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A degeneração da política federal de regularização fundiária na Amazônia

THE DEGENERATION OF THE FEDERAL LAND REGULARIZATION POLICY IN THE AMAZON

LA DEGENERACIÓN DE LA POLÍTICA FEDERAL DE REGULARIZACIÓN DE TIERRAS EN LA AMAZONÍA

Resumo

Este artigo está inserido no campo do direito agrário e ambiental e tem como objetivo saber se e em que medida a política de regularização fundiária na Amazônia tem sido capaz de alcançar seu propósito de cumprir a função social da propriedade. Para tanto, o artigo, inicialmente, aborda toda a disciplina normativa da regularização fundiária federal, a partir da Constituição Federal de 1988. Em seguida, enfrenta os efeitos dessa política na prática, a partir de um recorte amostral na região do Vale do Jamanxim, no sudoeste paraense. Nesse contexto, analisa o cenário da ocupação das terras federais, os destinatários efetivos da regularização fundiária, a dimensão das áreas regularizáveis, a dinâmica do desmatamento, os preços pagos pelas terras e o tema da segurança jurídica diante dos “títulos” expedidos. Os resultados encontrados militam no sentido de que a política de regularização fundiária tem fomentado a reconcentração fundiária e o desmatamento, uma vez que é voltada, na prática, para atender majoritariamente, em termos de áreas, grandes e médias propriedades; além disso, a permanente expectativa da regularização incentiva a continuidade do uso das terras e a supressão de sua cobertura florestal. Conclui-se, assim, que a política de regularização fundiária de terras públicas na Amazônia se degenerou a ponto de servir ao avesso do atendimento à função social da propriedade, estimulando a grilagem, a degradação ambiental e os conflitos inerentes a elas.

Palavras-chave
Regularização fundiária; Amazônia; função social; grilagem; desmatamento

Abstract

This is a paper on Agrarian and Environmental Law and aims to understand if the land regularization policy in the Amazon has been able to achieve its purpose of fulfilling the social function of property. The work, first, addresses the entire discipline of federal land regularization, since the 1988 Brazilian Federal Constitution. Then, it faces the effects of this policy in practice, from a sample cut in the region of the Jamanxim Valley, in the State of Pará. In this context, it analyses the scenario of federal lands occupation, the numbers concerning who tend to be the effective recipients the policy, the dimension of the areas that can be regularized, the dynamics of deforestation, the prices paid for the lands and the issue of legal certainty concerning the “titles” issued. The results found show that land regularization has fostered land reconcentration and deforestation, since it is aimed, in practice, at serving, mostly, large and medium-sized properties, as well as the permanent expectation of regularization encourages the continuity of land grab. It concludes, therefore, that the land regularization policy in the Amazon has degenerated to the point of serving the opposite of the social function of property, encouraging land grabbing, environmental degradation and the conflicts concerning to them.

Keywords
Land Regularization; Amazon; social function of property; land grab; deforestation

Resumen

Este artículo está inserto en el campo del Derecho Agrario y Ambiental, y su objetivo es conocer si y en qué medida la política de regularización de tierras en la Amazonía ha logrado su propósito de cumplir la función social de la propiedad. Con ese fin, el trabajo aborda primero toda la disciplina normativa de la regularización federal de tierras, a partir de la Constitución Federal brasileña de 1988. Luego, enfrenta los efectos de esa política en la práctica, a partir de un corte de muestra en la región del Vale do Jamanxim, en el sudoeste de Pará. En ese contexto, analiza el escenario de ocupación de tierras federales, los destinatarios efectivos de la regularización de tierras, el tamaño de las áreas sujetas a regularización, la dinámica de la deforestación, los precios pagados por la tierra y el tema de la seguridad jurídica en relación con los “títulos” emitidos. Los resultados encontrados militan en el sentido de que la política de regularización de tierras ha favorecido la reconcentración de tierras y la deforestación, ya que está orientada, en la práctica, a atender mayoritariamente, en términos de superficie, a las grandes y medianas propiedades, así como a la expectativa permanente de la regularización favorece la continuidad del uso del suelo y la supresión de su cubierta forestal. Concluye, por lo tanto, que la política de regularización de la tenencia de tierras públicas en la Amazonía ha degenerado al punto de cumplir lo contrario de cumplir la función social de la propiedad, fomentando el acaparamiento de tierras, la degradación ambiental y los conflictos inherentes a ellas.

Palabras clave
Regularización de tierras; Amazonía; papel social; el acaparamiento de tierras; deforestación

Introdução

A história da ocupação de terras públicas na Amazônia é marcada por processos desordenados e ilegais, de maneira que o cenário fundiário rural na região é repleto de episódios conflituosos, quase sempre fruto da pouca ou nenhuma governança estatal. Eventualmente, o Estado utiliza mecanismos que pretensamente visam sanear essa realidade, sob o pretexto da segurança jurídica, geralmente por meio de ciclos de políticas públicas voltadas para a regularização das ocupações de terras até então ilegais. O que chama atenção, porém, nos programas de regularização fundiária é o seu desvirtuamento histórico como política de cunho social e a aparente degradação de seus propósitos anteriormente postos. O presente estudo debruça-se sobre a história recente e a realidade da regularização fundiária de terras públicas federais na Amazônia no contexto aqui mencionado.

Este artigo está dividido em duas seções, para além desta introdução e da conclusão: a primeira seção aborda toda a disciplina normativa legal e infralegal dos programas de regularização fundiária de terras públicas federais na Amazônia, a partir da Constituição Federal de 1988 (CF/88). Trata-se de vasta pesquisa legislativa e documental que, nesse contexto, enfrenta, ainda abstratamente, a situação das regras sobre regularização fundiária e sua e(in)volução normativa, em especial quanto àquelas relacionadas à área máxima suscetível de regularização, à data de início das ocupações regularizáveis, à exigência das vistorias prévia e final nos imóveis, ao preço a ser pago pelas terras e ao seu modo de exploração para que se as admitam nos programas.

Na segunda seção, entretanto, as pesquisas mergulham na realidade agrário-ambiental na qual a política de regularização fundiária estatal se insere e interfere. Nesse contexto, são abordados aspectos fáticos a respeito da região amazônica, essencialmente, a partir de um recorte amostral no sudoeste paraense. Traçadas essas premissas, inicialmente, apresenta-se, a partir de dados extraídos de bases oficiais, como o Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o Terra Legal, um cenário da ocupação generalizada das terras federais na região. Em seguida, aborda-se quem são os destinatários dessa política na prática, utilizando-se a obra de Torres, Doblas e Alarcon (2017TORRES, Mauricio; DOBLAS, Juan; ALARCON, Daniela Fernandes. Dono é quem desmata. São Paulo: Urutu-branco; Altamira: Instituto Agronômico da Amazônia, 2017.). Enfrenta-se também a questão da dimensão das áreas que precisam ser regularizadas na prática, bem como dos preços irrisórios pagos por elas, conforme os métodos apontados nas subseções pertinentes. A partir dos dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), analisa-se também em que medida os marcos de regularização estariam relacionados ao desmatamento na região e como o fim das vistorias dos imóveis pode comprometer a política de regularização. Por fim, verifica-se se, na forma como a política é executada, ela é capaz de trazer segurança jurídica, oportunidade em que se recorre a dados coletados pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

Toda essa abordagem, primeiro teórica e depois bastante prática, presta-se a responder à pergunta consistente em saber em que medida os programas de regularização fundiária das terras públicas federais na Amazônia atingem os propósitos que deles se devem esperar como política notadamente voltada para o atendimento à função socioambiental da propriedade. Trata-se de saber se esses programas têm sido eficazes no sentido, por exemplo, de conter a concentração fundiária rural, atender à demanda de pequenos produtores, conter a degradação florestal e promover a paz e a segurança jurídica no campo. As respostas são encontradas nas análises amostrais realizadas ao longo do artigo, especialmente quando relacionadas às mudanças normativas promovidas em matéria de regularização fundiária federal na Amazônia.

1. Análise da e(in)volução da disciplina da regularização fundiária na Amazônia

1.1. A regularização fundiária da ocupação de terras públicas sob a CF/88

A sucessão de leis sobre a destinação das terras públicas rurais no Brasil denota um ciclo marcado pelo favorecimento clientelista e pouco atento aos interesses de populações tradicionais e carentes. Com a redemocratização em 1988, a Constituição pareceu instituir um novo regime para a destinação das terras públicas, especialmente em razão do disposto em seus arts. 186 a 191. A submissão da propriedade à necessidade de atender à sua função social, a destinação das terras públicas em termos compatíveis com as políticas agrícola e de reforma agrária e a vedação à usucapião de terras públicas pareciam conferir à política fundiária contornos finalmente republicanos. Contudo, acerca das inovações em matéria agrária trazidas pela Constituinte, Maués (2022MAUÉS, Antonio Gomes Moreira. Constituição e desigualdade: direito de propriedade e reforma agrária no Brasil. Lua Nova, São Paulo, v. 115, p. 191-224, 2022.) afirma que a CF/88 não afetou o cenário de concentração fundiária que marca a ocupação de terras no país. Segundo dados citados pelo autor, o índice de Gini no Brasil (0,73) ainda denota um alto grau de concentração, na medida em que “os 10% maiores imóveis ocupam 73% da área agrícola do Brasil, enquanto os 90% menores imóveis ocupam somente 27% da área” (Maués, 2022MAUÉS, Antonio Gomes Moreira. Constituição e desigualdade: direito de propriedade e reforma agrária no Brasil. Lua Nova, São Paulo, v. 115, p. 191-224, 2022., p. 193).

Quando a CF/88 foi promulgada, estava em vigor a Lei n. 6.383/1976 (Brasil, 1976BRASIL. Lei n. 6.383, de 7 de dezembro de 1976. Dispõe sobre o Processo Discriminatório de Terras Devolutas da União, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 7 dez. 1976. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6383.htm . Acesso em: 27 maio 2024.
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), que tratava do Processo Discriminatório das Terras Devolutas. Essa lei previa, em seu art. 29, a possibilidade da legitimação da posse, permitindo a regularização de ocupações em terras públicas limitadas a até 100 hectares (ha). Depois disso, houve uma contínua degradação dos propósitos da regularização fundiária, fato que findaria por corroborar a frustração do combate à concentração de terras no país.

1.2. Regularização fundiária: da identificação das glebas à titulação

O planejamento da regularização fundiária precede a instauração dos processos individuais de titulação. Ele começa com a identificação das glebas federais com vocação e necessidade de regularização, seguida pela identificação de seus ocupantes. Após isso, são adotados os procedimentos específicos a cada um dos imóveis. O processo até a titulação definitiva pode ser resumido, com algumas variações normativas, em quatro fases: ocupação formalmente desconhecida, ocupação formalmente conhecida, propriedade resolúvel e propriedade plena (Figura 1).

Figura 1 -
As fases da regularização fundiária

A primeira fase designa-se como ocupação formalmente desconhecida, porque, em tese, ainda não é de conhecimento do Estado que aquela ocupação ocorre. O emprego do vocábulo “formalmente” não é aleatório, visto que, em muitos casos, apesar de não haver conhecimento formal da ocupação, o Estado sabe de sua existência, seja por ser ela notória, seja por estar consignada em outros registros oficiais, como o Cadastro Ambiental Rural (CARBRASIL. Cadastro Ambiental Rural. O que é o CAR?, [s.d.a]. Disponível em: Disponível em: https://www.car.gov.br/#/sobre . Acesso em: 4 jul. 2023.
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) e o Sistema de Gestão Fundiária (SigefBRASIL. Sistema de Gestão Fundiária. Apresentação, [s.d.b]. Disponível em: Disponível em: https://sigef.incra.gov.br/sobre/apresentacao/ . Acesso em: 4 jul. 2023.
https://sigef.incra.gov.br/sobre/apresen...
).1 1 O CAR “é um registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais referentes às Áreas de Preservação Permanente (APP), de uso restrito, de Reserva Legal, de remanescentes de florestas e demais formas de vegetação nativa, e das áreas consolidadas, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento” (Brasil, s.d.a). Já o Sigef “é uma ferramenta eletrônica desenvolvida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) para subsidiar a governança fundiária do território nacional” (Brasil, s.d.b).

A fase da ocupação formalmente conhecida inicia-se pela formalização do requerimento de regularização fundiária, indicando que o Estado não mais pode assentar seu desconhecimento sobre a ocupação. Optou-se por usar “ocupação conhecida” em vez de “ocupação reconhecida” para deixar claro que não há, por parte de Estado, qualquer assentimento ou outorga de direitos enquanto não houver deliberação sobre a viabilidade da regularização. Na prática, porém, muitos imóveis passam a ser tratados como se já estivessem titulados assim que o requerimento de regularização é protocolado, devido às inúmeras deficiências que acometem os sucessivos regimes de regularização fundiária.

Após a deliberação sobre o pedido de regularização, concluindo o órgão competente pela sua viabilidade, é emitido o título de domínio. Os títulos emitidos nessa fase conferem a seus titulares uma propriedade ainda precária, porque está sujeita às condições resolutivas inscritas nas cláusulas do título. A Instrução Normativa (IN) n. 46/2008 (Brasil, 2008aBRASIL. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Instrução Normativa 46, de 2008. 2008a. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/incra/pt-br/centrais-de-conteudos/legislacao/in_46_2008.pdf . Acesso em: 27 maio 2024.
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) trazia em seu Anexo I, conforme a Figura 2 a seguir, o modelo dos títulos de domínio e das cláusulas em que estabelecia as suas condições resolutivas, entre as quais a de inalienabilidade pelo prazo de dez anos.

Figura 2 -
Modelo de título de propriedade resolúvel

Somente após o decurso do prazo em que as condições resolutivas são observadas e mediante a declaração de seu atendimento pelo órgão fundiário é que o titular do imóvel poderia exercer plenamente seu domínio sobre ele, razão pela qual essa fase se denomina “propriedade plena”.

1.3. O contínuo aumento da área suscetível de regularização

A dimensão inicial permitida para a regularização de ocupações irregulares era de 100 ha, de acordo com o art. 29 da Lei n. 6.383/1976 (legitimação da posse). Nos imóveis de dimensões superiores a 100 ha e limitados ao teto constitucional de alienação de terras públicas, somente poderia ocorrer a regularização após a aprovação do Plano Integrado de Destinação de Terras Públicas (PID), o que, na prática, nunca aconteceu (v. caput e § 4º, I, da Norma de Execução n. 29/2002 [Brasil, 2002BRASIL. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Norma de Execução 29, de 2002. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/incra/pt-br/centrais-de-conteudos/legislacao/norma-execucao . Acesso em: 27 maio 2024.
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]).

A edição da Lei n. 11.196/2005 (Brasil, 2005BRASIL. Lei n. 11.196, de 21 de novembro de 2005. Institui o Regime Especial de Tributação para a Plataforma de Exportação de Serviços de Tecnologia da Informação - REPES, o Regime Especial de Aquisição de Bens de Capital para Empresas Exportadoras - RECAP e o Programa de Inclusão Digital [...]. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 nov. 2005. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11196.htm . Acesso em: 27 maio 2024.
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) promoveu alterações na Lei n. 8.666/1993 (Brasil, 1993BRASIL. Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 6 jul. 1994. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm . Acesso em: 27 maio 2024.
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), mantendo o teto de 100 ha para a legitimação de posse. No entanto, agora, a lei estabelece expressamente que imóveis de até 500 ha podem ser regularizados por meio de venda direta, dispensando licitação. Acima desse limite, a alienação dos imóveis deve ocorrer somente mediante concorrência pública, conforme determinado no regulamento do Poder Executivo (art. 17, § 2º, II, e § 2º-B, II, da Lei n. 8.666/1993). As regras sobre cada uma das modalidades encontram-se na IN n. 31/2006 (legitimação da posse até 100 ha) (Brasil, 2006aBRASIL. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Instrução Normativa 31, de 2006. Dispõe sobre as diretrizes e fixa os procedimentos para legitimação de posse em áreas de até cem hectares [...]. 2006a. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/incra/pt-br/centrais-de-conteudos/legislacao/instrucao-normativa . Acesso em: 27 maio 2024.
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), na IN n. 32/2006 (regularização fundiária até 500 ha) (Brasil, 2006bBRASIL. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Instrução Normativa 32, de 2006. Dispõe sobre as diretrizes e fixa os procedimentos para regularização fundiária de posses em áreas de até quinhentos hectares [...]. 2006b. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/incra/pt-br/centrais-de-conteudos/legislacao/instrucao-normativa . Acesso em: 27 maio 2024.
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) e na IN n. 41/2007 (concorrência para imóveis até 1.500 ha) (Brasil, 2007BRASIL. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária . Instrução Normativa 41, de 2007. Estabelece critérios e procedimento administrativos referentes à alienação de terras públicas em áreas acima de 500 (quinhentos) hectares, limitadas a 15 (quinze) módulos fiscais, mediante concorrência pública. 2007. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/incra/pt-br/centrais-de-conteudos/legislacao/instrucao-normativa . Acesso em: 27 maio 2024.
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).

A Lei n. 11.763/2008 aumentou mais uma vez os patamares das áreas regularizáveis, uma vez que conferiu nova redação para o inciso II do § 2º-B do art. 17 da Lei n. 8.666/1993, instituindo que a regularização das áreas de até 1.500 ha se daria por dispensa de licitação (Brasil, 2008bBRASIL. Lei n. 11.763, de 1o de agosto de 2008. Dá nova redação ao § 2o-B do art. 17 da Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993, que regulamenta o inciso XXI do caput do art. 37 da Constituição Federal e institui normas para licitações e contratos da administração pública. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 4 ago. 2008. 2008b. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11763.htm . Acesso em: 27 maio 2024.
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). Os normativos que regiam esse novo regime eram a IN n. 45/2008 (legitimação da posse até 100 ha) (Brasil, 2008cBRASIL. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Instrução Normativa 45, de 2008. Fixa os procedimentos para legitimação de posses em áreas de até 100 (cem) hectares localizadas em terras públicas rurais da União. 2008c. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/incra/pt-br/centrais-de-conteudos/legislacao/instrucao-normativa . Acesso em: 27 maio 2024.
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) e a IN n. 46/2008 (regularização fundiária até 1.500 ha) (Brasil, 2008aBRASIL. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Instrução Normativa 46, de 2008. 2008a. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/incra/pt-br/centrais-de-conteudos/legislacao/in_46_2008.pdf . Acesso em: 27 maio 2024.
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).

Em 2009, foi criado o Programa Terra Legal, que visa institucionalizar a regularização fundiária e conferir-lhe arcabouços normativo e organizacional próprios. A Lei n. 11.952/2009, em sua redação original, mantinha o patamar máximo de até 1.500 ha ou 15 módulos fiscais (§ 1º do art. 6º) (Brasil, 2009aBRASIL. Lei n. 11.952, de 25 de junho de 2009. Dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União, no âmbito da Amazônia Legal [...]. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 jun. 2009. 2009a. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l11952.htm . Acesso em: 27 maio 2024.
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), porém, em 2017, a Lei n. 13.465/2017 alterou essa previsão, para fixar um novo teto de 2.500 ha para as áreas regularizáveis (Brasil, 2017BRASIL. Lei n. 13.465, de 11 de julho de 2017. Dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal [...]. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 8 set. 2017. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13465.htm . Acesso em: 27 maio 2024.
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). Esse novo patamar já alcança o máximo previsto no art. 188, § 2º, da CF/88 como limite para a alienação de terras públicas. Por essa razão, tanto a Medida Provisória (MP) n. 910/2019, que perdeu eficácia sem sua conversão em lei, quanto o Projeto de Lei (PL) n. 2.633/2020, que tramita no Congresso Nacional a fim de alterar a Lei do Terra Legal, adotam esse mesmo paradigma máximo para a regularização fundiária (Brasil, 2019BRASIL. Medida Provisória n. 910, de 10 de dezembro de 2019. Altera a Lei n. 11.952, de 25 de junho de 2009, que dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União [...]. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 dez. 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/Mpv/mpv910.htm . Acesso em: 27 maio 2024.
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, 2020dBRASIL. Projeto de Lei 2.633, de 14 de maio de 2020. 2020d. Disponível em: Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2252589&fichaAmigavel=nao . Acesso em: 27 maio 2024.
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). O Gráfico 1, a seguir, consolida esse histórico de incremento das áreas máximas passíveis de regularização fundiária.

Gráfico 1 -
A evolução da área máxima para titulação

1.4. A sucessiva aproximação das novas datas de início da ocupação

O regime da legitimação da posse (art. 29 da Lei n. 6.383/1976), experiência original aqui considerada para fins de regularização fundiária, não previa uma data máxima para caracterizar as ocupações como regularizáveis, o que se justificava ante a diminuta área elegível de regularização, limitada a 100 ha. Foi a Lei n. 11.196/2005 que, pela primeira vez, instituiu um limite temporal para o início das ocupações a serem regularizadas. A Lei n. 8.666/1993, art. 17, § 2º-A, I, inseriu regra que instituía que tanto a legitimação da posse (área de até 100 ha - art. 29 da Lei n. 6.383/1976) quanto a regularização fundiária (áreas de até 500 ha - art. 17, §§ 2º e 2º-B, II, da Lei n. 8.666/1993) somente se aplicariam “às áreas em que a detenção por particular seja comprovadamente anterior a 1o de dezembro de 2004” (Brasil, 1993BRASIL. Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 6 jul. 1994. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm . Acesso em: 27 maio 2024.
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).

A Lei n. 11.763/2008 mantém esse paradigma temporal para as áreas de até 1.500 ha (regularização fundiária). Apesar disso, a IN n. 45/2008 libera a legitimação da posse (áreas de até 100 ha - art. 29 da Lei n. 6.383/1976) para as ocupações iniciadas depois desse marco, desde que obtida uma Licença de Ocupação com prazo mínimo de quatro anos (art. 20 da IN n. 45/2008).

Na criação do Programa Terra Legal, a Lei n. 11.952/2009, em sua redação original, mantinha, mais uma vez, a data de 1º de dezembro de 2004 como início máximo das ocupações (art. 5º, IV). Menos de uma década depois, porém, foi editada a Lei n. 13.465/2017, que alterou a redação do referido dispositivo legal para estabelecer como requisito para a regularização fundiária a comprovação do “exercício de ocupação e exploração [...] anterior a 22 de julho de 2008” (Brasil, 2017BRASIL. Lei n. 13.465, de 11 de julho de 2017. Dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal [...]. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 8 set. 2017. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13465.htm . Acesso em: 27 maio 2024.
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).

Contudo, há um detalhe relevante na Lei n. 13.465/2017 a respeito da data-limite para o início das ocupações: ela inseriu, entre as disposições finais da Lei do Terra Legal (art. 38, I, parágrafo único), a possibilidade de regularização, por meio da venda direta, de áreas ocupadas havia mais de cinco anos até 22 de dezembro de 2016 (data da edição da MP n. 759 [Brasil, 2016BRASIL. Medida Provisória n. 759, de 22 de dezembro de 2016. Dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal [...]. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 2016. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/Mpv/mpv759.htm . Acesso em: 27 maio 2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a...
]), desde que mediante o pagamento do valor máximo do preço de referência. Na prática, portanto, o referido dispositivo fixava em 22 de dezembro de 2011 a data final das ocupações regularizáveis.

Em 2019, foi editada a MP n. 910, a qual, entre outras tantas regras, alterava mais uma vez a redação do art. 5º, IV, da Lei do Terra Legal. Dessa vez, a data inicial máxima das ocupações a serem regularizadas passaria a ser 5 de maio de 2014. À semelhança da técnica já empregada na Lei n. 13.465/2017, a MP n. 910/2019 também incluía uma exceção no parágrafo único, I, do art. 38, no sentido da possibilidade de regularização por venda direta de ocupações ocorridas até um ano antes de 10 de dezembro de 2019 (data em que entrou em vigor a MP n. 910), também mediante o pagamento do valor máximo do preço de referência. Na prática, portanto, o referido dispositivo fixava em 10 de dezembro de 2018 a data final das ocupações regularizáveis.

Como mencionado anteriormente, no entanto, a MP n. 910/2019 caducou sem que tenha sido convertida tempestivamente em lei, de modo que a redação legal instituída pela Lei n. 13.465/2017 é a que segue vigente. O PL n. 2.633/2020, em sua forma atual, não promove alterações nos marcos temporais de início das ocupações já previstos na Lei do Terra Legal (Figura 3).

Figura 3 -
A fixação da data de início da ocupação

1.5. A flexibilização da exigência de vistorias

Sob a vigência do regime da legitimação da posse (art. 29 da Lei n. 6.383/1976), a vistoria prévia era indiscriminadamente exigida como instrumento de comprovação dos requisitos para a concessão do título (art. 12, VI, “b”, da Norma de Execução n. 8/2001 [Brasil, 2001BRASIL. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Norma de Execução 08, de 2001. 2001. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/incra/pt-br/centrais-de-conteudos/legislacao/norma-execucao . Acesso em: 27 maio 2024.
https://www.gov.br/incra/pt-br/centrais-...
]). No regime de regularização de áreas superiores a 100 ha, era exigida a prévia aprovação do PID; além disso, o laudo de vistoria solicitava as exigências complementares previstas no inc. VII do mesmo artigo.

No regime seguinte (Lei n. 11.196/2005), em que a lei já diferenciava a legitimação da posse (até 100 ha) da regularização fundiária (até 500 ha), a vistoria prévia seguia sendo exigida para fins de instrução tanto de uma (art. 5º, parágrafo único, III, da IN n. 31/2006) quanto de outra (art. 7º, § 1º, II, e § 2º, da IN n. 32/2006), com a ressalva de que, para a segunda, havia exigências adicionais para o laudo respectivo. Nesse ponto, a IN n. 32/2006 chega a abordar, inclusive, a necessidade da realização de uma segunda vistoria, esta com vistas à eventual liberação das condições resolutivas do título (art. 13, § 2º).

Os normativos administrativos que regulamentariam a nova disciplina legal da regularização inaugurada em 2008 (Lei n. 11.763/2008) mantiveram a exigência geral de instrução dos processos com laudos de vistoria, tanto para a legitimação da posse das áreas de até 100 ha (art. 11, III, da IN n. 45/2008) quanto para a regularização fundiária das áreas de até 1.500 ha (art. 11, III, da IN n. 46/2008). A principal mudança desse novo regime é a supressão das exigências adicionais que anteriormente eram aplicadas aos laudos de vistoria sobre áreas de maior extensão.

Entretanto, a ideia da supressão da vistoria prévia como requisito necessário à regularização fundiária tem início com a edição da primeira lei do Programa Terra Legal. A esse respeito, o art. 13 da Lei n. 11.952/2009 estabelece que “os requisitos para a regularização fundiária dos imóveis de até quatro módulos fiscais serão averiguados por meio de declaração do ocupante” (Brasil, 2009aBRASIL. Lei n. 11.952, de 25 de junho de 2009. Dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União, no âmbito da Amazônia Legal [...]. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 jun. 2009. 2009a. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l11952.htm . Acesso em: 27 maio 2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a...
). Assim, a vistoria prévia somente passava a ser exigida dos imóveis com área de mais de quatro módulos fiscais. De qualquer sorte, o art. 16 da Lei n. 11.952/2009 estabelecia indiscriminadamente para os imóveis a serem regularizados que “as condições resolutivas do título de domínio e do termo de concessão de uso somente serão [seriam] liberadas após vistoria” (Brasil, 2009aBRASIL. Lei n. 11.952, de 25 de junho de 2009. Dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União, no âmbito da Amazônia Legal [...]. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 jun. 2009. 2009a. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l11952.htm . Acesso em: 27 maio 2024.
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). Assim, apesar da dispensa parcial da vistoria prévia, era exigida a vistoria final de todos os imóveis.

A Lei n. 13.465/2017 não promoveu alterações quanto à exigência da vistoria prévia, de modo que foi mantida sua dispensa apenas para os casos de imóveis de até quatro módulos fiscais. A novidade da referida lei, porém, ficou por conta da alteração da redação do art. 16 da Lei do Terra Legal. Nesse sentido, se o artigo anteriormente tratava expressamente da necessidade de realização de vistoria para a liberação das condições resolutivas, sua nova redação não mais o faz, instituindo, em seu § 1o, que a averiguação do atendimento às cláusulas respectivas se dará “por meio de juntada da documentação pertinente” (Brasil, 2017BRASIL. Lei n. 13.465, de 11 de julho de 2017. Dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal [...]. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 8 set. 2017. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13465.htm . Acesso em: 27 maio 2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a...
). Sob esse novo regime, o emprego da vistoria final ocorre apenas em caráter excepcional, na insuficiência da checagem do atendimento às condições resolutivas a partir da análise documental.

A MP n. 910/2019, por sua vez, pretendia a significativa supressão da realização de vistorias prévias, dispensando-as para todos os imóveis de até 1.500 ha. Como mencionado, porém, a MP caducou, de modo que agora resta em tramitação o PL n. 2.633/2020, o qual pretende dispensar as vistorias prévias para a regularização de áreas de até seis módulos fiscais (Figura 4).

Figura 4 -
Regras sobre a (des)necessidade de vistorias

1.6. A gradual mitigação do preço da terra

No regime original da legitimação da ocupação de terras públicas (100 ha - art. 29 da Lei n. 6.383/1976), o preço pago pelo imóvel era o “valor histórico da terra nua”. A partir da Lei n. 11.196/2005, que passa a distinguir a legitimação da posse (até 100 ha) da regularização fundiária (até 500 ha), para a primeira é mantido o critério do valor histórico da terra nua (art. 15 da IN n. 31/2006), enquanto para a segunda o valor deveria ser fixado de acordo com as tabelas aprovadas pelo Conselho Diretor do Incra (art. 11, parágrafo único, da IN n. 32/2006).

Sob a disciplina da Lei n. 11.763/2008, os normativos do Incra são mais claros ao diferenciar o preço pago na legitimação da posse (até 100 ha) e na regularização (até 1.500 ha): o valor histórico da terra nua (art. 23 da IN n. 45/2008) e o valor de mercado do imóvel (art. 24 da IN n. 45/2008), respectivamente.

O Programa Terra Legal (Lei n. 11.952/2009) inaugura uma nova forma de fixação dos preços a serem pagos pela terra. Primeiro, a regularização das áreas de até um módulo fiscal passa a ser gratuita (art. 11). Já nas áreas superiores a um módulo fiscal, “a avaliação do imóvel terá como base o valor mínimo estabelecido em planilha referencial de preços, sobre o qual incidirão índices que considerem os critérios de ancianidade da ocupação, especificidades de cada região em que se situar a respectiva ocupação e dimensão da área, conforme regulamento” (Brasil, 2009aBRASIL. Lei n. 11.952, de 25 de junho de 2009. Dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União, no âmbito da Amazônia Legal [...]. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 jun. 2009. 2009a. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l11952.htm . Acesso em: 27 maio 2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a...
).

A Lei n. 13.465/2017 mantém a gratuidade da regularização até um módulo fiscal, mas substitui o regime de incidência de índices definidos administrativamente sobre o valor mínimo de referência das tabelas do Incra pela predefinição legal de percentuais sobre o valor mínimo de referência, conforme disposto no art. 12, § 1º, da Lei do Terra Legal: “O preço do imóvel considerará o tamanho da área e será estabelecido entre 10% (dez por cento) e 50% (cinquenta por cento) do valor mínimo da pauta de valores da terra nua para fins de titulação e regularização fundiária elaborada pelo Incra” (Brasil, 2009aBRASIL. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Pauta de Valores de Terra Nua para Titulação, 28 jan. 2020a. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/incra/pt-br/assuntos/governanca-fundiaria/pauta-de-valores-de-terra-nua-para-titulacao#:~:text=A%20Pauta%20de%20Valores%20de,de%20que%20trata%20o%20art . Acesso em: 19 jan. 2021.
https://www.gov.br/incra/pt-br/assuntos/...
). O art. 23, § 1º, do Decreto n. 10.592/2020 escalona os percentuais incidentes sobre o valor mínimo da pauta de valores da terra nua nos seguintes termos: até um módulo fiscal, 10%; de um a quatro módulos fiscais, entre 10% e 30%; e acima de quatro módulos fiscais até 2.500 ha, 50%.

A MP n. 910/2019 não promoveu significativas modificações no que diz respeito ao modo de fixação dos preços da terra, e o PL n. 2.633/2020, com a redação que até então lhe era conferida, tampouco parece pretender promovê-las. A Figura 5, a seguir, consolida as mudanças normativas que dizem respeito ao tema.

Figura 5 -
Regras sobre a fixação do preço da terra

1.7. As mudanças qualitativas no modo de exploração da terra

Além das flexibilizações quantitativas promovidas nos requisitos para a regularização (área, data e preço), o Programa Terra Legal também foi significativamente ajustado em relação ao conceito de “exploração direta”, requisito essencial previsto no art. 5º, IV, da Lei n. 11.952/2009. Os conceitos de “exploração direta” e de “exploração indireta” foram ambos alterados. O Quadro 1, a seguir, apresenta o comparativo entre a redação original do art. 2º, III e IV, e a redação que lhes foi conferida pela Lei n. 13.465/2017.

Quadro 1 -
Comparativo das leis quanto à exploração direta das terras

A alteração em questão criou um conceito de exploração “direta” que desafia a língua portuguesa. Enquanto a redação original previa a necessidade de que a atividade econômica fosse “praticada diretamente pelo ocupante”, a nova redação admite que a atividade seja apenas “gerenciada diretamente pelo ocupante”. Ademais, pode-se explorar a atividade até mesmo por meio de pessoa jurídica. Esse curioso conceito é reproduzido, a contrário senso, na definição da exploração indireta. Até a alteração legislativa, a atividade exercida por meio de preposto era tida como indireta. Agora, essa atividade praticada por meio de preposto não é necessariamente indireta caso seja “gerenciada” pelo ocupante, ainda que ele não participe diretamente da atividade.

Essa alteração qualitativa tem íntima relação com a mudança da redação do inc. V do art. 2º da lei, que define o conceito de “cultura efetiva”, cuja nova redação suprimiu a exigência da finalidade de “subsistência dos ocupantes”. Essa mudança, somada à possibilidade de que o ocupante não esteja envolvido diretamente na exploração da terra, mas sim na sua gestão, por intermédio, inclusive, de empresa rural, demonstra que o objetivo social da regularização fundiária como política pública foi completamente negligenciado.

2. A realidade fático-social em torno da regularização fundiária na Amazônia

2.1. A análise da realidade fática amazônica a partir de um recorte amostral: o Vale do Jamanxim

A análise da realidade é essencial para a compreensão do alcance da norma de vedação à usucapião de terras públicas no que diz respeito à sua pertinência diante da política de regularização fundiária. O espaço amostral escolhido é o vale do rio Jamanxim (Figura 6), delineado pelo distrito de Moraes Almeida, em Itaituba/PA; pelo município de Novo Progresso/PA; e pelo distrito de Castelo dos Sonhos, em Altamira/PA, todos situados às margens da BR-163 (Rodovia Santarém - Cuiabá), no extremo sudoeste do estado do Pará. A região é toda confinada entre áreas de especial proteção, como unidades de conservação e terras indígenas.

Figura 6 -
Vale do Jamanxim

Os dados fáticos a serem extraídos desse recorte, aliados à análise do histórico normativo que rege mais recentemente a política de regularização fundiária em terras públicas na Amazônia, servirão como prova da realidade da influência dessa política na dinâmica da exploração e ocupação dessas terras.

2.2. A função socioambiental da propriedade e a regularização fundiária

A natureza da política pública da regularização fundiária impõe que seus procedimentos estejam umbilicalmente atrelados a mecanismos sociais de atendimento à função social da propriedade sobre os bens públicos, enquanto destinados de acordo com a política agrária esperada pela CF/88: justa e distributiva, a teor do art. 188. Os propósitos sociais esperados da política de regularização fundiária podem ser extraídos, em teoria, da exposição de motivos das leis que vêm regendo o Programa Terra Legal. Eles relacionam a adoção dos normativos a uma série de finalidades: reduzir a instabilidade jurídica, combatendo a grilagem de terras e reduzindo conflitos agrários; conter o desmatamento; fomentar a inserção produtiva de trabalhadores; evitar a reconcentração fundiária e a especulação imobiliária; conter o avanço da fronteira agrícola; priorizar a ocupação familiar; desenvolver a exploração sustentável dos recursos naturais; consolidar o ordenamento territorial.

Exposição de Motivos da MP n. 458/2009 (Brasil, 2009bBRASIL. Medida Provisória n. 458, de 10 de fevereiro de 2009. Dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União, no âmbito da Amazônia Legal [...]. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 fev. 2009. 2009b. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/Mpv/458.htm . Acesso em: 27 maio 2024.
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, convertida na Lei n. 11.952/2009):

Nestas áreas é possível implantar uma política de regularização fundiária, reduzindo os conflitos e permitindo segurança jurídica, inserção produtiva e acesso às políticas públicas para aqueles que hoje a ocupam.

[...]

9. Os títulos resultantes desse processo conterão cláusulas resolutivas com prazo de 10 anos que preveem entre outras, a inalienabilidade das terras, a utilização adequada dos recursos naturais e preservação do meio ambiente. Com essas medidas entendemos que serão preservados os riscos de reconcentração fundiária, de especulação imobiliária e abertura desordenada da fronteira agrícola, contribuindo para o controle do desmatamento na Amazônia Legal.

Exposição de Motivos da MP n. 759/2016 (convertida na Lei n. 13.465/2017):

41. [...] A regularização fundiária nesta zona é importante do ponto de vista socioeconômico, por possibilitar a ocupação humana e a exploração sustentável dos recursos naturais; e também no que concerne à preservação ambiental, já que o resultado da não ocupação destas terras revelou-se catastrófico, com a proliferação de desmatamentos, queimadas, extração ilegal de madeira, dentre outras mazelas.

[...]

44. Trata-se, também, de consolidar a política de ordenamento territorial, priorizando a ocupação familiar, a produção sustentável e o respeito ao meio ambiente.

Quando a aplicação prática da política de regularização fundiária é analisada, observamos que não apenas esses objetivos não foram alcançados, como também que a política pública em questão tem sido concebida, modificada e desenvolvida em sentido contrário a eles.

2.3. Quem é e quem deveria ser o público-alvo da regularização fundiária?

A ideia de distributividade na destinação das terras públicas como meio de se evitar sua concentração fundiária decorre do texto previsto no art. 188 da CF/88: “a destinação de terras públicas e devolutas será compatibilizada com a política agrícola e com o plano nacional de reforma agrária” (Brasil, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência da República, 1988. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm . Acesso em: 27 maio 2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Co...
). Logo, qualquer política que milite no sentido da concentração de terras públicas quando destinadas a particulares é contrária a esse postulado. Não raramente, a política de regularização fundiária é defendida sob o argumento do amplo atendimento aos pequenos produtores, que, teoricamente, deveriam ser o público-alvo dessa política. Em termos quantitativos, eles representam a maioria, mas, se for considerada sua participação percentual na área total de regularização, torna-se evidente o caráter concentrador da distribuição das terras (Gráficos 2 e 3).

Ao tratar da lei que criou o Programa Terra Legal, Torres, Doblas e Alarcon (2017TORRES, Mauricio; DOBLAS, Juan; ALARCON, Daniela Fernandes. Dono é quem desmata. São Paulo: Urutu-branco; Altamira: Instituto Agronômico da Amazônia, 2017., p. 16-17) esclarecem que,

[e]mbora os minifúndios e as pequenas posses, com até quatro módulos fiscais [...], representassem 85% do total das demandas por regularização, eles ocupavam apenas 15% da área a ser regularizada. Por sua vez, as médias e as grandes detenções de terras, que representavam apenas 19% do total de imóveis com intenção de serem regularizados, ocupavam 81% da área que seria regularizada.

Gráfico 2 -
Quantidade de imóveis cadastrados como “posses” na Amazônia Legal

Gráfico 3 -
Área dos imóveis cadastrados como “posses” na Amazônia Legal

As conclusões do autor são muito similares àquelas a que chegou o TCU no Acórdão n. 627/2015 (Brasil, 2015bBRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão n. 627/2015. Fiscalização de orientação centralizada. Programa Terra Legal. Irregularidades. Oportunidades de melhoria. Determinações. Monitoramento. Arquivamento. Relator: Weder de Oliveira, 25 de março de 2015b. Disponível em: Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/documento/acordao-completo/*/NUMACORDAO%253A627%2520ANOACORDAO%253A2015/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/0/%2520 . Acesso em: 21 fev. 2021.
https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/docum...
), resultado de auditoria realizada no Programa Terra Legal:

Embora os processos relacionados a áreas de até 1 MF correspondam a 70,5% do total, representam apenas 28,7% da área titulada. Inversamente, os processos referentes a áreas entre 4 e 15 MF, apesar de representarem apenas 7,4% do total de processos, abrangem quase o mesmo percentual de área titulada (28%).

A grande quantidade de pequenos possuidores, aliada ao pequeno percentual que suas posses representam diante da área total regularizável, somente reforça as conclusões de que, mesmo que desconsiderados os casos de concentração viabilizados a partir de burlas ao programa, a tendência de seus resultados é de concentração das terras públicas destinadas à regularização.

2.4. A Regularização fundiária para além da pequena propriedade rural

A definição de pequenas, médias e grandes propriedades rurais é extraída do art. 4º, II e III, da Lei n. 8.629/1993. A primeira é aquela que não supera quatro módulos fiscais e a segunda é superior a quatro módulos fiscais, mas não excedente a 15 módulos. Por exclusão, considera-se grande propriedade rural todo imóvel superior a 15 módulos fiscais. Nos três municípios que compõem a região do Jamanxim (Itaituba, Novo Progresso e Altamira), o módulo fiscal é estabelecido em 75 ha, de modo que as pequenas propriedades rurais na região não excedam a 300 ha.

As sucessivas leis que tratam da regularização fundiária promoveram o aumento contínuo e significativo das áreas passíveis de regularização. Essas alterações legislativas, como mencionado, repercutem concretamente no tamanho das áreas ocupadas. A partir de dados do Sicar extraídos do Jamanxim, observa-se que o aumento do parâmetro dimensional máximo para a regularização, promovido pela Lei n. 13.465/2017 (de 1.500 ha para 2.500 ha), repercutiu, por exemplo, significativamente no tamanho das áreas de CARs registrados na região, conforme observado no Gráfico 4.

Gráfico 4 -
Evolução do tamanho médio dos imóveis no Sicar entre 2015 e 2019

Torna-se evidente a concentração que a política de regularização fundiária, em lugar de combater, tem fomentado. Considerado o limite da pequena propriedade rural no Jamanxim (300 ha), o patamar atual de regularização (2.500 ha) excede em muito e injustificadamente as suas áreas.2 2 Mesmo que levado em consideração o maior módulo fiscal do país (110 ha), o máximo da pequena propriedade rural chega a apenas 440 ha. Na realidade, excede não só os parâmetros da pequena propriedade rural, como também os da média propriedade rural. As sucessivas alterações legislativas, portanto, têm boicotado qualquer válido propósito de conter a concentração de terras públicas.

2.5. A “doação” de terras públicas a grandes ocupantes

A lei que rege o Programa Terra Legal (Lei n. 11.952/2009, com as modificações introduzidas pela Lei n. 13.465/2017) estabelece a gratuidade para os imóveis de até um módulo fiscal, o que faz sentido ante o fato de se tratar de áreas muito inferiores até mesmo à pequena propriedade rural. Para os demais casos, inclusive para aqueles que excedem os limites da pequena e até da média propriedade rural, embora não prevista a gratuidade, a lei fixa preços irrisórios.

O parâmetro usado pela lei vigente é o “do valor mínimo da pauta de valores da terra nua para fins de titulação e regularização fundiária elaborada pelo Incra, com base nos valores de imóveis avaliados para a reforma agrária, conforme regulamento” (Brasil, 2009aBRASIL. Lei n. 11.952, de 25 de junho de 2009. Dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União, no âmbito da Amazônia Legal [...]. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 jun. 2009. 2009a. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l11952.htm . Acesso em: 27 maio 2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a...
). Sobre esse valor, que já considera um parâmetro abaixo do mercado, ainda incidem percentuais que variam de 10% a 50% (art. 12, § 1º, da Lei n. 11.952/2009). O resultado é que, mesmo os ocupantes de áreas consideradas grandes propriedades rurais, que pagarão 50% do valor mínimo da tabela do Incra, acabam por pagar valores irrisórios pela terra, se considerado seu real valor de mercado.

A partir de levantamento realizado a partir dos CARs da região do Jamanxim, no qual foram selecionados os cadastros situados fora das áreas protegidas e excluídas as sobreposições e os cadastros com área de até um módulo fiscal ante a sua gratuidade, constatou-se que, caso aplicado o percentual máximo de 50% do valor mínimo da tabela do Incra, o total arrecadado com regularização seria de R$ 345.440.153,24, ao passo que, segundo seu valor de mercado, apurado de acordo com o Anuário da Pecuária Brasileira (Anualpec), deveria ser necessário pagar por elas R$ 4.170.704.427,88 (Anualpec, 2019ANUALPEC. Anuário da Pecuária Brasileira. São Paulo: Instituto FNP, 2019. p. 248-250.). O valor pago a título de regularização fundiária, portanto, representa apenas 8,28% do valor de mercado, isso se considerado o percentual máximo de pagamento (50%) (Gráfico 5).

Gráfico 5 -
Comparativo entre os valores de mercado e os pagos na regularização fundiária

As mesmas conclusões no sentido da vultuosa renúncia patrimonial da parte da União, dessa vez estendidas a uma estimativa que abrange todos os estados da Amazônia Legal, são apontadas por Brito (2017BRITO, Brenda. Nota Técnica sobre o impacto das novas regras de regularização fundiária na Amazônia. Imazon, 20 jul. 2017. Disponível em: Disponível em: https://imazon.org.br/publicacoes/nota-tecnica-sobre-o-impacto-das-novas-regras-de-regularizacao-fundiaria-na-amazonia/#:~:text=Nota%20T%C3%A9cnica%20sobre%20o%20impacto%20das%20novas%20regras%20de%20regulariza%C3%A7%C3%A3o%20fundi%C3%A1ria%20na%20Amaz%C3%B4nia,-Home%20%2F%20Publica%C3%A7%C3%B5es%20%2F%20Nota&text=A%20nova%20regra%20para%20regulariza%C3%A7%C3%A3o,a%2021%20bilh%C3%B5es%20de%20reais . Acesso em: 4 jul. 2023.
https://imazon.org.br/publicacoes/nota-t...
) na nota técnica então editada a respeito das inovações introduzidas pela Lei n. 13.465/2017 no Programa Terra Legal. Nesse sentido:

A nova regra para regularização fundiária na Amazônia, sancionada pelo Presidente Temer em 11 de julho, provocará uma perda ao patrimônio público de 19 bilhões a 21 bilhões de reais. Esse valor corresponde à diferença entre o valor médio de mercado dos imóveis em processo de regularização e o valor a ser cobrado pelo governo, de acordo com as novas regras após a sanção da Medida Provisória 759/2016, convertida na Lei nº 13.465/2017. Com essa quantia, o governo poderia beneficiar até 9,5 milhões de família ao longo de um ano por meio do Programa Bolsa Família, ou ainda cobrir 14 anos do orçamento destinado ao Ministério do Meio Ambiente em 2017 sem contingenciamento. O montante também equivale a sete vezes as doações internacionais já feitas ao Fundo Amazônia, que apoia projetos de conservação na região (Brito, 2017BRITO, Brenda. Nota Técnica sobre o impacto das novas regras de regularização fundiária na Amazônia. Imazon, 20 jul. 2017. Disponível em: Disponível em: https://imazon.org.br/publicacoes/nota-tecnica-sobre-o-impacto-das-novas-regras-de-regularizacao-fundiaria-na-amazonia/#:~:text=Nota%20T%C3%A9cnica%20sobre%20o%20impacto%20das%20novas%20regras%20de%20regulariza%C3%A7%C3%A3o%20fundi%C3%A1ria%20na%20Amaz%C3%B4nia,-Home%20%2F%20Publica%C3%A7%C3%B5es%20%2F%20Nota&text=A%20nova%20regra%20para%20regulariza%C3%A7%C3%A3o,a%2021%20bilh%C3%B5es%20de%20reais . Acesso em: 4 jul. 2023.
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).

Enfim, são terras de vultuoso valor sendo vendidas a “preço de banana” sem nenhuma justificativa de cunho social, já que se está diante, em grande parte, de médias e grandes propriedades rurais, a denotar razoável capacidade econômica de seus titulares.

2.6. A dispensa das exigências e vistorias prévias e o fracionamento ilícito de lotes

A supressão da necessidade de vistorias prévias é também uma constante na sucessão de normativos sobre a regularização fundiária. Atualmente, estão dispensadas tais vistorias nos imóveis de até quatro módulos fiscais, a respeito do que o Supremo Tribunal Federal (STF), quando instado a se manifestar sobre a constitucionalidade do art. 13 da Lei n. 11.952/2009, apenas decidiu conferir-lhe interpretação “de modo a afastar quaisquer interpretações que concluam pela desnecessidade de fiscalização dos imóveis rurais de até quatro módulos fiscais, devendo o ente federal utilizar-se de todos os meios referidos em suas informações [...], para somente então ser possível a dispensa da vistoria prévia”.3 3 Disponível em: http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=2689764.

Assim, a constitucionalidade da dispensa das vistorias prévias acabou confirmada, de modo que, na prática, o entendimento do STF não promoveu grandes mudanças na forma como o tema seria tratado: nos imóveis de até quatro módulos fiscais, não se realiza vistoria prévia. Essa chancela à dispensa das vistorias viria, adiante, a encorajar a dispensa de vistorias em áreas ainda maiores. O argumento utilizado pelo STF para admitir a supressão supostamente excepcional das vistorias foi citado na Exposição de Motivos da MP n. 910/2019 como justificativa para a autorização proposta de dispensar as vistorias em todas as áreas de até 1.500 ha:

No que respeita ao § 2o do artigo 13, que prevê a dispensa de vistoria prévia das ocupações em regularização até o limite de 2500 hectares [...].

O dispositivo prescreve, a teor do decidido pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade no 4.269, que a dispensa na realização da vistoria prévia não impede o poder fiscalizatório da Administração (Brasil, 2019BRASIL. Medida Provisória n. 910, de 10 de dezembro de 2019. Altera a Lei n. 11.952, de 25 de junho de 2009, que dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União [...]. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 dez. 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/Mpv/mpv910.htm . Acesso em: 27 maio 2024.
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, grifo do autor).

Como se sabe, a MP n. 910/2019 caducou antes de sua conversão. Por isso, segue valendo a dispensa das vistorias até o limite de quatro módulos fiscais. Posteriormente, porém, foi editada a IN n. 105/2021 (Brasil, 2021BRASIL. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Instrução Normativa 105, de 2021. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/incra/pt-br/centrais-de-conteudos/legislacao/instrucao-normativa . Acesso em: 27 maio 2024.
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) no âmbito do, assim chamado, programa Titula Brasil. Esse normativo permite, por meio dos Núcleos Municipais de Regularização Fundiária (NMRF), a delegação de todo o trato local dos processos de regularização, incluindo a realização das vistorias (art. 5º, V, da IN n. 105/2021).

Benatti e Silva (2022BENATTI, José Heder; SILVA, Antonio Felipe Cunha da. Os direitos territoriais das comunidades tradicionais e a lei de regularização fundiária: impactos do programa Titula Brasil na Amazônia brasileira. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre, n. 50, p. 78-103, dez. 2022.), sobre o programa Titula Brasil, esclarecem que os municípios firmarão acordos com o Incra a fim de implantar os tais núcleos locais de regularização, os quais, no fim das contas, funcionarão como verdadeiros escritórios avançados da autarquia federal fundiária de modo a transferir aos prefeitos toda a responsabilidade e a prerrogativa de definir quais imóveis rurais serão titulados.

A respeito da validade do argumento no sentido da carência de capilaridade do Incra e do MDA, a delegação das vistorias prévias eleva o risco de sua precarização no sentido da autonomia técnica de sua realização. Essa delegação das vistorias aos municípios é excepcionalmente sensível, porque, segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) (2006INSTITUTO DE PESQUISA AMBIENTAL DA AMAZÔNIA (IPAM). A grilagem de terras públicas na Amazônia brasileira. Brasília: MMA, 2006. (Série Estudos, 8)., p. 40), as próprias prefeituras findam, muitas vezes, por destinar recursos “diretamente para a consolidação dos propósitos grileiros”. Ainda de acordo com o Ipam (2006INSTITUTO DE PESQUISA AMBIENTAL DA AMAZÔNIA (IPAM). A grilagem de terras públicas na Amazônia brasileira. Brasília: MMA, 2006. (Série Estudos, 8)., p. 32), diversos são os municípios no Pará cujas emancipações foram frutos da ação de madeireiras e fazendas, cujos gerentes, não raramente, foram alçados a líderes políticos locais.

As vistorias prévias são a única garantia minimamente idônea de combate a uma das práticas mais comuns no âmbito da regularização fundiária: os aqui chamados “loteamentos grileiros”. Trata-se, em suma, do emprego de “laranjas” (parentes, funcionários ou terceiros desconhecidos) com o objetivo de fracionar em tantos lotes quantos forem necessários ao total de uma área de maior dimensão, para que se permita a sua regularização a partir das dimensões individuais enquadráveis no teto do programa.

O fracionamento ilícito de lotes é uma realidade que chama atenção para a imprescindibilidade das vistorias prévias, mormente porque não há técnica de sensoriamento remoto capaz de constatar a unidade de exploração econômica (critério adotado pela consultoria jurídica do MDA) entre lotes contíguos. O sensoriamento remoto, no máximo, serve para apresentar indícios dessa técnica grileira, jamais para afastá-la concretamente. Isso somente a vistoria pode fazer. Essa realidade já foi constatada concretamente pelo TCU no Acórdão n. 727/2020, que mais recentemente auditou o Programa Terra Legal:

206. Verificou-se ainda indícios de fracionamento simulado de propriedades para a regularização, caracterizado por parcelas distintas apresentarem o mesmo estilo de gerência, ausência de cerca, entre outros; ou seja, parcelas de um mesmo imóvel rural foram registrados no Sigef em nome de detentores diferentes.

Tais indícios foram apontados nos laudos de geossensoriamento remoto contratados, conforme peça 113.

Figura 23 -
Quantidade de imóveis com indícios de fracionamento simulado por estado

2.7. A regularização conteve e conterá o desmatamento?

Há quem busque disseminar a ideia de que a regularização fundiária pode conferir segurança jurídica no campo e, assim, conter o avanço do desmatamento. Essa premissa faria sentido em um processo histórico e social de regularização fundiária bastante diferente do aqui analisado. Na realidade brasileira, os dados indicam o contrário. A análise da evolução do desmatamento no Jamanxim, mesmo após a primeira lei do Terra Legal (2009), não deixa dúvidas: o programa não foi capaz de conter o seu avanço, nem a sua oscilação, conforme demonstram a Figura 7 e o Gráfico 6, a seguir.

Figura 7 -
Avanço do desmatamento consolidado entre 2007 e 2018

Gráfico 6 -
Índices anuais de desmatamento no Jamanxim entre 2008 e 2018

O TCU (Brasil, 2020cBRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão n. 727. Auditoria realizada sob a forma de fiscalização de orientação centralizada (FOC) que teve por objetivo avaliar a conformidade do Programa Terra Legal, na Amazônia Legal. Relatório de consolidação. Relatora: Ana Arraes, 1º de abril de 2020c. Disponível em: Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/documento/acordao-completo/*/NUMACORDAO%253A727%2520ANOACORDAO%253A2020/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/0/%2520 . Acesso em: 21 fev. 2021.
https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/docum...
) constatou a mesma realidade: o Programa Terra Legal não foi capaz de conter o desmatamento e ainda foi condutor da degradação ambiental nas terras de regularização. Em uma análise amostral, espelhada para todas as terras regularizadas na Amazônia, o TCU estimou um desmatamento total de 940 mil ha a partir da instituição do Programa Terra Legal:

Tabela 5 -
Total do desmatamento na amostra avaliada (1.287 parcelas, com área de 1.400.450,47 ha) da Amazônia Legal em que houve o serviço de geossensoriamento remoto

181. Cabe ressaltar que, se a situação encontrada na amostra, desmatamento adicional de 82 mil hectares, seja também constatada no restante da área georreferenciada registrada no Sigef na Amazônia Legal de propriedade da União (superior a 16,1 milhões de ha), o desmatamento ocorrido em áreas públicas ou regularizadas por meio do programa, após 2008, seria de aproximadamente de 940 mil de hectares (Brasil, 2020cBRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão n. 727. Auditoria realizada sob a forma de fiscalização de orientação centralizada (FOC) que teve por objetivo avaliar a conformidade do Programa Terra Legal, na Amazônia Legal. Relatório de consolidação. Relatora: Ana Arraes, 1º de abril de 2020c. Disponível em: Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/documento/acordao-completo/*/NUMACORDAO%253A727%2520ANOACORDAO%253A2020/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/0/%2520 . Acesso em: 21 fev. 2021.
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).

É possível antever que esse processo em que a regularização fundiária contribui para a degradação ambiental está longe de acabar. O Gráfico 7 a seguir revela que grande parte dos CARs registrados na região do Vale do Jamanxim ainda se sobrepõe a áreas com cobertura florestal. A regularização das detenções das referidas áreas e a sua convolação em propriedade inevitavelmente resultarão em maior exploração delas. Dos 7.393 CARs em que a presença de vegetação foi observada, 1.479 têm menos de 20% de sua área com cobertura florestal; 1.376 têm entre 20% e 50% de cobertura florestal; 1.539 têm entre 50% e 80% de cobertura florestal; e 2.999 têm cobertura florestal em mais de 80% de sua área.

Gráfico 7 -
CARs classificados pela área florestada

Embora se possa supor que os titulares desses CARs não expandam as áreas já desmatadas devido às restrições decorrentes da reserva legal, a realidade é que em uma parcela significativa desses cadastros (2.999 CARs), mais de 80% da área do imóvel ainda é florestada. Mesmo que a legislação referente à reserva legal seja respeitada, ainda haverá áreas disponíveis para desflorestamento.

Enfim, a presunção de que a regularização fundiária poderá servir como instrumento de contenção do desmatamento é, no mínimo, infundada. A propósito, a relação intrínseca entre a oferta de terras na Amazônia, aqui tida como viabilizada pela perspectiva da regularização, e o desmatamento é bem demonstrada por Costa (2022COSTA, Francisco de Assis. Da estrutura fundiária à dinâmica do desmatamento: a formação de um mercado de terras na Amazônia (1975-2017). Nota de Política Econômica, [s.l.], n. 19, 1º abr. 2022., p. 9), ao afirmar que “a oferta de terras-sem-mata em um dado ano é equivalente ao desmatamento das terras-com-mata naquele mesmo ano”. Os fatos pretéritos mostram que a corrida pelas terras, alimentada pela esperança da regularização futura, tem gerado o efeito contrário à contenção do desmatamento, de modo que, a tirar pela extensão de áreas com cobertura florestada que se revelam incluídas em CAR, essa lógica tende a se repetir com a mesma intensidade.

2.8. A supressão da vistoria final e o não atendimento às cláusulas resolutivas

A avaliação do cumprimento das condições resolutivas é tão importante quanto a aferição dos requisitos iniciais para o ingresso no programa de regularização. A inalienabilidade desses títulos é uma das condições estabelecidas, com um prazo de dez anos, conforme inspiração extraída do art. 189 da CF/88, que determina o mesmo prazo para os beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária.4 4 Pode-se dizer que a regularização fundiária findou por concorrer com a reforma agrária como instrumento de pretensa pacificação no campo e de distribuição de terras. A demora na implementação de assentamentos conduziu, em muitos casos, os camponeses a optarem pelo processo individual de titulação. A supressão da vistoria final para garantir o cumprimento da cláusula de inalienabilidade e das demais condições resolutivas ao longo desse período representa um desafio ao combate à concentração de terras e à especulação imobiliária sobre terras públicas.

O art. 16, § 1º, da Lei n. 11.952/2009, com sua atual redação, eliminou a vistoria final, estabelecendo que “o cumprimento do contrato deverá ser comprovado nos autos, por meio de juntada da documentação pertinente” (Brasil, 2009aBRASIL. Lei n. 11.952, de 25 de junho de 2009. Dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União, no âmbito da Amazônia Legal [...]. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 jun. 2009. 2009a. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l11952.htm . Acesso em: 27 maio 2024.
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).5 5 A redação original do art. 16 estabelecia que “as condições resolutivas do título de domínio e do termo de concessão de uso somente serão liberadas após vistoria”. Segundo a Exposição de Motivos da MP n. 759/2016 (convertida na Lei n. 13.465/2017), as razões para a mudança legislativa residiriam nos seguintes fundamentos: “[...] as cláusulas resolutivas dos títulos a serem doravante emitidos foram adaptadas à necessidade premente de uma verificação mais eficaz e factível quanto ao seu cumprimento, notadamente por meio de análise documental”.

As ponderações antes aduzidas sobre a vistoria prévia também cabem aqui sobre a vistoria final: não é possível verificar, por exemplo, por elementos meramente documentais, com o rigor que a titulação deveria requerer, se o imóvel segue explorado pela mesma pessoa, se a atividade agrária ainda lhe é efetiva, se as leis ambientais foram observadas e quais as condições a que estão submetidos os trabalhadores da unidade. E o singelo texto previsto no § 2º do art. 16 - “Caso a análise de que trata o § 1º não seja suficiente para atestar o cumprimento das condições resolutivas, deverá ser realizada vistoria” (Brasil, 2009aBRASIL. Lei n. 11.952, de 25 de junho de 2009. Dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União, no âmbito da Amazônia Legal [...]. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 jun. 2009. 2009a. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l11952.htm . Acesso em: 27 maio 2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a...
) - não é capaz de reverter essa realidade. O levantamento puramente remoto pode, no máximo, apontar o descumprimento de algumas das cláusulas, mas não pode assegurar o pleno atendimento a todas elas. O Acórdão n. 727/2020 constatou, em resumo, o generalizado desprezo às condições resolutivas impostas nos títulos analisados: em 95% das áreas auditadas, as condições resolutivas não são cumpridas. O desrespeito reside, essencialmente, na não manutenção da destinação agrária, na não observância da legislação ambiental e no não pagamento dos valores devidos. E a auditoria teve por base apenas o levantamento por geossensoriamento, de modo que somente uma vistoria seria capaz de atestar, concretamente, outros problemas, como a inobservância da cláusula de inalienabilidade. Eis o que consta do acórdão do TCU (Brasil, 2020cBRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão n. 727. Auditoria realizada sob a forma de fiscalização de orientação centralizada (FOC) que teve por objetivo avaliar a conformidade do Programa Terra Legal, na Amazônia Legal. Relatório de consolidação. Relatora: Ana Arraes, 1º de abril de 2020c. Disponível em: Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/documento/acordao-completo/*/NUMACORDAO%253A727%2520ANOACORDAO%253A2020/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/0/%2520 . Acesso em: 21 fev. 2021.
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):

88. Não há cumprimento das cláusulas resolutivas, contidas no art. 15 da Lei 11.952/2009, dos incisos I (manutenção da destinação agrária) e II (respeito à legislação ambiental), em 95% das áreas tituladas do Programa Terra Legal selecionadas para a realização de procedimento de geossensoriamento remoto, que representam 89.970,85 ha. [...].

Tabela 3 -
Casos de descumprimento de cláusula resolutiva identificados pelo geossensoriamento remoto, por estado

Como observado, apenas pelo geossensoriamento o TCU identificou o descumprimento das condições resolutivas em 95% dos casos analisados. Essa técnica é eficaz no sentido da prova do descumprimento das condições e, nesse ponto, não haveria necessidade de vistoria. Entretanto, nos processos em que não são atestados problemas quanto às cláusulas resolutivas remotamente, a vistoria torna-se o único mecanismo capaz de atestar seu atendimento.

2.9. O Terra Legal como programa permanente: segurança jurídica para quem?

Uma ideia insistentemente colocada enquanto fundamento para a política de regularização fundiária é a de que o programa se presta, essencialmente, a conferir segurança jurídica às situações. As exposições de motivos das três últimas medidas provisórias referentes ao Terra Legal fazem uso de expressões que denotam a presença teórica desse objetivo: “instabilidade jurídica”, “riscos de reconcentração fundiária, de especulação imobiliária”, “permitindo segurança jurídica”, “reconhecimento jurídico de uma situação de fato”, “consolidar a política de ordenamento territorial”, “consolidação de um direito fundamental do indivíduo”, “maior segurança jurídica”.

Isso poderia ser verdadeiro em um cenário em que essa política fosse empregada no sentido de colocar um “ponto final”, ao menos a médio prazo, na realidade da ocupação desordenada de terras públicas na Amazônia aliada à degradação da floresta. Contudo, a política de regularização fundiária conduzida pela União na Amazônia está longe de alcançar ou sequer buscar esse resultado. A regularização fundiária tem servido muito mais para fomentar a ocupação desordenada do que para coibi-la.

No cerne dessa constatação está o fato de que o Programa Terra Legal, que deveria servir como marco pontual e temporal, transformou-se em programa permanente, com o fim do prazo de cinco anos inicialmente a ele cominado na redação original do art. 33 da Lei n. 11.952/2009. Também é motivo para esse cenário a sucessiva atualização das datas de início das ocupações que serão sujeitas a regularização. Como podemos esperar a consolidação de uma situação de fato quando, a cada período relativamente curto, novas chances de regularização são concedidas aos novos ocupantes?

Outrossim, a enxurrada de documentos, ainda que precários, que a regularização fundiária federal tem oferecido ao mercado tem sido o motor, em muitas localidades, da especulação imobiliária sobre imóveis localizados em terras federais. Novamente, trata-se de um achado do TCU na auditoria que culminou no Acórdão n. 727/2020:

33. No mercado informal/ilegal de comercialização de imóveis que não possuem título válido qualquer documento ou informação governamental oficial que possa ser adicionado ao contrato particular de compra e venda agrega valor às parcelas comercializadas, conforme exemplificam os 134 anúncios de venda de imóveis rurais não titulados localizados na internet, acompanhados da informação de que as terras foram georreferenciadas, possuem Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR) e/ou processo de regularização em andamento, como elemento de agregação de valor, conforme tabela a seguir:

Tabela 1-
Pesquisa de anúncios públicos de imóveis rurais não titulados na internet

Tanto os documentos precários quanto o CCIR têm sido utilizados para legitimar posses ainda não exaustivamente reconhecidas pela União, além de permitir a especulação imobiliária sobre os respectivos imóveis. Por um lado, a regularização fundiária fomenta novas ocupações; por outro lado, legitima a especulação imobiliária. Nessa política, não há segurança jurídica alguma.

Conclusão

O total desvirtuamento da política federal de regularização fundiária na Amazônia é a conclusão inevitável da análise concreta da realidade da região. Os dados coletados nos mostram que a regularização fundiária como política pública de cunho social teve seus procedimentos, requisitos e comprovações completamente degenerados, de modo que, ao final, acabou por se consagrar como simples programa de titulação de terras públicas pela posse e pelo decurso do tempo.

O histórico normativo em torno da regularização fundiária em âmbito federal tem sido marcado pela simplificação dos requisitos para o ingresso na política pública, especialmente quanto ao contínuo aumento das áreas suscetíveis de titulação, às sucessivas atualizações das datas de início das ocupações, à supressão gradativa da exigência de realização de vistorias nos imóveis, à significativa mitigação dos preços a serem pagos pelas terras e à retirada da finalidade social, direta e de subsistência, da atividade explorada.

A fixação do teto da regularização fundiária, para muito além da pequena e da média propriedade rural, somada à cobrança de valores irrisórios, que representam cerca de 10% do valor de mercado das terras, inclusive para os imóveis de maior dimensão no programa, tem contribuído para que a política propicie a concentração de terras públicas. Na prática, isso se reflete no fato de que as médias e grandes propriedades representam mais de 80% das áreas a serem tituladas, enquanto os pequenos “proprietários” compõem mais de 80% dos interessados no programa. Ou seja, 80% dos requerentes acabam recebendo apenas 20% das terras.

A dispensa da exigência de vistorias prévias abre espaço para a inclusão de imóveis que não atendem aos requisitos do programa, o que inclui a possibilidade de uso de fracionamentos ilegais de lotes (loteamentos grileiros) mediante o emprego de “laranjas”, prática amplamente constatada pelo próprio TCU em suas auditorias. Além disso, a dispensa da vistoria final no processo inviabiliza a aferição do efetivo cumprimento das condições resolutivas do título, especialmente aquela relativa à inalienabilidade pelo prazo de dez anos, que é essencial para prevenir a especulação de terras e a reconcentração fundiária. No mais, a transformação do Terra Legal em programa permanente, com o término do prazo estipulado, junto com as sucessivas atualizações das datas de início da ocupação das terras a serem regularizadas, passa a simplesmente impor determinado decurso de tempo para a titulação sobre a terra.

O atendimento à função socioambiental da propriedade foi prejudicado sob todos os seus aspectos no cenário aqui delineado. A política de regularização fundiária de imóveis na Amazônia em âmbito federal degenerou-se a ponto de servir ao avesso do atendimento à função social da propriedade, fomentando a grilagem e a degradação ambiental. As terras públicas federais na Amazônia encontram-se no cerne do caos fundiário no campo, sendo ocupadas de forma desordenada e completamente alheia aos propósitos que deveriam ser alcançados por meio de uma política minimamente presente de governança estatal.

REFERÊNCIAS

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    » https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/documento/acordao-completo/1893520192.PROC/%2520/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/0/%2520?uuid=4d3b3870-cb8f-11ea-b989-3b859cb63d49
  • BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão n. 727 Auditoria realizada sob a forma de fiscalização de orientação centralizada (FOC) que teve por objetivo avaliar a conformidade do Programa Terra Legal, na Amazônia Legal. Relatório de consolidação. Relatora: Ana Arraes, 1º de abril de 2020c. Disponível em: Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/documento/acordao-completo/*/NUMACORDAO%253A727%2520ANOACORDAO%253A2020/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/0/%2520 Acesso em: 21 fev. 2021.
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  • BRASIL. Lei n. 13.465, de 11 de julho de 2017. Dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal [...]. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 8 set. 2017. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13465.htm Acesso em: 27 maio 2024.
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  • BRASIL. Medida Provisória n. 759, de 22 de dezembro de 2016. Dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal [...]. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 2016. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/Mpv/mpv759.htm Acesso em: 27 maio 2024.
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  • BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão n. 1.215 Monitoramento. Arrecadação de multas aplicadas por agências reguladoras e outros órgãos e entidades federais com atribuições de fiscalização e controle. Oportunidades de melhoria e deficiências de procedimentos (baixos percentuais de arrecadação de multas, de inscrição de inadimplentes no Cadin e de ajuizamento de cobranças judiciais das multas. [...] . Relator: Raimundo Carreiro, 20 de maio de 2015a. Disponível em: Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/documento/acordao-completo/*/NUMACORDAO%253A1215%2520ANOACORDAO%253A2015/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/0/%2520 Acesso em: 21 fev. 2021.
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  • BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão n. 1.665 Monitoramento. Arrecadação de multas aplicadas por agências reguladoras e outros órgãos e entidades federais com atribuições de fiscalização e controle. Identificação de oportunidades de melhoria e deficiências de procedimentos (baixos percentuais de arrecadação de multas, de inscrição de inadimplentes no Cadin e de ajuizamento de cobranças judiciais das multas. [...]. Relator: Raimundo Carreiro, 25 de junho de 2014. Disponível em: Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/documento/acordao-completo/*/NUMACORDAO%253A1665%2520ANOACORDAO%253A2014/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/0/%2520 Acesso em: 21 fev. 2021.
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  • BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão n. 482/2012 Relatório de monitoramento. Arrecadação de multas administrativas aplicadas por órgãos e entidades federais. Baixos percentuais de arrecadação de multas, de inscrição de inadimplentes no Cadin e de ajuizamento de cobranças judiciais das multas. Risco de prescrição dos créditos. Redução da eficácia da ação de controle a cargo das entidades e órgãos analisados. [...]. Relator: Raimundo Carreiro, 7 de março de 2012. Disponível em: Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/documento/acordao-completo/*/NUMACORDAO%253A482%2520ANOACORDAO%253A2012/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/0/%2520 Acesso em: 21 fev. 2020.
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  • BRASIL. Lei n. 11.952, de 25 de junho de 2009. Dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União, no âmbito da Amazônia Legal [...]. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 jun. 2009. 2009a. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l11952.htm Acesso em: 27 maio 2024.
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  • BRASIL. Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 6 jul. 1994. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm Acesso em: 27 maio 2024.
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  • TRECCANI, Girolamo Domenico. Violência e grilagem: instrumentos de aquisição da propriedade da terra no Pará. Belém: UFPA-ITERPA, 2001.
  • 1
    O CAR “é um registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais referentes às Áreas de Preservação Permanente (APP), de uso restrito, de Reserva Legal, de remanescentes de florestas e demais formas de vegetação nativa, e das áreas consolidadas, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento” (Brasil, s.d.a). Já o Sigef “é uma ferramenta eletrônica desenvolvida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) para subsidiar a governança fundiária do território nacional” (Brasil, s.d.b).
  • 2
    Mesmo que levado em consideração o maior módulo fiscal do país (110 ha), o máximo da pequena propriedade rural chega a apenas 440 ha.
  • 3
    Disponível em: http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=2689764.
  • 4
    Pode-se dizer que a regularização fundiária findou por concorrer com a reforma agrária como instrumento de pretensa pacificação no campo e de distribuição de terras. A demora na implementação de assentamentos conduziu, em muitos casos, os camponeses a optarem pelo processo individual de titulação.
  • 5
    A redação original do art. 16 estabelecia que “as condições resolutivas do título de domínio e do termo de concessão de uso somente serão liberadas após vistoria”.
  • Como citar este artigo

    MOUTINHO, Domingos Daniel. A degeneração da política federal de regularização fundiária na Amazônia. Revista Direito GV, São Paulo, v. 20, e2419, 2024. https://doi.org/10.1590/2317-6172202419

Editora responsável

Catarina Helena Cortada Barbieri (Editora-chefe). três decisões editoriais, incluindo desk review.
Pedro Salomon Bezerra Mouallem (Editor-chefe). decisão editorial final.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    23 Jan 2023
  • Aceito
    24 Jan 2024
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