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A autonomia contratual dos trabalhadores e a experimentação jurídica neoliberal

Workers' contractual autonomy and neoliberal legal experimentation

Resumo

Este artigo tem por objeto a análise crítica das metamorfoses sofridas pelo conceito e aplicação da autonomia contratual, nas relações de trabalho no Brasil, sob o impacto do neoliberalismo. Propõe captar, a partir de textos teóricos, os movimentos inerentes ao modo de produção capitalista e o processo de formulação da autonomia coletiva, como meio de suprir a insuficiência da autonomia individual. Avança para realizar o exame das relações de trabalho atuais, no Brasil, identificando o reflexo de tal racionalidade na base das rupturas legislativas e nas mutações das fórmulas contratuais, a partir das mudanças inseridas pela Lei 13.467/2017 na Consolidação das Leis do Trabalho. Sob essa mesma ótica teórica, constata que as Medidas Provisórias, editadas no curso da pandemia do Covid-19, apresentam-se como “experimentos jurídicos” com potencial de serem absorvidos pela legislação e pelas das relações contratuais no período pós-pandêmico.

Palavras-chave:
Autonomia contratual; Direito do trabalho; Impactos do neoliberalismo; Rupturas legislativas; Experimentos jurídicos na pandemia

Abstract

This article aims to critically analyze the metamorphosis undergone by the concept and application of contractual autonomy in labor relations in Brazil under the impact of neoliberalism. It proposes to capture, from theoretical texts, the movements inherent to the capitalist mode of production and the process of formulation of collective autonomy, as a means to overcome the insufficiency of individual autonomy. It then proceeds to examine the current labor relations in Brazil, identifying the impact of such rationality on the roots of legislative ruptures and changes in contractual forms, based on the changes introduced by Law 13,467/2017 in the Consolidation of Labor Laws. From this same theoretical perspective, the Provisional Measures, issued in the course of the Covid-19 pandemic, stand as "legal experiments" with the potential to be absorbed by legislation and by contractual relations in the post-pandemic period.

Keywords:
Contractual autonomy; Labor law; Impacts of neoliberalism; Legislative ruptures; Legal experiments in the pandemic

Introdução

O presente artigo pressupõe e identifica a presença do neoliberalismo enquanto racionalidade econômica e política que orienta a legislação trabalhista e as formas contratuais individuais e coletivas vigentes no Brasil, na atualidade. Segundo Dardot e Laval (2016DARDOT, Pierre, LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. Tradução de Mariana Echalar. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2016.), “o neoliberalismo resulta de um processo histórico de construção estratégica. Seus princípios de controle pressupõem, como nas doutrinas liberais clássicas, a liberdade, mas uma outra que não a fundada sobre a relação diacrítica com a autoridade estatal”.

As recentes medidas de desregulamentação e flexibilização da legislação do trabalho no Brasil, valendo-se da justificativa de atualizar as relações trabalhistas, buscam responder às exigências do neoliberalismo para promover a reestruturação produtiva, por meio da aproximação entre instrumentos contratuais trabalhistas e contratos civis, invocando a autonomia contratual dos trabalhadores, seja ela individual ou coletiva. Esse modo de aproveitamento do instrumental jurídico pelo neoliberalismo torna-se ainda mais evidente nas propostas legislativas e medidas provisórias destinadas a regular o trabalho durante a pandemia da COVID-19.

Nesse processo de alterações profundas do direito do trabalho contemporâneo, o neoliberalismo afasta progressivamente as normas estabelecidas como resultado da clássica oposição entre capital e trabalho; e ressignifica essa oposição por meio da afirmação de uma autonomia individual e coletiva, que busca o crescente alinhamento dos interesses vontade dos trabalhadores com os interesses das empresas. Mascara, assim, a assimetria entre capital e trabalho existente no modo de produção capitalista, pela adoção da falsa premissa neoliberal de que os envolvidos desfrutam de autonomia para contratar e negociar, de modo que sejam atenuados ou eliminados os riscos para os que se beneficiam dos lucros da atividade econômica. “Longe de ser simplesmente uma ideologia, o neoliberalismo configuraria uma racionalidade política global, que prescindiria de qualquer teleologia ou continuidade substantiva com as antigas formas do liberalismo” (DARDOT e LAVAL, 2016DARDOT, Pierre, LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. Tradução de Mariana Echalar. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2016.).

As progressivas e recentes alterações no direito do trabalho, que aproximam os contratos laborais dos contratos civis, mantêm vigente a forma de organização social voltada à ampla produção de mercadorias e à acumulação lastreada na exploração do trabalho assalariado, permeada por contradições de classe (HUWS, 2014HUWS, Ursula Elin. Vida, trabalho e valor no século XXI: desfazendo o nó. Revista Caderno CRH, Salvador, v. 27, n. 70, pp. 13-30, jan./abr. 2014., p. 18). Trata-se de realidade agravada em países periféricos, como o Brasil, em que a superexploração da força de trabalho se apresenta como elemento estrutural (ANTUNES, 2018ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços da era digital. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2018., p. 71); tudo isso afetado pela processualidade neoliberal, que impõe o ritmo da economia financeira ao sujeito trabalhador (DARDOT e LAVAL, 2016DARDOT, Pierre, LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. Tradução de Mariana Echalar. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2016., p. 356), culpando-o por seu fracasso individual e pelo coletivo, nos moldes de uma “razão sacrificial” amparada no binômio “atuação-responsabilização” (BROWN, 2018BROWN, Wendy. Cidadania Sacrificial: Neoliberalismo, capital humano e políticas de austeridade. Tradução de Juliane Bianchi Leão. Zazi Edições, 2018., p. 40).

Se, de um lado, os trabalhadores encontram dificuldades de organização coletiva em razão da informalidade que se alastra1 1 Adota-se, aqui, o conceito de informalidade explanado por Filgueiras, Druck e Amaral (2004), que se apresenta como expressão do processo de precarização do trabalho, definido a partir de atividades não fordistas, que abarca situações específicas como instabilidade da demanda, baixo rendimento e longas jornadas de trabalho, sem garantias trabalhistas, previdenciárias e contra o desemprego. (FILGUEIRAS; DRUCK; AMARAL, 2004FILGUEIRAS, Luiz; DRUCK, Graça; AMARAL, Manoela Falcão. O conceito de informalidade: um exercício de aplicação empírica. Caderno CRH, Salvador, v. 17, n. 41, p; 211-229, mai/ago., 2004, p. 228, p. 228) - e que, no caso do Brasil, não se encaixa nos moldes sindicais alicerçados em categorias profissionais formalmente reconhecidas -, por outro, a vontade coletiva é obnubilada e enfraquecida pela majoração das possibilidades conferidas às vontades individuais nos contratos de trabalho e pelo esvaziamento do papel dos entes coletivos em negociações. Nota-se, neste aspecto, uma tendência da regulação jurídica do trabalho em assimilar formas ultrapassadas de contratualidade do Direito Civil do século XIX, reconfiguradas pela racionalidade neoliberal e postas em movimento sem os limites jurídicos que caracterizavam a organização política do Estado no século XIX e início do século XX2 2 Savatier (1952) ressalta que: “Evidentemente os contratos sempre foram limitados pela ordem pública; a vontade das partes nunca foi completamente soberana. Somente, a ordem pública, no passado, era simplesmente o limite do mal. Traçando a fronteira do ilícito e do permitido, se colocava essa afirmação fundamental que o permitido era aquilo comumente era aceito pelo Direito, que o domínio da liberdade se estendia a perder de vista, em todos os lugares, desde que não infringisse uma regra essencial da civilização, e, especialmente, regras protetoras da própria liberdade.” (SAVATIER, 1952SAVATIER, René. Les Métamorphoses économiques et sociales du Droit Civil D´Aujourd´hui. 2. ed. Paris: Dalloz, 1952., p. 60).

Observa-se, assim, por meio de uma análise conceitual das figuras da autonomia coletiva e individual na atualidade, as marcantes diferenças com suas origens liberais, tendo como pano de fundo as transmutações e conformações das relações de trabalho. Essa análise se aprofunda com o exame das disposições legislativas e Medidas Provisórias editadas no curso da Pandemia da COVID-19. Avança para se concentrar no alcance das alterações por tais normas implementadas, no intuito de examinar a dupla função das formas jurídicas que, por um lado, tornam eficazes as relações de produção e, por outro, “refletem e sancionam concretamente as ideias humanas de que os homens fazem das suas relações sociais” (EDELMAN, 1976EDELMAN, Bernard. O direito captado pela fotografia: elementos para uma teoria marxista do direito. Coimbra: Centelha, 1976., p. 17).

Esse conjunto de formulações está apoiado na leitura de autores da teoria crítica contemporânea que transitam entre as áreas do Direito e da Sociologia, e permite a releitura da contratualidade formulada no direito civil, da passagem entre autonomia individual e coletiva e de seu aproveitamento segundo a estratégia do neoliberalismo, nas normas trabalhistas e nas fórmulas contratuais contemporâneas no Brasil.

Com esse arcabouço teórico aplicado ao exame da legislação e das formas contratuais, inclusive as gestadas no período da COVID-19, o presente artigo objetiva a compreensão da conquista ambígua da autonomia coletiva e seu aproveitamento nas relações de trabalho no neoliberalismo. Esse percurso analítico aponta para os efeitos limitados da autonomia coletiva e seu enfraquecimento, bem como para os sinais do regresso à autonomia individual, com novos sentidos e com a finalidade de propor novas fórmulas ajustadas para elastecer o limite da exploração da força de trabalho.

1. Da autonomia contratual como expressão jurídica do individualismo e as ambiguidades da autonomia coletiva

As formas jurídicas desde a gênese do capitalismo indicam a existência de “uma relação de determinação das formas do direito pelas formas da economia mercantil” (NAVES, 2008NAVES, Márcio Bilharino. Marxismo e direito: um estudo sobre Pachukanis. São Paulo: Boitempo, 2008., p. 53) que converte os sujeitos de direito em compradores e vendedores equiparados, em um palco onde a vontade autônoma dos trocadores é pressuposto indispensável. No Direito Civil clássico, “a autonomia privada é concebida como um poder autônomo, no sentido de que se exerce entre iguais ou interpartes” (AZEVEDO, 2019AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de direito civil: teoria geral dos contratos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2019., p. 333) e que, sendo poder jurídico, também é poder normativo, consubstanciado nos negócios jurídicos que são sua expressão e que têm conteúdo de normas jurídicas.

Savatier, na década de 1950, ao observar as metamorfoses do Direito Civil, inicia sua análise pela explosão da noção de contrato, apontando aspectos inovadores e limites da autonomia diante das exigências da construção da social-democracia europeia do pós-guerra, com a emergência dos contratos coletivos de trabalho. O autor acrescenta que “Nas relações entre patrão e operário o que conta mais hoje não é o contrato de trabalho. É a relação de trabalho (...)” (SAVATIER, 1952SAVATIER, René. Les Métamorphoses économiques et sociales du Droit Civil D´Aujourd´hui. 2. ed. Paris: Dalloz, 1952., p. 250). Essa concepção resultou, no Brasil, em um dos princípios orientadores do Direito do Trabalho, o princípio da primazia da realidade.

A relação de emprego, portanto, apresenta característica que torna insustentável a utilização da autonomia da vontade do indivíduo na forma inerente aos contratos privados em geral. Nessa relação está pressuposta a subordinação do empregado ao empregador, aspecto essencial ao cumprimento das obrigações estabelecidas nos contratos de trabalho e que compreende a prerrogativa do adquirente da força de trabalho (parte empregadora) modular a atividade exercida pelo trabalhador (parte empregada) (MALLET, 2012MALLET, Estevão. A subordinação como elemento do contrato de trabalho. Revista da Faculdade de Direito, São Paulo, v. 106, n. 106-107, pp. 217-245, 1 jan. 2012., p. 226).

A diferenciação entre a noção civilista de contrato - amparado na autonomia das partes - e a ideia de subordinação - que exclui essa autonomia - fez com que o Direito do Trabalho estabelecesse, no terreno coletivo, a autonomia que não encontrava lugar no plano individual, tornando-a fictícia e juridicamente compatível com a subordinação. A subordinação individual e a liberdade coletiva constituem, pois, as duas faces de uma mesma moeda, de modo que quaisquer mudanças que atinjam uma delas afetam necessariamente a outra (SUPIOT, 2016SUPIOT, Alain. Crítica do direito do trabalho. 1. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2016., p. 146).

Na Inglaterra do final do século XIX, durante a primeira fase da Revolução Industrial, a ideia de autonomia e contrato coletivo era refutada por força dos primados do liberalismo, conforme aponta Salomão (2016SALOMÃO, Ivan Colangelo. O sistema britânico de negociações coletivas de trabalho. Cadernos de Ciências Sociais Aplicadas, [S. l.], v. 12, n. 19, 2016., p. 243): “na esteira da filosofia liberal, celebrava-se, de forma ampla e quase ilimitada, a autonomia da vontade, assumindo que o trabalhador contratado seria detentor de liberdade absoluta de sua vontade/necessidade quando da sujeição às cláusulas estabelecidas em seu contrato de trabalho”.

As relações de trabalho no século XX propiciaram o exercício da autonomia contratual coletiva, como resultante da organização dos trabalhadores na busca de fortalecimento de suas reivindicações e das exigências da organização da produção industrial em massa, no Estado de bem-estar social. Tal dimensão da autonomia pôs em relevo a desigualdade no contrato de trabalho e, segundo Savatier, “(...) essa desigualdade dos contratantes se torna o ponto de partida social de explosão do contrato, segundo o dinamismo que é preciso levar em consideração para compreender a atual revolução” (SAVATIER, 1952SAVATIER, René. Les Métamorphoses économiques et sociales du Droit Civil D´Aujourd´hui. 2. ed. Paris: Dalloz, 1952., p. 49).

A situação e a regulação jurídica do trabalho, na atualidade, é bem diversa da que norteou as reflexões de Savatier, na Europa da segunda metade do século XX. Em primeiro lugar, a noção de interesse público perdeu sua centralidade e ganhou sentidos diversos da sua formulação originária; em segundo, a esfera pública do Estado se descomprometeu com o bem-estar dos cidadãos e, em terceiro, o trabalho se organiza de forma fragmentada, fora das grandes estruturas fabris, e provoca o distanciamento de espaço e tempo entre os trabalhadores e suas organizações. As ideias neoliberais vicejam com facilidade nesse ambiente.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88) (BRASIL, 1988) contém elementos herdados da experiência jurídica orientada pela política da social-democracia europeia, prevendo a negociação coletiva do trabalho e colocando limites protetivos à contratualidade que, vinculados à dignidade humana e a valorização do trabalho (artigos 1º, III, e 170, caput, da CF/88), permitem a continuidade da exploração da força de trabalho nas relações de emprego. Os direitos sociais elencados no artigo 6º e seus incisos definem os limites à contratualidade, como o dever de anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, o pagamento do salário-mínimo, as normas de saúde e segurança no ambiente do trabalho; em suma, todos os direitos e normas de caráter imperativo por força da ordem jurídica heterônoma estatal. (DELGADO, 2016DELGADO, Mauricio Godinho. Constituição da República, estado democrático de direito e negociação coletiva trabalhista. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, v. 82, n. 4, out/dez 2016, pp. 214-245., pp. 229-230).

O texto constitucional conjuga, assim, princípios e normas que respondem tanto à tradição do Direito do Trabalho brasileiro de base autoritária e corporativa quanto às formulações europeias de fonte social-democrata. Ao ser observado com atenção, o conjunto da legislação do trabalho revela uma certa dubiedade de efeitos que respondem, de um lado, ao êxito das pressões sociais pela participação da classe trabalhadora no mundo da legalidade e, de outro, uma forma de sub-repticiamente desencaminhar a luta de classes para a clausura nos “aparelhos ideológicos de Estado”3 3 Os aparelhos ideológicos de Estado, diversamente dos chamados aparelhos estatais de domínio público, não funcionam pela violência ou por formas não físicas de repressão (punições administrativas), como é o caso do governo, da administração, do exército, da polícia, dos tribunais e das prisões. Trata-se de organismos que se apresentam na forma de diferentes instituições especializadas, como é o caso de aparatos religiosos, escolas, família, sindicatos, partidos políticos, imprensa, organismos jurídicos e culturais, cuja atuação, conforme o nome próprio sugere, se dá por mecanismos ideológicos desenvolvidos no domínio privado (ALTHUSSER, 1988, p. 45). (ALTHUSSER, 1988ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado. São Paulo: Martins Fontes, 1988., p. 45).

A legislação, por si só, não atinge os objetivos aos quais se destina, e cabe aos tribunais dar substância à ideologia “com o escrupuloso cuidado de, ocasionalmente, adjudicar pequenos direitos e, continuamente, preservar as formas e as propriedades” (THOMPSON, 1987THOMPSON, Edward Palmer. Senhores e caçadores: a origem da lei negra. Tradução de Denise Bottmann. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987., pp. 354-355). Dito de outro modo: se as lutas operárias são “fato”, cumpre transformá-las, a todo custo, em “direito”, outorgando-lhes um poder que reproduza o próprio poder capitalista burguês; um poder de direito, mas somente na medida em que os sindicatos existam na legalidade, segundo uma teoria e prática dos espaços políticos e de poder, que são organizados nos moldes da ideologia triunfante (EDELMAN, 2016EDELMAN, Bernard. A legalização da classe operária. Tradução coordenada por Marcus Orione. São Paulo: Boitempo, 2016., p. 19 e 148).

Como resultado das contradições que permeiam a autonomia coletiva e a privada, e que atingem a produção e interpretação da lei, o fiel da balança do Direito não raro aponta para a atitude conservadora que visa a manutenção do status dos já satisfeitos, indicando processos de contrarreforma pela “tentativa de supressão radical daquilo que, Marx chamou de “vitórias da economia política do trabalho” e, por conseguinte, de restauração plena da economia política do capital” (COUTINHO, 2012COUTINHO, Carlos Nelson. A época neoliberal: revolução passiva ou contra-reforma? Revista Novos Rumos, Marília, v. 49, n. 1, jan-jun. 2012, pp. 117-126., p. 123).

O modelo neoliberal que avança, paulatinamente, desde a década de 1960 aumenta esse desequilíbrio, pois busca a abertura da economia mundial ao fluxo de bens, capitais e serviços; altera as funções do Estado como provedor (mas não como condutor) de marcos normativos para garantir a segurança e a lucratividade dos negócios privados (WADE e WOLFSON, 1997WADE, Robert; WOLFSON, Leandro. Japón, el Banco Mundial y el arte del mantenimiento del paradigma: el milagro del este asiático. Perspectiva Política. Desarrollo Económico, v. 37, n. 147, 1997, pp. 351-387., p. 353) e se mostra intensamente refratária à ação sindical4 4 Friedrich Hayek, conhecido teórico do neoliberalismo, teceu sucessivas críticas ao poder do sindicalismo inglês nos idos de 1980 que, segundo afirmava, seria detentor de um poder sacrossanto, amparado em privilégios únicos que ocasionaram diretamente o declínio econômico inglês (HAYEK, 2009, p. 88). . A imposição aos países da América Latina, na década de 1980, de ajustes e agendas políticas decorrentes do consenso de Washington abriu caminho para a ampla desregulamentação das relações de trabalho e a redução de benefícios sociais a medidas essenciais como seguro saúde, alguma fonte de renda em caso de desemprego e uma pensão na velhice (WILLIAMSON, 2005WILLIAMSON, John. Differing interpretations of the Washington Consensus. Distinguished Lectures Series 17, Leon Kozminski Academy of Entrepreneurship and Management, Warsaw, 2005. Disponível em <https://www.tiger.edu.pl/publikacje/dist/williamson.pdf. Acesso em 04 jul. 2020.
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).

O atendimento às exigências neoliberais de exclusão de barreiras legislativas à exploração e à negociação da força de trabalho esgarça, ainda mais, o tecido social de economias dependentes como o Brasil, subordinadas à lógica mundial da acumulação pelas economias centrais do valor produzido pelas periferias. Nessa dialética, o desenvolvimento do capitalismo dependente tem na superexploração da força de trabalho5 5 Conceito desenvolvido por Ruy Mauro Marini em sua obra “Dialética da Dependência” (MARINI, 1990, p. 152), representado pela conjugação da majoração da jornada de trabalho com o aumento da intensidade do trabalho e arrocho salarial. a principal forma de compensação pelas perdas decorrentes dos mecanismos de transferência de valor, baseados na produtividade ou monopólio da produção (CARCANHOLO, 2013CARCANHOLO, Marcelo. (Im)precisões sobre a categoria superexploração da força de trabalho. In: ALMEIDA FILHO, Niemeyer (Org.). Desenvolvimento e dependência: cátedra Ruy Mauro Marini. Brasília: Ipea, 2013., p. 200).

Além disso, a autonomia coletiva é tensionada não apenas pela permanência ou não no círculo da legalidade, mas também pelas disputas jurídicas em torno do seu sentido e de seus limites para figurar como pilar estrutural, ao lado da autonomia privada em que se funda o Direito Moderno da primeira e da segunda fase do liberalismo.

Após a redemocratização do país nos anos 1980, em um processo marcado por lutas e reorganização dos movimentos sindicais e sociais, foi promulgada a Constituição de 1988, que estabeleceu um conjunto de direitos sociais e do trabalho e uma estrutura sindical com mais liberdade (a exemplo dos incisos VI, XIII, XIV e XXVI do artigo 7º e incisos I a VIII do artigo 8º da CF/88), deferindo proteção constitucional à autonomia coletiva. Entretanto, na passagem para os anos 1990 consolidou-se, de forma programática, a agenda neoliberal no Brasil, o que fez com que a alteração da Consolidação das Leis do Trabalho passasse a integrar a agenda empresarial, a exemplo das postulações que integram as 101 propostas da Confederação Nacional da Indústria que inspiraram a Lei 13.467/2017 (CNI, 2012) e do discurso midiático predominante (CALIXTO, 2013CALIXTO, Clarice Costa. A narrativa jornalística e o ocultamento do trabalho como direito fundamental. 2013. 190 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade de Brasília, Brasília, 2013.).

No precário equilíbrio entre capital e trabalho, o peso maior que favorece a retirada ou redução de barreiras à exploração do trabalho assalariado se revela pelo advento de leis que atingem a autonomia coletiva como o cerne do Direito do Trabalho, historicamente construído e firmado como um campo distinto do Direito Civil, esse sim alicerçado na autonomia da vontade dos indivíduos.

A própria existência do Direito do Trabalho nos moldes até então existentes é colocada em xeque quando se percorre o itinerário da ampliação da autonomia individual, afastando-se interferências das organizações dos trabalhadores e avançando nos limites das indisponibilidades pelo uso da autonomia coletiva. É sintomático, nesse aspecto, o esvaziamento da figura do dissídio coletivo de natureza econômica que, a partir do advento da Emenda Constitucional 45/20046 6 Constituição (1988). Emenda constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004. Altera dispositivos dos arts. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103B, 111-A e 130-A, e dá outras providências. , passou a depender de “comum acordo” entre a categoria econômica e profissional para a propositura perante o Judiciário. O comum acordo prévio veio a ser chancelado pelo Supremo Tribunal Federal na decisão da ADI 3431/DF (STF, 2020).

Muito nítido, também, é o movimento legislativo e jurisprudencial na aproximação do Direito do Trabalho à legislação civil clássica, visando uma regulação jurídica adequada às fases do desenvolvimento do capital. A aprovação da Lei 13.467/2017 foi vista como um emblemático e bem-sucedido ataque das forças do capital contra a legislação trabalhista, não apenas pela supressão de direitos que veio a concretizar mas, especialmente, pela retórica que a precedeu e que prevaleceu: a legislação trabalhista seria obsoleta pois seria datada da década de 1940 e inexistiria fragilidade contratual do empregado decorrente da subordinação reconhecida como caracterizadora da relação de emprego.

2. Rupturas legislativas e desequilíbrios contratuais

Com base nessas premissas ideológicas assentadas na racionalidade neoliberal e propagadas por organismos internacionais, a reforma trabalhista implementada pela Lei 13.467/2017, a negociação coletiva em prejuízo do trabalhador (reduzindo o patamar assegurado pela legislação estatal) e a admissão da autonomia privada da vontade passaram a estruturar um novo paradigma instituído e, consequentemente, a desestruturar o paradigma anterior (DRUCK; DUTRA; SILVA, 2019DRUCK, Graça; DUTRA, Renata; SILVA, Selma Cristina. A contrarreforma neoliberal e a terceirização: a precarização como regra. Revista Caderno CRH, Salvador, v. 32, n. 86, pp. 289-306, ago. 2019., p. 295). Tais alterações evidenciam a crise e transição do Direito do Trabalho (DELGADO, 2012DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 11. ed. São Paulo: LTr, 2012., p. 98), por uma regulação das relações laborais que se aproxima dos moldes de um Direito Civil amparado no pilar do individualismo jurídico reinante no século XIX. Paradoxalmente, o próprio Direito Civil da atualidade e outros ramos do direito privado aos poucos se afastam da ideia de uma vontade individual absoluta, construindo fórmulas de equalização entre as diferentes posições das partes contratuais, flexibilizando o dogma da autonomia da vontade no sentido de um dirigismo contratual que permite intervenções do Estado no (r)estabelecimento do equilíbrio contratual (STIGLITZ, 1992STIGLITZ, Ruben S. La autonomia de la voluntad y revisión del contrato. Buenos Aires: Depalma, 1992., p. 24).

A nova legislação trabalhista foi eficiente em abalar o modelo sindical vigente desde a década de 1930, não apenas por extinguir a obrigatoriedade de contribuição sindical, mas também pela manutenção do pilar da unicidade. Se o argumento da liberdade se mostrou efetivo ao condicionar descontos de contribuição à expressa opção do empregado, revelou-se meramente retórico ao manter o reconhecimento oficial-legal do sindicato pelo Estado, mais especificamente pelo Poder Judiciário, a quem ainda cabe aglutinar ou desmembrar as bases dos sindicatos oficiais, cassar mandatos e destituir direções sindicais (BOITO, 1991BOITO, Armando. O sindicalismo de Estado no Brasil: uma análise crítica da estrutura sindical. Campinas: Editora da Unicamp/Hucitec, 1991., p. 31).

Em síntese, após conter e enfraquecer as insurgências pela inclusão dos trabalhadores reunidos na estrutura da legalidade sindical e obter efeito conciliatório almejado após décadas de inflexões e de conciliações, as entidades sindicais foram alvo de (tentativa) de neutralização por inanição, com extinção da contribuição sindical obrigatória, mas mantendo o controle por meio da unicidade sindical.

Com o enfraquecimento programado da força dos sindicatos e a contenção das insurgências nos estreitos limites da lei, a autonomia coletiva tem sido ardilosamente manejada para atingir direitos protegidos pela lei e indisponíveis à vontade das partes. O movimento de desmantelamento do social7 7 Expressão adotada por Wendy Brown ao tratar da rejeição do neoliberalismo que “desmassifica” e que, “legalmente, envolve o manejo de reivindicações de liberdade para contestar a igualdade e o secularismo, bem como as proteções ambientais, de saúde, de segurança, laborais e ao consumidor”. (BROWN, 2019, p. 48) que atinge o Direito e apaga as fronteiras do jurídico, esfumando os limites entre o que é legal ou ilegal (GEDIEL e MELLO, 2020GEDIEL, José Antônio Peres; MELLO, Lawrence Estivalet de. Autonomia Contratual e Razão Sacrificial: Neoliberalismo e Apagamento das Fronteiras do Jurídico. Revista Direito e Práxis [online]. 2020, v. 11, n. 04, pp. 2238-2259.), encontra lugar de destaque na premissa do negociado sobre o legislado estampado no § 3º do artigo 8º da CLT, conforme redação dada pela Lei 13.467/2017, que limita a análise pela Justiça do Trabalho à conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, conforme artigo 104 do Código Civil8 8 Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei. .

Considerando que sempre foi possível a negociação coletiva para majorar direitos em lei9 9 Conforme Amauri Mascaro do Nascimento, a função da negociação coletiva no contexto anterior à reforma trabalhista era o de “obter melhores condições de trabalho, cobrir os espaços que a lei deixa em branco e administrar crises da empresa”. (NASCIMENTO, 2001, p. 1419) , os efeitos da nova lei atuam na neutralização dos princípios da indisponibilidade dos direitos legais trabalhistas e da prevalência da norma mais favorável (CASSAR, 2018CASSAR, Vólia Bonfim. Flexibilização por norma coletiva e prevalência do negociado sobre o legislado. Revista de Direito do Trabalho, v. 44, n. 187, mar. 2018, pp. 77-86., p. 80). Obviamente, as novas opções de negociação coletiva trazidas em rol exemplificativo no artigo 611-A10 10 Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: I - pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais; II - banco de horas anual; III - intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas; IV - adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei no 13.189, de 19 de novembro de 2015; V - plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança; VI - regulamento empresarial; VII - representante dos trabalhadores no local de trabalho; VIII - teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente; IX - remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual; X - modalidade de registro de jornada de trabalho; XI - troca do dia de feriado; XII - enquadramento do grau de insalubridade; XIII - prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho; XIV - prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo; XV - participação nos lucros ou resultados da empresa. (...) da CLT equivalem ao estabelecimento autônomo de patamar inferior ao previsto em lei, já que a negociação em benefício da categoria sempre foi permitida. Nesse aspecto, a grande novidade é justamente que a ilicitude de outrora passou a vestir os trajes da licitude nos ajustes coletivos atualmente permitidos.

Essa direção redutiva em nada se altera pela previsão do artigo 611-B11 11 Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos: I - normas de identificação profissional, inclusive as anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social; II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário; III - valor dos depósitos mensais e da indenização rescisória do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS); IV - salário mínimo; V - valor nominal do décimo terceiro salário; VI - remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; VII - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; VIII - salário-família; IX - repouso semanal remunerado; X - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% (cinquenta por cento) à do normal; XI - número de dias de férias devidas ao empregado; XII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; XIII - licença-maternidade com a duração mínima de cento e vinte dias; XIV - licença-paternidade nos termos fixados em lei;XV - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei; XVI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei; XVII - normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho; XVIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas; XIX - aposentadoria; XX - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador; XXI - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho; XXII - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência; XXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; XXIV - medidas de proteção legal de crianças e adolescentes; XXV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso; XXVI - liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho; XXVII - direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender; XXVIII - definição legal sobre os serviços ou atividades essenciais e disposições legais sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade em caso de greve; XXIX - tributos e outros créditos de terceiros; XXX - as disposições previstas nos arts. 373-A, 390, 392, 392-A, 394, 394-A, 395, 396 e 400 desta Consolidação, Parágrafo único. Regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo. , conforme redação dada pela Lei 13.467/2017, que trata de parcelas ainda infensas à negociação coletiva. Cuida-se de mero disfarce, limitado à repetição de texto constitucional (artigo 7º) não passível de reforma legislativa. Assim, o que efetivamente resta de indisponibilidade não foi assegurada pela lei, mas pela Constituição Federal, que estabelece os direitos sociais como disposições que não podem ser objeto de emenda voltadas a sua extinção (artigo 60, §4º, IV da CF/88).

Em medida concatenada com o enfraquecimento dos sindicatos e com avanço nas possibilidades de negociação coletiva para rebaixar patamares legislativos, a autonomia individual também entrou na proposta da reforma, que tratou de relativizar a aplicação do conceito de hipossuficiência do trabalhador. Isso se deu pela introdução da figura do empregado hiperssuficiente, considerado apto a entabular negociações individuais relativa aos direitos previstos no artigo 611-A da CLT12 12 Os direitos descritos no artigo 611-A são os seguintes: (1) jornada de trabalho (incisos I, II, III, VII, X e XI); (2) adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE) (inciso IV); (3) enquadramento funcional e funções de confiança (inciso V); (4) regulamento empresarial (inciso VI); (5) representante dos trabalhadores no local de trabalho (inciso VII); (6) teletrabalho e trabalho intermitente (inciso VIII); (7) remuneração por produtividade e por desempenho individual, prêmios de incentivo, e participação nos lucros e resultados (incisos IX, XIV e XV); (8) enquadramento do grau de insalubridade e prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho (incisos XII e XIII). , excluindo esse trabalhador da proteção coletiva.

Ao mesmo tempo, nos termos do artigo 507-A introduzido pela nova legislação, o empregado dito hiperssuficiente poderá pactuar cláusula compromissória de arbitragem por sua iniciativa ou mediante a sua concordância expressa, o que, conforme artigo 4º da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, torna obrigatório o juízo arbitral para discussões contratuais, limitando as possibilidades de apreciação pelo Poder Judiciário aos casos de nulidade da sentença arbitral (artigo 33), nas hipóteses estabelecidas no artigo 32 da mesma lei13 13 Art. 32. É nula a sentença arbitral se: I - for nula a convenção de arbitragem; II - emanou de quem não podia ser árbitro; III - não contiver os requisitos do art. 26 desta Lei; IV - for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem; VI - comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva; VII - proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, inciso III, desta Lei; e VIII - forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º, desta Lei (BRASIL, 1996). .

Adotar o critério salarial para simular uma igualdade de condições de negociação, inclusive para atribuir às tratativas individuais força superior às negociações coletivas, significa considerar que aquele que vende sua força de trabalho por maior salário não está subordinado ao empregador, o que, no limite, afasta a própria condição de empregado. Evidentemente, não há lógica jurídica no raciocínio, especialmente porque a dependência econômica não é critério de qualificação da relação de emprego, mas sim a subordinação (SUPIOT, 2016SUPIOT, Alain. Crítica do direito do trabalho. 1. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2016., p. 149).

A autonomia contratual individual também foi ampliada pela Lei 13.467/2017 e teve seu sentido alterado, possibilitando sua utilização para regular direitos e deveres até então objeto de negociações coletivas, como para adoção de banco de horas para compensação no período máximo de 6 (seis) meses e de acordo individual tácito para a compensação no mesmo mês (artigo 59, §5º). O acordo individual também passou a ser permitido para adoção de jornada de trabalho de doze horas seguidas por trinta e seis horas ininterruptas de descanso, observados ou indenizados os intervalos para repouso e alimentação, em franca violação ao que estabelece o artigo 7º, inciso XII, da Constituição Federal, que assegura que jornadas superiores a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, mediante compensação de horários e redução da jornada, só seriam possíveis mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho, conforme questionado nos autos de ADI 5994-DF (STF, 2020), em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal.

A nova legislação, aprovada em tempo recorde em uma conjuntura política que favorece os interesses empresariais14 14 Como defende Jorge Luís Souto Maior, é errôneo atribuir a esse ou àquele ocupante do poder determinada legislação, sendo equivocado falar em “CLT de Vargas” e “CLT de Temer”. Tratam-se as leis, em verdade, do resultado de processos históricos, carregados de materialidade dialética e conflitos de toda ordem (SOUTO MAIOR, 2017, pp. 122-133). , percebeu quais seriam as veredas as serem percorridas para uma progressiva aproximação da regulação do trabalho às figuras e institutos de direito contratual civil, tomando parte importante desse caminho. Quando a oportunidade se apresentou, buscou, de maneira bastante contundente, atacar a autonomia coletiva e, a partir dela (já enfraquecida), avançar nos limites da regulação legal de direitos indisponíveis. Por uma ou outra via, o que se promove é a reprodução auto ampliada do capital, concretizada pela retirada dos limites à exploração do trabalho e assegurada por uma regulação jurídica que se cumpre sob o atento olhar estatal (MÉSZÁROS, 2011MÉSZÁROS, Istvan. Para além do capital: rumo a uma teoria de transição. São Paulo: Boitempo, 2011., pp. 111-112).

3. A racionalidade neoliberal e os experimentos jurídicos na pandemia

Se é verdade que “as pandemias tendem a integrar de forma definitiva o panorama político-jurídico nos planos nacional e global” (VENTURA; AITH; RACHED, 2021VENTURA, Deisy de Freitas Lima; AITH, Fernando Mussa Abujamra; RACHED, Danielle Hanna. A emergência do novo coronavírus e a “lei da quarentena” no Brasil. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, v. 12, n. 1, 2021, pp. 102-138., p.133), o advento da COVID-19 ensejou nova oportunidade para a manipulação da autonomia contratual no campo das relações de trabalho, sob o argumento da imprescindibilidade de alterações restritivas aos direitos dos trabalhadores, para salvaguardar os empregos e superar os efeitos da crise sanitária sobre a economia nacional.

O alastramento do Coronavírus serviu não apenas como justificativa mas também como pretexto para avanço nos limites da exploração do trabalho, pela edição de medidas provisórias que novamente adentram em fronteiras das autonomias individual e coletiva. Não se nega aqui a gravidade dos efeitos da pandemia nas atividades produtivas e nas estruturas sociais, mas o que se examina é a ampliação de alterações jurídicas que já vinham sendo impostas em um contexto de fragilidade no emprego, reduzindo ainda mais a proteção dos trabalhadores em época tão atípica, apostando na duvidosa opção de autorizar negociações individuais em uma relação jurídica assimétrica entre as partes.

Evidenciando a escolha da autonomia individual como solução aparentemente simples para resolver questões complexas, a Medida Provisória 927/2015 15 Assinada em 22/03/2020, a prorrogação da validade da Medida Provisória 927/20 por período superior a 120 dias dependeria de votação e aprovação do texto pelas casas do Congresso Nacional, o que não ocorreu, fazendo com que o texto perdesse sua vigência em 19/07/2020. , em seu artigo 2º, estabelece que o acordo individual escrito, celebrado para garantir a permanência do vínculo empregatício, “terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição” (BRASIL, 2020a). Em outras palavras, a Medida Provisória optou pela inferiorização da disposição constitucional (artigo 7º, XXVI) que dispõe sobre o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho.

A proteção jurídica dos trabalhadores, já fragilizada pela flexibilização da autonomia coletiva presente na Lei 13.467/2017, foi acentuada pela edição de Medidas Provisórias no período pandêmico. A regulação jurídica do ajuste compensatório de labor extraordinário (banco de horas) é exemplo claro desse elastecimento: enquanto na lei 13.467/2017 autorizou-se a forma individual escrita para compensações no período máximo de 6 (seis) meses e na forma individual tácita para a compensações no mesmo mês, a posterior Medida Provisória 927/2020 dilatou o prazo de vigência do ajuste compensatório para até 18 meses da data do encerramento do estado de calamidade (artigo 14, caput) e possibilitou a celebração individual formal16 16 Art. 14. Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, ficam autorizadas a interrupção das atividades pelo empregador e a constituição de regime especial de compensação de jornada, por meio de banco de horas, em favor do empregador ou do empregado, estabelecido por meio de acordo coletivo ou individual formal, para a compensação no prazo de até dezoito meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública. . Essa disposição foi posteriormente revivida na edição da Medida Provisória 1.046/2021 (BRASIL, 2021b).

O mesmo enfraquecimento da autonomia coletiva ocorreu em relação à adoção da jornada de doze horas de trabalho por trinta e seis de descanso em atividades insalubres. Inicialmente, tal adoção demandaria negociação coletiva (Súmula 444 do TST) e ainda assim condicionada à prévia autorização e inspeção da autoridade em matéria de saúde e higiene do trabalho (artigo 60 da CLT). Posteriormente, a Lei 13.467/2017 dispensou a exigência de autorização da autoridade competente17 17 Art. 60. (...) Parágrafo único. Excetuam-se da exigência de licença prévia as jornadas de doze horas de trabalho por trinta e seis horas ininterruptas de descanso”. , autorizando inclusive o acordo individual18 18 Art. 59-A. Em exceção ao disposto no art. 59 desta Consolidação, é facultado às partes, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, estabelecer horário de trabalho de doze horas seguidas por trinta e seis horas ininterruptas de descanso, observados ou indenizados os intervalos para repouso e alimentação”. para sua instituição.

Passados apenas três dias da entrada em vigor da nova lei (14/11/2017), foi publicada a Medida Provisória 808/2017 (BRASIL, 2017), vedando a implantação da jornada 12x36, mediante acordo individual, e obrigando intervenção do sindicato representativo da categoria de trabalhadores para celebração de acordo ou convenção coletiva. Em nova reviravolta, a MP 808/2017 deixou de ter validade a partir de 23/04/2018, tendo em vista que o Congresso Nacional não a submeteu à aprovação no prazo de 120 dias.

Assim, a rigor, a partir de 23/04/2018, as alterações feitas pela Medida Provisória sobre o texto da Lei 13.467/2017 perderam a eficácia, tornando novamente possível a instituição da jornada 12x36 por acordo individual e sem inspeção ou autorização prévia da autoridade competente. Mesmo desnecessariamente, quiçá para propiciar maior sensação de segurança jurídica aos empregadores, a Medida Provisória 927/2020 reiterou a possibilidade de adoção por acordo individual, inclusive para atividades insalubres, tendo sido repetida, quanto ao ponto, pela Medida Provisória 1.046/2021.

As razões sanitárias são utilizadas de maneira estratégica para promover a precarização das relações de trabalho contratualizadas, somando-se às vicissitudes de um período atípico. Questiona-se, assim, a colocação de trabalhadores e empregadores em patamar de igualdade, utilizando-se de formas alternativas da resolução de conflitos, sem a participação dos sindicatos e sem a intervenção do Poder Judiciário, como se essas partes fossem materialmente iguais e contratualmente não ocupassem lugares distintos na relação empregatícia, em que a subordinação é elemento indispensável e pode ser ampliada em época de grande escassez de oferta de trabalho.

O afastamento da presença sindical retira importante elemento de proteção dos trabalhadores na negociação interpartes, especificamente porque a celebração de ajustes coletivos poderia se dar mediante realização de assembleias por meio eletrônicos, o que veio a ser previsto na subsequente edição da Medida Provisória 936/20 (BRASIL, 2020b) e da Lei 14.010 de 10 de junho de 202019 19 Segundo o artigo 5º da Lei n. 14.010, de 10 de junho de 2020, a assembleia geral, inclusive para os fins do art. 59 do Código Civil, até 30 de outubro de 2020, poderá ser realizada por meios eletrônicos, independentemente de previsão nos atos constitutivos da pessoa jurídica. Nesse caso, conforme parágrafo único do referido artigo 5º, “A manifestação dos participantes poderá ocorrer por qualquer meio eletrônico indicado pelo administrador, que assegure a identificação do participante e a segurança do voto, e produzirá todos os efeitos legais de uma assinatura presencial”. . Não houve preocupação do legislador em buscar mecanismos difundidos para, pelo menos, dar uma aparência de equilíbrio de negociações individuais, como o protocolo do acordo entre empregado e empregador perante a entidade sindical.20 20 Cita-se, a título de exemplo, a cláusula Vigésima Nona da convenção coletiva dos professores de ensino superior de Curitiba e Região Metropolitana que estabelece que o pedido de redução de carga horária formulado pelo docente deverá ser apresentado “em documento onde constem o nome completo das partes e seus respectivos endereços, devidamente assinado por ambos, e protocolizado no SINPES”. (SINPES, 2020)

Nessa mesma direção, a Medida Provisória 1.046/2021, inspirada pela revogada Medida Provisória 927/2020, retirou de forma indistinta direitos e impôs condições desfavoráveis aos trabalhadores, sem uma mínima diferenciação entre as empresas que assim necessitem e aquelas que atravessarão sem maiores turbulências o período da pandemia.21 21 Conforme relatório da OXFAM divulgado em 27/02/2020, enquanto milhares de micros, pequenas e médias empresas estão fechando as portas, os ganhos de grandes corporações como Microsoft, Visa ou a farmacêutica Pfizer cresceram entre 30% e 50% desde o início do ano. Um recorde compartilhado por um punhado de grandes empresas que estão vendo como seus resultados dispararam como consequência da pandemia, resultados tão extraordinários como inesperados, atribuível ao efeito dos isolamentos (OXFAM BRASIL, 2020). O exemplo da compensação de labor extraordinário pelo banco de horas é emblemático nesse aspecto do manejo calculado de autonomias. Em um primeiro momento, segundo o teor do item III da redação da Súmula 85 do Tribunal Superior do Trabalho (TST, 2016, p. 21), a adoção do sistema somente poderia ocorrer a instituição mediante negociação coletiva.

Utilizando-se da mesma justificativa da busca de preservação de empregos e renda em época de pandemia, a Medida Provisória 936/202022 22 Publicada em 1º de abril de 2020 e posteriormente convertida na Lei 14.020, de 6 de julho de 2020. , posteriormente renovada pela Medida Provisória 1.045/2021 (BRASIL, 2021a), regulou o pagamento do benefício emergencial, a redução proporcional de jornada e salário e a suspensão temporária do contrato de trabalho. Quanto à forma jurídica, abstraindo-se o prejuízo imposto aos trabalhadores pela complementação insuficiente das reduções salariais pelo benefício emergencial23 23 O benefício oferecido pelo governo não preserva o valor integral do salário recebido pelo(a) trabalhador(a). Ora, o valor do seguro-desemprego, que é adotado como parâmetro do benefício criado, é proporcional à média dos últimos três salários e sempre com redução, enquanto o empregador terá um auxílio de 100% do custo do trabalho. Se a média salarial for de R$ 1.599,62 a R$ 2.666,29, a redução será ainda maior, pois o benefício será 50% da média, acrescido da importância de R$ 1.279,69. E se a média for superior a R$ 2.666,29, o valor do benefício será de R$ 1.813,03. Para cumprir sua obrigação, o governo deveria pagar a integralidade dos salários. Tanto no caso de redução de salário com diminuição proporcional da jornada de trabalho, quanto no de suspensão do contrato de trabalho, o benefício concedido pelo governo não será suficiente para manter a totalidade da renda do trabalhador. Ainda, vale perceber que quando a redução for inferior a 25% o governo não pagará benefício algum ao trabalhador (§ 2º, I, do art. 11) (MAIOR, 2020). para se tratar especificamente dos avanços da autonomia, não há uma razão explicitada no artigo 12, I das Medidas Provisórias 936 e 1.045 para que a negociação individual tenha sido autorizada para redução em faixas salariais tão distintas (até três salários mínimos e salários acima do dobro do teto da Previdência Social) e nem mesmo para que as demais possibilidades de redução salarial tenham sido limitadas à negociação coletiva.

No caso das distinções concretizadas pela Medida Provisória 1.045/2021, pode-se inferir que o objetivo primeiro seria propiciar as negociações individuais para a grande maioria do contingente de assalariados brasileiro que, não coincidentemente, aufere remuneração de até 3 salários-mínimos24 24 Conforme PNAD relativa ao primeiro trimestre de 2020, a média salarial dos trabalhadores brasileiros com Carteira de trabalho assinada foi de R$ 2.281,00, situando-se, portanto, na faixa entre 2 e 3 salários-mínimos. , sendo que os trabalhadores hiperssuficientes apenas tiveram dilatada a autonomia individual que lhes havia sido incialmente imposta pela Lei 13.467/2017 (parágrafo único do artigo 444 da CLT).

Importante ressaltar, ainda, que Medida Provisória 1.045 incluiu as possibilidades de suspensão do contrato de trabalho e de redução proporcional de jornada e salário por acordo ou convenção coletiva de trabalho, ampliando a possibilidade outrora estabelecida pela Medida Provisória 936, que se limitava à negociação individual. A possibilidade de negociação coletiva, ante o cunho facultativo, não privilegia a autonomia coletiva e nem mesmo protege o empregado em nítidas condições desfavoráveis de negociação, pois o ajuste individual pode prosseguir a ser estabelecido.

Indicadores do mercado de trabalho, como nível de ocupação, taxa de desemprego e índice de formalização, já se encontravam desfavoráveis à negociação coletiva no período pré-pandemia e, com a efetiva instalação da crise sanitária, foram ainda piorados pela paralisação de atividades econômicas e a restrição à circulação e aglomeração de pessoas (IKUTA; COSTA; OLIVEIRA; PAGANI, 2020IKUTA, Camila Yuri Santana; COSTA, Luís Augusto Ribeiro da; OLIVEIRA José Silvestre Prado de; PAGANI, Victor Gnecco Soares. In: A Devastação do trabalho: a classe do labor na crise da pandemia. Dalila Andrade Oliveira e Marcio Pochmann (orgs.). 1. ed. Brasília: Gráfica e Editora Positiva: CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação e Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Docente, 2020, pp. 83-108.).

Ocorre que tais fatores possuem um peso muito maior sobre trabalhador individualmente considerado, autorizado e incentivado a firmar acordos individuais, evidenciando que, para efeito de regulação jurídica, o exercício da autonomia contratual, no presente momento histórico, pode resultar em reforço à submissão do trabalhador e aumento da precarização enquanto estratégia de dominação, podendo, inclusive, contrariar frontalmente seus interesses.

Considerações finais

O movimento da regulação jurídica do trabalho tratado no presente artigo revela o intento de regresso à ilusória existência de uma autonomia individual que, juridicamente, confere ao trabalhador a possibilidade de ampla negociação de sua força de trabalho, sem a interveniência de entes coletivos e sem as amarras da proteção legal a direitos indisponíveis. Clarifica-se a impressão apontada por Stiglitz de que, a depender da conjuntura, os ditames da política econômica espraiam repercussões nas relações contratuais e propiciam regressos ao ontem ou novos ajustes ao desequilíbrio (STIGLITZ, 1992STIGLITZ, Ruben S. La autonomia de la voluntad y revisión del contrato. Buenos Aires: Depalma, 1992., p. 4).

Desse complexo processo de formulação legislativa e decisões judiciais, comprova-se a hipótese inicial, evidenciando que a lógica dos conceitos jurídicos corresponde à lógica das relações sociais de uma sociedade de produção mercantil, e é especificamente nessa trama que deve ser buscada a raiz do sistema de direito privado (...) (PACHUKANIS, 1989PACHUKANIS, Eugeny Bronislanovich. Teoria Geral do Direito e Marxismo. Tradução, apresentação e notas de Paulo Bessa. Rio de Janeiro: Renovar, 1989., pp. 66/67). No caso específico do direito do trabalho atual e de suas recentes alterações legislativas percebe-se um alinhamento da lógica dos conceitos jurídicos à lógica das relações sociais impregnadas da racionalidade neoliberal, que enxerga o sujeito trabalhador como ator individual e responsável único por seus sucessos e infortúnios.

Nessa dinâmica pautada por ajustes legislativos e ressignificações conceituais, o avanço do capital sobre o trabalho é possibilitado não apenas pela pura e simples retirada de direitos, mas também pela permanente alteração de sentidos de conceitos e princípios jurídicos, como é o caso da autonomia. A construção de formas jurídicas adequadas ao desenvolvimento capitalista é necessária para evitar o confronto direto que nem sempre garante os efeitos desejados; por isso, faz-se necessário lançar mão de estratégias dissimuladas para que a retirada de direitos possa ser concretizada, como é o caso da valorização da autonomia contratual no Direito do Trabalho contemporâneo. E, sempre que a via da negociação individual não se mostra efetiva, propõem-se formas de negociação coletiva inclusive para reduzir direitos previstos em lei, contando-se com o beneplácito de atuações sindicais moduladas e enfraquecidas.

Se a autonomia coletiva exercida pelas entidades sindicais se mostra incômoda aos interesses empresariais, reflete, por outro lado, a “legalização da classe operária” citada por Edelman (2016EDELMAN, Bernard. A legalização da classe operária. Tradução coordenada por Marcus Orione. São Paulo: Boitempo, 2016., p. 19), na medida em que restringe as insurgências ao palco e às regras estabelecidas pela legislação. O que restará sem a intervenção sindical ou a ficção da autonomia coletiva? Se o Direito do Trabalho e a autonomia coletiva constituem importantes peças do modo de produção capitalista, visto servirem para interpor limites à exploração e para mediar e conter as insurgências, seguramente restará a insatisfação, que se manifestará não mais pelo previsível caminho do Direito, que lhe foi tirado, mas pelo poder de fato, que continuará existindo.

A pandemia da COVID-19, como evento de ampla repercussão econômica e social, acentuou e propiciou novas formas de extração de valor sob o manto da legalidade e fez surgir uma inesperada oportunidade para experimentação de novo avanço nos limites da autonomia nos contratos de trabalho, quando a negociação individual - inclusive para retirar ou restringir direitos - torna-se a regra e o ajuste coletivo, a exceção. Mesmo que se considere a peculiaridade e a possível transitoriedade da crise sanitária, há indícios que os ajustes neoliberais na regulação jurídica do trabalho fazem uso da chave da autonomia para afastamento de obstáculos impostos pela legislação protetiva, ainda existente.

Há um permanente manejo de regras e interpretações jurisprudenciais de modo a possibilitar prioritariamente negociações individuais e a permitir a autonomia coletiva em temas outrora indisponíveis. São ajustes calculados segundo uma racionalidade sobre a qual a burguesia pavimentou seu domínio secular, buscando sempre a previsibilidade e o lucro. A classe trabalhadora, de sua vez, cada vez mais é confrontada com ambiguidade das formas jurídicas que, embora ainda ostentem o rótulo de legislação protetiva, servem muito mais à segurança jurídica que importa ao capital e que legitimam o aumento da exploração da força de trabalho.

Referências bibliográficas

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    » https://www.tiger.edu.pl/publikacje/dist/williamson.pdf
  • 1
    Adota-se, aqui, o conceito de informalidade explanado por Filgueiras, Druck e Amaral (2004FILGUEIRAS, Luiz; DRUCK, Graça; AMARAL, Manoela Falcão. O conceito de informalidade: um exercício de aplicação empírica. Caderno CRH, Salvador, v. 17, n. 41, p; 211-229, mai/ago., 2004, p. 228), que se apresenta como expressão do processo de precarização do trabalho, definido a partir de atividades não fordistas, que abarca situações específicas como instabilidade da demanda, baixo rendimento e longas jornadas de trabalho, sem garantias trabalhistas, previdenciárias e contra o desemprego.
  • 2
    Savatier (1952SAVATIER, René. Les Métamorphoses économiques et sociales du Droit Civil D´Aujourd´hui. 2. ed. Paris: Dalloz, 1952.) ressalta que: “Evidentemente os contratos sempre foram limitados pela ordem pública; a vontade das partes nunca foi completamente soberana. Somente, a ordem pública, no passado, era simplesmente o limite do mal. Traçando a fronteira do ilícito e do permitido, se colocava essa afirmação fundamental que o permitido era aquilo comumente era aceito pelo Direito, que o domínio da liberdade se estendia a perder de vista, em todos os lugares, desde que não infringisse uma regra essencial da civilização, e, especialmente, regras protetoras da própria liberdade.”
  • 3
    Os aparelhos ideológicos de Estado, diversamente dos chamados aparelhos estatais de domínio público, não funcionam pela violência ou por formas não físicas de repressão (punições administrativas), como é o caso do governo, da administração, do exército, da polícia, dos tribunais e das prisões. Trata-se de organismos que se apresentam na forma de diferentes instituições especializadas, como é o caso de aparatos religiosos, escolas, família, sindicatos, partidos políticos, imprensa, organismos jurídicos e culturais, cuja atuação, conforme o nome próprio sugere, se dá por mecanismos ideológicos desenvolvidos no domínio privado (ALTHUSSER, 1988ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado. São Paulo: Martins Fontes, 1988., p. 45).
  • 4
    Friedrich Hayek, conhecido teórico do neoliberalismo, teceu sucessivas críticas ao poder do sindicalismo inglês nos idos de 1980 que, segundo afirmava, seria detentor de um poder sacrossanto, amparado em privilégios únicos que ocasionaram diretamente o declínio econômico inglês (HAYEK, 2009, p. 88).
  • 5
    Conceito desenvolvido por Ruy Mauro Marini em sua obra “Dialética da Dependência” (MARINI, 1990MARINI, Ruy Mauro. Dialética da Dependência. Tradução de Marcelo Carcanholo. Fonte: Editora Era, México, 10. ed., 1990., p. 152), representado pela conjugação da majoração da jornada de trabalho com o aumento da intensidade do trabalho e arrocho salarial.
  • 6
    Constituição (1988). Emenda constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004. Altera dispositivos dos arts. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103B, 111-A e 130-A, e dá outras providências.
  • 7
    Expressão adotada por Wendy Brown ao tratar da rejeição do neoliberalismo que “desmassifica” e que, “legalmente, envolve o manejo de reivindicações de liberdade para contestar a igualdade e o secularismo, bem como as proteções ambientais, de saúde, de segurança, laborais e ao consumidor”. (BROWN, 2019BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo. Tradução de Mario A. Marino e Eduardo Altheman C. Santos. São Paulo: Editora Filosófica Politeia, 2019., p. 48)
  • 8
    Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei.
  • 9
    Conforme Amauri Mascaro do Nascimento, a função da negociação coletiva no contexto anterior à reforma trabalhista era o de “obter melhores condições de trabalho, cobrir os espaços que a lei deixa em branco e administrar crises da empresa”. (NASCIMENTO, 2001NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Limites da Negociação Coletiva na Perspectiva do Projeto de Flexibilização da CLT. Revista Legislação do Trabalho, São Paulo, v. 65, n. 12, dez/2001, pp. 1419-1431., p. 1419)
  • 10
    Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: I - pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais; II - banco de horas anual; III - intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas; IV - adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei no 13.189, de 19 de novembro de 2015; V - plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança; VI - regulamento empresarial; VII - representante dos trabalhadores no local de trabalho; VIII - teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente; IX - remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual; X - modalidade de registro de jornada de trabalho; XI - troca do dia de feriado; XII - enquadramento do grau de insalubridade; XIII - prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho; XIV - prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo; XV - participação nos lucros ou resultados da empresa. (...)
  • 11
    Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos: I - normas de identificação profissional, inclusive as anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social; II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário; III - valor dos depósitos mensais e da indenização rescisória do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS); IV - salário mínimo; V - valor nominal do décimo terceiro salário; VI - remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; VII - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; VIII - salário-família; IX - repouso semanal remunerado; X - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% (cinquenta por cento) à do normal; XI - número de dias de férias devidas ao empregado; XII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; XIII - licença-maternidade com a duração mínima de cento e vinte dias; XIV - licença-paternidade nos termos fixados em lei;XV - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei; XVI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei; XVII - normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho; XVIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas; XIX - aposentadoria; XX - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador; XXI - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho; XXII - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência; XXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; XXIV - medidas de proteção legal de crianças e adolescentes; XXV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso; XXVI - liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho; XXVII - direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender; XXVIII - definição legal sobre os serviços ou atividades essenciais e disposições legais sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade em caso de greve; XXIX - tributos e outros créditos de terceiros; XXX - as disposições previstas nos arts. 373-A, 390, 392, 392-A, 394, 394-A, 395, 396 e 400 desta Consolidação, Parágrafo único. Regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo.
  • 12
    Os direitos descritos no artigo 611-A são os seguintes: (1) jornada de trabalho (incisos I, II, III, VII, X e XI); (2) adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE) (inciso IV); (3) enquadramento funcional e funções de confiança (inciso V); (4) regulamento empresarial (inciso VI); (5) representante dos trabalhadores no local de trabalho (inciso VII); (6) teletrabalho e trabalho intermitente (inciso VIII); (7) remuneração por produtividade e por desempenho individual, prêmios de incentivo, e participação nos lucros e resultados (incisos IX, XIV e XV); (8) enquadramento do grau de insalubridade e prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho (incisos XII e XIII).
  • 13
    Art. 32. É nula a sentença arbitral se: I - for nula a convenção de arbitragem; II - emanou de quem não podia ser árbitro; III - não contiver os requisitos do art. 26 desta Lei; IV - for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem; VI - comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva; VII - proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, inciso III, desta Lei; e VIII - forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º, desta Lei (BRASIL, 1996).
  • 14
    Como defende Jorge Luís Souto Maior, é errôneo atribuir a esse ou àquele ocupante do poder determinada legislação, sendo equivocado falar em “CLT de Vargas” e “CLT de Temer”. Tratam-se as leis, em verdade, do resultado de processos históricos, carregados de materialidade dialética e conflitos de toda ordem (SOUTO MAIOR, 2017SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. A "CLT de Temer" & CIA. LTDA. Revista eletrônica [do] Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, v. 6, n. 61, p. 147-168, jul./ago. 2017., pp. 122-133).
  • 15
    Assinada em 22/03/2020, a prorrogação da validade da Medida Provisória 927/20 por período superior a 120 dias dependeria de votação e aprovação do texto pelas casas do Congresso Nacional, o que não ocorreu, fazendo com que o texto perdesse sua vigência em 19/07/2020.
  • 16
    Art. 14. Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, ficam autorizadas a interrupção das atividades pelo empregador e a constituição de regime especial de compensação de jornada, por meio de banco de horas, em favor do empregador ou do empregado, estabelecido por meio de acordo coletivo ou individual formal, para a compensação no prazo de até dezoito meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública.
  • 17
    Art. 60. (...) Parágrafo único. Excetuam-se da exigência de licença prévia as jornadas de doze horas de trabalho por trinta e seis horas ininterruptas de descanso”.
  • 18
    Art. 59-A. Em exceção ao disposto no art. 59 desta Consolidação, é facultado às partes, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, estabelecer horário de trabalho de doze horas seguidas por trinta e seis horas ininterruptas de descanso, observados ou indenizados os intervalos para repouso e alimentação”.
  • 19
    Segundo o artigo 5º da Lei n. 14.010, de 10 de junho de 2020, a assembleia geral, inclusive para os fins do art. 59 do Código Civil, até 30 de outubro de 2020, poderá ser realizada por meios eletrônicos, independentemente de previsão nos atos constitutivos da pessoa jurídica. Nesse caso, conforme parágrafo único do referido artigo 5º, “A manifestação dos participantes poderá ocorrer por qualquer meio eletrônico indicado pelo administrador, que assegure a identificação do participante e a segurança do voto, e produzirá todos os efeitos legais de uma assinatura presencial”.
  • 20
    Cita-se, a título de exemplo, a cláusula Vigésima Nona da convenção coletiva dos professores de ensino superior de Curitiba e Região Metropolitana que estabelece que o pedido de redução de carga horária formulado pelo docente deverá ser apresentado “em documento onde constem o nome completo das partes e seus respectivos endereços, devidamente assinado por ambos, e protocolizado no SINPES”. (SINPES, 2020)
  • 21
    Conforme relatório da OXFAM divulgado em 27/02/2020, enquanto milhares de micros, pequenas e médias empresas estão fechando as portas, os ganhos de grandes corporações como Microsoft, Visa ou a farmacêutica Pfizer cresceram entre 30% e 50% desde o início do ano. Um recorde compartilhado por um punhado de grandes empresas que estão vendo como seus resultados dispararam como consequência da pandemia, resultados tão extraordinários como inesperados, atribuível ao efeito dos isolamentos (OXFAM BRASIL, 2020).
  • 22
    Publicada em 1º de abril de 2020 e posteriormente convertida na Lei 14.020, de 6 de julho de 2020.
  • 23
    O benefício oferecido pelo governo não preserva o valor integral do salário recebido pelo(a) trabalhador(a). Ora, o valor do seguro-desemprego, que é adotado como parâmetro do benefício criado, é proporcional à média dos últimos três salários e sempre com redução, enquanto o empregador terá um auxílio de 100% do custo do trabalho. Se a média salarial for de R$ 1.599,62 a R$ 2.666,29, a redução será ainda maior, pois o benefício será 50% da média, acrescido da importância de R$ 1.279,69. E se a média for superior a R$ 2.666,29, o valor do benefício será de R$ 1.813,03. Para cumprir sua obrigação, o governo deveria pagar a integralidade dos salários. Tanto no caso de redução de salário com diminuição proporcional da jornada de trabalho, quanto no de suspensão do contrato de trabalho, o benefício concedido pelo governo não será suficiente para manter a totalidade da renda do trabalhador. Ainda, vale perceber que quando a redução for inferior a 25% o governo não pagará benefício algum ao trabalhador (§ 2º, I, do art. 11) (MAIOR, 2020).
  • 24
    Conforme PNAD relativa ao primeiro trimestre de 2020, a média salarial dos trabalhadores brasileiros com Carteira de trabalho assinada foi de R$ 2.281,00, situando-se, portanto, na faixa entre 2 e 3 salários-mínimos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2024

Histórico

  • Recebido
    25 Nov 2021
  • Aceito
    22 Ago 2022
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