Resumo
O presente artigo tem como objetivo avaliar o processo de escrita colaborativa nas reescritas de decisões em perspectivas feministas em clínicas jurídicas, destacando seus desafios e horizontes didático-pedagógicos para o ensino jurídico. A pesquisa é qualitativa com método de análise feminista e examina experiências da Clínica de Atenção à Violência da Universidade Federal do Pará (CAV/UFPA) e da Clínica de Direitos Humanos das Mulheres do Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter) por meio de revisão bibliográfica e pesquisa documental. Em um primeiro momento, apresenta-se o projeto de reescrita. Em seguida, as experiências de ambas as Clínicas e, por fim, discute-se a escrita colaborativa com perspectiva feminista. Em situações de escrita colaborativa, a presença de outras pessoas pode suscitar um processo de reflexão sobre a linguagem e as práticas sociais de forma ainda mais intensa. A escrita colaborativa, com perspectiva feminista, como metodologia de ensino pode possibilitar não só a crítica, mas também o uso da técnica e da linguagem jurídica antidiscriminatória.
Palavras-chave:
Ensino jurídico; Feminismos; Clínicas jurídicas; Reescrita; Escrita colaborativa
Abstract
This article aims to evaluate the collaborative writing process in the rewriting of decisions from feminist perspectives in legal clinics, highlighting its challenges and didactic-pedagogical horizons for legal education. The research is qualitative with a feminist analysis method and examines the experiences of the Clinic for Attention to Violence at the Federal University of Pará (CAV/UFPA) and the Women's Human Rights Clinic at the Ritter dos Reis University Center (UniRitter) through a bibliographical review and documentary research. At first, the rewriting project is presented, then the experiences of both Clinics and, finally, collaborative writing with a feminist perspective is discussed. In collaborative writing situations, the presence of other people can trigger a process of reflection on language and social practices in an even more intense way. Collaborative writing, with a feminist perspective, as a teaching methodology can enable not only criticism, but also the use of technique and anti-discriminatory legal language.
Keywords:
Legal education; Feminisms; Legal clinics; Rewriting; Collaborative writing
1. Introdução
O uso de uma perspectiva feminista em decisões judiciais tem tomado grande corpo no debate público. De um lado, o desenvolvimento dos Feminist Judgments Projects (Projetos de Julgamentos Feministas), entre acadêmicas de diversas regiões do mundo, tem convidado a academia a discutir novas possibilidades de produção de decisões de casos significativos em seus países, utilizando, para isso, metodologias e abordagens jurídicas feministas (Severi; Silva, 2021SEVERI, Fabiana Cristina; SILVA, Júlia Marçal. Reescrevendo decisões judiciais em perspectivas feministas. Boletim Lua Nova - CEDEC. 2021. Disponível em: https://boletimluanova.org/reescrevendo-decisoes-judiciais-em-perspectivas-feministas/. Acesso em: 10 jun. 2023.
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).
De outro lado, experiências como a do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero (CNJ, 2021) e das Diretrizes para investigar, processar e julgar com perspectiva de gênero as mortes violentas de mulheres (SPM, 2016) têm orientado a magistratura a um novo fazer judicial.
A criação do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero (CNJ, 2021) trouxe visibilidade para um importante debate público sobre o tema e diretrizes para diminuir os vieses de gênero em decisões judiciais. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) inclusive, recentemente, aprovou a Resolução nº 492, de 17 de março de 2023, que torna obrigatória a adoção do Protocolo para todo o Poder Judiciário nacional. A Resolução aprovada também criou um Comitê de Acompanhamento e Capacitação sobre Julgamento com Perspectiva de Gênero no Poder Judiciário e o Comitê de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário.
No Brasil, o projeto de Reescritas de Decisões Judiciais em perspectiva feminista reuniu professoras de cursos de Direito de todo o Brasil, promovendo cursos e estimulando o debate nacional. O Grupo lançou o livro “Reescrevendo decisões judiciais em perspectivas feministas: a experiência brasileira” (Severi, 2023SEVERI, Fabiana Cristina (Org). Reescrevendo decisões judiciais em perspectivas feministas: a experiência brasileira. Ribeirão Preto (SP): IEA / FDRP-USP, 2023.).
Neste artigo, discutimos dois projetos integrantes adotados em duas clínicas jurídicas: a Clínica de Atenção à Violência da Universidade Federal do Pará (CAV/UFPA) e a Clínica de Direitos Humanos das Mulheres, do Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter). Como forma de desenvolver experiências de reescritas em perspectivas feministas, as clínicas jurídicas podem representar um importante lócus tendo em vista que apresentam novos formatos de ensino.
Dessa forma, o presente artigo tem como objetivo avaliar o processo de escrita colaborativa nas reescritas de decisões em perspectivas feministas em clínicas jurídicas, destacando seus desafios e horizontes didático-pedagógicos para o ensino jurídico.
A pesquisa é qualitativa com método de análise feminista e examina experiências do processo de produção de reescrita de duas clínicas, uma do norte e uma do sul do país: a Clínica de Atenção à Violência da Universidade Federal do Pará (CAV/UFPA) e a Clínica de Direitos Humanos das Mulheres do Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter). Adotamos como foco a experiência de duas clínicas que lidam com a temática com os direitos das mulheres, o que torna sua atuação relevante para o debate feminista sobre o tema. Ambas participaram do projeto de reescrita, mas a partir de práticas distintas: uma, oriundo do atendimento de um caso e outra de um projeto de ensino. Realizamos revisão bibliográfica e documental oriunda das duas práticas realizadas.
2. A reescrita de decisões em perspectiva feminista e os feminismos jurídicos
A incidência política e acadêmica dos feminismos jurídicos em todo mundo tem demonstrado o impacto dos estereótipos de gênero sobre o sistema de justiça. No âmbito do sistema de justiça criminal, evidenciam que as práticas das diversas agências do sistema de justiça (polícia, ministério público, defensoria e poder judiciário) estão permeadas por estereótipos de gênero.
No contexto jurídico brasileiro, identifica-se que a função do sistema de justiça de proteger e assegurar os direitos desse público encontra falhas fundamentadas em perspectivas sexistas, racistas, colonialistas e discriminatórias observáveis nas práticas jurídicas, incluindo os tribunais (Severi, 2016SEVERI, Fabiana Cristina. O gênero da justiça e a problemática da efetivação dos direitos humanos das mulheres. Revista Direito e Práxis, v. 7, n. 13, p. 80-115, 2016.).
O alcance da incidência e contribuição dos feminismos jurídicos pode ser evidenciada em diversos momentos, como por exemplo, na elaboração de leis (Lei Maria da Penha), na apresentação de argumentos para aprovação de um projeto de lei (lei eleitoral de cotas) ou para a revogação de dispositivos legais violadores dos direitos das mulheres (crime de aborto). Também na elaboração de políticas públicas com perspectiva de gênero e raça (planos de políticas para as mulheres), criação de delegacias das mulheres, política de atenção integral à saúde das mulheres, dentre outras. E ainda, contribuindo para o aprimoramento do sistema de justiça investigando o sexismo/racismo presente na composição dos órgãos do sistema de justiça, na doutrina e na jurisprudência.
Nesse sentido, a análise de estereótipos de gênero em julgamentos e decisões judiciais tem sido objeto privilegiado de investigações feministas há bastante tempo e a farta literatura feminista sobre o tema atesta a sua importância. No que se refere especificamente à análise de decisões judiciais, estudos desde a década de oitenta já identificavam como estereótipos de gênero moldavam as decisões judiciais (Correa, 1983CORRÊA, Marisa. Morte em família: representações jurídicas de papéis sexuais. Rio de Janeiro, Graal, 1983.; Ardaillon; Debert, 1989).
Os feminismos jurídicos demonstram que a perspectiva de gênero possibilita que a interpretação judicial e a elaboração de sentenças estejam fundamentadas nos direitos humanos e em uma perspectiva inclusiva e democrática. Deste modo, os feminismos jurídicos têm cumprido um importante papel de questionamento das estruturas jurídicas, do fazer jurídico e dos processos decisórios, especialmente porque as decisões judiciais não podem ser interpretadas como “mera folha de papel” que objetiva pôr fim a um conflito entre partes, já que impactam concretamente a vida das mulheres e comunicam a vontade do Estado-julgador (Campos; Silva, 2023CAMPOS, Carmen Hein de. SILVA, Maria Salete. Criatividade feminista na elaboração de sentenças: experiências em curso no Sul e Nordeste brasileiro. In RAMOS, Marcelo. NICOLI, Pedro (Orgs.). Gênero, Sexualidade e Direito: pensando o Direito a partir da experiência de mulheres e pessoas LGBT+. Belo Horizonte: UFMG, 2023, p. 99-118.).
O projeto de reescrita de decisões judiciais aprofunda essas contribuições ao evidenciar de que modo as sentenças produzem lógicas discriminatórias:
As decisões judiciais constroem significados materiais na vida das mulheres e impactam a sua realidade, podendo mudar suas vidas. O poder do direito em transformar as condições de vida e sobrevivência das mulheres, muitas vezes para pior, faz com que seja urgente, ainda que não seja a única estratégia de luta a se investir, trabalhar pela mudança da racionalidade jurídica e dos métodos dominantes e aplicação das leis. (Lauris; Farranha, 2023LÁURIS, Élida; FARRANHA, Ana Claudia. O que aprendemos com a reescrita das decisões? Da letra à práxis. SEVERI, Fabiana Cristina (Org). Reescrevendo decisões judiciais em perspectivas feministas: a experiência brasileira. Ribeirão Preto (SP): IEA / FDRP-USP, 2023., p. 158)
Os feminismos jurídicos têm contribuído para novas formas de produção decisória. Em regra, os métodos feministas enfatizam a conversa e o diálogo, em vez da produção de uma verdade única e triunfante e interrompem a racionalidade 'e neutralidade' da escrita típica de julgamento que esconde as escolhas feitas e a política em ação para chegar a essas decisões (Hodson; Lavers, 2019HODSON, Loveday; LAVERS, Troy. Feminist Judgments in International Law: An Introduction. In: HODSON, Loveday; LAVERS, Troy (eds). Feminist Judgments in International Law. Oxford: Hart Publishing, 2019. 3-22. Bloomsbury Collections. Web. 29 Sep. 2019. <http:// dx.doi.org/10.5040/9781509914449.ch-001>.
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). Ademais, no âmbito acadêmico, têm formulado teorias e metodologias que visam transformar as práticas de ensino, pesquisa e extensão (Campos; Silva, 2023CAMPOS, Carmen Hein de. SILVA, Maria Salete. Criatividade feminista na elaboração de sentenças: experiências em curso no Sul e Nordeste brasileiro. In RAMOS, Marcelo. NICOLI, Pedro (Orgs.). Gênero, Sexualidade e Direito: pensando o Direito a partir da experiência de mulheres e pessoas LGBT+. Belo Horizonte: UFMG, 2023, p. 99-118.).
Nesse particular, a proposta do projeto de reescrita é justamente o de uma escrita colaborativa, que tem nas clínicas jurídicas seu lócus privilegiado. O projeto internacional colocou em primeiro plano uma metodologia colaborativa, contribuindo para uma nova forma de redação de julgamentos. Projetos anteriores de reescrita em perspectiva feminista aconteciam, mas geralmente adotaram uma abordagem individual para a redação do julgamento, na qual o julgamento feminista atua como uma voz separada e adicional (Hodson; Lavers, 2019HODSON, Loveday; LAVERS, Troy. Feminist Judgments in International Law: An Introduction. In: HODSON, Loveday; LAVERS, Troy (eds). Feminist Judgments in International Law. Oxford: Hart Publishing, 2019. 3-22. Bloomsbury Collections. Web. 29 Sep. 2019. <http:// dx.doi.org/10.5040/9781509914449.ch-001>.
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).
No Brasil, é relevante destacar que a rede de pesquisadoras mobilizada articulou diretamente discentes de graduação, o que não ganhou relevo em outros países. Estudantes de graduação participaram de todo o processo de elaboração das reescritas e também na publicação do livro. O diálogo com estudantes de graduação trouxe novos desafios e nos faz pensar sobre os limites e possibilidades das faculdades de direito nesse processo.
3. As clínicas jurídicas e o processo de reescrita
A educação superior no país é regulada pelo Poder Executivo, que define diretrizes gerais para o funcionamento dos cursos de cada uma das áreas. Em 17 de julho de 2017, a Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação emitiu a Resolução CES/CNE n° 3/2017, permitindo que as atividades do estágio supervisionado obrigatório dos cursos de Direito pudessem ser realizadas em outros ambientes além do Núcleo de Prática Jurídica da instituição de ensino superior, o que fortaleceu a atuação das Clínicas Jurídicas. A Resolução n. 5, de 17 de dezembro de 2018, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito, também estimula a criação das clínicas jurídicas.
Durante muitos anos, os núcleos de prática jurídica foram o único espaço de exercício prático nos cursos de direito, concentrando o exercício do estágio obrigatório. A Portaria n. 1.886/1994, do Ministério da Educação e Cultura (MEC), tornou obrigatória a implantação e a instalação de Núcleos de Prática Jurídica (NPJ) nas instituições de ensino superior jurídicas. De acordo com Sousa Júnior (2006SOUSA JÚNIOR, José G. Ensino do Direito. Núcleos de Prática e de Assessoria Jurídica. Veredas do Direito, Belo Horizonte, v. 3, n. 6, p. 123-144, jul.-dez. 2006. Disponível em: <http://www. domhelder.edu.br/veredas_direito/pdf/7_78.pdf>. Acesso em: 7 jun. 2017.
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), com o novo paradigma curricular, as instituições passaram a se preocupar não apenas com o conhecimento cognitivo, mas também a proporcionar o crescimento pessoal e profissional discente.
As clínicas jurídicas surgem no Brasil como contraponto ao modelo adotado pelo núcleo de prática jurídica que focava em reproduzir uma perspectiva de escritório advocatício, tinha pouca diversidade em suas demandas baixo impacto social. O modelo buscado foi inspirado nas clínicas das América do Norte voltadas a:
promover novas iniciativas metodológica de ensino pautadas em questões como: a) impacto social; b) justiça social; c) transdisciplinaridade; d) diversidade metodológica; e) aliança teoria e prática; f) desenvolvimento de competências, cognitivas e instrumentais (Souza, 2022SOUZA, Luanna Tomaz de. Uma autoetnografia da formação para assistência jurídica às mulheres em situação de violência na UFPA. Revista de pesquisa e educação jurídica. v.7, p.1 - 20, 2022., p.8).
Segundo Lapa (2014LAPA, Fernanda Brandão. Clínicas de Direitos Humanos: uma proposta pedagógica para a educação jurídica no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014.), no Brasil, percebe-se um primeiro movimento de criação de clínicas jurídicas a partir do século XXI e esse movimento tem sido impulsionado pelo protagonismo das clínicas de direitos humanos diante dos problemas com a prática nos cursos jurídicos, muito centrada nos Núcleos de Prática Jurídica que não articulam com muita profundidade a teoria com a prática jurídica e não estão muito comprometidos com a Justiça Social.
As clínicas de direitos humanos, em particular, trazem para o ambiente acadêmico estratégias da advocacia em direitos humanos como o litígio estratégico1 1 Litigância estratégica é uma ampliação do conceito de litigância no Direito para abranger não só a noção tradicional, mais judicial, mas também um conjunto de ações de advocacy e comunicação para incidência no Legislativo e no Executivo, com o objetivo de viabilizar políticas públicas que defendam e efetivem direitos dos diversos segmentos vulneráveis da sociedade. É estratégica não foca em qualquer ação, mas naquela que tem uma dimensão emblemática, capaz de criar precedentes e gerar resultados positivos (DIAS, 2016) , o monitoramento, a elaboração de relatórios, o desenho de políticas e legislações e o advocacy2 2 Advocacy é instrumento pelo qual grupos, organizações e a própria sociedade civil realizam reivindicações perante o poder público de direitos indisponíveis, objetivando a formulação e implementação de políticas públicas que atendam aos anseios e às carências do povo. ITCC. ITTC Explica: O que é ‘advocacy’? 28.07.2020. Disponível em: https://ittc.org.br/o-que-e-advocacy/. Acesso em 20 jun. 2023. , mecanismo de pressão utilizado pelos movimentos para alcançar suas demandas (Hurtwitz, 2006, p. 39). Assim, o método clínico se configura no país como a busca de intervenção estratégica em casos de impacto que envolvem grupos sociais, utilizando variadas formas de intervenção (Bello; Ferreira, 2018BELLO, Enzo; FERREIRA, Lucas Pontes. Clínicas de direitos humanos no Brasil: um estudo sobre seu processo de implementação e funcionamento na prática e no ensino jurídico. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD) 10(2):170-182, maio-agosto 2018.).
As clínicas jurídicas são assim um espaço de produção de novas formas de ensino jurídico. Claro que elas, por si só, não conseguem confrontar toda estrutura de ensino jurídico, ainda muito tecnicista e elitista, dentre outros problemas, todavia, provocam importantes pontos de tensão e novas dinâmicas de ensino. Dessa forma é importante pensar de que modo as clínicas se articularam para o processo de reescrita, que também convidam a produção de novas formas de ensino.
O projeto de reescrita traz inovações pedagógicas para os cursos de direito no Brasil. Em primeiro lugar, podemos destacar que, mesmo que o ensino, a pesquisa e a extensão formem um tripé obrigatório nas universidades,3 3 As universidades obedecem ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão de acordo com o artigo 207 da Constituição de 1998 nem sempre isso é promovido. O projeto de reescrita brasileiro consegue promover a articulação entre ensino, pesquisa e extensão e pode trazer inovações para as atividades de estágio ou de prática jurídica, como nas clínicas.
Além disso, envolve uma rede de professoras de todo o país implicada em uma produção feminista de pesquisa, o que também é inovador para as dinâmicas universitárias. Ainda que sejam comuns redes acadêmicas, nem sempre elas funcionam como espaço de produção coletiva, atuando mais como espaço de articulação e/ou como uma rede de contatos. Nesse caso, o trabalho em rede funcionou com acercamentos, trocas de experiências e trabalho em conjunto em que se discutiam aproximações ou afastamentos, por meio de seminários, cursos e eventos que traçaram horizontes de aproximação das reescritas.
A seguir, discutimos as experiências dos dois projetos de reescrita em clínicas: uma do norte e outra do sul do país; um projeto de reescrita oriundo de uma ação de extensão e outra de ensino. Serão apresentadas as clínicas, a metodologia de reescrita, os desafios enfrentados e as potencialidades de uso das dinâmicas escolhidas.
3.1. A experiência da Clínica de Atenção à Violência da UFPA no processo de reescrita
A Clínica de Atenção à Violência (CAV) surgiu em 2016, na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará (Souza, 2022SOUZA, Luanna Tomaz de. Uma autoetnografia da formação para assistência jurídica às mulheres em situação de violência na UFPA. Revista de pesquisa e educação jurídica. v.7, p.1 - 20, 2022.). Realiza atendimento a pessoas em situação de violência, além de desenvolver ações de pesquisa, de educação em direitos humanos e de litigância estratégica. A clínica recebe livre demanda toda sexta pela manhã, atendendo pessoas em situação de violência gratuitamente a partir de um atendimento integrado entre profissionais do direito, da psicologia e do serviço. Os casos são atendidos, é oferecida assistência e discutida internamente possibilidades de ações acerca da temática objeto da violência4 4 A partir de um caso de feminicídio, por exemplo, elaborou-se um projeto de protocolo de estadual de enfrentamento ao feminicídio apresentado ao governo do estado. .
Ao receber o convite para integrar o projeto de reescrita, decidimos discutir um caso atendido pela própria Clínica: o de uma mulher que havia saído de seu país de origem para o Brasil sob alegação de violência doméstica e familiar e que teve determinada a busca e apreensão de seus filhos, nos termos da Convenção de Haia, Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, de 19805 5 O Decreto n. 3.413, de 14 de abril de 2000, promulga a Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, concluída na cidade de Haia, em 25 de outubro de 1980. (Souza, 2023SOUZA, Luanna Tomaz de et al. Pilar, a busca e a apreensão de seus filhos e a reescrita da decisão. In. SEVERI, Fabiana Cristina (Org). Reescrevendo decisões judiciais em perspectivas feministas: a experiência brasileira. Ribeirão Preto (SP): IEA / FDRP-USP, 2023.).
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O nome foi alterado como forma de preservar sua identidade, nos termos da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), Lei n° 13.709/2018. Os nomes estão inspirados no filme espanhol “Te doy mis ojos”. Ano: 2003. País: Espanha. Direção: Iciar Bollaín. O filme aborda o tema da violência conjugal, destacando a dificuldade de se perceber o olhar das mulheres.
decidiu fugir da Dinamarca após sofrer violência doméstica e da inércia das autoridades locais na investigação dos fatos. Ademais, seu questionamento sobre as violências praticadas por parte do ex-companheiro contra os três filhos terminou diminuindo seu espaço de guarda. A lei local cria mecanismos que forçam uma guarda compartilhada, ainda que existam denúncias de abusos. Pilar fugiu para o Brasil e ficou aqui por quatro anos até ter a busca e apreensão determinada com entrega das crianças ao pai e retorno ao país de origem (Souza; Smith, 2018SOUZA, Luanna Tomaz de; SMITH, Andreza. S. P. O. O Caso das Dinamarquesas: Luzes sobre o Refúgio para Mulheres em situação de violência doméstica e familiar no Brasil. Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas, v. 34, n. 2, 2018. Disponível em: https://revista.fdsm.edu.br/index.php/revistafdsm/article/view/243. Acesso em: 26 jan. 2023.
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).
No âmbito da CAV, realizamos o atendimento jurídico e psicossocial dela. Por isso, o trabalho foi construído em grupo a partir dessa experiência, pelas pessoas que atuam na Clínica, seguindo o exercício de “uma agência coletiva” que procura demonstrar, “na prática”, os efeitos que perspectivas plurais podem ter no processo de tomada de decisão (Hunter]; McGlynn; Rackley, 2010HUNTER, R.; McGLYNN, C., RACKLEY, E. Feminist Judgments: From Theory to Practice. Oxford, UK; Portland, Oregon: Hart Publishing, 2010.).
Foram feitas reuniões mensais em que se discutia coletivamente a decisão original e as possibilidades de redesenho. A equipe acabou com o tempo sendo dividida em grupos para facilitar o debate a partir dos temas que eram explorados na sentença como: a vedação ao contraditório, a falta de relatório psicossocial do caso, a aplicação da convenção de Haia e as noções sobre maternidade apresentadas na decisão. Após alguns meses de debate em grupo, voltamos a reuniões integradas para a reescrita final.
Decidimos também iniciar um diálogo com a pessoa atendida por nós, por isso marcamos uma reunião prévia para apresentar para ela o projeto e obter a sua permissão. Depois marcamos um momento de entrevista com ela, para ouvir seu ponto de vista sobre o caso, e, por fim, um momento para leitura e discussão da reescrita quando o texto já estava mais desenvolvido.
O processo de reescrita foi repleto de desafios. O primeiro deles foi entender em que consistia propriamente a reescrita, até porque no ambiente acadêmico somos muito mais voltadas para aspectos teóricos do que práticos. Nesse sentido, a reescrita nos convidou a focar em novas habilidades, tais como o diálogo e a escrita em equipe, o planejamento de ações e a criatividade para produção de novos cenários.
Cabe ressaltar o desafio de confrontar uma decisão que perpassa diferentes áreas do Direito. As faculdades de direito estimulam cada vez mais uma certa especialização temática. Nesse sentido, ao longo do curso o(a) estudante se aproxima da área cível, penal ou trabalhista, por exemplo. Na decisão em análise, contudo, somavam-se diferentes perspectivas analíticas com questões de família, de direito internacional e do processo penal. Isso nos desafiou a articular diferentes formas de conhecimento.
Outro desafio foi a escrita colaborativa, a várias mãos e envolvendo, para além do direito, diferentes saberes. A Clínica reúne uma equipe grande de pessoas, incluindo profissionais, estudantes e professoras de diferentes áreas de conhecimento como direito, psicologia e o serviço social. Todavia, o fato de trabalharmos em uma clínica fez com que já tivéssemos experiências de trabalho colaborativo o que facilitou a produção da reescrita. Isso mostra como clínicas são assim um espaço privilegiado de estímulo a novas experiências acadêmicas, de estímulo a escrita colaborativa e a esse tipo de produção.
Cabe também destacar que houve uma grande dificuldade de escrever sobre um caso do qual tínhamos conhecimento prévio, conhecíamos a pessoa atendida e os impactos da decisão na vida dela. Isso nos exigiu fazer uma escrita partindo de vivências e compromissos. Isso põe em xeque essa visão de objetividade da produção científica e traz as marcas de uma pesquisa e uma intervenção feminista.
Narrativas da pessoa violentada e das pesquisadoras integram, deste modo, a própria composição da reescrita. Para Moraes (2010MORAES, M. (2010). PesquisarCOM: Política ontológica e deficiência visual. In: MORAES, M; KASTRUP, V. (Orgs.). Exercícios de ver e não ver: arte e pesquisa COM pessoas com deficiência visual. Rio de Janeiro: Nau Editora/Faperj.), PesquisarCOM permite que a pesquisa seja feita não sobre a/o outra/o, mas sim que seja feita junto com a/o outra/o. Segundo Silva e Mesquita (2020SILVA, A. C. R. F.; MESQUITA, M. R. A política e os afetos nas práticas de pesquisas feministas e o encontro com “mulheres negras jovens”. Pesquisas e Práticas Psicossociais, 15(4), São João del-Rei, outubro-dezembro de 2020, e-3560.), “PesquisarCOM” ao invés de “pesquisa sobre” é se deixar afetar, entendendo o quanto a experiência prática e de pesquisa nos modifica, e essa é a dimensão central dos encontros promovidos.
De acordo com Donna Haraway (1995HARAWAY, Donna. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu (5), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero - Pagu/Unicamp, 1995, pp.7-41.), as teorias feministas têm questionado essa noção tradicional de objetividade. Desenvolve-se, em contraponto, uma perspectiva da epistemologia como um saber localizado. Trata-se de um olhar que parte de um corpo humano, localizado territorial, social e temporalmente, e, por isso, produz-se um conhecimento corporificado, localizado e parcial. Demanda, para tanto, posicionar-se, ou seja, verificar como o conhecimento é produzido a partir de um local social e político.
Dessa forma, para superar esse desafio decidimos também manter um canal de diálogo com a pessoa assistida para que ela conhecesse o projeto, o que estava sendo produzido e contribuísse nos novos contornos produzidos. Isso também mostra como a academia precisa se abrir para o saber não acadêmico na produção de conhecimento.
3.2. A experiência da Clínica de Direitos Humanos das Mulheres do UniRitter
A Clínica de Direitos Humanos das Mulheres do Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter) foi proposta em 2019, como atividade de ensino, com o objetivo de realizar atividades que conjuguem ensino e prática na Faculdade de Direito, desenvolvendo atividades que tenham impacto social. A clínica de direitos humanos das mulheres em diferentes oportunidades realizou pareceres sobre projetos de lei que tratavam de temas relacionados à violência contra mulheres que tramitavam no Congresso Nacional, como o feminicídio, redigiu projetos de lei integral sobre violência contra mulheres, elaborou amicus curiae, e, por fim, a reescrita de decisões judiciais. Nas clínicas, há maior liberdade de ensino, as metodologias podem ser mais criativas e por isso, oferecem oportunidades bem mais interessantes para pensar o ensino jurídico.
O projeto de reescrita foi realizado como um projeto de ensino, por meio de disciplinas, em duas oportunidades. A primeira, quando recebemos o convite para integrar o projeto, em 2021, ainda durante a pandemia, portanto, remotamente e, a segunda, presencialmente, em 2022. Neste artigo, as duas experiências são analisadas.
A primeira turma foi composta por 32 estudantes que se encontravam, majoritariamente, entre o 8o e o 9o períodos. A turma foi dividida em grupos. Cada um recebeu uma decisão judicial que envolvia um conflito de competência sobre o julgamento de crimes praticados com violência doméstica e familiar contra mulher, em que um juizado/vara de violência doméstica ou criminal se julgava incompetente para o julgamento. Os processos tratavam de violência praticada por irmão contra irmã, genro contra sogra, conflito patrimonial, neto contra avó e ex-companheiro contra vítima menor de idade.
A segunda turma foi presencial e composta por 64 estudantes, sendo que a maioria também estava no final do curso. A turma também foi dividida em grupos e as sentenças discutidas envolveram casos de violência sexual praticados contra mulheres e meninas.
A metodologia para a reescrita nas duas turmas estabelecia uma leitura prévia de textos jurídico-feministas sobre os temas relacionados a cada uma das decisões judiciais e dos tratados internacionais de direitos humanos das mulheres, notadamente da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará). O objetivo era proporcionar o conhecimento de uma literatura jurídico-feminista, a reflexão crítica sobre o conteúdo da sentença estudada, a identificação de estereótipos de gênero e o conhecimento dos tratados e da linguagem dos direitos humanos das mulheres.
Estudantes de ambas as turmas deveriam previamente fazer a leitura da decisão judicial, apontar seus principais argumentos e comentá-los. Nas primeiras discussões sobre as sentenças, nas duas turmas, as(os) estudantes informaram concordar com os argumentos judiciais. No entanto, à medida que as discussões e leituras avançavam, começaram a perceber a existência de estereótipos de gênero nas sentenças e a refletir sobre o uso desses estereótipos inclusive por elas(es), enquanto estudantes.
Nas duas turmas, estabelecemos que ao final de cada leitura de texto e debates em sala de aula, cada grupo tinha que reescrever uma parte da decisão com base no texto estudado, apresentá-lo na aula seguinte e ainda, comentar a reescrita parcial de um outro grupo, apresentando sugestões de melhorias ao texto. Essa metodologia foi adotada até o final do semestre, quando cada grupo apresentou a reescrita final da decisão.
A dinâmica proposta foi realizada com êxito na primeira turma, porém, foi mais difícil de ser concretizada na segunda. Algumas considerações podem ser levantadas a respeito das dificuldades e dos desafios observados nas duas turmas. As dificuldades identificadas foram de dois tipos: externas (que não dependem do processo da escrita) e internas (que se relacionam ao trabalho da escrita), o que nos leva a pensar nos desafios.
Como dificuldades externas, primeiramente, aponta-se a diferença no número de estudantes de cada turma: a primeira com 32 e a segunda com 64 (o dobro). O número de estudantes que comporão uma turma é feito pela gestão administrativa, sendo algo que a professora não tem ingerência.
Considerando a experiência, pode-se afirmar que é mais difícil realizar uma metodologia como a proposta em uma turma grande, pois há um número maior de grupos, mais dispersão na turma, menos trabalho em grupo e menor atenção das(os) estudantes em ouvir o trabalho dos grupos. Além disso, requer também da professora, uma dedicação maior e mais tempo para as leituras de cada grupo e apontamentos para melhoria das reescritas. A dificuldade transforma-se em desafio que nos faz indagar sobre a possibilidade de realizar a reescrita em uma turma com muitos estudantes e apenas uma docente.
Outra dificuldade externa refere-se à disponibilidade de computadores para trabalho em aula. Na turma remota, as(os) estudantes tinham à disposição, em suas casas ou no local em que estavam, computadores ou outro material de apoio. No caso da turma presencial, havia necessidade de reservar duas salas com computadores para a turma, o que nem sempre foi possível, pois não havia laboratório de informática com 65 computadores. Assim, quando havia disponibilidade, a turma tinha que ser dividida em duas porque cada laboratório contava com até 35 computadores. Embora houvesse acompanhamento de um orientando de mestrado que fazia estágio docente, esse foi um problema de infraestrutura que dificultou a realização da atividade de reescrita. Assim, condições externas facilitadas para a realização da atividade de reescrita devem ser pensadas.
Além disso, a turma virtual era matutina, e as(os) estudantes que trabalhavam o faziam no horário da tarde. Já na turma noturna, as(os) estudantes trabalhavam durante o dia, tinham menor tempo para leitura e eram menos unidos que a primeira turma. Ou seja, as condições de vida de estudantes, se trabalhadora(es) ou apenas dedicando-se ao estudo, são situações externas que podem dificultar o trabalho, como por exemplo, a leitura prévia dos textos.
Assim, como dificuldades externas para a realização da escrita tivemos: a) número de estudantes na turma; b) condições materiais (sala de aula com computadores); c) condições de vida de estudantes (por exemplo: trabalhador(a) ou estudante em tempo integral).
No que se refere às dificuldades internas, importante destacar também que todas as decisões analisadas eram de segundo ou terceiro grau e algumas apresentavam relatório da sentença de primeiro grau bastante sucinto, o que dificultava, por vezes, a compreensão mais detalhada dos fatos e das circunstâncias. Esse é um elemento importante, pois as circunstâncias que poderiam ser relevantes para um julgamento feminista nem sempre estavam presentes.
Acerca do trabalho em grupo e da proposta de uma escrita colaborativa, as duas turmas relataram dificuldades que podem ser classificadas como internas.
Alguns(as) estudantes relataram dificuldade em fazer comentários aos(as) demais, pois tinham receio de que ao fazer uma crítica, os(as) colegas pudessem sentir-se ofendidos(as). Essa dificuldade foi superada com discussão em sala de aula sobre a importância do olhar externo em um trabalho e que o desenvolvimento dessa habilidade contribuiria com para a melhoria da escrita, não só do outro, mas do próprio grupo. Embora apenas a primeira turma tenha mencionado dificuldades de trabalhar em grupo, esse foi um problema observado também na segunda turma, pois nem toda(os) as(os) integrantes contribuíam igualmente para a reescrita do grupo, deixando alguns(as) sobrecarregadas(os). Essa divergência foi discutida em sala de aula e decidimos que a cada apresentação, um(a) integrante diferente deveria apresentar a versão da reescrita, estimulando a participação daquelas(es) que eram menos ativas(os) e implicando todas(os) no trabalho dos grupos.
A primeira turma também relatou alguns conflitos no que se referia à utilização dos textos, à linguagem a ser utilizada na reescrita (se mais ou menos formal) e a cargo de quem estaria a reescrita a ser apresentada. A professora orientou que tais conflitos deveriam ser discutidos e resolvidos no grupo. Ao final, as(os) estudantes afirmaram que esse foi um aprendizado do grupo.
Assim, como dificuldades para a escrita colaborativa, que estamos chamando de dificuldades internas, ou seja, intrínsecas à reescrita, observamos: a) decisões de segundo grau que continham poucas informações sobre os fatos e os contextos da violência; b) desconforto em fazer uma crítica ao trabalho de outro grupo; c) tipo de linguagem a ser utilizada na escrita (se mais ou menos formal); d) maior ou menor colaboração das(os) integrantes do grupo na reescrita. Assim, as dificuldades internas apresentam-se como desafios para a escrita colaborativa.
Por fim, destacamos que nas duas turmas utilizamos o Protocolo para Julgamento com perspectiva de gênero, do Conselho Nacional de Justiça, lançado em 2021, mesmo que as decisões tenham sido proferidas antes da criação do referido protocolo. Consideramos importante que as(os) estudantes pudessem conhecer e utilizar o protocolo nas reescritas. A utilização do Protocolo foi muito positiva, pois todos os grupos o utilizaram e mencionaram a sua importância para que magistradas(os) decidissem com menos vieses de gênero.
Apesar das dificuldades mencionadas, no final do semestre, cada grupo, das duas turmas, apresentou oralmente e por escrito a decisão final reescrita, que deveria ser juridicamente convincente, como se de fato houvesse sido escrita por um(a) magistrado(a), demonstrando como a perspectiva de gênero pode fazer diferença no mundo real (Hunter, 2018).
Na avaliação feita pelas(os) estudantes das duas turmas ao final do semestre foram mencionadas os seguintes aspectos que são importantes para pensar o ensino jurídico no Brasil: a) estavam pela primeira vez tomando conhecimento de uma literatura sobre feminismo jurídico e abordagem dos temas que, embora sejam mencionados por diversas(os) professoras(es) em salas de aula, tais como violência doméstica e violência sexual, não o era sob a perspectiva de gênero; b) não conheciam a Convenção de Belém do Pará e nem a Convenção CEDAW; c) não tinham ouvido falar do Protocolo para Julgamento com perspectiva de gênero.
Tais aspectos reforçam o que afirmamos anteriormente sobre o descompasso entre o ensino jurídico tradicional e a produção dos feminismos jurídicos. Esse déficit demonstra a necessidade da inclusão transversal da perspectiva de gênero nos cursos de direito, já que a maioria das(os) estudantes não está familiarizada com esse debate, que é feito, em geral, por professoras feministas que trabalham com o tema (Campos; Silva, 2023CAMPOS, Carmen Hein de. SILVA, Maria Salete. Criatividade feminista na elaboração de sentenças: experiências em curso no Sul e Nordeste brasileiro. In RAMOS, Marcelo. NICOLI, Pedro (Orgs.). Gênero, Sexualidade e Direito: pensando o Direito a partir da experiência de mulheres e pessoas LGBT+. Belo Horizonte: UFMG, 2023, p. 99-118.).
O mesmo pode ser dito em relação ao desconhecimento de tratados de direitos humanos, tais como das Convenções CEDAW e Belém do Pará, cuja omissão curricular implica em uma formação acadêmica descompromissada dos direitos humanos e do acesso à justiça. Nesse sentido, a importância do trabalho da clínica que complementou a formação e ofereceu às(aos) estudantes o contato com a linguagem dos direitos humanos das mulheres e a oportunidade de sua utilização em concreto, em uma decisão judicial.
Extraímos ainda, como aprendizado, que o projeto de reescrita é uma pedagogia da autonomia (FREIRE, 1996FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.), pois estimula estudantes a produzirem uma (re)escrita colaborativa, a superarem dificuldades e seus próprios limites. Ou seja, é de fato, uma metodologia ativa.
A experiência nas duas turma ilustra que a reescrita feminista de decisões judiciais é uma ferramenta metodológica potente, pois além de estimular a crítica, desenvolve competências e habilidades acadêmicas e profissionais importantes como, por exemplo, a competência cognitiva, especialmente a capacidade de reflexão crítica sobre um texto; o conhecimento jurídico e profissional para utilizar linguagem técnica e não discriminatória e habilidades jurídicas para reescrever uma sentença, além de propiciar o desenvolvimento pessoal e interpessoal para realizar trabalho colaborativo.
Por fim, vale repisar que a reescrita foi desenvolvida a partir de um projeto de ensino clínico, o que facilitou o desenvolvimento do projeto. Isso revela que as clínicas jurídicas podem ser um espaço rico para desenvolvimento de inovações tanto no âmbito da extensão, quanto do ensino e da pesquisa.
4. Escrita colaborativa com perspectiva feminista
Em geral, a formação nos cursos de Direito costuma enfocar a escrita e a oratória como aspectos primordiais de sua prática. Para Eduardo Bitar (2021), a linguagem está no centro das preocupações dos juristas. As diversas fontes do Direito, e não apenas as normas jurídicas, irão se expressar pelo uso da linguagem, de modo que o sistema jurídico será compreendido como um conjunto de textos jurídicos, e não como um conjunto de normas jurídicas.
Em regra, contudo, a escrita jurídica costuma primar pelo rebuscamento, pelo tecnicismo, pelo individualismo. O texto jurídico geralmente vem carregado de termos específicos que aumentam uma lógica hierárquica e o distanciamento da sociedade em geral. Isso leva a um intenso processo de interpretação, feito primordialmente por juristas, para entrarem em circulação e produzirem efeitos (Bitar, 2021).
Andrea Lunsford (1990LUNSFORD, Andrea. Composing Ourselves: Politics, Commitment, and the Teaching of Writing. College Composition and Communication 41, 71-82, 1990., p. 133) chama tais textos de hierárquicos pois "rigidamente estruturados, conduzidos por objetivos altamente especificados e realizados por pessoas que desempenham papéis claramente definidos e delimitados". Ademais, trata-se de textos que ensaiam, mesmo no ambiente acadêmico, o grande espetáculo adversarial” de entregar uma resolução binária: sim/não, culpado/não culpado, legal/ilegal (Philippopoulos-Mihalopoulos, 2022).
Cabe destacar também que os textos de caráter decisório comumente são feitos de forma individual tendo como foco a comunicação apenas com profissionais do direito que atuam no processo. Esse tipo de texto em regra mitiga o acesso à justiça, na medida em que torna o texto inteligível apenas para um número seleto de pessoas.
O acesso à justiça é uma garantia fundamental prevista no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988. Ademais, a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB), preceitua em seu art. 3º que “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece” o que traz o dever do Estado de promover um ensino que torne os textos jurídicos mais acessíveis.
No Brasil, alguns debates têm sido feitos para incentivar uma comunicação jurídica como a Resolução 347/2020, do Conselho Nacional de Justiça, que incentiva a utilização de recursos do Visual Law (linguagem visual) nas decisões7 7 INOVA CONTRATO. Resolução do CNJ cita Visual Law como essencial para tornar documentos mais claros. Disponível em: https://www.inovacontrato.com.br/blog/resolucao-do-cnj-cita-visual-law-como-essencial-para-tornar-documentos-mais-claros. Acesso em: 10 jun. 2023. ; o “Projeto Petição 10, Sentença 10” do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - TJRS, de 20108 8 JUS BRASIL. Projeto do TJ-RS limita a 10 páginas o tamanho das petições e sentenças. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/projeto-do-tj-rs-limita-a-10-paginas-o-tamanho-das-peticoes-e-sentencas/2485293. Acesso em: 10 jun. 2023. que estimula tanto petições e sentenças mais curtas e objetivas (de até 10 páginas); e a campanha da Associação da Magistratura Brasileira, de 2005, para simplificar a linguagem jurídica9 9 CONJUR. AMB lança campanha pela simplificação do “juridiquês”. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2005-ago-10/amb_lanca_campanha_simplificacao_juridiques.Acesso em: 10 jun. 2023. .
Tais ações não produziram, contudo, grande impacto no hermetismo jurídico. Isso ocorre também porque a linguagem não está apenas a serviço da comunicação, mas é um instrumento de poder, provocando o distanciamento dos sujeitos. Esse distanciamento pelo léxico na área jurídica é algo que ocorreu desde o início da profissionalização do Direito. (Melo, 2013MELO, S. M. de. As formações discursivas jurídicas: uma questão polêmica. Linguagem em (Dis)curso, v. 13, n. 2, p. 225-241, maio 2013.).
De acordo com Sontag (2009SONTAG, R. "A eloquência farfalhante da tribuna do júri": o tribunal popular e a lei em Nelson Hungria. História (São Paulo), v. 28, n. 2, p. 267-302, 2009.), a formação jurídica do século XIX girava em larga medida em torno da figura da capacidade retórica do jurista. Uma cultura jurídica fundada no paradigma oratório-forense que tornava a advocacia uma profissão de relevo, separando-a das demais.
Esse processo excludente da escrita jurídica é colocado em xeque em projetos como o da reescrita em perspectiva feminista. Em primeiro lugar, porque faz parte de um projeto político coletivo. Maneja-se, nesse contexto, lógicas de solidariedade e compromisso ético-político com outras mulheres. De acordo com bell hooks (2018), a produção do pensamento feminista foi um trabalho colaborativo em que as mulheres estavam constantemente dialogando sobre ideias, testando e reformulando paradigmas.
Os projetos de reescrita realizados pelas duas Clínicas reforçam a necessidade e demonstram a possibilidade de romper com a lógica excludente e hierarquizada do direito que deforma (e não forma) a percepção humanística de estudantes. As reescritas contemplam a horizontalidade das discussões e as possibilidades de colaboração.
Por isso, a escrita do "eu" precisa ser assim ciente da conexão com outros "eus” que desejam que o direito se torne mais justo, pois como lembra Andreas Philippopoulos-Mihalopoulos (2022), o "eu" é múltiplo e sempre faz parte de um corpo maior, o de uma coletividade que compartilha o mesmo desejo. Em situações de escrita colaborativa, a presença de outras pessoas pode suscitar um processo de reflexão sobre a linguagem e as práticas sociais de forma ainda mais intensa. Escrever em conjunto pode significar romper o individualismo e o tecnicismo que permeiam o ensino jurídico. Vários estudos têm questionado as formas tradicionais de ensino e pesquisa e apontado como caminho a procura de um novo espaço discursivo. Nos projetos mencionados, foi possível observar como o processo de trabalho conjunto, mesmo conflituoso inicialmente, foi um desafio para o crescimento pessoal das(os) estudantes.
Para Silva e Mesquita (2020SILVA, A. C. R. F.; MESQUITA, M. R. A política e os afetos nas práticas de pesquisas feministas e o encontro com “mulheres negras jovens”. Pesquisas e Práticas Psicossociais, 15(4), São João del-Rei, outubro-dezembro de 2020, e-3560.), é necessária uma prática de pesquisa e ensino ética e politicamente implicada nos afetos, nos encontros e desencontros, nas partilhas e trocas que a escrita colaborativa pode dar azo. Criar um lugar aberto ao diálogo e apostar em uma forma de escrita colaborativa, diz muito sobre a ciência que se quer fomentar e a sociedade que acreditamos ser possível construir.
Trabalhar de forma colaborativa também foi planejado como um ato estratégico de unidade política que poderia oferecer uma alternativa para enfatizar e recompensar o trabalho individual isolado que caracteriza as experiências acadêmicas. Além disso, lança bases para futuras colaborações entre feministas, cuja dispersão geográfica e especialidades disciplinares desafiam parcerias e redes profissionais (Hodson; Lavers, 2019HODSON, Loveday; LAVERS, Troy. Feminist Judgments in International Law: An Introduction. In: HODSON, Loveday; LAVERS, Troy (eds). Feminist Judgments in International Law. Oxford: Hart Publishing, 2019. 3-22. Bloomsbury Collections. Web. 29 Sep. 2019. <http:// dx.doi.org/10.5040/9781509914449.ch-001>.
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).
É importante destacar, contudo, conforme destaca bell hooks (2018), que embora a legitimação acadêmica tenha sido crucial para o avanço do pensamento feminista, criou um conjunto de dificuldades, pois envolveu o manejo de estruturas que também eram excludentes. Segundo a autora, a política acadêmica e profissional muitas vezes ofusca a política feminista. Para ela, ensinar o pensamento feminista a todas as pessoas significa que temos que ir além da palavra acadêmica (ou jurídica) e até mesmo da palavra escrita.
Os feminismos acadêmicos e jurídicos assim nem sempre se constituem em espaços colaborativos e horizontais na medida em que manejam estruturas historicamente engessadas, brancas e elitizadas. Por isso a necessidade de exercícios como do projeto de reescrita em que tais tensionamentos ficam evidenciados. Além disso, as clínicas jurídicas, por seu exercício constante de trabalho colaborativo, criam espaços que oportunizam o maior e mais o desenvolvimento desse tipo de escrita no ambiente acadêmico e jurídico.
Práticas de escrita colaborativas a autonomia discente na produção de conhecimento, estimulando estudantes a interagirem entre si e buscarem fontes de pesquisa diversificadas com o uso de ferramentas tecnológicas de trabalho em rede como o Google Drive (Rezende, 2018REZENDE, André Guarda. Percepções de professores e alunos sobre a escrita colaborativa em curso técnico EAD. Dissertação. Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Alfenas/MG, 2018.). Segundo o autor, para que isso ocorra com êxito é importante repensar as práticas educativas que tinham como pilar a oposição entre o sujeito e o objeto do conhecimento, e salientar o investimento em uma dimensão histórica, social, cultural e científica colaborativa e transformadora de construção de conhecimento.
Nesse sentido, as teorias feministas, principalmente as não hegemônicas, como os feminismos negros, lésbicos, indígenas e transfeministas, estimulam a posicionalidade, rompendo lógicas de neutralidade, e estimulam o compromisso coletivo com a vida das mulheres, afastando perspectivas que distanciam a universidade da realidade social.
Alzandúa (2000, p. 232), em uma carta endereçada para as mulheres escritoras do terceiro mundo, afirma que escrever é contar versões de histórias, é narrativa, é falar sobre diferentes percepções de mundo e “reescrever as histórias mal escritas sobre mim, sobre você”. Nesse sentido, escrever e pesquisar é também processo de aprendizagem, inclusive sobre o que é ser pesquisadora, advogada ou escritora, por isso traz uma questão ética e deve envolver o reconhecimento e a valorização da experiência da/o outra/o (Silva; Mesquita, 2020SILVA, A. C. R. F.; MESQUITA, M. R. A política e os afetos nas práticas de pesquisas feministas e o encontro com “mulheres negras jovens”. Pesquisas e Práticas Psicossociais, 15(4), São João del-Rei, outubro-dezembro de 2020, e-3560.).
A academia não é um lugar neutro, tampouco simplesmente um espaço de conhecimento e de sabedoria, da ciência e erudição, mas também é um espaço de violência. Descolonizar o conhecimento significa criar configurações de conhecimento e de poder (Kilomba, 2016KILOMBA, Grada. Descolonizando o conhecimento. Palestra-Performance. 2016. Tradução de Jessica Oliveira. Disponível em: https://joaocamillopenna.files.wordpress.com/2018/05/kilomba-grada-ensinando-a-transgredir.pdf. Acesso em: 12 mar. 2023.
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)
No campo do pensamento e da escrita feminista há que se tomar cuidado também com uma colonização discursiva da prática acadêmica feminista no terceiro mundo que é necessário desconstruir e desmantelar (Miñoso, 2009MIÑOSO, Yuderkys Espinosa. Etnocentrismo y colonialidad en los Feminismos latinoamericanos: Complicidades y consolidación de las Hegemonías feministas en el espacio transnacional. Revista venezolana de estudios de la mujer. julio/diciembre 2009. Vol. 14. N° 33 - pp. 37-54.). Nesse sentido, é importante romper discursos universalizantes sobre as mulheres, reconhecendo uma multiplicidade de experiências, propostas e práticas, sem reproduzir uma dependência dos feminismos hegemônicos do Norte.
As experiências de duas Clínicas demonstram as possibilidades e os desafios dessa metodologia no ensino jurídico no país. Ao reunir em uma mesma prática pedagógica, diversas habilidades, capacidades humanas e técnicas para uma formação jurídica, conecta a produção do conhecimento feminista implicado em fornecer soluções adequadas à realidade concreta da vida das mulheres, e tensiona a formação individualista e hierarquizada do direito, gerando novos desafios às práticas pedagógicas.
As duas clínicas trouxeram experiências de escrita colaborativa em que pese o tenham feito a partir de práticas e de sujeitos diferentes. Na Clínica de Atenção à Violência foi feita uma escrita colaborativa envolvendo estudantes, profissionais, corpo docente e a pessoa em situação de violência. Na Clínica de Direitos Humanos das Mulheres foi feita uma escrita colaborativa protagonizada por estudantes em sala de aula. No primeiro caso a experiência de escrita colaborativa partiu de um projeto de extensão enquanto no segundo caso partiu de um projeto de ensino.
Em que pese sejam experiências diferentes, ambas as clínicas tentaram traçar métodos de escrita reflexiva e dialógica conjunta, rompendo uma lógica comum de escrita jurídica, solitária, autoritária e pretensiosa. Cada uma, em seus termos, enfrentou desafios, mas teve nas clínicas um lócus privilegiado para desenvolvimento das experiências acadêmicas na medida em que já estavam desenvolvendo inovações pedagógicas com foco na teoria e na prática.
5. Considerações finais
O projeto de Reescritas de Decisões em Perspectiva Feminista conseguiu promover diversas inovações pedagógicas, como na articulação entre ensino, pesquisa e extensão e na prática jurídica, por meio das clínicas. O projeto trouxe à tona diferentes questões sobre o fazer jurídico que também foram alimentadas pelo recente Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero (CNJ, 2021).
As experiências da Clínica de Atenção à Violência da Universidade Federal do Pará (CAV/UFPA) e da Clínica de Direitos Humanos das Mulheres do Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter) evidenciam como as clínicas jurídicas podem ser espaços privilegiados para a escrita colaborativa e como o projeto conferiu esse espaço de aprofundamento. As experiências revelaram os desafios da escrita colaborativa no ambiente acadêmico e também suas potencialidades.
A escrita colaborativa, com perspectiva feminista, como metodologia de ensino pode possibilitar não só a crítica, mas também o uso de novas técnicas de ensino e de linguagem jurídica. Também pode estruturar estrategicamente unidades políticas.
As duas experiências demonstram as possibilidades dessa nova ferramenta metodológica que estimula uma práxis jurídica colaborativa, ao mesmo tempo, em que levantam questionamentos sobre a persistência de um modelo de ensino jurídico refratário aos feminismos jurídicos que têm subvertido as lógicas individualistas e hierarquizadas e disputado espaços de poder.
É fundamental colocar luzes não apenas para o sistema de justiça e a reprodução de discriminações em seu interior, mas também para os limites do próprio ensino jurídico e da academia na produção de novos modelos de ensino.
Os projetos aqui analisados, somam-se a outros em curso no Brasil que vêm produzindo mudanças e pequenas fissuras no ensino jurídico brasileiro. São práticas promissoras de feminismos jurídicos que projetam novos caminhos, rompem barreiras e mudam cursos e processos de aprendizagem. Como diz um velho ditado "água mole em pedra dura tanto bate até que fura".
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- SOUZA, Luanna Tomaz de; SMITH, Andreza. S. P. O. O Caso das Dinamarquesas: Luzes sobre o Refúgio para Mulheres em situação de violência doméstica e familiar no Brasil. Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas, v. 34, n. 2, 2018. Disponível em: https://revista.fdsm.edu.br/index.php/revistafdsm/article/view/243 Acesso em: 26 jan. 2023.
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» http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2016/04/diretrizes_feminicidio.pdf
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Litigância estratégica é uma ampliação do conceito de litigância no Direito para abranger não só a noção tradicional, mais judicial, mas também um conjunto de ações de advocacy e comunicação para incidência no Legislativo e no Executivo, com o objetivo de viabilizar políticas públicas que defendam e efetivem direitos dos diversos segmentos vulneráveis da sociedade. É estratégica não foca em qualquer ação, mas naquela que tem uma dimensão emblemática, capaz de criar precedentes e gerar resultados positivos (DIAS, 2016)
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Advocacy é instrumento pelo qual grupos, organizações e a própria sociedade civil realizam reivindicações perante o poder público de direitos indisponíveis, objetivando a formulação e implementação de políticas públicas que atendam aos anseios e às carências do povo. ITCC. ITTC Explica: O que é ‘advocacy’? 28.07.2020. Disponível em: https://ittc.org.br/o-que-e-advocacy/. Acesso em 20 jun. 2023.
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As universidades obedecem ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão de acordo com o artigo 207 da Constituição de 1998
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A partir de um caso de feminicídio, por exemplo, elaborou-se um projeto de protocolo de estadual de enfrentamento ao feminicídio apresentado ao governo do estado.
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O Decreto n. 3.413, de 14 de abril de 2000, promulga a Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, concluída na cidade de Haia, em 25 de outubro de 1980.
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O nome foi alterado como forma de preservar sua identidade, nos termos da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), Lei n° 13.709/2018. Os nomes estão inspirados no filme espanhol “Te doy mis ojos”. Ano: 2003. País: Espanha. Direção: Iciar Bollaín. O filme aborda o tema da violência conjugal, destacando a dificuldade de se perceber o olhar das mulheres.
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INOVA CONTRATO. Resolução do CNJ cita Visual Law como essencial para tornar documentos mais claros. Disponível em: https://www.inovacontrato.com.br/blog/resolucao-do-cnj-cita-visual-law-como-essencial-para-tornar-documentos-mais-claros. Acesso em: 10 jun. 2023.
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JUS BRASIL. Projeto do TJ-RS limita a 10 páginas o tamanho das petições e sentenças. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/projeto-do-tj-rs-limita-a-10-paginas-o-tamanho-das-peticoes-e-sentencas/2485293. Acesso em: 10 jun. 2023.
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CONJUR. AMB lança campanha pela simplificação do “juridiquês”. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2005-ago-10/amb_lanca_campanha_simplificacao_juridiques.Acesso em: 10 jun. 2023.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
15 Dez 2023 -
Data do Fascículo
Oct-Dec 2023
Histórico
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Recebido
25 Set 2023 -
Aceito
08 Out 2023