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Cinesiofobia, adesão ao tratamento, dor e qualidade de vida em indivíduos com síndrome fibromiálgica* * Recebido da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto, SP, Brasil.

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A síndrome fibromiálgica é caracterizada por dor musculoesquelética difusa e crônica, de difícil manuseio, afetando negativamente a qualidade de vida dos indivíduos. O objetivo deste estudo foi mensurar o medo do movimento, a adesão ao tratamento e avaliar a qualidade de vida relacionada à saúde de indivíduos com síndrome fibromiálgica.

MÉTODOS:

Trata-se de um estudo prospectivo em amostra de conveniência composta por indivíduos com síndrome fibromiálgica que realizam atendimento ambulatorial em Clinica da Dor. Os instrumentos utilizados foram: protocolo de identificação, o Questionário de Impacto da Fibromialgia, questionário genérico de qualidade de vida World Health Organization's Quality of Life Instrument, a escala analógica visual, a Escala Tampa de Cinesiofobia e a medida de adesão ao tratamento. Participaram do estudo 65 indivíduos, sendo 35 com síndrome fibromiálgica denominados grupo teste e 30 indivíduos sem diagnóstico de doenças nos sistemas musculoesquelético e neurológico denominado grupo controle.

RESULTADOS:

Na amostra do grupo teste houve predomínio do gênero feminino, média de idade de 42,5±4,3 anos, 53% casados e média de escolaridade de 9±2,5 anos. Foi relatado um tempo médio de dor de 3,5±1,2 anos e média de dois anos para o diagnóstico de síndrome fibromiálgica. Houve pior qualidade de vida, maior intensidade de dor, e reconhecimento da importância da atividade física, apesar de referirem medo. Além disso, constatou-se que a taxa de adesão ao tratamento farmacológico foi inferior ao observado no grupo controle.

CONCLUSÃO:

Pacientes fibromiálgicos apresentaram maior intensidade de dor, maior medo de movimento e pior qualidade de vida nos domínios físico e social. O nível de adesão ao tratamento foi médio e houve decréscimo na capacidade funcional.

Avaliação; Fibromialgia; Qualidade de vida


BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Fibromyalgia syndrome is characterized by diffuse and chronic musculoskeletal pain, which is difficult to handle and negatively affects patients' quality of life. This study aimed at measuring fear of movement, adherence to treatment and at evaluating health-related quality of life of fibromyalgia syndrome patients.

METHODS:

This is a prospective study in convenience sample made up of individuals with fibromyalgia syndrome and treated in a Pain Outpatient Clinic. Tools used were: identification protocol, Fibromyalgia Impact Questionnaire, generic quality of life questionnaire World Health Organization's Quality of Life Instrument, visual analog scale, Tampa Scale for Kinesiophobia and treatment adherence measurement. Participated in the study 65 individuals being 35 with fibromyalgia syndrome called test group and 30 without diagnostic of musculoskeletal and neurological systems diseases called control group.

RESULTS:

The test group had predominance of females, mean age of 42.5±4.3 years, 53% were married and mean education was 9±2.5 years. Mean pain duration was 3.5±1.2 years and mean of two years for fibromyalgia syndrome diagnostic. There has been poorer quality of life, more severe pain and acknowledgment of the importance of physical activities, in spite of referring fear. In addition, adherence to pharmacological treatment was lower than that observed in the control group.

CONCLUSION:

Fibromyalgia patients had more severe pain, more fear of movement and poorer quality of life in physical an social domains. Adherence to treatment level was medium and there has been decreased functional capacity.

Evaluation; Fibromyalgia; Quality of life


INTRODUÇÃO

A fibromialgia (FM) é uma síndrome reumática, não inflamatória, de caráter crônico, que ocorre predominantemente em mulheres com idade entre 40 e 55 anos, caracterizada por dor musculoesquelética difusa e áreas dolorosas específicas à palpação (tender points). Frequentemente é associada a fadiga generalizada, distúrbios do sono, rigidez matinal, dispneia, ansiedade e alterações de humor, que podem evoluir para um quadro de depressão11. Santos AM, Assumpção A, Matsutani LA, Pereira CA, Lage LV, Marques AP. Depressão e qualidade de vida em pacientes com fibromialgia. Rev Bras Fisioter. 2006;10(3):317-24..

A dor, principal característica da FM, é diferente de qualquer outra impressão sensorial porque se caracteriza não somente pela dimensão sensório-discriminativa que o indivíduo vivencia, mas também pelo importante componente afetivo-emocional, que constitui a dimensão afetivo-emocional da dor. A sua complexidade e subjetividade dificulta sua avaliação precisa e justifica a utilização de técnicas como questionário verbal, escala de categoria numérica, escala analógica visual (EAV) e índices não verbais para sua avaliação22. Ferreira EA, Marques AP, Matsutani LA, Vasconcellos EG, Mendonça LL. Avaliação da dor e estresse em pacientes com fibromialgia. Rev Bras Reumatol. 2002;42(2):104-10..

Os distúrbios do humor, como ansiedade e depressão, são comuns e importantes já que influenciam negativamente a FM, de forma semelhante ao que ocorre em outras doenças. Por ser uma doença de origem não determinada e cura incerta, a FM provoca sentimentos de vulnerabilidade e desamparo. A prevalência de anormalidades psicológicas, particularmente a depressão, é elevada entre esses pacientes, variando de 49 a 80%. A depressão pode iniciar ou perpetuar os seus sintomas, provocar limitações funcionais importantes e consequentemente influenciar a qualidade de vida dos pacientes33. Berber JD, Kupek E, Berber SC. Prevalência de depressão e sua relação com a qualidade de vida em pacientes com síndrome da fibromialgia. Rev Bras Reumatol. 2005;45(2):47-54.. É importante ressaltar, no entanto, que uma parcela considerável de pacientes com FM não apresenta depressão, de forma que ambas, depressão e FM, são condições clínicas diferentes44. Fibromialgia - Cartilha para pacientes. Sociedade Brasileira de Reumatologia. 2011..

Não existe ainda uma causa definida, mas há indícios de por que as pessoas têm FM44. Fibromialgia - Cartilha para pacientes. Sociedade Brasileira de Reumatologia. 2011.. Pesquisas recentes mostram anormalidades bioquímicas, metabólicas e imunorreguladoras55. Sánchez MA. Fibromialgia. Colomb Med. 2005;36(4):287-91.. O mecanismo mais aceito para o entendimento fisiopatológico da FM é o de uma alteração em algum mecanismo central de controle da dor o qual poderia resultar em uma disfunção neuro-hormonal. Essa disfunção poderia ser desencadeada por uma infecção viral, estresse mental ou por um trauma físico, entre outros66. Helfenstein M, Feldman D. Síndrome da fibromialgia: características clínicas e associações com outras síndromes disfuncionais. Rev Bras Reumatol. 2002;42(1):8-14..

Os dados epidemiológicos referentes à prevalência são variáveis, de acordo com diferentes estudos, dependendo da população avaliada e da metodologia aplicada. Com base em pesquisas internacionais77. Vallejo M, Martínez-Martínez LA, Grijalva-Quijada S, Olguín-Ruvalcaba HM, Salas E, Hermosillo AG, et al. Prevalence of fibromyalgia in vasovagal syncope. J Clin Rheumatol. 2013 ;19(3):111-4.,88. Wolfe F, Brähler E, Hinz A, Häuser W. Fibromyalgia prevalence, somatic symptom reporting, and the dimensionality of polysymptomatic distress: results from a survey of the general population. Arthritis Care Res . 2013;65(5):777-85. , a frequência é de 1 a 5% na população geral. Nos serviços de clínica médica, essa frequência é em torno de 5% e nos pacientes internados de 7,5%. Na clínica reumatológica por sua vez, essa síndrome é detectada em 14% dos atendimentos99. Rocha ce, Martins MR, Foss MH, Santos Junior R, Dias LC, Forni JE, et al. Melhora da qualidade de vida de pacientes com dor neuropática utilizando de monitorização ambulatorial contínua. Rev Dor. 2011;12(4):291-6..

Essa frequência vem aumentando progressivamente, uma vez que há um conhecimento cada vez maior sobre a FM, e com o aprimoramento do uso de critérios diagnósticos em todo mundo88. Wolfe F, Brähler E, Hinz A, Häuser W. Fibromyalgia prevalence, somatic symptom reporting, and the dimensionality of polysymptomatic distress: results from a survey of the general population. Arthritis Care Res . 2013;65(5):777-85.. No Brasil, alguns trabalhos falam a favor de uma prevalência em torno de 10% da população geral99. Rocha ce, Martins MR, Foss MH, Santos Junior R, Dias LC, Forni JE, et al. Melhora da qualidade de vida de pacientes com dor neuropática utilizando de monitorização ambulatorial contínua. Rev Dor. 2011;12(4):291-6..

Com relação à atividade ocupacional, mais de 30% dos pacientes com FM são forçados a reduzir a carga horária de trabalho ou trocar para um que tenha menor demanda física para conseguir manter-se empregados. Nos Estados Unidos, 15% dos pacientes com FM são aposentados por invalidez1010. International Association for the Study of Pain (IASP). Pain - Clinical Updates. Volume XVI, Issue 4. June 2008. [editorial].. Em vários países, o reconhecimento da gravidade do impacto social da FM ainda é insatisfatório, e o risco de marginalização desses indivíduos implica em um prejuízo ainda maior da qualidade de vida desses pacientes1111. Van Abbema R, Van Wilgen CP, Van Der Schans CP, Van Ittersum MW. Patients with more severe symptoms benefit the most from an intensive multimodal programme in patients with fibromyalgia. Disabil Rehabil. 2011;33(9):743-50..

Assim, a avaliação da qualidade de vida por meio de questionários tem sido reconhecida como uma importante área do conhecimento científico no campo da saúde. Isso porque os conceitos de saúde e qualidade de vida se interpõem - considerados como satisfação e bem-estar nos âmbitos físico, psíquico, socioeconômico e cultural. Na prática clínica, eles podem identificar os âmbitos mais influenciados por determinada síndrome e avaliar a efetividade de uma intervenção e da análise de custo-utilidade do tratamento1212. Martins MR, Polvero LO, Rocha CE, Foss MH, Santos Junior RD. Uso de questionários para avaliar a multidimensionalidade e a qualidade de vida do fibromiálgico. Rev Bras Reumatol. 2012;52(1):21-6..

Diante do exposto este estudo teve por objetivo avaliar a qualidade de vida e a adesão ao tratamento de pacientes fibromiálgicos e verificar a limitação ou medo do movimento assim como a presença de dor.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo prospectivo em amostra de conveniência composta por indivíduos com FM, que realizam atendimento ambulatorial na Clinica da Dor do Hospital de Base, Funfarme/Famerp.

Participaram do estudo 65 pacientes de ambos os gêneros, com nível cognitivo suficiente para entender os procedimentos e acompanhar as orientações dadas, além de consentir em participar do estudo. Todos os pacientes incluídos no estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Os pacientes foram alocados em um grupo teste (GT), com diagnóstico de FM (n=35) segundo os critérios do Colégio Americano de Reumatologia, e um grupo controle (GC) (n=30) submetido a interconsulta na Clinica da Dor e sem diagnóstico de doenças nos sistemas musculoesqueléticos e neurológicos, ou queixas incapacitantes nesses sistemas, com recomendação para realização de caminhadas (dor pélvica, causas vasculares, hormonais).

Ambos os grupos foram avaliados em entrevistas individuais e presenciais através dos seguintes instrumentos: Questionário de Impacto de Fibromialgia (FIQ)1313. Marques AP, Santos AM, Assumpção A, Matsutani LA, Lage LV, Pereira CA. Validação da versão brasileira do Fibromyalgia Impact Questionnaire (FIQ). Rev Bras Reumatol. 2006;46(1):24-31. , o World Health Organization's Quality of Life Instrument (Whoqol-bref)1414. Fleck MP, Louzada S, Xavier M, Chachamovich E, Vieira G, Santos L, et al. [ Application of the Portuguese version of the instrument for the assessment of quality of life of the World Health Organization (WHOQOL-100)]. Rev Saude Publica. 1999;33(2):198-205. Portuguese., a EAV1515. Pimenta CA. Escalas de avaliação de dor. In: Teixeira MD. (editor). Dor conceitos gerais. São Paulo: Limay; 1994. 46-56p., a Escala Tampa de Cinesiofobia (ETC)1616. Siqueira FB, Teixeira-Salmela LF, Magalhães LD. Escala de tampa de cinesiofobia-brasil. Acta Ortop Bras. 2007:15(1):19-24. e o questionário de Medida de Adesão a Tratamento (MAT)1717. Morisky DE, Green W, Levine DM. Concurrent and predictive validity of a self-reported measure of medication adherence. Med Care. 1986;24(1):67-74..

A avaliação dos sujeitos de ambos os grupos foi realizada utilizando-se o FIQ1313. Marques AP, Santos AM, Assumpção A, Matsutani LA, Lage LV, Pereira CA. Validação da versão brasileira do Fibromyalgia Impact Questionnaire (FIQ). Rev Bras Reumatol. 2006;46(1):24-31., que envolve 20 questões distribuídas em 10 itens (capacidade funcional, sentir-se bem, faltas no trabalho, interferência dos sintomas no trabalho, dor, fadiga, rigidez matinal, cansaço matinal, ansiedade e depressão) nos quais nove dos 10 itens apresentam maior escore como pior condição, sendo exceção o item sentir-se bem. Sete dos nove itens (4° ao 10°) são pontuados utilizando-se a EAV, ou seja, entre zero e 10. A capacidade funcional é avaliada em 10 questões, com respostas entre zero e 3, que ao final são somadas, variando entre zero e 30. As questões faltas no trabalho e sentir-se bem são pontuadas em dias da semana, originalmente variando entre zero e 5.

O questionário de qualidade de vida Whoqol-bref1414. Fleck MP, Louzada S, Xavier M, Chachamovich E, Vieira G, Santos L, et al. [ Application of the Portuguese version of the instrument for the assessment of quality of life of the World Health Organization (WHOQOL-100)]. Rev Saude Publica. 1999;33(2):198-205. Portuguese. é composto por 26 itens que representam as facetas, as quais, por sua vez, referem-se a 4 domínios: físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente. As respostas para todas as questões são obtidas através de uma escala do tipo Likert de cinco pontos, na qual a pontuação pode variar de 1 a 5, além de duas questões sobre qualidade de vida geral calculadas em conjunto para gerar um único escore independente dos escores dos domínios, denominada overall ou "qualidade de vida geral".

A EAV avalia a intensidade da dor, consistindo em uma reta de 10 cm de comprimento, desprovida de números, em que há somente a indicação no extremo esquerdo e direito de "ausência de dor" e "dor insuportável", respectivamente. Quanto maior o escore, maior a intensidade da dor. O paciente é instruído a marcar um ponto que represente a intensidade da dor sentida no momento da entrevista. Essa escala é um importante instrumento para verificar a evolução do paciente durante o tratamento e mesmo a cada atendimento de maneira mais fidedigna, permitindo, assim, avaliar a eficácia do tratamento1515. Pimenta CA. Escalas de avaliação de dor. In: Teixeira MD. (editor). Dor conceitos gerais. São Paulo: Limay; 1994. 46-56p..

A ETC é a versão adaptada para o Brasil da "Tampa Scale for Kinesiophobia", um dos instrumentos mais utilizados na avaliação da cinesiofobia, ou seja, medo excessivo, irracional e debilitante do movimento e da atividade física, que resulta em sentimentos de vulnerabilidade à dor ou em medo de reincidência da lesão1616. Siqueira FB, Teixeira-Salmela LF, Magalhães LD. Escala de tampa de cinesiofobia-brasil. Acta Ortop Bras. 2007:15(1):19-24.. É composta por 17 perguntas que abordam a dor e a intensidade dos sintomas, e os escores variam de 1 a 4 pontos, sendo "discordo totalmente", "discordo parcialmente", "concordo totalmente" e "concordo parcialmente", respectivamente. Para a obtenção do escore total final é necessária a inversão dos escores das questões 4, 8, 12 e 16. Quanto maior a pontuação, maior o grau de cinesiofobia.

A medida de adesão à terapia (MAT), teste proposto por Morisky, Green e Levine1717. Morisky DE, Green W, Levine DM. Concurrent and predictive validity of a self-reported measure of medication adherence. Med Care. 1986;24(1):67-74. , avalia a adesão considerando todos os fármacos prescritos para o paciente, inclusive aqueles indicados para o tratamento de outras doenças concomitantes, eventualmente presentes. O MAT modificado é um questionário baseado em quatro itens, e a pontuação obtida varia de zero a 4, atribuindo-se o valor 1 para cada resposta negativa obtida. Considerou-se alta adesão ao tratamento os pacientes que obtiveram escore de 4 pontos, média adesão escore de 2 a 3 pontos e baixa aquela com zero a 1 ponto.

Também foi utilizado o protocolo de dados pessoais com o objetivo de coletar informações sobre as variáveis demográficas que foram utilizadas somente para caracterizar as amostras e garantir a similaridade entre os grupos.

Para atender aos objetivos propostos foi realizada análise estatística descritiva dos dados sociodemográficos e clínicos, de acordo com estatísticas descritivas como média, desvio padrão, mediana, extremos e intervalo de confiança com o objetivo de embasar a análise exploratória dos dados quantitativos. Para a análise dos dados foram utilizados o teste de Mann-Whitney e ANOVA e nível de significância de 0,05.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Parecer nº 112/2010).

RESULTADOS

Na amostra dos dois grupos há predomínio do gênero feminino, média de idade de 44,5±3,8 anos, 40% casados e média de escolaridade de 8±2,7 anos. Foi relatado um tempo médio de dor de 3,5±1,2 anos e uma média de 2 anos para o diagnóstico clínico da fibromialgia no GT. A tabela 1 apresenta a caracterização da amostra dos dois grupos estudados.

Tabela 1
Caracterização da amostra dos grupos estudados

Em relação ao peso e altura, nota-se que apesar de não haver diferença significativa entre os grupos, o índice de massa corpórea (IMC) médio é inferior no GT (24,7 versus 27,1 no GC; p<0,05), o que significa que os pacientes com FM encontram-se com um peso adequado, e o GC está no grupo de sobrepeso.

Com relação ao impacto da FM avaliado pelo FIQ oito dos 10 itens apresentaram maior escore com pior condição, sendo exceção o item sentir-se bem e faltas e habilidade para trabalhar (Tabela 2).

Tabela 2
Dados obtidos com o Questionário de Impacto de Fibromialgia nos grupos estudados

Os resultados obtidos pela aplicação do questionário específico, FIQ, evidenciou diferença estatisticamente significativa entre o GC e o GT (valor p<0,05), para a maioria dos itens, exceto para capacidade funcional e habilidade para trabalhar. Todos os itens estão listados na tabela 2.

A tabela 3 mostra a qualidade de vida dos indivíduos estudados através do Whoqol-bref.

Tabela 3
Média dos domínios do World Health Organization's Quality of Life Instrument entre os indivíduos de ambos os grupos

A qualidade de vida avaliada pelo questionário Whoqol-bref mostrou que, dos cinco domínios analisados, apenas os domínios físico e social apresentam diferenças estatisticamente significativas (p<0,05). A qualidade de vida acerca desses critérios é menor nos pacientes portadores da síndrome fibromiálgica do que nos indivíduos do GC.

Em relação aos valores da EAV, o GT apresentou os maiores valores (7,94>5,5), o que representa maior intensidade de dor e maior incapacidade funcional.

A cinesiofobia avaliada por meio da ETC mensurou o medo de movimento e o medo de reincidência das dores ao movimentar-se e apresentou diferença significativa entre os grupos (p=0,035). A média do escore da ETC no GT foi 46,93±10,27 (variando de 28 a 63) comparada ao GC que foi 33,4±7,8.

A adesão ao tratamento farmacológico foi avaliada nos indivíduos através do MAT. Conforme demonstrado na tabela 4, o GC possui uma adesão maior do que o GT.

Tabela 4
Média de adesão ao tratamento farmacológico de ambos os grupos

DISCUSSÃO

A análise dos dados demográficos não evidenciou diferença estatisticamente significativa entre os grupos, mostrando que eram homogêneos em relação ao gênero (predominantemente feminino) e estado civil (casado). Quanto ao tempo de dor foi discretamente maior no GT. Avaliando outros estudos similares observa-se que a idade média de pacientes com fibromialgia no GT foi uma das menores, já que no estudo com pacientes fibromiálgicos11. Santos AM, Assumpção A, Matsutani LA, Pereira CA, Lage LV, Marques AP. Depressão e qualidade de vida em pacientes com fibromialgia. Rev Bras Fisioter. 2006;10(3):317-24.,1818. Case Management Society of America. Guidelines from the Case Management Society of America for improving patient adherence to medication therapies. CMGA-1, 2004. foi de 47,6 e 49,5 anos, respectivamente, enquanto nos estudos em indivíduos com dor lombar crônica (DLC)1919. Pagano T, Matsutani LA, Ferreira EA, Marques AP, Pereira CA. Assessment of anxiety and quality of life in fibromyalgia patients. Sao Paulo Med J. 2004;122(6):252-8.,2020. Stefane T, Santos, AM, Marinovic A, Hortense P. Dor lombar crônica: intensidade de dor, incapacidade e qualidade de vida. Acta Paul Enferm. 2013;26(1):14-20. , essa média foi de 42,0 e 54,2 anos, respectivamente. Além disso, os indivíduos do GT tinham um tempo médio de evolução da doença de aproximadamente quatro anos, bastante inferior aos resultados obtidos nos estudos de DLC1717. Morisky DE, Green W, Levine DM. Concurrent and predictive validity of a self-reported measure of medication adherence. Med Care. 1986;24(1):67-74.,2121. Heuch I, Foss IS Acute low back usually resolves quickly but persistent low back pain often persists. J Physiother. 2013;59(2):127. , o que possivelmente demonstra a gravidade do prejuízo da qualidade de vida, dado que esses pacientes buscam auxílio médico mais rapidamente.

Apesar de predominarem os casados em ambos os grupos, observou-se uma taxa de divórcio muito superior no GT em relação ao GC (40 e 29%, respectivamente), o que pode ser consequência da piora da qualidade de vida desses pacientes, levando a prejuízo das relações sociais. Com relação ao nível de escolaridade não houve diferença significativa entre os grupos estudados e quanto aos prejuízos ocupacionais, observou-se que 60% dos pacientes com FM recebem benefício social, enquanto somente 35% do GC encontram-se nessa condição, o que demonstra como a FM é incapacitante.

O impacto negativo que a FM causa na qualidade de vida de indivíduos tem sido relatado por muitos estudos33. Berber JD, Kupek E, Berber SC. Prevalência de depressão e sua relação com a qualidade de vida em pacientes com síndrome da fibromialgia. Rev Bras Reumatol. 2005;45(2):47-54. , resultado que também foi constatado no presente estudo, já que todos os itens do questionário FIQ, em que há diferença estatística significativa, revelam pior condição de vida desse grupo de pacientes, exceto quanto ao item faltas no trabalho. Esse fato pode significar que apesar do baixo percentual de pacientes que continuam profissionalmente ativos, os que o fazem conseguem ter um melhor controle da doença.

Comparando-se os resultados obtidos com outros estudos33. Berber JD, Kupek E, Berber SC. Prevalência de depressão e sua relação com a qualidade de vida em pacientes com síndrome da fibromialgia. Rev Bras Reumatol. 2005;45(2):47-54.,2020. Stefane T, Santos, AM, Marinovic A, Hortense P. Dor lombar crônica: intensidade de dor, incapacidade e qualidade de vida. Acta Paul Enferm. 2013;26(1):14-20. , observou-se que capacidade funcional e bem-estar do GT é são bastante superiores aos grupos da comparação (11,75 vs. 13,30 e 14,93; 2,35 vs. 1,05 e 1,93 respectivamente), assim como a sensação de dor (8,11 vs. 7,75 e 7,77 respectivamente), o que parece um contra-senso. Nota-se também que a ansiedade (6,59 vs. 8,63 e 7,71, respectivamente) é bastante inferior aos estudos prévios, o que pode ser uma possível explicação para a melhor capacidade funcional do GT. No entanto, há uma série de outros fatores que poderiam explicar esse fato, portanto, seria necessário um estudo mais aprofundado para que qualquer conclusão seja obtida.

Quanto à qualidade de vida avaliada pelo Whoqol-bref, observou-se compatibilidade com resultados obtidos em outros estudos em pacientes com dor crônica, como no estudo de dor lombar crônica2121. Heuch I, Foss IS Acute low back usually resolves quickly but persistent low back pain often persists. J Physiother. 2013;59(2):127.. Comparando-se os estudos, constatou-se que quatro dos domínios analisados possuem valores muito próximos, e o domínio Social difere um pouco (54,2 vs. 65,6 respectivamente). Assim, pode-se dizer que a qualidade de vida em pacientes com FM e DLC é semelhante, e possivelmente inferior à média populacional.

Quanto a EAV, no estudo de Provenza e col.2222. Provenza JR, Pollak DF, Martinez JE, Paiva ES, Helfenstein M, Heymann R, et al. Fibromialgia. Rev Bras Reumatol. 2004;44(6):443-9.os pacientes referiam dor de moderada para intensa com índice médio de dor em torno de 7,32, valor semelhante ao encontrado no presente estudo e também bastante superior ao observado no GC.

A ETC tem sido amplamente utilizada para mensurar o medo de movimento e o medo de reincidência da lesão. Estudos1616. Siqueira FB, Teixeira-Salmela LF, Magalhães LD. Escala de tampa de cinesiofobia-brasil. Acta Ortop Bras. 2007:15(1):19-24.,2121. Heuch I, Foss IS Acute low back usually resolves quickly but persistent low back pain often persists. J Physiother. 2013;59(2):127. demons-tram que indivíduos com altos escores apresentam pior desempenho em testes físicos. Os valores de ETC observados no presente estudo são compatíveis com a os de outros estudos em dor crônica, como no caso de DLC1919. Pagano T, Matsutani LA, Ferreira EA, Marques AP, Pereira CA. Assessment of anxiety and quality of life in fibromyalgia patients. Sao Paulo Med J. 2004;122(6):252-8.(ETC=39,18±9,46, variando de 22 a 57).

Valim2323. Valim V. Benefícios dos exercícios físicos na fibromialgia. Rev Bras Reumatol. 2006;46(1):49-55. , em seu artigo de revisão, relata que os ensaios clínicos utilizando exercício no tratamento da FM mostram fortes níveis de evidência de que exercícios aeróbicos supervisionados são eficazes na redução da dor; número de pontos dolorosos, qualidade de vida e depressão, e que esses pacientes parecem necessitar de um período maior e mais esforço pessoal para adaptação a um programa de exercício, além de poderem até piorar nas primeiras oito semanas. Por isso, ensaios de curta duração não demonstraram melhora na qualidade de vida, enquanto programas mais longos, com mais de 15 semanas, conseguiram observar melhora em vários aspectos, inclusive qualidade de vida. Outro fator observado foi que indivíduos com mais dor podem ter menos tolerância ao esforço, e aqueles que se sentem emocionalmente piores podem sentir-se mais apoiados e cuidados em um grupo.

Quanto à adesão ao tratamento farmacológico, observou-se baixa taxa de adesão no GT, e ainda assim, muito pior do que foi observado em estudos em pacientes com dor crônica, que já constataram adesão insuficiente ao tratamento, e que essa adesão não variava ao longo do tempo. Enquanto no GT, a adesão foi de 20%, esse grupo representava 43% de tal estudo2424. Kurita GP, Pimenta CA. Adesão ao tratamento da dor crônica. Arq Neuropsiquiatr. 2003;61(2-B):416-25..

CONCLUSÃO

Neste estudo pacientes fibromiálgicos apresentaram maior intensidade de dor, maior medo de movimento e pior qualidade de vida nos domínios físico e social. O nível de adesão ao tratamento foi médio e houve decréscimo na capacidade funcional. Assim uma abordagem multifatorial e multidimensional é fundamental para o sucesso terapêutico desses pacientes.

  • *
    Recebido da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto, SP, Brasil.
  • Fontes de fomento: Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC)/Cnpq/FAMERP

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    13 Nov 2013
  • Aceito
    16 Maio 2014
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