Open-access Bruximo do sono e disfunções temporomandibulares: revisão sistemática

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Os estudos epidemiológicos das disfunções temporomandibulares (DTM) trazem compreensão geral a respeito do papel que o bruxismo do sono (BS) tem como fator do desencadeamento e/ou da sua perpetuação. Até o momento, estudos a respeito dessa associação, não mostraram resultados conclusivos. Uma das causas responsáveis pelo baixo grau de especificidade dessa associação é a diferente metodologia de diagnóstico, tanto para as DTM como para o BS. O objetivo deste estudo foi avaliar a possível relação de causa e efeito entre o BS e a DTM. CONTEÚDO: Revisão sistemática da literatura nas bases de dados Medline, Cochrane, EMBASE, Pubmed, LILACS e BBO. Foram considerados trabalhos publicados entre janeiro de 2000 e agosto de 2012, que utilizaram o Reseach Diagnostic Criteria (RDC/TMD) para diagnóstico de DTM, e a polissonografia (PSG) para avaliação do BS. Nove estudos foram selecionados pelo cruzamento dos descritores eleitos. Após a aplicação dos critérios de inclusão quatro estudos foram incluídos. Dos cinco estudos descartados, dois eram estudos piloto, um era artigo de revisão, um relato de caso, e outro um estudo comparativo que não utilizou o RDC/TMD. CONCLUSÃO: Os trabalhos avaliados não permitiram estabelecer relação positiva entre o BS e a DTM, quando se cruzam os descritores bruxismo do sono, disfunção temporomandibular e PSG, porém reforçam a necessidade de encaminhar pacientes com DTM com queixas de distúrbios do sono para avaliação polissonográfica.

Bruxismo do sono; Disfunção temporomandibular; Polissonografia; RDC


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Epidemiologic studies of temporomandibular disorders (TMD) bring general understanding of the role of sleep bruxism (SP) as TMD triggering and/or perpetuating factor. To date, studies on this association have not shown conclusive results. A reason for the low specificity level of this association is the different diagnostic methodology, both for TMD and SB. This study aimed at evaluating the possible cause and effect ratio between SB and TMD. CONTENTS: Systematic literature review of research databases Medline, Cochrane, EMBASE, Pubmed, LILACS and BBO. Eligible criteria were papers published between January 2000 and August 2012, using the Research Diagnostic Criteria (RDC/TMD) for TMD diagnosis and polysomnography (PSG) for SB evaluation. Nine studies were selected by crossing chosen keywords. After applying inclusion criteria, four studies were selected. From five discarded studies, two were pilot studies, one was a review article, one case report and one comparative study not using RDC/TMD. CONCLUSION: Evaluated studies were unable to establish a positive relationship between SB and TMD when keywords sleep bruxism, temporomandibular disorders and polysomnography were crossed; however they reinforce the need for referring TMD patients with sleep disorders to polysomnographic evaluation.

Polysomnography; RDC; Sleep bruxism; Temporomandibular disorder


ARTIGO DE REVISÃO

Bruximo do sono e disfunções temporomandibulares: revisão sistemática*

Rafael Schlogel CunaliI; Danielle Medeiros Veiga BonottoI; Eduardo MachadoI; Priscila Brenner HilgenbergII; Daniel BonottoIII; Aguinaldo Coelho de FariasIV; Paulo Afonso CunaliV

IEspecialistas em Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial pela Universidade Federal do Paraná (UFPr). Curitiba, PR, Brasil

IIMestre em Reabilitação Oral pela Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo (FOB/USP); Especialista em Prótese Dentária pela FOB/USP. Curitiba, PR, Brasil

IIIProfessor da Universidade Positivo; Mestre em Ciências pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPr); Especialista em Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial pela Universidade Federal do Paraná (UFPr). Curitiba, PR, Brasil

IVProfessor da Universidade Federal do Paraná; Doutor em Ortodontia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP); Especialista em Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial. Curitiba, PR, Brasil

VProfessor da Universidade Federal do Paraná (UFPr); Coordenador do Curso de Especialização em Disfunção Temporomandibular e Dor da UFPr; Doutor em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP); Especialista em Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial. Curitiba, PR, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Rafael Schlogel Cunali Rua Padre Agostinho, 805 80430-050 Curitiba, PR. Fone: +55 (41) 3322-12134

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Os estudos epidemiológicos das disfunções temporomandibulares (DTM) trazem compreensão geral a respeito do papel que o bruxismo do sono (BS) tem como fator do desencadeamento e/ou da sua perpetuação. Até o momento, estudos a respeito dessa associação, não mostraram resultados conclusivos. Uma das causas responsáveis pelo baixo grau de especificidade dessa associação é a diferente metodologia de diagnóstico, tanto para as DTM como para o BS. O objetivo deste estudo foi avaliar a possível relação de causa e efeito entre o BS e a DTM.

CONTEÚDO: Revisão sistemática da literatura nas bases de dados Medline, Cochrane, EMBASE, Pubmed, LILACS e BBO. Foram considerados trabalhos publicados entre janeiro de 2000 e agosto de 2012, que utilizaram o Reseach Diagnostic Criteria (RDC/TMD) para diagnóstico de DTM, e a polissonografia (PSG) para avaliação do BS. Nove estudos foram selecionados pelo cruzamento dos descritores eleitos. Após a aplicação dos critérios de inclusão quatro estudos foram incluídos. Dos cinco estudos descartados, dois eram estudos piloto, um era artigo de revisão, um relato de caso, e outro um estudo comparativo que não utilizou o RDC/TMD.

CONCLUSÃO: Os trabalhos avaliados não permitiram estabelecer relação positiva entre o BS e a DTM, quando se cruzam os descritores bruxismo do sono, disfunção temporomandibular e PSG, porém reforçam a necessidade de encaminhar pacientes com DTM com queixas de distúrbios do sono para avaliação polissonográfica.

Descritores: Bruxismo do sono, Disfunção temporomandibular, Polissonografia, RDC/TMD.

INTRODUÇÃO

As disfunções temporomandibulares (DTM) são alterações funcionais das articulações temporomandibulares (ATM) e/ou dos músculos da mastigação. Sua etiologia é tida como multifatorial. O desencadeamento e a perpetuação das DTM estão condicionados à interação de fatores como trauma, lassidão ligamentar, hábitos parafuncionais, estresse, alterações sistêmicas, entre outros1.

A Academia Americana de Dor Orofacial define o bruxismo como sendo a atividade parafuncional diurna ou noturna que inclui o ranger e o apertar dos dentes2. De acordo com a Classificação Internacional dos Distúrbios do Sono3, o bruxismo do sono (BS) é definido como atividade oral caracterizada pelo ranger ou apertar dos dentes durante o sono, geralmente associada com microdespertares. Portanto existem o BS e o bruxismo da vigília. Entre os efeitos indesejáveis resultantes desse distúrbio estão desgaste dos dentes, hipersensibilidade dentária à estímulos térmicos, dor orofacial e cefaleia temporal. Atualmente o BS é considerado como um distúrbio de movimento3 e não mais como parassonia. Em casos nos quais não há causas médicas evidentes sistêmicas ou psiquiátricas, o BS é considerado primário. Quando associado a transtorno clínico, neurológico ou psiquiátrico, ou ligado ao uso ou retirada de substâncias e/ou fármacos é considerado secundário4-6.

O BS vem sendo estudado como fator de risco e/ou de perpetuação das DTM7-14. Entretanto, poucos são os estudos com critérios metodológicos adequados que se propuseram a avaliar esta associação: BS e DTM. A falta de padronização de métodos de diagnóstico, tanto das DTM quanto do BS, explica porque essa associação ainda não foi definitivamente comprovada ou refutada. Embora, até o momento, as melhores ferramentas para o diagnóstico de BS e DTM em pesquisa sejam respectivamente a polissonografia (PSG) e o índice Reseach Diagnostic Criteria (RDC/TMD), mesmo estudos que aplicaram essas duas ferramentas simultaneamente não apresentaram, até o momento, conclusão de que o BS identificado por PSG seja fator de risco importante para as DTM. Assim, estudos13,14, utilizaram, respectivamente, a coleta de autorrelato e os critérios clínicos da Americam Academy of Sleep Medicine3 para diagnosticar e relacionar o BS com as DTM.

O objetivo deste estudo foi avaliar a associação entre o BS e a DTM.

MÉTODO

Revisão sistemática que contemple os estudos com melhores critérios metodológicos mostra-se interessante para se conhecer o atual nível de evidência para a associação do BS como causa de DTM.

Foi realizada uma busca nas bases de dados Pubmed, Medline, LILACS e BBO. Os descritores de pesquisa utilizados foram "sleep bruxism", "polysomnography", "temporomandibular disorders", e RDC/TMD, que foram cruzados nos mecanismos de busca. A lista inicial de artigos foi submetida à revisão por dois avaliadores, que aplicaram critérios de inclusão, para determinar a amostra final de artigos.

Os critérios para a seleção dos artigos foram:

a) Estudos publicados de janeiro de 2000 até agosto de 2012;

b) Critérios diagnósticos: utilização de exame de PSG ou eletromiografia portátil e validado (Bite Strip) para avaliação do BS e do RDC/TMD para a avaliação da presença ou não de DTM;

c) Artigos redigidos em língua inglesa, espanhola e portuguesa;

d) Foram excluídos estudos pilotos, relatos de casos e revisões simples de literatura.

RESULTADOS

Nove estudos foram selecionados pelo cruzamento dos descritores mencionados. Após a aplicação dos critérios de inclusão quatro estudos foram incluídos (Tabela 1), com índice Kappa de concordância entre os revisores de 1,00. Dos cinco estudos que foram descartados, dois eram estudos piloto, um era artigo de revisão simples, outro foi um relato de caso e um estudo foi comparativo, mas não utilizou o RDC/TMD.

DISCUSSÃO

Encontrou-se grande dificuldade na busca de literatura científica para estudar qualquer assunto relacionado ao BS, pois o número de trabalhos é vasto. No Pubmed, foram encontradas 2.389 publicações sobre bruxismo. Como selecionar o que estudar? O estabelecimento de descritores é fundamental, apesar de limitar o estudo. Para atender cientificamente essa limitação, em modelo de estudo que busca relação causal, os critérios de diagnóstico são importantíssimos. Eles formarão a base da amostra a ser estudada e comparada. Se fosse um estudo que tivesse o objetivo de comparar tratamentos, estudos randomizados, com grupo controle e duplamente encobertos seriam os preferidos.

O BS pode ser diagnosticado clinicamente quando há sinais característicos como desgaste dental anormal, ruído de ranger os dentes durante o sono e desconforto muscular mandibular3. Como o diagnóstico clínico do BS por meio de anamnese apresenta limitações, o ideal é que todos os prováveis bruxômanos sejam submetidos a exame de PSG15. Esse exame é importante para confirmar o diagnóstico de BS, descartando outros movimentos orofaciais realizados durante o sono, tais como deglutição, tosse, grunhir ou alternar abertura e fechamento da boca, que podem ser confundidos com o BS16.

Já os critérios de diagnóstico para DTM pelo RDC/TMD17 são os que atualmente vêm merecendo mais credibilidade, sendo validados em vários idiomas numa tentativa de uniformização das pesquisas nessa área. Com o RDC/TMD as DTM articulares e musculares podem ser diagnosticadas em subgrupos, e terem o impacto da dor provocada por elas mensuradas de forma objetiva.

Todos os quatro trabalhos selecionados nessa revisão utilizaram o RDC/TMD para avaliar e diagnosticar DTM. Mesmo assim, a denominação DTM ainda é interpretada de forma errada.

No estudo11, o título sugere que o objetivo foi avaliar a associação entre os distúrbios do sono e a sensibilidade à dor induzida em laboratório nas disfunções da articulação temporomandibular, a dor por DTM avaliada foi a miofascial, uma dor muscular. Esse problema é observado outra vez quando se observou a metodologia da avaliação odontológica, onde a sigla ATM (articulação temporomandibular) é usada no lugar de DTM (disfunção temporomandibular), e se repete em outras citações no artigo. Como o foco desse estudo foi à sensibilidade à dor provocada em um grupo de pacientes com dor miofascial, um grupo de pacientes sem dor por DTM e sem BS deveria ter sido avaliado de forma comparativa. O diagnóstico clínico do BS foi feito de acordo com a ICSD-23 e os descritos no estudo15 foram utilizados na PSG. Apesar da amostra não ser grande, o maior número de mulheres (43 x 10) está de acordo com outro achado na literatura quando se avalia DTM e distúrbios do sono18. Interessante o achado de que 75% da amostra atendiam ao critério de autorrelato de bruxismo, mas apenas 17% atendiam ao critério da PSG para BS ativo. Outro achado importante foi a relação da hiperalgesia geral nos pacientes com insônia primária.

É hipoteticamente esperado, ao avaliar pacientes com dor miofascial, que esses tenham mais BS que aqueles que não têm dor. Estudo muito bem desenhado, utilizando o RDC/TMD para compor os grupos com e sem dor miofascial mastigatória, e a PSG para confirmar a presença do BS, provou que não. Foram avaliados e comparados 20 pacientes com dor miofascial sendo três homens e 17 mulheres, com 20 pacientes sem dor miofascial sendo cinco homens e 15 mulheres, submetidos a uma noite de PSG9. Os resultados não mostraram diferenças estatisticamente significantes nas variáveis de sono e bruxismo de ambos os grupos. Por essas observações pode-se concluir que as características polissonográficas de pacientes de bruxismo com e sem dor orofacial são semelhantes.

Na tentativa de associar BS com DTM, a pergunta é: quem tem BS tem mais chances de ter dor por DTM? Essa questão parece encontrar explicação no estudo10, em que os autores avaliaram 30 pacientes com dor miofascial mastigatória diagnosticados pelo RDC/TMD, e 30 indivíduos assintomáticos que compuseram o grupo controle. Todos os pacientes foram submetidos a exame polissonográfico. Um dado interessante e que levanta questionamento, é que desses 60 indivíduos, 58 se queixaram de apertamento diurno. Nesse estudo não foram observadas diferenças significativas, entre os grupos, com relação às outras variáveis do sono. Mas o BS esteve significativamente associado à dor miofascial. Para os autores, o BS se constitui em pequeno risco para a dor miofascial mastigatória. Por outro lado, segundo os autores, o apertamento diurno provavelmente seja o fator de risco mais importante, e deva ser sempre considerado.

A PSG ainda é onerosa. Depende de laboratório de sono estruturado, de técnico capacitado e do deslocamento do paciente. O dispositivo portátil denominado Bite Strip é uma alternativa para diagnosticar o BS. O único estudo selecionado nessa revisão, que não usou a PSG12, utilizou esse dispositivo portátil para avaliar a eficiência de um aparelho de avanço mandibular (AAM) na melhoria dos escores do sono e do BS. Valeram-se os autores de trabalhos prévios que compararam esse dispositivo com a PSG, validando-os em alguns estudos20-22. Vinte e oito indivíduos com queixa de BS foram avaliados e tratados com o AAM. O período de adaptação para o aparelho foi dispensado. Os registros para os escores de BS foram feitos na condição basal e após 30 dias de uso do AAM. Os participantes desse estudo, 13 mulheres e 15 homens tinham histórico clínico de BS, mas não tinham dor por DTM pelo RDC/TMD. Foi possível confirmar o diagnóstico clínico de BS, tanto em grau moderado como grave, pelo uso do Bite Strip na condição basal. O RDC/TMD foi aplicado antes e após os 30 dias de uso do AAM para verificar seus possíveis efeitos colaterais. Os dados mostraram melhora estatisticamente significante nos escores de sono e BS pelo Bite Strip e SQA. O uso do AAM trouxe significativa redução dos sons articulares, bem como da sensibilidade à palpação no masseter e temporais. Corroborando dados de outro estudo, o AAM teve efeito positivo sobre os escores do sono e do BS, mensurados pelo Bite Strip e SQA respectivamente, e não agravou nenhum dos sinais e sintomas da DTM durante período de 30 dias22.

O número de publicações sobre BS e DTM é muito grande, mas devido à subjetividade dos critérios diagnósticos e limitações metodológicas dos estudos clínicos, resultados conclusivos ainda não podem ser obtidos, porém estudos com amostras representativas, tempo de acompanhamento longo e critérios metodológicos adequados são necessários para elucidar com maior precisão a inter-relação BS e DTM utilizando a PSG e o RDC/TMD.

CONCLUSÃO

Os estudos avaliados não permitem estabelecer relação positiva entre o BS e DTM, quando se cruza os descritores bruxismo do sono, disfunção temporomandibular e polissonografia, porém reforçam a necessidade de encaminhar pacientes de DTM com queixas de distúrbios do sono para avaliação polissonográfica.

Apresentado em 26 de junho de 2012.

Aceito para publicação em 30 de outubro de 2012.

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  • Endereço para correspondência:
    Dr. Rafael Schlogel Cunali
    Rua Padre Agostinho, 805
    80430-050 Curitiba, PR.
    Fone: +55 (41) 3322-12134
  • *
    Recebido do Curso de Especialização em Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial da Universidade Federal do Paraná (UFPr). Curitiba, PR.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      26 Jun 2012
    • Aceito
      30 Out 2012
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