar que o percentual de aumento das custas observado foi de 20%, enquanto o percentual de diminuição foi de 36%. Ou seja, uma possível explicação é a de que o percentual de aumento tenha sido em patamar insuficiente para afetar a quantidade de processos. Outra interpretação cabível seria de que a média histórica já tenderia ao aumento da quantidade de processos e, portanto, a diminuição do valor das custas teria tido o efeito de manter a quantidade de processos estável, portanto, evitando o aumento histórico. Porém, a limitação do desenho de pesquisa impede a elaboração de argumentos conclusivos.

Em suma, foi demonstrado que, quando houve a diminuição em percentual de 36% das custas, a quantidade de processos aumentou 6%; e, quando houve a diminuição de 20% das custas, a quantidade de processos não foi alterada. Frisa-se, ainda, que a análise com base em teste de diferença de média serve apenas como indicativo do comportamento dos dados; a ausência de controles é uma limitação do desenho de pesquisa.

Conclusão

O arcabouço teórico indica que (i) garantir o funcionamento eficiente do Poder Judiciário deve ser um objetivo da sociedade, já que se trata de fator que influencia o desenvolvimento econômico; porém, (ii) deixar a regulação das custas a cargo do próprio Poder Judiciário é ignorar que se trata de um grupo de poder e que a regulação por ele editada tende a servir aos seus próprios interesses, e não aos da sociedade; (iii) do ponto de vista econômico, diminuir o valor das custas é uma medida que desincentiva a resolução negociada e, ao mesmo tempo, importa no aumento de litígios levados ao Judiciário.

A pesquisa considerou dados sobre custas forenses e número de processos, entre os anos de 2009 e 2018. Por meio de um teste estatístico de diferença de médias, foi possível identificar que reduções das custas estão relacionadas ao aumento médio de 6% na quantidade de processos no ano seguinte. Já para os aumentos das custas, não foi possível identificar relação com reduções dos números de processos. Assim, os resultados, ao menos em relação às reduções das custas, indicam para um aumento, mesmo que não intencional, do número de processos, o que pode contribuir para a ineficiência da Justiça no Brasil.

Os achados documentam o possível efeito prejudicial à prestação jurisdicional, consubstanciado na elevação da quantidade de processos, decorrente da diminuição das custas forenses. Portanto, as evidências indicam que se trata de fator fundamental a ser considerado no desenho de políticas públicas que visem ao descongestionamento do sistema de justiça. A relevância deste artigo é demonstrar empiricamente que o discurso de garantia do acesso à Justiça por meio de diminuição do valor das custas não é uma política pública eficaz, mas prejudicial ao sistema de justiça.

O recente debate, no âmbito do CNJ, está focado na análise das custas forenses sob a ótica de acessibilidade à Justiça. A preocupação institucional está no fato de que estados com custas mais elevadas são aqueles com menores índices de desenvolvimento (ou seja, menor Índice de Desenvolvimento Humano [IDH]). Aparentemente, o argumento institucional parece indicar a defesa de projeto que tenha por objetivo diminuir as custas nessas localidades, já que são locais menos desenvolvidos economicamente, como forma de pretender aumentar o acesso à Justiça. No entanto, os resultados desta pesquisa indicam que a estratégia regulatória de diminuir as custas pode prejudicar o funcionamento do sistema de justiça ao aumentar a quantidade de processos. Logo, se a preocupação institucional é o acesso à Justiça, a ferramenta de interesse deveria ser a gratuidade, já garantida por lei, e não o valor das custas. Assim, ao ser considerada a possibilidade de diminuição do valor das custas, também é recomendável avaliar o potencial de aumento do número de processos e, consequentemente, seus efeitos adversos na celeridade da prestação jurisdicional.

Entende-se que as observações ora apresentadas podem servir de parâmetro para orientar a intenção do CNJ para a formulação de uma norma geral de taxas de custas. Por exemplo, a regulação poderia contemplar uma regra segundo a qual, diante de determinada quantidade de estoque processual, o estado estaria impedido de diminuir o valor das custas. Assim, restaria protegida, em alguma medida, a eficiência do Poder Judiciário.

O resultado também pode servir de fundamento para incentivar o experimentalismo regulatório entre os estados: naqueles em que existe um grande estoque de processos, a regulação das taxas de custas pode ser manipulada (sugere-se o aumento em percentual superior a 20%, já que o estudo mostrou que percentual inferior a esse não altera significativamente a quantidade de processos); entretanto, naquelas localidades em que a quantidade de processos não seja um problema, seria possível a diminuição das taxas de custas.

Nesta pesquisa, considerou-se apenas o sentido da variação das custas. Futuras pesquisas poderiam estratificar os diferentes níveis de aumento, principalmente. Por exemplo, ao comparar os efeitos sobre o número de processos em faixas de aumento (10%, 20%, 30%, etc.). Assim, seria possível identificar o quão sensível ao valor das custas é a decisão de se iniciar um processo no Brasil. Além disso, uma análise de regressão, em que seria possível inserir variáveis de controle, permitindo uma análise mais aprofundada sobre a efetiva correlação entre custas e número de processos. Ademais, em vista do problema de pesquisa proposto, utilizou-se metodologia exclusivamente quantitativa; porém, pesquisas futuras podem explorar a matéria sob o ângulo qualitativo, como forma de aprofundar o entendimento do fenômeno.

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  • 1
    O conceito de eficiência é definido adiante, na seção 3, que especifica sua aplicação ao Poder Judiciário.
  • 2
    São comumente citados como trabalhos inaugurais desse campo: Coase (1960) e Calabresi (1961).
  • 3
    Esse é o posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF) (BRASIL, 1998 e 2002).
  • 4
    Conforme art. 82, caput, do CPC (BRASIL, 2015).
  • 5
    Conforme art. 82, § 2o, do CPC (BRASIL, 2015).
  • 6
    Conforme mencionado na introdução deste texto: “[...] atual distribuição dos custos anuais do Poder Judiciário brasileiro: despesa de R$ 86,4 bilhões, enquanto a arrecadação com o recolhimento de custas, emolumentos e taxas totaliza R$ 11,9 bilhões (BRASIL, 2019a). Assim, apenas 13,85% dos custos do Judiciário foram suportados pelos litigantes, enquanto o restante foi subsidiado pelo Estado e pago pela sociedade”.
  • 7
    Aponta-se, portanto, que há outros fatores que compõem o modelo proposto, de maneira que o custo do processo não é indicado como único determinante. Logo, verifica-se uma limitação no exame empírico ora realizado, no sentido de que não seria possível traçar uma relação de causalidade entre essas duas variáveis (volume de judicialização e custo dos processos), mas apenas uma correlação.
  • 8
    Neste artigo é descrito o modelo de Shavell, pois é o que apresenta mais claramente os efeitos sociais da escolha das partes entre negociar ou litigar. Como a presente pesquisa destaca os efeitos sociais decorrentes da diminuição das custas, entendeu-se que o modelo de Shavell é o que mostra um cenário mais adequado para a compreensão do problema de pesquisa. No entanto, há outros modelos econômicos que pretenderam esquematizar as variáveis que influenciam a decisão das partes em negociar ou litigar. Para uma visão mais aprofundada, ver: Posner (1973), Priest e Klein (1984) e Bebchuk (1984).
  • 9
    O autor classificou o custo recursal como elevado ou não os comparando: quando da elaboração da pesquisa, o custo recursal no JEC seria de aproximadamente R$ 1.200,00, enquanto na JC seria em torno de R$ 300,00.
  • 10
    Cf. art. 85, § 11, do CPC, em vigor a partir de março de 2016 (BRASIL, 2015).
  • 11
    Conferir Chevalier (2009, p. 35): “[...] impôs-se a ideia de que a administração pública deve ser, à semelhança do particular, ‘eficaz’ e que para tanto ela deve emprestar daqueles as receitas de boa gestão. [...] a mera invocação do interesse geral não é mais suficiente; ainda é necessário que a gestão pública comprove a sua eficácia. O interesse geral se encontra, assim, superado, mesmo substituído, pelo tema da eficácia. Assim ocorrendo, a administração tende a passar de uma legitimidade extrínseca, decorrente de sua pertinência ao Estado, a uma legitimação intrínseca, fundada sobre a análise concreta de sua ação. [...] Ela não é mais investida de pleno direito da legitimidade; essa não é adquirida antecipadamente, mas deve ser conquistada; ela depende da demonstração permanentemente reiterada da conveniência das operações engajadas e da qualidade dos métodos de gestão utilizados”.
  • 12
    Cumpre esclarecer que o CNJ instituiu um grupo de trabalho específico para tratar desse tema. Foi realizada, em 28/11/2019, uma audiência pública e pretende-se encaminhar ao Congresso Nacional um projeto de lei complementar (BRASIL, 2019c) que estabelece normas gerais para a cobrança de custas dos serviços forenses no âmbito da União, dos estados, do Distrito Federal e dos territórios, e o controle de sua arrecadação. A visão do Poder Judiciário como um grupo de interesse pode parecer inusitada, em um primeiro momento. Porém, há evidências nesse sentido. A situação fica clara quando está em jogo a remuneração de seus membros. A jurisprudência do STF (Súmula Vinculante 37: “Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob o fundamento de isonomia” [BRASIL, 2014]), em relação à remuneração de servidores públicos, é no sentido de que não é permitida a implementação de remuneração por meio de decisão judicial, ainda que por interpretação de cláusula legal, já que a fixação de gasto público é matéria que depende de aprovação legal. Porém, quando a situação é afeta aos membros do Judiciário, a construção jurisprudencial serve claramente para defender os interesses coorporativos. Ilustra bem a questão atinente ao auxílio-moradia: a possibilidade de recebimento de auxílio-moradia era até então regulamentada como situação excepcional (ensejada por circunstância que gerasse a atuação deslocada em outra localidade, como em órgão da corregedoria ou em tribunal superior). Porém, os juízes pretenderam a concessão de forma generalizada desse benefício, apontando-se que seria devido a todos os magistrados, fundando-se na isonomia, e não mais em casos excepcionais. Em decisão liminar nos autos da Ação Ordinária (ON) n. 1773, o ministro Luiz Fux proferiu decisão monocrática autorizando o pagamento desse benefício a todos os magistrados. Na prática, teve-se a criação de benefício remuneratório por decisão judicial de um único ministro do STF, efetivando-se gasto da União de aproximadamente 350 milhões de reais por ano (previsão calculada pela Advocacia-Geral da União [AGU], conforme AGU... [2014]), sem aprovação do Congresso Nacional, exigível para qualquer despesa pública. Não se discute o mérito da decisão, mas aponta-se apenas a existência de dois entendimentos diferentes: um para tratar casos em que os interesses da própria categoria não são atingidos, e outro para solucionar as causas em que seus membros são diretamente interessados. A situação torna transparente a atuação da instituição como grupo de poder, agindo para proteger seus próprios interesses.
  • 13
  • 14
    Também foram testadas, como critério alternativo, situações de aumentos e reduções de qualquer magnitude, e os resultados foram qualitativamente semelhantes aos apresentados na seção 6.
  • Como citar este artigo:
    COELHO, Daniela Thomes. Avaliação da regulação das custas forenses e sua correlação com o nível de judicialização: evidência das Justiças estaduais brasileiras no período de 2009 a 2018. Revista Direito GV, São Paulo, v. 19, e2337, 2023. https://doi.org/10.1590/2317-6172202337

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    17 Fev 2021
  • Aceito
    27 Mar 2023
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