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Instrumentalização e implantação de escala para avaliação da dor em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal. Relato de caso* * Recebido da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Ijuí, RS, Brasil.

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

O recém-nascido prematuro em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal recebe cerca de 130 a 234 manipulações em 24h, muitas delas dolorosas. Assim, é importante a educação e instrumentalização da equipe de enfermagem, para que ocorra a avaliação da dor com a utilização de escala validada, que é garantia de excelência e segurança no cuidado ao paciente. Diante disso, objetivou-se descrever como ocorreu a instrumentalização da equipe de enfermagem de uma Unidade de Terapia Intensiva Neonatal para implantação da escala Neonatal Infant Pain Scale para avaliação da dor de recém-nascidos.

RELATO DO CASO:

Após revisão de literatura e definição da escala Neonatal Infant Pain Scale para avaliação da dor foi realizada instrumentalização da equipe de enfermagem que atua na unidade, para sua aplicação com os demais sinais vitais. Além disso, foi criado um protocolo de manuseio da dor. Durante a instrumentalização foi dada oportunidade para questionamentos e respostas às dúvidas. Ressalta-se a importância das contribuições do enfermeiro com vistas a viabilizar a implantação dessa escala e do protocolo do manuseio da dor.

CONCLUSÃO:

Evidenciou-se que a partir do momento em que a equipe ampliou conhecimentos sobre a dor do recém-nascido, emergiram vários questionamentos a respeito de ações a serem realizadas pela equipe diante da dor avaliada. Nesse aspecto considera-se que o enfermeiro deve assumir seu papel de protagonista na educação em saúde e, dessa maneira, garantir a qualidade da assistência. Ainda, destaca-se a importância da formação de grupos de estudo com enfoque na avaliação de dor em terapia intensiva e demais unidades hospitalares.

Descritores:
Enfermagem; Prematuro; Mensuração da dor; Recém-nascido; Unidade de Terapia Intensiva Neonatal

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Premature neonates admitted to Neonatal Intensive Care Units receive approximately 130 to 234 manipulations every 24h, being many of them painful approaches. So, nursing team education and instrumentation are important for pain evaluation with a validated scale, which is excellence and safety assurance for patients’ care. In light of the above, our objective was to describe how instrumentation of the nursing team of a Neonatal Intensive Care Unit was carried out to implement the Neonatal Infant Pain Scale for neonatal pain evaluation.

CASE REPORT:

After literature review and definition of the Neonatal Infant Pain Scale for pain evaluation, the nursing team acting in that unit was instrumented for its application together with other vital signs. In addition, a pain handling protocol was developed. During instrumentation, opportunity was given for questions and answers. Of note is the importance of nurses’ contributions aiming at making feasible the implementation of this scale and of the pain handling protocol.

CONCLUSION:

It was observed that as from the moment the team has enhanced its knowledge about neonatal pain, many questions were asked about actions to be taken by the team with regard to the evaluated pain. In this sense, it is considered that nurses should play their role as health education protagonists, thus assuring quality of care. It has also to be stressed the importance of study groups focusing on pain evaluation in intensive care and other hospital units.

Keywords:
Neonatal Intensive Care Unit; Neonate; Nursing; Pain measurement; Premature

INTRODUÇÃO

A dor é um fenômeno comum entre os seres humanos, tanto adultos quanto crianças, lactentes e recém-nascidos (RN). Entretanto, a manifestação da sensação dolorosa é expressa de diferentes formas, o que pode prejudicar a avaliação e/ou a interpretação de sinais indicativos de dor. Os lactentes pré-verbais, em especial o RN, não verbalizam a dor, mas isso não significa que não a sentem; eles manifestam a sensação dolorosa por meio de respostas comportamentais e fisiológicas aos estímulos nociceptivos.

Nesse contexto, para atuar de forma adequada diante de situações possivelmente dolorosas, além de saber que o RN exprime a dor, é importante dispor de instrumentos que “decodifiquem” essa linguagem. Mesmo diante de inúmeros avanços, a literatura apresenta uma lacuna entre o conhecimento científico referente à temática e suas consequências, e a utilização de métodos para avaliação e tratamento da dor1Lago P, Garetti E, Boccuzzo G, Merazzi D, Pirelli A, Pieragostini L, et al. Procedural pain in neonates: the state of the art in the implementation of national guidelines in Italy. Paediatr Anaesth. 2013;23(5):407-14..

O estímulo e a percepção da dor ocorrem antes do nascimento. As terminações nervosas surgem na região perioral na sétima semana de gestação, seguem para a face, palma das mãos e região plantar na 11ª semana, para o tronco e extremidades proximais na 15ª semana e, em torno da 20ª à 24ª, as sinapses nervosas estão completas para a percepção da dor2Tamez RN, Silva MJ. Enfermagem na UTI neonatal: assistência ao recém-nascido de alto risco. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2010. 69-70p..

Durante a internação de RN em uma Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN), a dor é um sintoma frequente, relacionado aos quadros clínicos graves e à realização de inúmeros procedimentos invasivos. Nesse contexto, o RN prematuro (RNPT) em UTIN é submetido à cerca de 130 a 234 manipulações nas 24h, muitas delas dolorosas3Santos LM, Pereira MP, dos Santos LF, de Santana RC. [Pain assessment in the premature newborn in Intensive Care Unit]. Rev Bras Enferm. 2012;65(1):27-33. Portuguese.. Considera-se que essa situação pode ser vivenciada pelos RN de forma menos traumática se os profissionais responsáveis pelo cuidado estiverem sensibilizados para a importância da avaliação e manuseio adequado da dor.

Com base nessas considerações, o tratamento da dor em UTIN deve ser priorizado no programa terapêutico de RN críticos e potencialmente críticos, pois seu tratamento adequado traz inúmeros benefícios para a criança, além da diminuição do tempo de internação e consequente redução de custos4Silva LD, Lima LS, Tacla MT, Ferrari RA. Scales of assessment of pain: the process of implementation in a pediatric intensive care unit. Rev Enferm UFPE. 2014;8(4):857-63.. Em contrapartida, repetidas exposições dolorosas podem ter consequências graves. Pesquisadores italianos afirmam que RN com maior risco de disfunção no neurodesenvolvimento, como resultado da prematuridade, são também aqueles com probabilidade de serem expostos a um maior número de estímulos dolorosos em UTIN5Giacchetti L, Stablum M, De Martino A, Giustardi A. Pain in newborn. Ital J Pediatr. 2014;40(Suppl 1):A54..

Geralmente, o controle inadequado da dor está relacionado à falta de critérios e de métodos de avaliação e registro. Embora avaliar e mensurar a dor sejam tarefas complexas, esses procedimentos devem integrar a rotina da equipe de enfermagem, com registro dessas informações no prontuário da criança, seguido de ações para o alívio da dor. A maioria dos profissionais de saúde considera a dor como o quinto sinal vital a ser avaliado e conhece as escalas específicas para avaliação da dor no RNPT, mas em geral não as utiliza no dia a dia. Nesse sentido, a educação e a instrumentalização da equipe de enfermagem são essenciais para a avaliação da dor com a utilização de escalas validadas, de maneira a garantir excelência e segurança no cuidado ao paciente.

Um estudo que buscou conhecer a vivência de 109 enfermeiros intensivistas que cuidam de crianças e neonatos, referente à avaliação e intervenções para alívio da dor, mostrou que o alívio da dor e a promoção de conforto são intervenções essenciais que envolvem, além do conhecimento científico e habilidade técnica, questões humanitárias e éticas da enfermagem6dos Santos MZ, Kusahara DM, Pedreira Mda L. [The experiences of intensive care nurses in the assessment and intervention of pain relief in children]. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(5):1074-81. Portuguese.. Dessa forma, avaliar a dor é um desafio que implica conhecimento científico aliado a registros adequados e ações, não necessariamente medidas farmacológicas, que visem o alívio da dor7Silva MS, Pinto MA, Gomes LM, Barbosa TL. Pain in hospitalized children: nursing team perception. Rev Dor. 2011;12(4):314-20..

Diante do exposto, este estudo objetivou descrever como se procedeu à instrumentalização da equipe de enfermagem para a implantação de uma escala para avaliação da dor em UTIN.

RELATO DO CASO

A atuação como profissional de enfermagem em uma UTIN e Pediátrica (UTINP) aliada à trajetória acadêmica conduziu a várias indagações e, inclusive, a repensar possibilidades para melhor avaliar a dor de RN em terapia intensiva. Essas inquietações culminaram na construção do projeto de pesquisa do Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação sobre avaliação da dor de RN em UTIN.

O presente relato compreende as etapas de instrumentalização da equipe de enfermagem para a implantação de uma escala para avaliação da dor em UTINP. Inicialmente, foi agendada uma reunião com a Enfermeira Gestora da Unidade, a qual se mostrou receptiva à ideia.

Sequencialmente o projeto de pesquisa foi construído e foram respeitados todos os aspectos éticos de uma pesquisa com pessoas. Buscou-se ampliar conhecimentos sobre a temática, implicações que a dor desencadeia no RN, o aumento na mortalidade, estresse, instabilidade clínica e hemodinâmica, sequelas no desenvolvimento neurológico e somatização anormal frente à dor em outras fases da vida, as quais podem ser consideradas consequências negativas de estímulos dolorosos repetidos no período neonatal8Maia AC, Coutinho SB. Fatores que influenciam a prática do profissional de saúde no manejo da dor do recém-nascido. Rev Paul Pediatr. 2011;29(2):270-6.. Dessa forma, a diminuição da exposição a eventos álgicos ou estressantes pode levar a melhores resultados clínicos relacionados ao desenvolvimento neurológico do RN.

A UTINP na qual foi realizada a instrumentalização e implantação da escala para avaliação da dor compreende nove leitos neonatais e um leito pediátrico. O quadro funcional é composto de cinco enfermeiros, 28 técnicos de enfermagem, 10 médicos pediatras, quatro fisioterapeutas e uma fonoaudióloga.

Com base na revisão de literatura optou-se pelo uso da escala Neonatal Infant Pain Scale (NIPS) para avaliação da dor, em especial, por se tratar de um instrumento validado, por contemplar aspectos fisiológicos e comportamentais do RN com dor, por ser de fácil aplicação e por ir ao encontro dos objetivos propostos. A instrumentalização dos profissionais de enfermagem foi realizada em quatro momentos distintos. O primeiro ocorreu em uma sala reuniões do hospital, teve duração de 1h, com a presença de toda a equipe de enfermagem atuante na unidade, perfazendo um total de 33 profissionais. O mesmo consistiu em uma abordagem que contemplou conhecimentos teóricos sobre o conceito de dor, fisiologia, resultados de pesquisas, uso de escalas para avaliação da dor, com ênfase na escala NIPS. Nesse encontro ocorreram várias dúvidas, as quais, gradativamente, foram sanadas.

Os três encontros seguintes foram realizados na própria UTI, previamente agendados com os enfermeiros dos respectivos turnos. Nestes foi realizada a etapa piloto, que consistiu na aplicação da escala NIPS nos seis RN internados nos turnos manhã, tarde e noite, com acompanhamento de todos os profissionais de enfermagem presentes. Após a análise, verificou-se a adequação do instrumento e foi identificado que a equipe se sentiu em condições, ou seja, capacitada a aplicar a escala NIPS a cada 2h, juntamente com os demais sinais vitais nos neonatos.

Durante a prática de aplicação da escala, os profissionais de enfermagem se reportaram várias vezes à necessidade de implementação de condutas a serem tomadas diante da dor do RN. Essa postura foi determinante para dar continuidade à pesquisa, momento em que os enfermeiros se sensibilizaram juntamente com as pesquisadoras para a criação e implementação de um protocolo de manuseio da dor, incluindo medidas não farmacológicas para o seu alívio.

Nos últimos anos, avanços importantes ocorreram em relação à avaliação da dor com a validação de critérios objetivos, que podem ser utilizados em diferentes locais. A padronização da dor como quinto sinal vital, pela Joint Commissionon Accreditation of Healthcare Organizations (JCAHO) é considerada um desses avanços, por elencar como prioridades a avaliação (localização e intensidade) baseada em escalas comportamentais e parâmetros fisiológicos, a intervenção e a reavaliação da dor no processo de qualificação hospitalar3Santos LM, Pereira MP, dos Santos LF, de Santana RC. [Pain assessment in the premature newborn in Intensive Care Unit]. Rev Bras Enferm. 2012;65(1):27-33. Portuguese..

O RN não tem capacidade para informar o local da dor e a sua intensidade, portanto cabe à equipe de enfermagem avaliar o RN, por ser ela quem presta cuidados diretos aos neonatos, de forma contínua, no sentido de contribuir para o planejamento de ações rápidas e adequadas, com vistas a considerar a individualidade e singularidade de cada paciente9Alves VS, Santos TS, Trezza MC, Santos RM, Monteiro FS. Conhecimento de profissionais da enfermagem sobre fatores que agravam e aliviam a dor oncológica. Rev Bras Cancerol. 2011;57(2):199-206.. Ressalta-se que se buscou valorizar questões referentes ao cuidar em enfermagem, estar atento aos parâmetros fisiológicos e comportamentais do neonato, e que ao avaliar a dor como um sinal vital, a equipe qualifica a assistência e a personaliza.

CONCLUSÃO

A experiência vivenciada culminou com a implantação da avaliação da dor como quinto sinal vital na UTIN, seguida de acompanhamento da mesma. Evidenciou-se que a partir do momento em que a equipe ampliou conhecimentos sobre a dor do RN, sobre as implicações que ela pode causar, se mobilizou, e assumiu a atividade para si. Destaca-se a necessidade de construir indicadores de qualidade para avaliar a efetividade da implantação da escala de avaliação da dor nos RN internados na respectiva unidade.

A partir dessa vivência, emergiram vários questionamentos de ações a serem realizadas pela equipe diante da dor avaliada e, nesse sentido, percebe-se a importância de ter uma equipe comprometida com a assistência. Considera-se que o enfermeiro deve assumir seu papel de protagonista na educação em saúde e, dessa maneira, garantir a qualidade da assistência aos neonatos.

Os resultados dessa pesquisa sinalizam ações que podem e devem ser realizadas pela equipe de enfermagem que atua em UTIN, com o objetivo de avaliar a dor e, diante dos resultados obtidos, planejar e implementar cuidados no manuseio da dor do RN. Além disso, destaca-se a importância da formação de grupos de estudo e de pesquisas com enfoque na instrumentalização e na implantação de escala de avaliação de dor em terapia intensiva neonatal e nas demais unidades hospitalares.

  • Fontes de fomento: não há.
  • *
    Recebido da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Ijuí, RS, Brasil.

REFERENCES

  • 1
    Lago P, Garetti E, Boccuzzo G, Merazzi D, Pirelli A, Pieragostini L, et al. Procedural pain in neonates: the state of the art in the implementation of national guidelines in Italy. Paediatr Anaesth. 2013;23(5):407-14.
  • 2
    Tamez RN, Silva MJ. Enfermagem na UTI neonatal: assistência ao recém-nascido de alto risco. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2010. 69-70p.
  • 3
    Santos LM, Pereira MP, dos Santos LF, de Santana RC. [Pain assessment in the premature newborn in Intensive Care Unit]. Rev Bras Enferm. 2012;65(1):27-33. Portuguese.
  • 4
    Silva LD, Lima LS, Tacla MT, Ferrari RA. Scales of assessment of pain: the process of implementation in a pediatric intensive care unit. Rev Enferm UFPE. 2014;8(4):857-63.
  • 5
    Giacchetti L, Stablum M, De Martino A, Giustardi A. Pain in newborn. Ital J Pediatr. 2014;40(Suppl 1):A54.
  • 6
    dos Santos MZ, Kusahara DM, Pedreira Mda L. [The experiences of intensive care nurses in the assessment and intervention of pain relief in children]. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(5):1074-81. Portuguese.
  • 7
    Silva MS, Pinto MA, Gomes LM, Barbosa TL. Pain in hospitalized children: nursing team perception. Rev Dor. 2011;12(4):314-20.
  • 8
    Maia AC, Coutinho SB. Fatores que influenciam a prática do profissional de saúde no manejo da dor do recém-nascido. Rev Paul Pediatr. 2011;29(2):270-6.
  • 9
    Alves VS, Santos TS, Trezza MC, Santos RM, Monteiro FS. Conhecimento de profissionais da enfermagem sobre fatores que agravam e aliviam a dor oncológica. Rev Bras Cancerol. 2011;57(2):199-206.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2015

Histórico

  • Recebido
    21 Mar 2015
  • Aceito
    29 Jul 2015
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