Resumo
Este artigo analisa uma proposta específica de supervisão do processo democrático por cortes constitucionais denominada teoria da competição política. Argumentamos que a teoria oferece insights metodológicos que podem orientar as cortes, inclusive o Supremo Tribunal Federal (STF), na abordagem e resolução de disputas relacionadas à constitucionalidade de regras eleitorais que estruturam o processo democrático. Oferecemos uma releitura da decisão do STF na ADI n. 4.650, sugerindo que uma preocupação estrutural com a preservação da competição política orientou, ainda que de forma nem sempre articulada, as posições das correntes majoritária e minoritária a respeito da constitucionalidade das doações eleitorais por pessoas jurídicas. De acordo com essa releitura, existiriam boas razões para que doações desse tipo não fossem consideradas uma prática anticompetitiva extrema que justifique sua proibição pela via judicial.
Palavras-chave
Processo democrático; supervisão judicial; teoria da competição política; doação empresarial; ADI n. 4.650
Abstract
This article analyses a specific approach to the judicial oversight of the democratic process by constitutional courts, the Theory of Political Competition. We argue that the theory offers methodological insights that may instruct constitutional courts, including the Brazilian Supreme Court, on how to handle constitutional disputes concerning the validity of electoral rules that structure the democratic process. Based on the theory’s proposed approach, we offer a reinterpretation of the Brazilian Supreme Court’s decision on the ADI No. 4.650, whereby we emphasize a structural concern with the protection of political competition. We argue that both the majority and the dissenting opinions shared a structural concern with political competition in their assessment of the constitutionality of corporate electoral donations, and that there exist sound reasons for the court not to consider such donations an extreme anticompetitive practice and, thus, unconstitutional.
Keywords
Political process; judicial oversight; theory of political competition; corporate donations; ADI n. 4.650
Resumen
Este artículo analiza una propuesta específica para la supervisión del proceso democrático por parte de los tribunales constitucionales denominada teoría de la competencia política. Argumentamos que la teoría ofrece conocimientos metodológicos que pueden orientar a los tribunales, incluido el Supremo Tribunal Federal (STF) brasileño, sobre cómo abordar y resolver disputas relacionadas con la constitucionalidad de las reglas electorales que estructuran el proceso democrático. Destacamos, sin embargo, limitaciones de la propuesta que recomiendan cautela en su eventual adopción por los tribunales. Así, ofrecemos una relectura de la decisión del STF en la ADI n. 4.650, en la que sugerimos que una preocupación estructural con la preservación de la competencia política guió, aunque a veces de forma poco articulada, las posiciones de las corrientes mayoritarias y minoritarias respecto la constitucionalidad de las donaciones electorales por personas jurídicas. Según esta lectura, existen buenas razones por las que las donaciones de este tipo no deben ser consideradas una práctica anticompetitiva extrema capaz de justificar su prohibición por vía judicial.
Palabras clave
Proceso democrático; supervisión judicial; teoría de la competencia política; donación por persona jurídica; ADI n. 4.650
Introdução1 1 Uma versão inicial deste artigo foi discutida em um encontro do Núcleo de Justiça e Constituição (NJC) da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV DIREITO SP) e do grupo de pesquisa Constituição, Política & Instituições (CoPI) da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP). Os autores agradecem a Dimitri Dimoulis e Nikolay Henrique Bispo, bem como a Virgílio Afonso da Silva, Marcos Paulo Veríssimo e Conrado Hübner Mendes, pela oportunidade de debater suas ideias com os pesquisadores que compõem o NJC e o CoPI. Agradecem também aos pesquisadores presentes nos encontros pelos comentários a versões iniciais deste texto, bem como aos pareceristas da Revista Direito GV pelos comentários, que ajudaram a amadurecer o argumento aqui desenvolvido. Por fim, agradecem à Fundação Getulio Vargas (FGV) pela bolsa Mario Henrique Simonsen de Ensino e Pesquisa concedida à Helena Hime Funari e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) pela bolsa concedida a Pedro Marques Neto (Processo n. 2020/14365-4).
Cortes constitucionais supervisionam com crescente frequência a organização da democracia realizada pelo parlamento por meio de regras e institutos eleitorais. No entanto, ainda há pouco consenso sobre como esses casos devem ser decididos. O dissenso reflete, por um lado, os diversos interesses envolvidos nessas disputas: interesses de grupos políticos e indivíduos beneficiados pelo modelo regulatório vigente contrapõem-se aos de grupos e indivíduos prejudicados por ele. Além disso, alegações de justiça e equidade centradas na proteção de direitos individuais opõem-se a alegações estruturais de legitimidade e eficiência do arranjo questionado. Por outro lado, esse dissenso reflete uma dúvida teórica anterior a respeito da finalidade da própria supervisão judicial do processo democrático. Afinal, por que (como e quando) tribunais deveriam intervir em decisões do parlamento sobre a organização da democracia eleitoral?
Diferentes respostas aparecem na literatura e na jurisprudência. Este artigo analisa uma proposta específica, denominada teoria da competição política (TCP). Essa teoria defende que cortes desempenham um papel relevante na proteção de certas condições que favorecem o desenvolvimento de um ambiente político competitivo. Ao sugerir que tribunais se concentrem em questões estruturais (ou de segunda ordem) relacionadas à competição política, a teoria entra em conflito com abordagens mais tradicionais que recomendam aos tribunais deliberar e decidir sobre questões substanciais (ou de primeira ordem) associadas à justiça e à equidade do modelo regulatório em análise. Argumentamos que a abordagem proposta pela TCP oferece insights metodológicos que podem auxiliar cortes constitucionais, incluindo o Supremo Tribunal Federal (STF), a decidir e deliberar sobre disputas constitucionais relacionadas à organização do processo democrático. Ressalvamos, porém, potenciais limitações da TCP que indicam cautela em sua eventual adoção.
Para desenvolver nosso argumento, analisamos mais detalhadamente na seção 2 a versão da TCP inaugurada por Samuel Issacharoff e Richard Pildes.2 2 Essa abordagem está sintetizada no artigo de Issacharoff e Pildes (1998) e foi desenvolvida em outras obras dos mesmos autores, individuais ou coletivas, mencionadas adiante. Na seção 3, confrontamos a versão original da teoria com algumas objeções levantadas por seus críticos, especialmente por Richard Hasen, um dos principais interlocutores e opositores da TCP. Essa análise permite-nos identificar algumas das principais contribuições e limitações analíticas da abordagem proposta pela TCP no que diz respeito à supervisão judicial de regras eleitorais que estruturam o processo democrático.3 3 Diante do escopo deste artigo, a análise da literatura e dos problemas aqui oferecida não pode ser exaustiva. Uma análise mais detalhada dessas questões, contudo, foi oferecida por Marques Neto (2023, p. 96-112).
De modo mais específico, a perspectiva aqui proposta busca realçar a dimensão estrutural do direito ao voto e das liberdades políticas, enfatizando a importância da competição política como valor estrutural. Na seção 4, oferecemos uma releitura da decisão do STF na ADI n. 4.650 a partir do paradigma analítico da TCP. Como a regulação do financiamento eleitoral tende a colocar em disputa de forma bastante complexa e intensa diferentes interesses constitucionais (como liberdade de expressão, igualdade de condições, integridade da representação política e competição eleitoral), a análise da ADI n. 4.650 possibilita-nos testar se e como o raciocínio jurídico-constitucional empregado pelo STF no julgamento poderia ter se beneficiado das contribuições oferecidas pela TCP, apontando algumas insuficiências teóricas no raciocínio da corte. Trata-se, portanto, de uma análise argumentativa do julgado a partir da lente teórica da TCP.4 4 Nesse sentido, o artigo analisa a decisão a partir da perspectiva interna do Direito - o ponto de vista de quem pretende agir e decidir com base em regras e razões jurídicas e constitucionais -, e não da perspectiva externa - de quem, por exemplo, busca explicar a decisão tomada pelo STF por meio de variáveis institucionais, sociais ou de outra natureza.
1. Financiamento de campanha eleitoral e competição política no STF
No julgamento da ADI n. 4.650, o STF declarou a inconstitucionalidade das doações eleitorais por pessoas jurídicas. Diversos tipos de argumento pautaram os votos que integraram as correntes majoritária e minoritária, mas uma preocupação com a higidez da competição política esteve presente em ambos os lados. Para a corrente majoritária, doações eleitorais por pessoas jurídicas desequilibram a competição política em favor de grupos e candidatos com acesso privilegiado a esses recursos; para a corrente minoritária, essa forma de financiamento pode equilibrar a competição em favor de candidatos e partidos não incumbentes, com menor capital político.
A corrente majoritária alega que doações empresariais comprometem a competição política ao aumentar desigualmente o poder de investimento eleitoral de candidatos e partidos com maior acesso a esses recursos.5 5 A corrente majoritária foi composta dos ministros Luiz Fux, Joaquim Barbosa, Dias Toffoli, Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski, Carmen Lúcia, Rosa Weber e Marco Aurélio. Isso eleva as chances de sucesso eleitoral de candidatos e partidos ligados a grupos com maior poder de investimento, enquanto diminui as chances de sucesso de candidatos e partidos com menor poder de investimento. O trecho do voto do ministro relator, Luiz Fux, exemplifica como essa preocupação com a competição política orientou a posição da corrente majoritária:
[...] A rigor, essa elevação dos custos possui uma justificativa pragmática, mas dolorosamente verdadeira: os candidatos que despendam maiores recursos em suas campanhas possuem maiores chances de êxito nas eleições.
Este cenário se agrava quando se constata que as pessoas jurídicas, nomeadamente as empresas privadas, são as principais doadoras para candidatos e partidos políticos.
[...]
Mais: se considerarmos que existe uma correlação de quase 100% (cem por cento) entre a quantidade de dinheiro despendida na campanha eleitoral e os votos amealhados pelos candidatos, como restou demonstrado pelo professor e cientista político Geraldo Tadeu, na Audiência Pública, conclui-se que há irrefragável dependência de partidos políticos e candidatos com relação ao capital dessas empresas (Brasil, 2015BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Doações eleitorais. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.650. Relator: Ministro Luiz Fux. Brasília: STF, 17 set. 2015., p. 49-50, grifo nosso).
A corrente minoritária segue uma linha distinta.6 6 A corrente minoritária foi composta dos ministros Teori Zavascki, Gilmar Mendes e Celso de Mello. Ela reconhece que o financiamento empresarial pode desequilibrar a competição eleitoral em favor de candidatos e partidos com maior poder de investimento. Porém, também reconhece a relevância de outros fatores nas chances de sucesso eleitoral, principalmente aqueles relacionados ao capital político e à exposição pública do candidato. Sob essa ótica, as doações eleitorais por empresas podem contribuir para equilibrar a disputa eleitoral em favor de novos atores políticos ou desafiantes, contrabalanceando o peso do acesso à máquina pública na determinação das chances de sucesso eleitoral de candidatos e partidos. Assim, se regulado e fiscalizado adequadamente, o financiamento empresarial poderia promover a igualdade de condições no processo eleitoral em vez de a prejudicar. O trecho do voto do ministro Teori Zavascki transcrito a seguir exemplifica como essa preocupação com a competição política orientou a posição da corrente minoritária:
Aliás, relativamente ao princípio da isonomia no âmbito de competições eleitorais, muito mais importante que o estabelecimento de critérios de igualação entre os doadores deve ser a preocupação de preservar a igualdade de armas entre os principais atores da disputa, que são os candidatos e os partidos políticos.
[...] Olhada a questão por esse prisma, seria ingênuo supor que as interferências desequilibradoras entre candidatos e partidos competidores se reduzam apenas às doações financeiras angariadas em época de disputa eleitoral. É preciso considerar, por exemplo, o altíssimo cacife político ostentado pelos partidos ocupantes dos postos de governo, nas diferentes instâncias federativas, especialmente quando candidatos a reeleições [...] (Brasil, 2015BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Doações eleitorais. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.650. Relator: Ministro Luiz Fux. Brasília: STF, 17 set. 2015., p. 154-155, grifo nosso).
Os argumentos das correntes majoritária e minoritária demonstram uma preocupação estrutural comum com a competição política. Eles revelam, entretanto, duas dificuldades que os tribunais podem encontrar ao considerar os danos constitucionais associados a essa questão. Primeiro, há uma divergência entre as correntes sobre quais atores políticos devem ser observados na análise dos impactos de determinado modelo regulatório acerca da competição política. A corrente majoritária dispersou sua análise entre diversos atores, raciocinando tanto em termos de candidatos e partidos políticos com maior poder de investimento em comparação àqueles com menor poder, quanto em termos da influência política exercida por doadores pessoas jurídicas em contraste com doadores pessoas físicas. Já a corrente minoritária focou em grupos políticos opositores, examinando a competição entre grupos incumbentes e desafiantes. Para a corrente minoritária, as chances de sucesso eleitoral não são indistintamente relevantes, mas importam especialmente na medida em que refletem a capacidade de grupos políticos concorrentes disputarem efetivamente o poder entre si.
Segundo, o contraste aponta uma dificuldade comum às duas correntes em empregar critérios objetivos que permitam mensurar o impacto de determinado modelo regulatório na competição política, bem como distinguir entre impactos constitucionalmente legítimos e ilegítimos. Essa dificuldade pode ser resumida na seguinte pergunta: quando a diminuição da competição política representa um dano constitucional intolerável que justifica a intervenção do STF? Nenhuma das correntes oferece um parâmetro preciso e judicialmente administrável para essa análise. A análise da TCP nas seções seguintes busca demonstrar que essas dificuldades não são exclusivas do STF, mas intrínsecas ao raciocínio sobre danos constitucionais referentes à competição política. A TCP, no entanto, fornece alguns critérios capazes de orientar a eventual atuação dos tribunais nessa área, podendo ajudar a mitigar possíveis consequências negativas da supervisão inconsciente da democracia pelo Poder Judiciário.
2. Teoria da competição política: exposição
Ao supervisionarem o processo democrático, cortes e juízes normalmente recorrem ao discurso de proteção de direitos individuais (Pildes, 1999PILDES, Richard H. The Theory of Political Competition. Virginia Law Review, v. 85, n. 8, p. 1605-1626, 1999., p. 1606; Hasen, 2003HASEN, Richard L. The Supreme Court and Election Law: Judging Equality from Baker v. Carr to Bush v. Gore. Nova York: New York University Press, 2003.; Guy-Uriel, 2005GUY-URIEL, Charles. Judging the Law of Politics. Michigan Law Review, [s.l.], v. 103, n. 6, p. 1099-1141, 2005.; Dawood, 2012DAWOOD, Yasmin. Electoral Fairness and the Law of Democracy: A Structural Rights Approach to Judicial Review. University of Toronto Law Journal, Toronto, v. 62, n. 4, p. 499-561, 2012.). Os direitos do indivíduo ao voto ou à igualdade política tendem a determinar a legitimidade da intervenção judicial. O predomínio dessa justificativa pode ser compreendido com facilidade, já que ela se alinha à teoria contramajoritária que tradicionalmente explica a atuação de tribunais constitucionais. A TCP, contudo, oferece uma justificativa distinta para a existência e a atuação das cortes na supervisão do processo democrático, que busca afastar o foco da análise constitucional da proteção de direitos individuais e aproximá-lo de uma preocupação estrutural associada à garantia de um ambiente político razoavelmente competitivo (Issacharoff; Pildes, 1998ISSACHAROFF, Samuel; PILDES, Richard H. Politics as Markets: Partisan Lockups of the Democratic Process. Stanford Law Review, [s.l.], v. 50, n. 3, p. 643-717, 1998., p. 648; Pildes, 2004bPILDES, Richard H. Competitive, Deliberative, and Rights-Oriented Democracy. Election Law Journal, v. 3, n. 4, p. 685-696, 2004b., p. 690). A tentativa de inverter o foco da análise constitucional decorre da ênfase conferida pela TCP aos aspectos estruturais que viabilizam o funcionamento da democracia e definem, por consequência, a natureza dos próprios direitos democráticos, incluindo os direitos ao voto e à igualdade política.
Para a TCP, as justificativas para a supervisão do processo democrático pelo Judiciário, centradas na proteção de direitos individuais, residem em um equívoco quanto ao funcionamento do processo eleitoral e, por consequência, à natureza dos diversos direitos em disputa, denominado “mito do individualismo romântico” (Pildes, 1999PILDES, Richard H. The Theory of Political Competition. Virginia Law Review, v. 85, n. 8, p. 1605-1626, 1999., p. 1607-1608). Esse mito adota uma concepção atomizada da participação política e do jogo democrático, na qual os indivíduos, principais agentes do processo democrático, atuam na esfera pública sem a intermediação de instituições ou grupos de interesses. De acordo com essa visão, são os indivíduos que votam, tomam decisões, controlam a atuação dos agentes públicos, expressam opiniões, entre outras ações. O processo democrático resulta dessa interação direta entre os indivíduos, e os direitos democráticos visam proteger o interesse de cada cidadão à participação igualitária nesse processo.
A TCP, em contraposição ao individualismo romântico, enfatiza os aspectos estruturais da participação do indivíduo na esfera pública. Práticas políticas tradicionais, como o voto ou a aprovação de uma lei, só são possíveis porque a participação dos indivíduos nessas esferas é fortemente intermediada por organizações que agregam preferências pessoais e transformam-nas em decisões coletivas (Pildes, 1999PILDES, Richard H. The Theory of Political Competition. Virginia Law Review, v. 85, n. 8, p. 1605-1626, 1999., p. 1609-1610). Isso significa que, na prática democrática, indivíduos não votam, deliberam ou expressam opiniões de forma isolada. Eles atuam conforme as regras que estruturam os comportamentos individuais: o cidadão A vota no candidato B, que é membro do partido C e disputa uma vaga na assembleia legislativa D segundo as regras do sistema eleitoral E. Ou seja, a participação de um cidadão poderá assumir formas distintas, dependendo de como as organizações e instituições que estruturam essa prática são desenhadas.
Ao destacar a dimensão estrutural dos direitos democráticos, a TCP altera o modo como certos danos ao processo democrático são compreendidos. Como o direito ao voto e à participação política igualitária está intrinsecamente associado às organizações, às instituições e aos procedimentos pelos quais se manifesta, as violações a esse direito estão diretamente relacionadas aos danos causados às estruturas que conformam sua efetivação, e não necessariamente a uma conduta ou a um interesse específico de um indivíduo. A linguagem da proteção de direitos individuais, no entanto, tende a ignorar essa dimensão. Sob o manto do individualismo romântico, danos que seriam mais bem concebidos ou mesmo só seriam percebidos em termos estruturais precisam ser individualizáveis.
Para a TCP, a dimensão estrutural do processo democrático é análoga à do mercado econômico. O bom funcionamento de ambos depende não só de regras claras e instituições confiáveis, mas também de ambientes competitivos. Do mesmo modo que a competição econômica promove a eficiência dos mercados, a competição política aumentaria a representatividade do processo democrático. A existência de partidos concorrentes viáveis eleitoralmente ampliaria o leque de escolhas disponíveis aos cidadãos e, consequentemente, os riscos de um partido perder eleitores (e as eleições) para seu rival, incentivando os atores políticos a se tornarem mais sensíveis e responsivos às demandas do eleitorado (Issacharoff; Pildes, 1998ISSACHAROFF, Samuel; PILDES, Richard H. Politics as Markets: Partisan Lockups of the Democratic Process. Stanford Law Review, [s.l.], v. 50, n. 3, p. 643-717, 1998., p. 646).
No mercado político, assim como no econômico, agentes dominantes têm incentivos para adotar práticas que consolidem suas posições de poder, frequentemente abusivas. A redução artificial da competição é uma forma comum pela qual esses agentes abusam de seu poder nesses mercados, prejudicando os interesses dos eleitores que os elegeram e cujos interesses deveriam ser representados. O mercado político, porém, tem uma peculiaridade: ao contrário dos atores econômicos, os atores políticos são simultaneamente os criadores das regras do jogo e seus principais beneficiários. Assim, a proposta da TCP destaca duas formas de restrição da concorrência no processo eleitoral (political lockups): (i) “compromisso prévio entre as elites existentes para frustrar a fácil penetração de intrusos e desconhecidos na vida político-partidária”; e (ii) “uso pelos partidos da situação da autoridade estatal de modo a elevar as barreiras de entrada em desfavor de potenciais adversários” (Issacharoff; Pildes, 1998ISSACHAROFF, Samuel; PILDES, Richard H. Politics as Markets: Partisan Lockups of the Democratic Process. Stanford Law Review, [s.l.], v. 50, n. 3, p. 643-717, 1998., p. 651). Em ambos os casos, a diminuição da competitividade fortalece o entrincheiramento dos atores dominantes no poder em prejuízo da responsividade eleitoral.7 7 O problema principal-agente é central nas discussões sobre representação política e, portanto, no desenho de instituições eleitorais. Nesse sentido, destacam-se o estudo clássico de Hanna Pitkin (1967) e as contribuições de Rave (2013) e Gerken e Kang (2013).
Diante da estreita relação entre participação política individual e ambientes políticos competitivos, a TCP recomenda que as cortes direcionem seus esforços para proteger as condições que promovem a competição eleitoral. O enfoque na dimensão estrutural da vida política retiraria dos tribunais a necessidade de intervir em questões regulatórias de primeira ordem relativas à justiça e equidade das regras eleitorais, frequentemente sujeitas a um elevado grau de desacordo e à complexidade moral. Ambientes político-partidários competitivos, assim, serviriam como um controle indireto sobre a razoabilidade substantiva dos modelos regulatórios adotados, reduzindo a dependência de intervenções judiciais nesse sentido (Issacharoff; Pildes, 1998ISSACHAROFF, Samuel; PILDES, Richard H. Politics as Markets: Partisan Lockups of the Democratic Process. Stanford Law Review, [s.l.], v. 50, n. 3, p. 643-717, 1998., p. 658).
3. Competição política e abordagem estrutural: objeções
Existem pelo menos três objeções à abordagem proposta pela TCP: (i) a falta de critérios objetivos para identificar com precisão mercados políticos suficientemente competitivos; (ii) a dubiedade quanto ao significado de competição política; e (iii) o potencial estímulo ao ativismo judicial. A análise dessas objeções contribuirá para um entendimento mais profundo dos propósitos, dos benefícios potenciais e das possíveis limitações da teoria.8 8 Para outras objeções à TCP e possíveis respostas a essas objeções, conferir Su (2011) e McLoughlin (2009).
3.1. O que é um mercado político suficientemente competitivo?
A virada estrutural na supervisão do processo democrático proposta pela TCP inspirou-se em uma virada semelhante no direito comercial. No âmbito do direito comercial, a regulação migrou de um foco centrado na definição dos deveres dos administradores das empresas (first-order focus) para um enfoque na promoção da competitividade na disputa pelo controle da empresa (second-order focus). Analogamente, no contexto dos direitos democráticos, a TCP sugere que, em vez de supervisionar diretamente a justiça das regras eleitorais aprovadas pelos outros poderes, as cortes devem proteger as estruturas competitivas essenciais em que as decisões políticas são tomadas (Issacharoff; Pildes, 1998ISSACHAROFF, Samuel; PILDES, Richard H. Politics as Markets: Partisan Lockups of the Democratic Process. Stanford Law Review, [s.l.], v. 50, n. 3, p. 643-717, 1998., p. 647). Nessa analogia, parlamentares e partidos políticos comparam-se aos administradores de uma empresa, enquanto os eleitores são como os acionistas. Em ambos os casos, a vitalidade dos respectivos mercados depende “de regras claras de engajamento e da purificação nascida da competição” (Issacharoff; Pildes, 1998ISSACHAROFF, Samuel; PILDES, Richard H. Politics as Markets: Partisan Lockups of the Democratic Process. Stanford Law Review, [s.l.], v. 50, n. 3, p. 643-717, 1998., p. 646).
Richard Hasen, no entanto, nota uma limitação importante na analogia entre os mercados político e econômico. Em relação ao mercado econômico, há um consenso relativamente bem estabelecido sobre a sua finalidade (maximização da riqueza), o que permite estabelecer critérios e criar métricas para definir com maior precisão quando as práticas anticompetitivas dos administradores se tornam disfuncionais a ponto de serem combatidas. Esses parâmetros, apesar de não eliminarem as dificuldades e os desacordos na sua aplicação, proporcionam uma avaliação mais precisa da eficácia de certas práticas e suas respectivas regulamentações econômicas. No entanto, quanto à finalidade do mercado político, não há um consenso semelhante (Hasen, 1998HASEN, Richard L. The “Political Market” Metaphor and Election Law: A Comment on Issacharoff and Pildes. Stanford Law Review, [s.l.], v. 50, n. 3, p. 719-730, 1998., p. 722; Persily, 2006PERSILY, Nathaniel. The Place of Competition in American Election Law. In: McDONALD, Michael P.; SAMPLES, John (eds.). The Marketplace of Democracy: Electoral Competition and American Politics. Washington D.C.: Brookings Institution Press, 2006. p. 171-195., 2002PERSILY, Nathaniel. In Defense of Foxes Guarding Henhouses: The Case for Judicial Acquiescence to Incumbent-Protecting Gerrymanders. Harvard Law Review, [s.l.], v. 116, n. 2, p. 649-683, 2002.). Para exemplificar esse ponto, Hasen confronta as análises de Issacharoff e Pildes (1998ISSACHAROFF, Samuel; PILDES, Richard H. Politics as Markets: Partisan Lockups of the Democratic Process. Stanford Law Review, [s.l.], v. 50, n. 3, p. 643-717, 1998.) sobre dois casos diferentes julgados pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América (EUA) em matéria de direitos democráticos.
No caso Timmons v. Twin Cities Area New Party, a Suprema Corte dos EUA declarou constitucional a lei do estado de Minnesota que proibia a coligação de partidos na disputa eleitoral. Esse mecanismo aumentava as chances de sucesso eleitoral de candidatos de partidos menores, que, ao se associarem a partidos maiores, atraíam a atenção e o voto de uma parte maior do eleitorado. Além disso, permitia que os partidos menores aumentassem seu poder de influência política independentemente da eleição de seus próprios candidatos, ao lhes conferir a capacidade de barganhar com os partidos maiores em troca de apoio eleitoral, medidas legislativas e ações políticas concretas. Os defensores das coligações, ao levar o caso à Suprema Corte, argumentaram que a proibição do estado de Minnesota violava o direito individual à livre associação, garantido pela Primeira Emenda à Constituição americana.
De acordo com Issacharoff e Pildes (1998ISSACHAROFF, Samuel; PILDES, Richard H. Politics as Markets: Partisan Lockups of the Democratic Process. Stanford Law Review, [s.l.], v. 50, n. 3, p. 643-717, 1998.), a proibição das coligações pelo estado de Minnesota é condenável por prejudicar a competição política. No modelo eleitoral americano, que incentiva o bipartidarismo, as coligações beneficiam os partidos menores ao lhes conferir uma chance de influenciar a disputa eleitoral, mesmo que não necessariamente lhes garantam vitórias eleitorais. Ao proibir as coligações, Minnesota não apenas reduz a já baixa probabilidade de sucesso eleitoral dos partidos políticos menores, mas também elimina sua forma mais eficaz de participação eleitoral. Na prática, essa restrição funciona como uma barreira significativa à entrada de novos concorrentes na disputa eleitoral. Sem uma perspectiva realista de vitória ou de influência política, esses partidos retiram-se da disputa. Do ponto de vista da TCP, a proibição das coligações é condenável não por violar as liberdades individuais de livre associação protegidas pela Primeira Emenda, mas por reforçar o bipartidarismo vigente no país, em um movimento que pode ser interpretado como um pacto estratégico entre os partidos incumbentes (Republicano e Democrata) contra potenciais novos desafiantes.
O segundo caso analisado por Issacharoff e Pildes (1998ISSACHAROFF, Samuel; PILDES, Richard H. Politics as Markets: Partisan Lockups of the Democratic Process. Stanford Law Review, [s.l.], v. 50, n. 3, p. 643-717, 1998.) diz respeito ao gerrymandering racial. Nesses casos, a Suprema Corte analisa a constitucionalidade dos processos de redesenho de distritos eleitorais, nos quais grupos majoritários aproveitam sua posição dominante para diminuir o peso relativo do voto de grupos minoritários hostis aos seus interesses. O grupo majoritário redesenha as fronteiras dos distritos de modo que os membros do grupo minoritário fiquem dispersos por vários distritos, ou concentrados em um único distrito, reduzindo sua capacidade de agir de forma coordenada para fins eleitorais. Por meio da diluição do peso relativo dos votos, o grupo majoritário reduz a influência política dos concorrentes minoritários. Embora exista um consenso relativo na jurisprudência da Suprema Corte acerca da inconstitucionalidade de práticas discriminatórias que buscam diluir os votos de grupos minoritários, há pouco consenso sobre quando uma prática configura diluição inconstitucional de votos.
Issacharoff e Pildes (1998ISSACHAROFF, Samuel; PILDES, Richard H. Politics as Markets: Partisan Lockups of the Democratic Process. Stanford Law Review, [s.l.], v. 50, n. 3, p. 643-717, 1998.) entendem que a abordagem proposta pela TCP permite reorientar o modo como a (in)constitucionalidade do gerrymandering racial é avaliada. Críticos da prática tendem a defender uma de duas análises: uma análise caso a caso das chances de sucesso eleitoral dos membros dos grupos diluídos (i.e., uma análise orientada pelo resultado, que avalia se o número de representantes eleitos pertencentes à minoria racial afetada é proporcional ao número de eleitores dessa minoria) ou uma análise caso a caso das motivações que nortearam o processo de redesenho dos distritos (i.e., uma análise orientada pelo processo, que busca identificar motivos discriminatórios na atuação do grupo majoritário). Essas abordagens acabam excluindo a raça como um fator legitimamente considerado no redesenho de distritos, impondo um dever de neutralidade, seja nas motivações, seja nos resultados, aos responsáveis pelo redesenho. Nesse sentido, elas refletem uma preocupação de primeira ordem com a justiça e a equidade das regras eleitorais, semelhante ao individualismo romântico.
Para a TCP, porém, essas abordagens tradicionais deveriam ser substituídas por uma nova abordagem focada no nível de competitividade partidária do mercado político em que a suposta prática de diluição de votos ocorreu. Ambientes partidários competitivos reduziriam a necessidade de intervenção judicial, visto que, nesses contextos, os interesses de grupos minoritários estariam menos sujeitos ao arbítrio de grupos majoritários que tenham capturado as instituições para benefício próprio. Ambientes competitivos forçam os partidos políticos a buscar votos de diversos eleitorados, aumentando os incentivos para que os interesses de grupos minoritários sejam tratados da mesma maneira que os demais interesses em disputa (Issacharoff; Pildes, 1998ISSACHAROFF, Samuel; PILDES, Richard H. Politics as Markets: Partisan Lockups of the Democratic Process. Stanford Law Review, [s.l.], v. 50, n. 3, p. 643-717, 1998., p. 703).
Ambientes pouco competitivos, por sua vez, aumentariam a necessidade de intervenção judicial, pois as instituições políticas nesses contextos estão mais propensas à captura e ao abuso por parte dos grupos dominantes. Para Issacharoff e Pildes (1998ISSACHAROFF, Samuel; PILDES, Richard H. Politics as Markets: Partisan Lockups of the Democratic Process. Stanford Law Review, [s.l.], v. 50, n. 3, p. 643-717, 1998.), a diluição de votos de negros praticada nos estados do Sul durante a década 1970, quando estavam sob o domínio de um único partido (Partido Democrata), justificaria a intervenção do Judiciário. Contudo, essa supervisão seria menos justificada atualmente, diante do “robusto mercado político que emergiu no Sul moderno” (Issacharoff; Pildes, 1998ISSACHAROFF, Samuel; PILDES, Richard H. Politics as Markets: Partisan Lockups of the Democratic Process. Stanford Law Review, [s.l.], v. 50, n. 3, p. 643-717, 1998., p. 706), em que os partidos Democrata e Republicano competem de forma acirrada pelo poder.
O confronto desses casos elucida a objeção de Hasen. Um ambiente bipartidário foi considerado não suficientemente competitivo na análise de Timmons v. Twin Cities Area New Party, mas robustamente competitivo na análise dos casos de diluição de votos de grupos minoritários, apesar de não haver uma justificativa clara para a diferença de tratamento. Para Hasen, essa incongruência na análise de Pildes e Issacharoff demonstra que a abordagem proposta pela TCP funciona bem em casos em que a disputa eleitoral é dominada por um único partido político, devido à natureza extrema e consensual de um mercado político disfuncional. No entanto, ela não é tão eficaz em ambientes menos extremos e consensuais, em que ao menos dois partidos políticos disputam a preferência do eleitorado. Nesses casos, falta um critério que permita aferir com precisão a eficiência de mercados políticos. Afinal, um sistema bipartidário deve ser considerado suficientemente competitivo?
A objeção de Hasen permite alguns esclarecimentos. Primeiro, em nenhum dos casos estava em análise a constitucionalidade do sistema bipartidário ou seu status como mercado suficientemente competitivo. O bipartidarismo vigente nos EUA não decorre de regra jurídica, mas dos incentivos gerados pela arquitetura institucional adotada no país, em que cada distrito eleitoral elege um representante por meio de eleições majoritárias (sistema winner-takes-all). Nada disso impede, porém, que sistemas bipartidários sejam mais ou menos competitivos, mais ou menos receptivos às demandas e à influência de novos desafiantes e vozes dissidentes. Mesmo em sistemas bipartidários, as duas formas características de restrição da concorrência política (political lockups) identificadas pela TCP podem se manifestar. As elites existentes podem formar compromissos prévios para frustrar a fácil penetração de intrusos e desconhecidos, e partidos incumbentes podem usar a autoridade estatal para elevar as barreiras de entrada contra potenciais adversários. Esses danos democráticos são muitas vezes mais bem compreendidos a partir de uma perspectiva dinâmica, e não estática.
No caso de Timmons, isso significa que o ponto a ser salientado pela perspectiva proposta pela TCP é o movimento realizado pelos partidos dominantes, e não o status do bipartidarismo em si. Pildes (2004aPILDES, Richard H. The Supreme Court, 2003 Term. Harvard Law Review, [s.l.], v. 118, n. 1, p. 25-154, 2004a., p. 118) sustenta que foi “precisamente porque a coligação pressiona os dois principais partidos que a maioria das legislaturas estaduais passou a banir a prática por volta da virada do século vinte”. Em um sistema em que as instituições já produzem incentivos naturais ao bipartidarismo, a restrição artificial da concorrência promovida pelos dois partidos dominantes contra a influência exercida pelos partidos menores (third parties), sem a promoção de um interesse governamental contraposto legítimo e relevante, mostra-se injustificada - uma forma de os dois partidos incumbentes elevarem as barreiras de entrada em desfavor de novos adversários.9 9 Para uma análise mais detalhada do argumento, ver Pildes (2004a, p. 117-130).
Segundo, apesar de reconhecer que sua proposta não apresenta condições necessárias e suficientes para a existência de um mercado político competitivo, Pildes (1999PILDES, Richard H. The Theory of Political Competition. Virginia Law Review, v. 85, n. 8, p. 1605-1626, 1999., p. 1611-1612) ressalta a ambição negativa da teoria: eliminar práticas anticompetitivas que entrincheiram grupos políticos no poder. Enquanto a ambição positiva (alcançar um nível ideal de competição política) estaria mais sujeita a desacordos, a ambição negativa permitiria, com maior facilidade, que as instituições forjassem consensos (forge shared agreements) para identificar e combater práticas anticompetitivas abusivas. As dificuldades técnicas e os desacordos morais inerentes ao desenho de instituições políticas legítimas e eficientes recomendam que as cortes se concentrem na ambição negativa da teoria (Pildes, 1999PILDES, Richard H. The Theory of Political Competition. Virginia Law Review, v. 85, n. 8, p. 1605-1626, 1999., p. 1616). Como proposta de supervisão judicial da democracia, assim, a TCP “não seria um convite expansionista a uma ação judicial mais agressiva”, mas “um esforço de tornar o alvo dessa ação mais focado e mais bem justificado” (Pildes, 1999PILDES, Richard H. The Theory of Political Competition. Virginia Law Review, v. 85, n. 8, p. 1605-1626, 1999., 1619). Exigir uma teoria perfeitamente desenvolvida do que constitui um mercado político competitivo para que a proposta pudesse ser aplicada seria “exigir uma definição do certo antes de se identificar o errado”, um “convite à paralisação” (Pildes, 1999PILDES, Richard H. The Theory of Political Competition. Virginia Law Review, v. 85, n. 8, p. 1605-1626, 1999., 1615).
Decisões equivocadas e consensos malformados continuariam a existir, mas a abordagem proposta pela TCP poderia permitir avanços jurisprudenciais e dogmáticos mesmo sem apresentar uma lista de critérios que identifiquem mercados políticos suficientemente competitivos (McLoughlin, 2009McLOUGHLIN, Luke P. The Elysian Foundations of Election Law. Temple Law Review, [s.l.], v. 82, p. 89-149, 2009., p. 117).
3.2. Competição política é competição partidária?
Hasen (1998HASEN, Richard L. The “Political Market” Metaphor and Election Law: A Comment on Issacharoff and Pildes. Stanford Law Review, [s.l.], v. 50, n. 3, p. 719-730, 1998., p. 729) observa que competição política e competição partidária não são fenômenos correspondentes; agentes políticos não afiliados a partidos também competem no processo democrático. “Esse fato da vida política levanta duas preocupações relacionadas à regulação da competição política pelos tribunais”, segundo Hasen: (i) a ausência de um parâmetro para avaliar a distribuição de poder entre agentes partidários e não partidários; e (ii) a falta de um parâmetro para avaliar a distribuição de poder entre diferentes agentes não partidários. Em nenhum dos casos, porém, a TCP ofereceu um parâmetro definido para avaliar o nível de distribuição de poder político e de competitividade eleitoral entre os diferentes grupos envolvidos.
Um sistema político multipartidário em que todas as elites pertençam à mesma classe social, Hasen argumenta (1998HASEN, Richard L. The “Political Market” Metaphor and Election Law: A Comment on Issacharoff and Pildes. Stanford Law Review, [s.l.], v. 50, n. 3, p. 719-730, 1998., p. 729), pode ser considerado adequadamente competitivo da perspectiva partidária, mas não adequadamente competitivo da perspectiva não partidária. De modo semelhante, um sistema de financiamento da política que privilegie excessivamente os mais ricos pode ser visto como não suficientemente competitivo da perspectiva não partidária e suficientemente competitivo da perspectiva partidária. Em ambos os casos, a resolução dessas questões depende de parâmetros inexistentes até o momento, indicando que “muito [ainda] precisa ser especificado sobre essas questões antes de pedirmos para os tribunais entrarem na briga” (Hasen, 1998HASEN, Richard L. The “Political Market” Metaphor and Election Law: A Comment on Issacharoff and Pildes. Stanford Law Review, [s.l.], v. 50, n. 3, p. 719-730, 1998., p. 730).
A objeção de Hasen ajuda a compreender um dos desafios que cortes podem encontrar ao considerarem danos constitucionais associados à competição política. Na seção 2, discutimos a disparidade entre as correntes majoritária e minoritária em relação aos atores políticos que devem ser considerados na análise dos impactos das doações empresariais sobre a competição política. Enquanto a corrente majoritária destacou os efeitos desses modelos sobre eleitores e candidatos individualmente, a corrente minoritária priorizou a distinção analítica entre incumbentes e desafiantes. Essa divergência agora pode ser reinterpretada como um embate entre diferentes concepções da relação entre igualdade e competição política.
Em termos ideais, a abordagem da corrente majoritária pode ser classificada como perfeitamente não partidária: os danos à competição política são avaliados com base na distinção entre grupos e agentes políticos com maior e menor poder econômico. Já a perspectiva da corrente minoritária pode ser categorizada como imperfeitamente partidária: os danos à competição eleitoral são avaliados em termos análogos aos partidários, com foco nos grupos que exercem poder e nos que desafiam esses que detêm o poder.
No entanto, simplesmente desequilibrar a disputa eleitoral em favor de atores com maior poder econômico, embora relevante, não constitui um dano sério à competição eleitoral. Para que isso ocorra, é necessário um elemento adicional: considerar os efeitos desses modelos sobre a competição entre grupos políticos que disputam efetivamente o poder entre si, desafiando-se de forma mútua e institucionalizada e tornando a alternância de poder uma possibilidade real. Esse papel é normalmente desempenhado pelos partidos políticos nas democracias atuais.
A resposta da TCP a essa objeção parece indicar que o tipo de competição mais relevante para os tribunais é, de fato, a competição partidária, ainda que imperfeita. Conforme visto na exposição da teoria, sua premissa é que a participação política dos cidadãos e o accountability esperado da prática democrática são atualmente garantidos pela ação de organizações intermediárias que agregam e mobilizam interesses individuais. Na medida em que os partidos políticos são o principal veículo pelo qual os diferentes interesses em disputa são mobilizados e agregados nas democracias atuais, e as eleições são o meio institucional pelo qual a disputa entre esses grupos se realiza, eles ganham centralidade tanto teórica quanto prática na garantia do accountability eleitoral.
Não é por acaso que uma das principais disfunções no processo democrático identificadas pela teoria é a tendência de os grupos dominantes, como os partidos políticos e seus membros incumbentes, legislarem em causa própria para se entrincheirarem no poder. Do ponto de vista da TCP, portanto, o nível de competição eleitoral entre os partidos políticos, especialmente entre aqueles que detêm o poder e aqueles que os desafiam (incumbentes-desafiantes), tem prioridade sobre outras formas de competição.
Nada disso sugere a irrelevância de outras formas de competição política. Contudo, parte dessa relevância deve ser reinterpretada à luz de como as desvantagens competitivas analisadas afetam a disputa entre partidos e coalizões pelo poder. Afinal, a principal intuição da abordagem estrutural proposta pela TCP é que doutrinas baseadas no mito do individualismo romântico “focam com demasiada facilidade em indivíduos atomizados e grupos desagregados, sem considerar a matriz organizacional e de coalizão geral que determina o poder político real” (Pildes, 2004aPILDES, Richard H. The Supreme Court, 2003 Term. Harvard Law Review, [s.l.], v. 118, n. 1, p. 25-154, 2004a., p. 54). Se a abordagem da teoria estiver correta, os tribunais podem beneficiar esses grupos na esfera política de forma indireta, isto é, por meio de decisões que protejam o processo político do entrincheiramento das elites no poder, visto tanto da perspectiva partidária quanto da perspectiva imperfeitamente partidária mencionada anteriormente, mais do que diretamente, por meio de decisões de primeira ordem que buscam promover a competição entre indivíduos isoladamente considerados.
De todo modo, as objeções de Hasen destacam a necessidade contínua de teoria e jurisprudência buscarem constantemente concepções mais bem elaboradas e critérios mais precisos de competição política - uma necessidade reconhecida pelos próprios defensores da teoria (Pildes, 2004bPILDES, Richard H. Competitive, Deliberative, and Rights-Oriented Democracy. Election Law Journal, v. 3, n. 4, p. 685-696, 2004b., p. 694-695).10 10 Conferir, por exemplo, Persily (2006, p. 172-173), um crítico da TCP, e Su (2011, p. 41-46), um simpatizante.
3.3. A teoria da competição política defende ou conduz ao ativismo judicial?
Uma terceira objeção à TCP sustenta que sua abordagem estrutural concede poderes excessivos às cortes, autorizando intervenções na regulação do processo democrático sempre que os juízes identificarem falhas no funcionamento das instituições. Esse risco seria ainda mais danoso pelo fato de os tribunais não possuírem capacidade e legitimidade institucional para regular o processo democrático. Segundo essa objeção, a regulação do processo político-eleitoral envolve trade-offs que requerem escolhas valorativas e empíricas significativas por parte do regulador. Diferentes arranjos institucionais privilegiam de maneiras distintas certos valores em detrimento de outros. Críticos da teoria argumentam que ela poderia permitir que juízes aproveitassem a análise estrutural proposta para reconfigurar os compromissos políticos previamente firmados pelo legislador, substituindo a vontade do parlamento democraticamente eleito pela vontade não eleita dos tribunais, sob o pretexto de zelar pela competividade do sistema.11 11 Hasen (2003, p. 139), por exemplo, afirma que abordagens estruturais são “equivocadas e perigosas”, visto que “requerem uma maior intervenção pelo Judiciário no processo político”. Persily (2002) contrapõe-se a Issacharoff (2002) no que diz respeito a uma atuação mais incisiva do Poder Judiciário em causas envolvendo gerrymandering, defendendo que as “raposas” (processo político) fiquem encarregadas de proteger o “galinheiro” nessas disputas, em vez das cortes.
Em resposta, Pildes argumenta que a expansão do papel dos tribunais na regulação do processo democrático não é uma consequência desejada ou esperada da adoção da TCP. Na verdade, para ele, tribunais que não adotam a teoria já supervisionam o processo democrático de modo bastante expansivo, muitas vezes sob o pretexto de proteção de direitos individuais. Pildes sustenta, então, que o verdadeiro objetivo da teoria não é incentivar uma “atuação mais agressiva”, mas sim promover uma atuação “mais focada e bem fundamentada” dos tribunais. Para ele, não somente a teoria busca isso, como a sua aplicação em muitos casos sugere uma retração, e não uma expansão, do papel das cortes - como nos casos de diluição de votos de grupos minoritários pelo redesenho dos distritos eleitorais mencionados (Pildes, 1999PILDES, Richard H. The Theory of Political Competition. Virginia Law Review, v. 85, n. 8, p. 1605-1626, 1999., p. 1621).
O contraponto de Pildes (1999PILDES, Richard H. The Theory of Political Competition. Virginia Law Review, v. 85, n. 8, p. 1605-1626, 1999.), no entanto, tem uma dimensão contextual. Ele refuta a ideia de que a teoria visa expandir o papel das cortes na supervisão do processo democrático ou que essa seja uma tendência exclusiva da teoria em relação às abordagens alternativas. Na prática, a expansão ou a retração da atuação de determinado tribunal dependem de como esse tribunal historicamente tem interpretado e aplicado o direito em casos anteriores. Do ponto de vista teórico, Pildes (1999PILDES, Richard H. The Theory of Political Competition. Virginia Law Review, v. 85, n. 8, p. 1605-1626, 1999., p. 1616) reconhece que a contenção da atuação judicial é mais provável, considerando que a atuação judicial está inevitavelmente limitada “por outros valores ou princípios que o Direito e a cultura política tornam relevantes”. Um desses valores é o reconhecimento de que, em sociedades pluralistas com divergências morais, o parlamento tende a ser o fórum democrático por excelência para deliberar e decidir sobre arranjos institucionais complexos e controversos, ainda que suas decisões possam resultar em um processo democrático imperfeito sob certas perspectivas morais (Waldron, 2006WALDRON, Jeremy. The Core of the Case Against Judicial Review. The Yale Law Journal, New Haven, v. 115, n. 6, p. 1346-1406, abr. 2006.).
Nessa perspectiva, a abordagem proposta pela TCP pode ser interpretada não apenas como um incentivo para que as cortes intervenham de forma agressiva no processo democrático, mas também como um convite para que elas atuem com deferência às decisões políticas, buscando mitigar os danos democráticos decorrentes de casos evidentes de abuso de poder pela elite política. Isso ocorre quando essa elite, distorcendo as regras eleitorais, legisla em benefício próprio para se perpetuar no poder.
Como discutido até aqui, a TCP nem sempre oferece respostas precisas (ou, para alguns, convincentes) às objeções formuladas pelos críticos de sua proposta de supervisão judicial da democracia. As dificuldades em definir claramente o conceito de competição política e em mensurar com precisão o nível de competitividade de um ambiente político específico são reais e indicam a necessidade de cautela ao considerar a adoção judicial da abordagem proposta por essa teoria. No entanto, a teoria traz insights interessantes ao realçar a dimensão estrutural subjacente a muitas disputas envolvendo direitos democráticos e a relevância constitucional dos danos relativos a práticas eleitorais de entrincheiramento das elites políticas no poder (political lockups).
4. ADI n. 4.650: uma releitura
Tendo em vista que a preocupação com a vitalidade da competição política esteve presente nos votos que compuseram as correntes majoritária e minoritária no julgamento da ADI n. 4.650, esta seção indaga se os insights propostos pela TCP possuem elementos que permitam fazer uma releitura da decisão proferida pelo STF, especificamente no que diz respeito a se as doações empresariais configurariam prática anticompetitiva extrema a justificar a intervenção feita pela Corte.
4.1. Financiamento empresarial de campanha eleitoral e competição política
Parte das críticas ao financiamento empresarial fundamenta-se na constatação de que a chance de sucesso eleitoral de candidatos e partidos está diretamente ligada ao aumento do acesso a recursos econômicos. A correlação entre dinheiro e êxito eleitoral revela as vantagens competitivas de partidos e candidatos associados a grandes doadores, especialmente grandes empresas. Para essa parcela, as doações de pessoas jurídicas não apenas facilitam a influência desproporcional do dinheiro na política, mas também desequilibram a disputa eleitoral em favor da parte mais abastada (“dinheiro compra votos”). Portanto, quanto menor a presença dessa modalidade de doações, mais equânime a disputa eleitoral.12 12 Por exemplo, Sarmento e Osorio (2014, p. 23, grifo nosso) defendem a abolição integral de doações empresariais: “[a] permissão legal para a arrecadação de fundos para campanhas eleitorais via pessoas jurídicas é, em si, prejudicial à democracia, pois concede a quem não tem voto uma rota alternativa - e, como visto, mais “eficaz” - para participar do processo político-eleitoral”.
Embora seja válido afirmar que o desempenho eleitoral de partidos e candidatos está relacionado ao nível de investimento que recebem, essa observação apenas parte do pressuposto inicial. Em primeiro lugar, ela não estabelece uma relação de causa e efeito entre investimento e sucesso eleitoral. A correlação positiva entre essas variáveis pode indicar tanto que (i) o investimento causa o aumento no desempenho eleitoral quanto que (ii) maiores chances de sucesso eleitoral atraem mais investimento.13 13 Trata-se do problema da endogeneidade na mensuração da relação entre as variáveis (Mancuso, 2015, p. 173-174; Speck; Mancuso, 2014; Carazza, 2018, p. 104). Embora ambas as hipóteses possam ser plausíveis, a literatura ainda não chegou a uma conclusão a esse respeito (Speck; Olabe, 2013SPECK, Bruno W.; OLABE, Paloma B. Money in Politics: Sound Political Competition and Trust in Government. In: OECD POLICY FORUM ON “RESTORING TRUST IN GOVERNMENT: ADDRESSING RISKS OF INFLUENCE IN PUBLIC DECISION MAKING”, 2013, Paris. Anais […]. Paris: OECD, 2013., p. 16).
Em segundo lugar, a intensidade da correlação entre dinheiro e sucesso eleitoral oscila de acordo com as características do candidato (Speck; Mancuso, 2014SPECK, Bruno Wilhelm; MANCUSO Wagner Pralon. A Study on the Impact of Campaign Finance, Political Capital and Gender on Electoral Performance. Brazilian Political Science Review, [s.l.], v. 8, n. 1, 2014.). Essa relação tende a ser mais forte para candidatos com menor capital político (e.g., desafiantes e mulheres) e menos significativa para aqueles com maior capital político (e.g., incumbentes e homens). Isso implica que o dinheiro pode ter um impacto positivo maior nas chances de sucesso eleitoral de candidatos desafiantes do que candidatos incumbentes.14 14 Trata-se do que é conhecido na literatura como efeito Jacobson (Mancuso, 2015, p. 159). Conforme observado por Speck e Mancuso (2014SPECK, Bruno Wilhelm; MANCUSO Wagner Pralon. A Study on the Impact of Campaign Finance, Political Capital and Gender on Electoral Performance. Brazilian Political Science Review, [s.l.], v. 8, n. 1, 2014., p. 1), isso significa que “a associação entre financiamento e performance eleitoral tende a ser mais forte para candidatos que enfrentam desvantagens eleitorais, derivem elas de capital político limitado, discriminação de gênero ou qualquer outro fator não analisado aqui que resulte em um efeito similar”.
Essa função do financiamento político, que visa mitigar desvantagens eleitorais, revela a ambiguidade existente na relação entre dinheiro e política. Apesar de funcionar como um fator de desequilíbrio na disputa eleitoral em favor de candidatos e partidos com maior capacidade de investimento, o financiamento eleitoral também ajuda a compensar desigualdades associadas ao capital político e social dos diversos grupos em competição (uma ambiguidade que, logicamente, é estendida ao financiamento empresarial). Enquanto contribui para o desequilíbrio em prol de grupos financeiramente mais poderosos, também pode equilibrar a disputa em prol de grupos políticos que enfrentam desvantagens competitivas devido a fatores não econômicos. Uma regulação ideal do financiamento empresarial que leve essa ambiguidade em consideração deve buscar maximizar seus benefícios e minimizar seus prejuízos para a competição política. Essa é certamente uma questão regulatória complexa e desafiadora, mas que sugere a direção que o debate deve seguir.
A decisão do STF de proibir doações eleitorais por pessoas jurídicas segue uma direção regulatória contrária. Ela prioriza a constatação de que as chances de sucesso eleitoral são influenciadas pelo acesso aos recursos econômicos de empresas e conclui que doações desse tipo são intrinsecamente prejudiciais à democracia. Porém, esse entendimento desconsidera o potencial positivo desse financiamento para equilibrar a disputa eleitoral, especialmente ao mitigar a vantagem dos incumbentes. Sob uma perspectiva mais ampla do cenário regulatório, as doações por pessoas jurídicas dificilmente poderiam ser classificadas como uma prática anticompetitiva extrema, sobretudo em um contexto regulatório como o brasileiro, em que existem limites para essas doações, órgãos de controle independentes para fiscalizar desvios e abusos e um sistema de financiamento público da política que proporciona condições mínimas de competição a novos desafiantes e com acesso limitado a fontes privadas de financiamento.
Uma segunda abordagem para compreender os possíveis efeitos do financiamento eleitoral na competição política é por meio da tipologia da organização partidária desenvolvida pela Ciência Política. Essa tipologia reconhece que tipos distintos de organizações partidárias estruturam suas relações com o Estado e a sociedade de maneiras diferentes. De acordo com o resumo de Krause, Rebello e Silva (2015KRAUSE, Silvana; REBELLO, Maurício Michel; SILVA, Josimar Gonçalves da. O perfil do financiamento dos partidos brasileiros (2006-2012): o que as tipologias dizem?. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 16, p. 247-272, 2015., p. 254), os partidos de quadros têm baixa dependência de recursos financeiros para sua sobrevivência, e sua principal fonte de financiamento são pessoas e membros ilustres (denominados notáveis) inseridas em grupos financeiros, industriais e comerciais. Os partidos de massa têm uma dependência moderada de recursos financeiros, obtidos principalmente de militantes e membros do partido, que constituem sua base de sustentação social. Já os partidos catch-all dependem significativamente de recursos financeiros, obtidos sobretudo de grupos de interesse como empresas, sindicatos e associações comerciais. Por fim, os partidos cartel têm alta dependência de recursos, e sua principal fonte de financiamento são subsídios estatais, como fundos públicos.
Esse resumo da tipologia demonstra que diferentes modos de organização e competição partidárias induzem a diferentes arranjos institucionais e práticas com relação ao financiamento da política - e vice-versa. Alterar a principal fonte de financiamento dos partidos implica, em parte, modificar como essas agremiações competem entre si e relacionam-se com o Estado e a sociedade.
Partindo dessa análise, Mancuso, Horochovski e Camargo (2016MANCUSO, Wagner Pralon; HOROCHOVSKI, Rodrigo Rossi; CAMARGO, Neilor Fermino. Empresários e financiamento de campanhas na eleição presidencial brasileira de 2014. Teoria e Pesquisa: Revista de Ciência Política, São Carlos, v. 25, n. 3, p. 38-64, 2016., p. 58-59) apontam que uma consequência provável da decisão do STF na ADI n. 4.650 seria a migração dos partidos políticos em direção ao Estado como nova fonte financiadora das eleições. Essa mudança no financiamento poderia afastar os partidos políticos do Brasil do modelo de partidos catch-all e aproximá-los do modelo de partidos cartel. O principal risco competitivo associado a essa possível “tendência à cartelização” é que esse processo tende a desencorajar “a entrada de novos partidos políticos na arena parlamentar e [congelar] o processo competitivo do sistema partidário” (Krause; Rebello; Silva, 2015KRAUSE, Silvana; REBELLO, Maurício Michel; SILVA, Josimar Gonçalves da. O perfil do financiamento dos partidos brasileiros (2006-2012): o que as tipologias dizem?. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 16, p. 247-272, 2015., p. 253).
Logo após a decisão do STF que proibiu as doações por pessoas jurídicas, o Congresso, conforme previsto, instituiu o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) - um fundo público destinado ao financiamento das eleições, com um montante de R$ 1,7 bilhão para as eleições de 2018. Os recursos do fundo foram alocados de acordo com os seguintes critérios: (i) 2% distribuídos igualmente entre todos os partidos com estatutos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE); (ii) 35% distribuídos entre os partidos na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para as Câmaras dos Deputados; (iii) 48% divididos entre os partidos conforme o número de representantes na Câmara dos Deputados; e (iv) 15% distribuídos entre os partidos proporcionalmente ao número de representantes no Senado Federal (art. 16-D da Lei n. 9.504/1997, incluído pela Lei n. 13.488/2017 [Brasil, 2017BRASIL. Lei n. 13.488, de 6 de outubro de 2017. Altera as Leis n. 9.504, de 30 de setembro de 1997, 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral, 9.096, de 19 de setembro de 1995, e a Lei n. 13.165, de 29 de setembro de 2015, e revoga dispositivos da Lei n. 13.107, de 24 de março de 2015, e da Lei n. 4.961, de 4 de maio de 1966. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9 out. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13488.htm . Acesso em: 25 jul. 2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a...
]). Esses critérios seguem a lógica de que quanto maior o sucesso eleitoral do partido, maior será o volume de recursos do fundo destinado a ele. Esses recursos configuram-se como a principal fonte de financiamento dos partidos para as futuras disputas eleitorais.
Se o STF estiver correto ao afirmar que dinheiro pode influenciar votos, isso significa que, nas eleições futuras, maiores são as chances de os principais partidos políticos manterem ou melhorarem ainda mais seu desempenho eleitoral. A literatura ainda precisa determinar com maior precisão os efeitos concretos do FEFC na competição política brasileira. É possível que esse novo modelo contribua para equalizar, em vez de cartelizar, as disputas eleitorais. No entanto, o ponto a ser destacado aqui é outro: indicar que as doações por pessoas jurídicas não constituem prática anticompetitiva extrema que justifique sua proibição pela via judicial. Pelo contrário, ela está inserida em um modelo específico de estruturação das agremiações partidárias, suas relações com o Estado, a sociedade e o erário público, e a competição eleitoral. Considerando as demandas políticas que os partidos catch-all visam atender, as doações empresariais podem servir como fomento, e não desestímulo à competição política.15 15 Sobre possíveis consequências não pretendidas de decisões que interferem no desenho de instituições eleitorais, ver Sunstein (1994) e Issacharoff e Karlan (1999).
Sob a perspectiva da TCP, a decisão do STF na ADI n. 4.650, ao proibir completamente as doações por pessoas jurídicas, é bastante questionável. Muitos desses questionamentos já foram levantados de formas diversas nos votos que compuseram a corrente minoritária. Contudo, a TCP permite compreender melhor a relevância das considerações feitas por essa corrente, em especial a afirmação do ministro Teori Zavascki de que “relativamente ao princípio da isonomia no âmbito de competições eleitorais, muito mais importante que o estabelecimento de critérios de igualação entre os doadores deve ser a preocupação de preservar a igualdade de armas entre os principais atores da disputa, que são os candidatos e os partidos políticos” (Brasil, 2015BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Doações eleitorais. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.650. Relator: Ministro Luiz Fux. Brasília: STF, 17 set. 2015., p. 154). A superação do mito do individualismo romântico permite entender com mais clareza a posição do ministro, bem como sua opção, observada na seção 2, por enfatizar a competição existente entre candidatos e partidos incumbentes e candidatos e partidos desafiantes.16 16 O ceticismo com modelos de financiamento, especialmente públicos, que reforçam a posição das forças político-partidárias dominantes é comum entre autores simpatizantes à TCP. Issacharoff e Pildes (1998, p. 680) afirmam, por exemplo, que, se “o financiamento público das eleições fosse adotado, mas os recursos fossem limitados aos ‘dois partidos dominantes’ - com base na justificativa de que entrincheirar um sistema bipartidário é um interesse estatal legítimo - os tribunais iriam, se espera, decidir que essa política viola a Primeira ou a Décima Quarta Emendas”. Eles ainda mencionam com apreço a decisão da corte constitucional alemã que declarou inconstitucional o modelo de financiamento público que limitou o acesso dos recursos aos partidos políticos com representação no parlamento (Issacharoff; Pildes, 1998, p. 696; Pal, 2011, p. 337).
Uma interpretação alternativa da decisão do STF sugere que as doações por pessoas jurídicas não configuram uma prática anticompetitiva extrema, mas defende que o predomínio excessivo dessa fonte de financiamento impõe barreiras importantes à entrada de novos competidores. A feroz competição por recursos financeiros pode representar um obstáculo para a entrada e o sucesso eleitoral de novos partidos e candidatos. Nesse sentido, o problema não seriam as doações empresariais em si, mas sim doações empresariais excessivas. Essa abordagem oferece uma maneira razoável de pensar sobre a regulação do financiamento eleitoral empresarial. O desafio que ela enfrenta é prático: definir quanto dinheiro de empresa é demais para ser tolerado e qual seria o remédio judicial adequado para combater essa patologia.
Sendo esse o caso, em vez de proibir as doações eleitorais por pessoas jurídicas, o STF poderia declarar a inconstitucionalidade dos limites previstos na legislação para essas contribuições. Isso exigiria que os ministros justificassem melhor por que consideram esses limites abusivos. Essa alternativa delimitaria o foco do debate e possivelmente facilitaria um consenso sobre a questão. Apesar de essa decisão não estabelecer de modo objetivo o limite acima do qual doações empresariais passariam a ser abusivas, ela poderia estimular uma atuação parlamentar razoável nessa área. O Congresso poderia definir limites nominais para doações privadas e o uso de recursos pelos próprios candidatos, substituindo os limites fixados com base em um percentual da renda do doador. Um movimento regulatório nessa direção evitaria ao menos que a competição política ficasse dependente de um número baixo de financiadores, mas responsáveis pela doação de valores exorbitantes.
Outra possibilidade seria o STF, por meio de outra via processual, por exemplo, um mandado de injunção ou ação de inconstitucionalidade por omissão, determinar a aprovação de uma lei estabelecendo um teto de gastos eleitorais. O art. 17-A da Lei n. 9.504/1997 dispunha caber à lei, a cada eleição, “fixar até o dia 10 de junho de cada ano eleitoral o limite dos gastos de campanha para os cargos em disputa [...]”. Referida lei, contudo, nunca foi editada. Da perspectiva teórica, a fixação de um teto de gastos é menos consensual do que o oferecimento de subsídios públicos que garantam aos diferentes candidatos o acesso a um nível mínimo de competitividade (Beitz, 1989BEITZ, Charles R. Political Equality: An Essay in Democratic Theory. Princeton: Princeton University Press, 1989., p. 200; Hasen, 2016HASEN, Richard L. Plutocrats United: Campaign Money, the Supreme Court, and the Distortion of American Elections. New Haven: Londres: Yale University Press, 2016., p. 103; Speck; Olabe, 2013SPECK, Bruno W.; OLABE, Paloma B. Money in Politics: Sound Political Competition and Trust in Government. In: OECD POLICY FORUM ON “RESTORING TRUST IN GOVERNMENT: ADDRESSING RISKS OF INFLUENCE IN PUBLIC DECISION MAKING”, 2013, Paris. Anais […]. Paris: OECD, 2013., p. 30-31). No entanto, ao agir dessa maneira, o STF estaria intervindo menos na liberdade do legislador de deliberar e decidir sobre o modelo ideal de financiamento político no Brasil, comparado à proibição integral das doações empresariais. Como observado, cautela e deferência na atuação judicial são virtudes reconhecidas pela TCP.
A releitura da ADI n. 4.650 realizada aqui com base na TCP não busca responder como o Congresso deveria regular o financiamento da política no Brasil, nem sugerir o melhor modelo regulatório. Em vez disso, busca fornecer parâmetros, ainda que imperfeitos, para orientar a atuação do STF em futuras questões relacionadas ao tema. Quais danos ao processo político o tribunal deveria considerar? Como raciocinar sobre eles e qual postura interpretativa adotar?
Conclusão
No julgamento da ADI n. 4.650, o STF demonstrou uma preocupação estrutural com a proteção da integridade da competição eleitoral. A TCP, conforme apresentada aqui, ajuda a esclarecer o significado dessa preocupação: o exercício dos direitos democráticos e a participação política dos cidadãos estão diretamente atrelados à existência de uma infraestrutura institucional adequada, em que a competição desempenha um papel central para o bom funcionamento dessa infraestrutura. Isso acrescenta à supervisão judicial do processo democrático um elemento inevitavelmente estrutural.
No entanto, como observado nos debates em torno da TCP, essa dimensão estrutural associada à competição eleitoral apresenta uma série de ambiguidades e desafios teóricos de difícil operacionalização por juízes e tribunais. Ainda assim, a TCP pode auxiliar as cortes a aprimorar sua compreensão dos desafios que enfrentam, refinando seu raciocínio sobre a natureza dos danos ao processo democrático e sua competência para identificar propriamente esses danos e desenhar remédios judiciais eficazes contra eles.
Na abordagem aqui proposta, os tribunais poderiam se beneficiar mais de uma pretensão negativa, focada em combater práticas anticompetitivas extremas que perpetuem o enraizamento de grupos políticos e partidários no poder, do que positiva, associada à promoção de níveis ideais de participação e competição eleitoral. Este artigo buscou sugerir como essa abordagem poderia ser aplicada no contexto do financiamento eleitoral, utilizando como base a ADI n. 4.650.
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1
Uma versão inicial deste artigo foi discutida em um encontro do Núcleo de Justiça e Constituição (NJC) da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV DIREITO SP) e do grupo de pesquisa Constituição, Política & Instituições (CoPI) da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP). Os autores agradecem a Dimitri Dimoulis e Nikolay Henrique Bispo, bem como a Virgílio Afonso da Silva, Marcos Paulo Veríssimo e Conrado Hübner Mendes, pela oportunidade de debater suas ideias com os pesquisadores que compõem o NJC e o CoPI. Agradecem também aos pesquisadores presentes nos encontros pelos comentários a versões iniciais deste texto, bem como aos pareceristas da Revista Direito GV pelos comentários, que ajudaram a amadurecer o argumento aqui desenvolvido. Por fim, agradecem à Fundação Getulio Vargas (FGV) pela bolsa Mario Henrique Simonsen de Ensino e Pesquisa concedida à Helena Hime Funari e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) pela bolsa concedida a Pedro Marques Neto (Processo n. 2020/14365-4).
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Essa abordagem está sintetizada no artigo de Issacharoff e Pildes (1998ISSACHAROFF, Samuel; PILDES, Richard H. Politics as Markets: Partisan Lockups of the Democratic Process. Stanford Law Review, [s.l.], v. 50, n. 3, p. 643-717, 1998.) e foi desenvolvida em outras obras dos mesmos autores, individuais ou coletivas, mencionadas adiante.
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Diante do escopo deste artigo, a análise da literatura e dos problemas aqui oferecida não pode ser exaustiva. Uma análise mais detalhada dessas questões, contudo, foi oferecida por Marques Neto (2023MARQUES NETO, Pedro. The Judicial Oversight of the Democratic Process: A Republican Approach. 2023. Tese (Doutorado em Direito) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2023., p. 96-112).
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Nesse sentido, o artigo analisa a decisão a partir da perspectiva interna do Direito - o ponto de vista de quem pretende agir e decidir com base em regras e razões jurídicas e constitucionais -, e não da perspectiva externa - de quem, por exemplo, busca explicar a decisão tomada pelo STF por meio de variáveis institucionais, sociais ou de outra natureza.
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5
A corrente majoritária foi composta dos ministros Luiz Fux, Joaquim Barbosa, Dias Toffoli, Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski, Carmen Lúcia, Rosa Weber e Marco Aurélio.
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A corrente minoritária foi composta dos ministros Teori Zavascki, Gilmar Mendes e Celso de Mello.
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7
O problema principal-agente é central nas discussões sobre representação política e, portanto, no desenho de instituições eleitorais. Nesse sentido, destacam-se o estudo clássico de Hanna Pitkin (1967PITKIN, Hanna F. The Concept of Representation. Berkeley: University of California Press, 1967.) e as contribuições de Rave (2013RAVE, Theodore. Politicians as Fiduciaries. Harvard Law Review, [s.l.], v. 126, n. 3, p. 671-739, 2013.) e Gerken e Kang (2013GERKEN, Heather K.; KANG, Michael S. Déjà Vu All Over Again: Courts, Corporate Law, and Election Law. Harvard Law Review, [s.l.], v. 126, n. 3, p. 86-90, 2013.).
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Para outras objeções à TCP e possíveis respostas a essas objeções, conferir Su (2011SU, Yen-Tu. Retracing Political Antitrust: A Genealogy and Its Lessons. Journal of Law and Politics, [s.l.], v. 27, n. 1, p. 1-61, 2011.) e McLoughlin (2009McLOUGHLIN, Luke P. The Elysian Foundations of Election Law. Temple Law Review, [s.l.], v. 82, p. 89-149, 2009.).
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Para uma análise mais detalhada do argumento, ver Pildes (2004aPILDES, Richard H. The Supreme Court, 2003 Term. Harvard Law Review, [s.l.], v. 118, n. 1, p. 25-154, 2004a., p. 117-130).
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Conferir, por exemplo, Persily (2006PERSILY, Nathaniel. The Place of Competition in American Election Law. In: McDONALD, Michael P.; SAMPLES, John (eds.). The Marketplace of Democracy: Electoral Competition and American Politics. Washington D.C.: Brookings Institution Press, 2006. p. 171-195., p. 172-173), um crítico da TCP, e Su (2011SU, Yen-Tu. Retracing Political Antitrust: A Genealogy and Its Lessons. Journal of Law and Politics, [s.l.], v. 27, n. 1, p. 1-61, 2011., p. 41-46), um simpatizante.
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Hasen (2003HASEN, Richard L. The Supreme Court and Election Law: Judging Equality from Baker v. Carr to Bush v. Gore. Nova York: New York University Press, 2003., p. 139), por exemplo, afirma que abordagens estruturais são “equivocadas e perigosas”, visto que “requerem uma maior intervenção pelo Judiciário no processo político”. Persily (2002PERSILY, Nathaniel. In Defense of Foxes Guarding Henhouses: The Case for Judicial Acquiescence to Incumbent-Protecting Gerrymanders. Harvard Law Review, [s.l.], v. 116, n. 2, p. 649-683, 2002.) contrapõe-se a Issacharoff (2002ISSACHAROFF, Samuel. Gerrymandering and Political Cartels. Harvard Law Review, [s.l.], v. 116, n. 2, p. 593-648, 2002.) no que diz respeito a uma atuação mais incisiva do Poder Judiciário em causas envolvendo gerrymandering, defendendo que as “raposas” (processo político) fiquem encarregadas de proteger o “galinheiro” nessas disputas, em vez das cortes.
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Por exemplo, Sarmento e Osorio (2014SARMENTO, Daniel; OSORIO, Aline. Eleições, dinheiro e democracia: a ADI 4.650 e o modelo brasileiro de financiamento de campanhas eleitorais. Revista de Direitos Fundamentais e Justiça, [s.l.], v. 8, n. 26, p. 15-38, 2014., p. 23, grifo nosso) defendem a abolição integral de doações empresariais: “[a] permissão legal para a arrecadação de fundos para campanhas eleitorais via pessoas jurídicas é, em si, prejudicial à democracia, pois concede a quem não tem voto uma rota alternativa - e, como visto, mais “eficaz” - para participar do processo político-eleitoral”.
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Trata-se do problema da endogeneidade na mensuração da relação entre as variáveis (Mancuso, 2015MANCUSO, Wagner Pralon. Investimento eleitoral no Brasil: balanço da literatura (2001-2012) e agenda de pesquisa. Revista de Sociologia e Política, [s.l.], v. 23, n. 54, p. 155-183, 2015., p. 173-174; Speck; Mancuso, 2014SPECK, Bruno Wilhelm; MANCUSO Wagner Pralon. A Study on the Impact of Campaign Finance, Political Capital and Gender on Electoral Performance. Brazilian Political Science Review, [s.l.], v. 8, n. 1, 2014.; Carazza, 2018CARAZZA, Bruno. Dinheiro, eleições e poder: as engrenagens do sistema político brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2018., p. 104).
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Trata-se do que é conhecido na literatura como efeito Jacobson (Mancuso, 2015MANCUSO, Wagner Pralon. Investimento eleitoral no Brasil: balanço da literatura (2001-2012) e agenda de pesquisa. Revista de Sociologia e Política, [s.l.], v. 23, n. 54, p. 155-183, 2015., p. 159).
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Sobre possíveis consequências não pretendidas de decisões que interferem no desenho de instituições eleitorais, ver Sunstein (1994SUNSTEIN, Cass. Political Equality and Unintended Consequences. Columbia Law Review, [s.l.], v. 94, p. 1390-1414, 1994.) e Issacharoff e Karlan (1999ISSACHAROFF, Samuel; KARLAN, Pamela S. The Hydraulics of Campaign Finance Reform. Texas Law Review, [s.l.], v. 77, n. 7, p. 1705-1738, 1999.).
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O ceticismo com modelos de financiamento, especialmente públicos, que reforçam a posição das forças político-partidárias dominantes é comum entre autores simpatizantes à TCP. Issacharoff e Pildes (1998ISSACHAROFF, Samuel; PILDES, Richard H. Politics as Markets: Partisan Lockups of the Democratic Process. Stanford Law Review, [s.l.], v. 50, n. 3, p. 643-717, 1998., p. 680) afirmam, por exemplo, que, se “o financiamento público das eleições fosse adotado, mas os recursos fossem limitados aos ‘dois partidos dominantes’ - com base na justificativa de que entrincheirar um sistema bipartidário é um interesse estatal legítimo - os tribunais iriam, se espera, decidir que essa política viola a Primeira ou a Décima Quarta Emendas”. Eles ainda mencionam com apreço a decisão da corte constitucional alemã que declarou inconstitucional o modelo de financiamento público que limitou o acesso dos recursos aos partidos políticos com representação no parlamento (Issacharoff; Pildes, 1998ISSACHAROFF, Samuel; PILDES, Richard H. Politics as Markets: Partisan Lockups of the Democratic Process. Stanford Law Review, [s.l.], v. 50, n. 3, p. 643-717, 1998., p. 696; Pal, 2011PAL, Michael. Breakdowns in the Democratic Process and the Law of Canadian Democracy. McGill Law Journal, [s.l.], v. 57, n. 2, p. 299-347, 2011., p. 337).
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Como citar este artigo
FUNARI, Helena Hime; MARQUES NETO, Pedro. A competição política na supervisão judicial do processo democrático: uma análise a partir da decisão do STF na ADI n. 4.650. Revista Direito GV, São Paulo, v. 20, e2427, 2024. https://doi.org/10.1590/2317-6172202427
Editores responsáveis
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
19 Ago 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
26 Fev 2023 -
Aceito
28 Mar 2024