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Alteridade, justiça e pessoa em Lévinas: reflexões a partir da covid-19 ou a pandemia do mesmo

Alterity, justice and the person in Lévinas: reflections from covid-19 or the pandemic from the same

Resumo

O artigo analisa o conceito de alteridade na filosofia de Emmanuel Lévinas. Tal análise leva em consideração o cenário descortinado pela pandemia da Covid-19 no Brasil. O problema de pesquisa que orienta a investigação pode ser sintetizado da seguinte forma: de que forma a alteridade e a justiça alterística levinasiana podem abrir novas leituras éticas perante a pandemia decorrente da Covid-19? A hipótese que se testará ao longo do trabalho é que a dificuldade de estabelecimento da alteridade decorre da própria construção de realidade a partir do Eu. O objetivo geral é de estabelecer uma análise entre a pandemia e a alteridade. Os objetivos específicos, que se refletem na estrutura do artigo em duas seções, são: analisar o conceito de alteridade levinasiana, e verificar como este conceito pode viabilizar novas leituras éticas do fenômeno da Covid-19. O método utilizado no trabalho é o fenomenológico, a fim de emergir com melhor delineamento a análise da percepção subjetiva desencadeada pelos fenômenos sociais, em especial do Eu em relação ao Outro da leitura levinasiana. Ao final do trabalho os resultados apontam para a necessidade de uma reflexão quanto às estruturas filosóficas e jurídicas como condição de possibilidade da alteridade.

Palavras-chave:
Alteridade; Pandemia; Direitos da Personalidade

Abstract

The article analyzes the concept of alterity in Emmanuel Lévinas' philosophy. Such analysis takes into account the scenario unveiled by the Covid-19 pandemic in Brazil. The research problem that guides the investigation can be summarized as follows: in what way can Levinasian alterity and the alteristic justice open new ethical readings in the face of the pandemic resulting from Covid-19? The hypothesis that will be tested throughout this work is that the difficulty in establishing otherness stems from the construction of reality itself based on the Self. The general objective is to establish an analysis between the pandemic and otherness. The specific objectives, which are reflected in the structure of the article in two sections, are: to analyze the concept of Levinasian otherness, and verifying how this concept can enable new ethical readings of the Covid-19 phenomenon. The method used in the work is the phenomenological one, in order to emerge with a better design the analysis of the subjective perception triggered by social phenomena, especially the Self in relation to the Other in the Levinasian reading. At the end of the work, the results point to the need for a reflection about the philosophical and legal structures as a condition for the possibility of alterity.

Keywords:
Otherness; Pandemic; Personality Rights

1. Introdução

Guerras, desastres naturais, massacres, pandemias e outros eventos da história humana colocam em pauta a ética e o valor humano. A pandemia provocada pela Covid-19 ceifou a vida de milhares de pessoas ao longo do globo e a pauta da ética e do valor humano novamente centralizaram diversos debates. Dessa forma, a presente pesquisa busca explorar a dimensão da alteridade do debate, muitas vezes colocado como sustentação de outros assuntos eleitos como protagonistas.

A alteridade não é apenas coadjuvante na maior parte do debate decorrente da pandemia decorrente da Covid-19, na medida em que ela é colocada como plano de fundo de toda a história política, filosófica e jurídica ocidental. A denúncia é realizada com maior radicalidade por Emmanuel Lévinas, conhecido como “filósofo da alteridade”, para quem o Outro precede o Eu, condição necessária para a pauta da alteridade. É com a exploração do pensamento alterístico de Lévinas que se pode perceber que o Outro sempre foi deixado para depois do Eu, de modo que a pandemia apenas evidenciou que o individualismo e egoísmo obstam uma ética de alteridade e humanística integral.

O problema que orienta esta pesquisa radica na seguinte indagação: de que forma a alteridade e a justiça alterística levinasiana podem abrir novas leituras éticas perante a pandemia decorrente da Covid-19? A hipótese que se testa ao longo do trabalho é se a dificuldade de estabelecimento da alteridade decorre da própria construção de realidade a partir do Eu, a qual ficou muito bem evidenciada no contexto da pandemia da Covid-19, tanto no cenário brasileiro como no internacional, na medida em que as recomendações sanitárias para o controle da propagação do vírus demonstraram que a solidariedade ou, a alteridade, declarada em textos e princípios jurídicos, não necessariamente impactaram a realidade concreta dos sujeitos, em que o Eu foi indiferente ao Outro. É diante desse contexto pandêmico contemporâneo que as ideias de Lévinas encontram espaço de radicação ética concreta.

O objetivo geral de pesquisa é analisar a alteridade a partir de Emmanuel Lévinas e estabelecer uma análise quanto ao fenômeno da pandemia da Covid-19. Para atingir o objetivo geral eleito, a pesquisa definiu dois objetivos específicos: a) analisar o conceito de alteridade e justiça em Emmanuel Lévinas; para, em sequência b) analisar o fenômeno da pandemia da Covid-19 a partir da leitura levinasiana.

A metodologia de pesquisa empregada para a execução da pesquisa é o método metafenomenológico levinasiano, buscando-se a formação subjetiva e da projeção do Eu diante do Outro, para além da mera análise dos objetos ou da aparência do objeto na consciência, colocando-se como objeto central da pesquisa o emergir de conhecimento como construção de perspectivas constitutiva e de sentido do Eu e do mundo do Eu perante o Outro. As fontes que serão utilizadas para o desenvolvimento da pesquisa são fontes essencialmente bibliográficas, escolhidas a partir da linha base da doxografia de Emmanuel Lévinas, bem como trabalhos jurídicos e filosóficos que perscrutem a alteridade, sem prejuízo de textos auxiliares ao tema objeto do trabalho.

A estrutura do texto é desenvolvida em duas seções, cada uma com o escopo de atingir os objetivos específicos traçados. Assim, a primeira seção, intitulada Lévinas e Justiça: o resgate do Outro como condição de alteridade, se ocupa do primeiro objetivo específico, com a exposição dos conceitos de alteridade, justiça e rosto de Lévinas; e a segunda seção intitulada Acesso à saúde, desigualdades e alteridade: uma reflexão pandêmica atende ao segundo objetivo específico, propondo a tensão dos conceitos levinasianos adiante da pandemia provocada pela Covid-19.

Ao final do trabalho, são construídas possibilidades de leitura da pandemia a partir da chave da alteridade levinasiana, com o intuito de desenvolver elementos alterísticos para a renovação da dimensão ética contemporânea, bem como os primeiros traços de um caminho ético-jurídico para a realidade brasileira.

2. Lévinas e justiça: o resgate do Outro como condição de alteridade

Emmanuel Lévinas1 1 Na língua original do filósofo, seu nome é grafado como “Emanuelis Levinas”. Na tradução lusitana e alemã, costumeiramente, “Emmanuel Lévinas”. Neste estudo, optou-se por utilizar a forma “Emmanuel Lévinas”, salvo nas referências, nas hipóteses em que o nome do autor foi grafado de forma diversa por editores e/ou pesquisadores de sua obra, mantendo-se, nesses casos, a grafia original da fonte. (1906-1996)2 2 O nascimento de Lévinas ocorreu em 30 de dezembro de 1905, diante do calendário Juliano de seu país original (Lituânia), e em 12 de janeiro de 1906, no calendário cristão. Para uma análise acerca da trajetória bioepistemográfica do filósofo, indica-se o estudo de Herlon Alvez Bezerra (2013). trouxe uma nova perspectiva ética ao mundo. O pensador se posicionou contra a ideia de concepção universal da pessoa. Defendeu a singularidade do humano, ressaltando que há uma dimensão de universalidade humana que se encontra no rosto Outro.

Ao utilizar o termo rosto, Lévinas (2010LÉVINAS, Emmanuel. Entre nós: ensaio sobre a alteridade. Tradução: Pergentino Steffano Pivatto. Petrópolis: Vozes, 2010., p. 220) pontua a necessidade de um “despertar para o outro homem na sua identidade indiscernível para o saber, aproximação do primeiro, vindo em sua proximidade de próximo, comércio com ele, irredutível à experiência”. Com isso, o autor quer designar “antes de toda expressão particular de outrem - e sob toda expressão que, já postura dada a si, protege - nudez e carência da expressão como tal”. Trata-se, em suma, de uma “exposição, à queima-roupa, extradição de investido e cercado - cercado antes de toda caça e toda batida. Rosto como a própria mortalidade do outro homem”. Em razão disso, o filósofo salienta que “a morte do outro homem me põe em xeque e me questiona, como se desta morte o eu se tornasse, por sua indiferença, o cúmplice, e tivesse que responder por esta morte do outro e não deixá-lo morrer só”.

A radicalidade do pensamento levinasiano se encontra na mudança do eixo da filosofia ontológica que marca a civilização ocidental para a filosofia da ética: esta deve ser a filosofia primeira, no âmbito da qual a discussão ontológica finita e definida do Ser e ente, na dimensão ética assimétrica e infinita é do dizer e do dito. A ética seria a única via de possibilidade para abordar a relação pessoa a pessoa, uma espécie de utopia de um humanismo do outro homem. Esta radicalidade de pensamento marca Lévinas como o filósofo da alteridade (MACHADO, 2015MACHADO, Rubens. Verdade e justiça na obra Totalidade e Infinito de Emmanuel Levinas. 2015. 104 f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria. 2015. Disponível em: https://repositorio.ufsm.br/handle/1/9142. Acesso em: 19 nov. 2021.
https://repositorio.ufsm.br/handle/1/914...
, p. 18-20).

O filósofo judeu foi prisioneiro nos campos de concentração da Segunda Guerra Mundial. Fenômeno que identifica como radicalização e hipertrofia da filosofia ontológica que dizimou o Outro. Esta experiência, talvez, impulsionou-lhe a pensar o Outro como superação do pensamento totalizante e unificador ocidental, que tende à exclusão do confronto, do contraponto e à valorização e abertura para a diversidade (ALVES; CAMARGO, 2018ALVES, Fernando de Brito; CAMARGO, Daniel Marques. A (re)construção da boa-fé e cooperação processuais no CPC/2015: intersecções sobre alteridade em Emmanuel Lévinas. Revista Brasileira de Direito, Passo Fundo, v. 14, n. 2, p. 255-270, 2018. Disponível em: https://seer.imed.edu.br/index.php/revistadedireito/article/view/2833. Acesso em: 19 nov. 2021.
https://seer.imed.edu.br/index.php/revis...
, p. 259). Este evento marca profundamente o filósofo da alteridade, influenciando diretamente uma mudança de posição de seu pensamento, antes alinhado com a ontologia heideggeriana, para uma filosofia que transcenda a ontologia totalizante.

É relevante notar a radicalidade da proposta levinasiana, já que não se trata de mera contraposição moral a pretensão do restado do humano singular pela via da dignidade do outro, mas de colocar em pauta o próprio privilégio filosófico do Ser. Coloca-se em xeque o modelo de sujeito e de logos do Ocidente como ontologia totalizante, que constitui a identidade do Eu pela sua própria consciência. Assim, a proposta se radicaliza ao ponto de enfrentar os lastros e espectros da essência que exaure o sentido da pessoa, e em última consequência, o monopólio do ter-ser-em-seu-poder (PELIZZOLI, 2002PELIZZOLI, Marcelo. O dizer da alteridade além do ser: Levinas e o sentido de conhecimento e linguagem. Revista Veritas, Porto Alegre, v. 47, n. 2, p. 145-158, 2002. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/veritas/article/view/34865/18228. Acesso em: 23 out. 2021.
https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs...
, p. 148).

Para Lévinas, diferentemente de Heidegger, o Outro não pode ser reduzido ao mesmo. A ética da alteridade do filósofo retira o Eu do centro e coloco o Outro, esta mudança de eixo afeta toda a estrutura ocidental de pensamento, na medida em que o Eu deixa de ser ponto de partida para constituir o Outro e a realidade, colocando o Outro como constituinte do Eu, dado que a subjetivação passa necessariamente pela relação do Eu com o Outro. Dessa maneira, o circuito de formação da subjetividade é tanto mais profundo quanto é a abertura ao Outro, uma vez que demonstra o que o Eu não enxerga, não ouve, não tem de experiência e a cada vez que o Eu vai ao encontro do Outro, o Eu se torna Ser rumo ao infinito3 3 O termo infinito encontra sua fonte na filosofia de Descartes, que “da maneira mais característica, esboça uma estrutura de que apenas queremos conversar, aliás, unicamente o desenho formal” (LÉVINAS, 1997, p. 209). Esta estrutura enriquece a filosofia levinasiana, na medida em que “a relação do mesmo com o Outro, sem que a transcendência da relação corte os laços que a relação implica, mas sem que esses laços unam num Todo o Mesmo e o Outro, está, de fato, fixada na situação descrita por Descartes em que o ‘eu penso’ mantem com o infinito, que ele não pode de modo nenhum conter e de que está separado, uma relação chamada ‘ideia do infinito’”. (LEVINAS, 1980, p. 36). .

A ética como filosofia primeira precede à ontologia do Eu e abre caminho para o Outro. A dimensão de realidade proposta pelo Eu tem seus horizontes alargados pela ética da vida que vale a pena ser vivida e, que não pode ocorrer sem o reconhecimento do Outro, uma vez que a vida ética tem como condição o reconhecimento do Outro como um absolutamente Outro (SOUZA, 2016SOUZA, Ricardo Timm de. Ética como fundamento II: pequeno tratado de ética radical. Caxias do Sul: Educs, 2016., p. 43). O que significa destacar seu enquadramento no mesmo, é não querer totalizá-lo como um igual num quadrante de nós, constituído por diversos Eus, porque “a colectividade em eu digo tu ou nós não é um plural do eu, Eu, tu, não são indivíduos de um conceito comum” (LEVINAS, 1988LEVINAS, Emmanuel. Ética e infinito: diálogos com Philippe Nemo. Lisboa: Edições 70, 1988., p. 26). Dessa forma, a vida ética preme pela responsabilidade infinita e novas possibilidades de conhecer, transcendendo o conhecimento classificador ontológico, máxime pela criação de uma realidade ética compartilhada, talvez um retorno à origem da co-naissance, deslocando todo o conhecimento para um plano secundário ao da ética (SOUZA, 2016, p. 139).

A radicalidade alterística da proposta levinasiana abre novos horizontes à perspectiva da dignidade da pessoa humana, eleita como fundamento da Constituição Federal Brasileira de 1988. Considerando a proposta de subjetividade levinasiana, em que o Outro é que constitui o Eu, a própria dignidade da pessoa humana, que passou a compor os centros normativos como fundamento das referidas Constituições, deve mudar o seu eixo jurídico do Eu para o Outro. Esta reanálise ética coloca a dignidade do Outro como anterior à dignidade do Eu, de forma que “não há como pensar a dignidade sem começar pela dignidade do outro; antes de perguntar quanto à minha dignidade, é a dignidade do outro que já me demanda respeito” (CARVALHO, 2018CARVALHO, Felipe Rodolfo de. Dignidade humana e Ordem jurídica do Desejo. In: RIBEIRO JUNIOR, Nilo (org.). Amor e Justiça em Lévinas. São Paulo: Perspectiva, 2018. p. 27-43., p. 30). Este cariz altero teve sua lógica invertida, pois, segundo Lévinas, “vivemos em um Estado em que a ideia de justiça sobrepõe-se a essa caridade inicial, mas nessa caridade inicial reside o humano; a ela remonta a própria justiça”. (LÉVINAS, 2014, p. 40).

Nesse sentido, não se trata mais do Eu responder a sua própria pergunta por que o ser, e não o nada? A pergunta que o Eu deve responder é aquela feita pelo Outro: por que você está nesse lugar, com todas estas condições, e eu não? (LEVINAS, 2014LEVINAS, Emmanuel. Violência do Rosto. São Paulo: Loyola, 2014., p. 31). Doravante, deve ser constatado que o Outro, e não o Eu, é condição da existência da linguagem, do Eu e da lei, ou seja, independentemente do que se discuta o sentido está no Outro, visto que a linguagem é o caminho para a alteridade. As palavras não são meros sons ao vento, já que há nas palavras proferidas um dito, mas a linguagem não se encerra no que foi dito, há sempre um dizer ético que não se esgota no dito:

[..] a menos que se nos queira ensinar a essência da palavra. De que maneira a palavra poderia ferir se ela fosse encarada apenas como flatus vocis, como palavra vã, como “simples palavra”? [...]. A função original da palavra não consiste em nomear um objeto a fim de comunicar-se com o outro, num jogo inconsequente, mas sim em assumir por alguém uma responsabilidade em relação a outro alguém. Falar é comprometer-se com os interesses dos homens. A responsabilidade configuraria a essência da palavra (LEVINAS, 2017LEVINAS, Emmanuel. Quatro leituras Talmúdicas. São Paulo: Perspectiva, 2017., p. 41).

A linguagem do dito não encerra a obrigação do Eu. Sempre há um dizer no rosto do Outro que foge à captura e que deixa a responsabilidade do Eu inadimplida com o Outro. O dizer cerra o limite da ontologia, e no dizer se encontra o reino do ético que não se reduz à intencionalidade (LÉVINAS, 2010LÉVINAS, Emmanuel. Entre nós: ensaio sobre a alteridade. Tradução: Pergentino Steffano Pivatto. Petrópolis: Vozes, 2010., p. 106). Quanto mais se aproxima do reino ético, mais se alimenta da justiça. A justiça alterística não se sacia, ela sempre pede por mais, e quanto mais se aproxima do reino ético pelo rosto, mais ele se distancia e aumenta a fome por justiça. A justiça alterística é infinita e insaciável: é fome que não se compreende pelo mero logos.

São as palavras que aprisionam o Eu na responsabilidade com o Outro, tendo em vista que a liberdade ética não se encontra numa dimensão de direitos sem deveres, mas de deveres éticos para com o Outro que precedem qualquer direito do Eu. O rosto que interpela o Eu, antes mesmo do dito, leva ao dizer do não matarás.

Outro conceito chave para desenvolvermos a reflexão leviasiana é a de rosto (visage), que não se reduz a qualquer dimensão biológica, estética, empírica ou até transcendental. O rosto é algo que não pode ser objeto da totalização cognitiva e opera a aproximação do dizer e ver, do falar e olhar, numa simbiose que foge aos conflitos dos sentidos e arranjo dos órgãos. O rosto é experiência que interpela por um agir ético, uma ética que precede a qualquer acordo ou lei, pugnando pelo não matarás.

Para entender o conceito de rosto proposto por Lévinas, não se pode olvidar que seus principais influenciadores foram Husserl (1989HUSSERL, Edmund. A idéia da fenomenologia. Tradução: Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 1989.) e Heidegger (2005HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo: (parte I). Tradução: Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2005.). A fenomenologia de Husserl era de retorno às coisas mesmas da consciência, e a proposta ética não é o de demonstrar um método, mas um norte; cuida-se de uma espécie de fenomenologia que leva o Eu em direção ao Outro, mas sem que o Outro seja instrumentalizado para preencher a posição de objeto intencional. O rosto é irredutível, já que não pode ser colocado entre parênteses e não remete a uma situação de fundamento primeiro, assim, foge à ontologia heideggeriana, no sentido de não ser objeto da totalização da compreensão. Pode-se concluir que o rosto é uma dimensão metafísica, na medida em que a ética é uma relação entre dois, mas o Outro não é objeto ontológico e extrapola a medida do Eu, de modo que necessariamente se enquadra em outra dimensão do mesmo como condição de alteridade, por isso quanto mais se aproxima do rosto mais este se distancia.

As grandes rupturas modernas no pensamento ocidental aproximaram o Eu e o Outro, de modo que o Outro foi inserido na dimensão do mesmo. A concepção de pessoa cartesiana e kantiana constituía o mundo partindo de suas categorias racionais, apontando, em última análise, a inacessibilidade ao Outro (MIRANDA, 2014MIRANDA, José Valdinei Albuquerque de. Levinas e a reconstrução da subjetividade ética: aproximações com o campo da educação. Revista Brasileira de Educação, v. 19, n. 57, p. 461-475, 2014. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbedu/a/qg9DD46rTRM7HBNXpx7rswq/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 25 out. 2021.
https://www.scielo.br/j/rbedu/a/qg9DD46r...
). Essa totalização do mesmo evidencia o monopólio egológico da filosofia ocidental. Nesta dimensão, o Outro tem seus lábios tomados pelo Eu, e sua fala se torna parte do mesmo, o que Lévinas denomina violência, guerra, ou mesmo alergia ao Outro. A interpelação que o Outro causa ao Eu pelo rosto não pode ser capturada pela ontologia descritiva: “trata-se de um outramente que ser, ou bondade, acolhimento ‒ a substituição do ser pelo Outro” (MACHADO; RAMOS, 2016MACHADO, Rubens; RAMOS, Matêus. A noção de rosto em Emmanuel Lévinas. Revista Lampejo, v. 5, n. 2, p. 14-26, 2016. Disponível em: http://revistalampejo.org/edicoes/edicao-10/Artigo_A_Nocao_de_rosto.pdf. Acesso em: 24 out. 2021.
http://revistalampejo.org/edicoes/edicao...
, p. 12). Isso significa que o Eu existir de outro modo que ao existir para mim configura a essência da ética da alteridade.

Nesse sentido, se o direito do Eu apenas tem significação perante outros direitos, cujo movimento ou prerrogativa partem do reconhecimento do direito do Eu, o direito do Outro antecede ao do Eu. Antes do direito do Eu, vem a obrigação infinita do Eu perante o Outro, que não é nem o sujeito universal do liberalismo nem aquele sujeito abstrato e positivado na legislação. O Outro é sempre uma pessoa própria, diferente do Eu e das demais, e ostenta tempo e lugar, desejos e necessidade próprios.

Nesse sentido, levanta-se o conceito de rosto, que significa infinito, e, por consequência, quanto mais justa a pessoa, mais responsável. A ética, como responsabilidade infinita pelo Outro, é insaciável, de tal forma que ninguém pode dizer que cumpriu todo o seu dever. A alteridade do rosto escapa à intencionalidade da consciência e coloca um limite, dado que o rosto não integra a dimensão dos objetos ontológicos e não pode ser reduzido à compreensão total do Eu, já que o rosto resiste à categorização e ao conceito. A dimensão própria do rosto não integra o mesmo tempo da identidade que o Eu e o mesmo, tendo em vista que o tempo do rosto é o da diferença e da alteridade (MACHADO; RAMOS, 2016MACHADO, Rubens; RAMOS, Matêus. A noção de rosto em Emmanuel Lévinas. Revista Lampejo, v. 5, n. 2, p. 14-26, 2016. Disponível em: http://revistalampejo.org/edicoes/edicao-10/Artigo_A_Nocao_de_rosto.pdf. Acesso em: 24 out. 2021.
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).

Apenas como hipótese, se o rosto fosse passível de captura das ideias e da ontologia, o Outro permaneceria capturado e como propriedade do Eu. A ideia de pessoa é como um espelho, em que o Eu tem o dito sobre quem é humano, tornando a identidade objeto da totalização ontológica (LEVINAS, 1980LEVINAS, Emmanuel. Totalidade e infinito: ensaio sobre a exterioridade. Lisboa: Edições 70, 1980., p. 24). A partir do momento em que o rosto do Outro foge à dimensão do mesmo, é o Outro que tem o dizer, a potência sobre sua identidade e humanidade, pois a identidade do Outro deixa de ser propriedade do Eu. O rosto é linguagem do dizer e sempre há algo que foge à fala do Eu, logo, tudo que o Eu fala estaciona na categoria do dito.

A concepção que pretende compreender totalmente o Outro é incompatível com a concepção do Outro que não é o mesmo. Compreender é tornar algo propriedade (LEVINAS, 1980LEVINAS, Emmanuel. Totalidade e infinito: ensaio sobre a exterioridade. Lisboa: Edições 70, 1980.) e o rosto não pode ser sistematizado, já que é propriedade intangível ao Eu, trata-se de um evento ético ao Eu. A interpelação ética convoca o Eu a revogar toda e qualquer indiferença àquele que forma uma relação assimétrica, exigindo hospitalidade, abrigo, comida, respeito e cuidado. Portanto, apenas um pensamento que não seja indiferente à fome, à miséria e à vulnerabilidade do Outro, que transcendem a ontologia do mesmo, é que pode ser reconhecido como justiça (SOUZA, 2004SOUZA, Ricardo Timm de. Razões plurais: Itinerários da racionalidade ética no século XX: Adorno, Bergson, Derrida, Levinas, Rosenzweig. Porto Alegre: Edipucrs, 2004.).

O rosto do Outro interpela eticamente. O Outro como semelhante e próximo, e, ao mesmo tempo, o mais estranho e estrangeiro, constitui chave para pensar em justiça (LEVINAS, 2017LEVINAS, Emmanuel. Quatro leituras Talmúdicas. São Paulo: Perspectiva, 2017., p. 150). O encontro com o Outro não é uma relação simétrica, mas assimétrica por excelência, pois apenas o Eu é responsável pelo Outro, sendo essa uma responsabilidade infinita, demanda que é direcionada ao Eu e não depende de condição alguma, de razão ou lei, afastando-se do egoísmo e do individualismo, já que no rosto encontra o princípio humano (MARTINS; LEPARGNEUR, 2014MARTINS, Rogério Jolins; LEPARGNEUR, Hubert. Introdução a Lévinas: pensar a ética no século XXI. São Paulo: Paulus, 2014., p. 19).

A substituição é o ponto máximo da acolhida do Outro. Este momento rompe com a temporalidade do Eu e do mesmo, na medida em que o Outro é aceito de tal maneira como se morasse sob a pele do Eu, e ao ápice de retirar o pão da própria boca do Eu para dar ao Outro. Todavia, não se pode privilegiar o Outro perante o Terceiro, contexto que promove a reflexão quanto à igualdade e, para Lévinas, é assim que surge o político, que não emerge como violência implacável de controle social, como apontado por teorias contratualistas, senão com a missão de cuidar do Outro (BONAMIGO, 2016BONAMIGO, Gilmar Francisco. O problema do humano em Emmanuel Lévinas. O que nos faz pensar, v. 25, n. 38, p. 139-160, 2016. Disponível em: http://www.oquenosfazpensar.fil.puc-rio.br/index.php/oqnfp/article/view/493. Acesso em: 30 out. 2021.
http://www.oquenosfazpensar.fil.puc-rio....
, p. 156).

Nesse sentido, convém salientar que é justamente a figura do Terceiro que torna a situação problemática, pois se a responsabilidade, do Eu é infinita perante o Outro e o Terceiro, é necessário sabedoria para que o devotamento do Eu ao Outro não configure injustiça para o Terceiro. Pontue-se que o Eu é Terceiro quando não está numa relação face a face, assim como os integrantes desta relação são Terceiros para o Eu. É justamente o aparecimento do Terceiro que possibilita a passagem para a vida em sociedade em que o amor ao Outro demanda a justiça ao Terceiro (BONAMIGO, 2016BONAMIGO, Gilmar Francisco. O problema do humano em Emmanuel Lévinas. O que nos faz pensar, v. 25, n. 38, p. 139-160, 2016. Disponível em: http://www.oquenosfazpensar.fil.puc-rio.br/index.php/oqnfp/article/view/493. Acesso em: 30 out. 2021.
http://www.oquenosfazpensar.fil.puc-rio....
, p. 156-157).

A solução levinasiana desagua no nascimento do político, cuja razão de ser é salvaguardar a justiça e que em nenhuma medida revoga a responsabilidade ética de cada homem. O político se articula por meio das instituições e pela constituição do Estado Republicano, legitimado pela responsabilidade infinita de e por todos. Ao cumprir com sua responsabilidade de cuidado e sabedoria, o Estado cumpre sua razão de ser, e fora dessa finalidade, é ditadura contra o humano. Os juízes e tribunais também são necessários e devem buscar a mesma finalidade de equilibrar a sabedoria da responsabilidade infinita com o Outro para evitar a injustiça com o Terceiro (BONAMIGO, 2016BONAMIGO, Gilmar Francisco. O problema do humano em Emmanuel Lévinas. O que nos faz pensar, v. 25, n. 38, p. 139-160, 2016. Disponível em: http://www.oquenosfazpensar.fil.puc-rio.br/index.php/oqnfp/article/view/493. Acesso em: 30 out. 2021.
http://www.oquenosfazpensar.fil.puc-rio....
, p. 156-157).

Dessa forma, em última consequência, o Estado deve ser justo e guardião da igualdade para que cada homem consiga cuidar ainda melhor do Outro, mas este é um limite do próprio Estado, na medida em que cabe a cada Eu ir além. O caminho para a justiça levinasiana é a assunção da vocação de responsabilidade infinita do Eu pelo Outro. É preciso um trabalho quanto à vida interior, uma educação para a acolhida do Outro como Infinito, de liberdade que se prende voluntariamente à responsabilidade, criando terreno interior em que o Outro possa fazer morada. Assim, o político, em Lévinas, vai de encontro com as principais teorias contratualistas do Ocidente, especialmente a de Hobbes e a de Rousseau, pois para Lévinas, o político não nasce por conta da necessidade de controlar a violência generalizada nem de fazer contrato para salvaguardar os interesses de cada um numa vontade geral (BONAMIGO, 2016BONAMIGO, Gilmar Francisco. O problema do humano em Emmanuel Lévinas. O que nos faz pensar, v. 25, n. 38, p. 139-160, 2016. Disponível em: http://www.oquenosfazpensar.fil.puc-rio.br/index.php/oqnfp/article/view/493. Acesso em: 30 out. 2021.
http://www.oquenosfazpensar.fil.puc-rio....
, p. 156-157).

É neste sentido que surge o problema do Terceiro. Este é um Outro que surge após o primeiro Outro, quanto a quem também o Eu tem infinita responsabilidade. Considerando que o Eu seja o marido ou a esposa, este teria uma responsabilidade infinita para com seu cônjuge, e a vinda de um filho(a) seria o Terceiro, porque o pai e a mãe teriam uma responsabilidade infinita para com o filho. A celeuma é identificar como poderia ser compatibilizada a responsabilidade infinita que o Eu tem para com o Outro e o Terceiro, que também é um Outro (LEVINAS, 1974LEVINAS, Emmanuel. Autrement qu'être ou au-delà de l'essence. Paris: M. Nijhoff, 1974.).

Dessa maneira, consideradas as abordagens teóricas dos conceitos levinasianos até aqui analisados, a pesquisa desloca o foco para a dimensão do jurídico. Com isso, pretende-se conjecturar, com traços mais nítidos, a problemática da concepção de justiça a partir de Emmanuel Lévinas, com a concepção de justiça ontológica que foi construída a partir da concepção solipsista do Eu.

A realidade social é marcada pelo espaço do egoísmo, da cidadania, do político e do direito. Logo, os conflitos sociais são inseridos em circuitos de comparação, cálculo, raciocínio, justificação e lei, em que o Outro, singular por excelência, é convertido em denominador comum. Toda redução do Outro ao mesmo é um ato de injustiça e toda comparação se torna violenta e incalculável. Dessa forma, o caminho para a tutela da pessoa é o da constante revisão pela melhor justiça, já que os direitos da pessoa devem ter uma ética primeira fundamental.

A alteridade no mundo jurídico faz emergir reflexões sobre as teorias da justiça tradicionais e contemporâneas que costumam fundamentar um mundo mais justo com a determinação livre e racional de liberdades. Contudo, para pensar em justiça, é necessário pensar nas condições de efetivação, e a liberdade contratual e racional não são suficientes como pressuposto de uma teoria de justiça efetiva. Precede à teoria da justiça a reflexão da tensão entre a vocação simultânea à espontaneidade e à arbitrariedade. O desfecho levinasiano é pela liberdade investida, no viés de que se conheça o suficiente para saber até que ponto seu exercício pode ser violento, arbitrário e destruidor: a liberdade é estruturalmente constituída de moralidade, que lhe é anterior e legitima o livre exercício da eticidade (SOUZA, 2016SOUZA, Ricardo Timm de. Ética como fundamento II: pequeno tratado de ética radical. Caxias do Sul: Educs, 2016., p. 271). Ressalta-se que não se trata de deslegitimar o direito estatal, mas de ir além dele, isso porque se:

[...] a racionalidade política perpassa, sem pudor, todo o contexto da filosofia ocidental, buscando colocar o fundamento da ética na política (TI 270), Lévinas, ao apresentar sua filosofia como ética aquém da política, não tem pretensão de fazer oposição gratuita à filosofia ocidental, e nem sequer desmerecer a importância da normatividade jurídica que assegure a vida social e que é garantida pelo estado moderno (RIBEIRO JUNIOR, 2005RIBEIRO JUNIOR, Nilo. Sabedoria de amar: a ética no itinerário de Emmanuel Lévinas. São Paulo: Loyola, 2005. t.1., p. 211).

Apesar de Lévinas não ter sido um jurista, a justiça para ele era condição fundamental, inclusive como condição de realidade. A justiça é a ética realizada e em realização, viga mestre do sentido humano. A justiça para o filósofo da alteridade não é teorética nem existencial, e sim um dizer fundacional. O sistema social sem justiça é apenas matéria-prima da realidade, uma espessura ontológica apta à construção da justiça (SOUZA, 2017, p. 272).

A leitura social e jurídica levinasiana analisa a pessoa contemporânea como egoísta, absoluta, imediatista e materialista: um individualismo que fecha a abertura para os valores mais importantes e até mesmo com Deus. A pessoa imersa pela ontologia, é absolutamente incapaz de superar a subjetividade do ser em si mesmo. A proposta radical levianasiana é a de superação da totalidade em si mesmo, por meio da abertura à exterioridade, depondo-se em relação ao Outro e norteando-se ao infinito. Este movimento de transcendência das limitações materiais e individuais do Eu, calcadas na alteridade, “não somente terá alcançado efetivamente o Outro, mas, sobretudo, compreenderá e enxergará no Outro a si próprio” (CAMILLO, 2016, p. 43-44).

É importante deixar claro que deve existir o discurso do direito em favor de todos, incluindo uma cidadania livre e igual, sobretudo porque as conquistas históricas não devem ser apagadas. O que se busca refundar é a forma de sua realização, pois a igualdade em que o Outro se torna o mesmo gera contradições e injustiças. O Outro não é um estranho a ser colonizado a uma pretensão de mundo do seu colonizador, e colonizar o Outro não é um fenômeno que ocorre apenas entre povos, mas entre pessoas. Colonizar o Outro é retirar-lhe a potência de ser ou não ser, e por consectário lógico, sua emancipação e dignidade (SPIVAK, 2014SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o Subalterno Falar? Belo Horizonte: UFMG, 2014.).

Não há um jurista stricto sensu, uma doutrina do direito ou uma teoria da justiça na doxografia de Lévinas, todavia, é possível a construção de uma filosofia do direito a partir de Lévinas. O direito, para Lévinas, decorre da política, que é ontológica, eis que define conceitos e ideias de pessoas infinitamente diferentes na mesma categoria, e, por consequência, seus direitos e deveres. Este esforço reducionista, que esquematiza conceitos e deveres, garante a segurança e a ordem do sistema, e, como ontologia, desdobra-se em poder e coercibilidade. O direito, como ontologia, é pautado em um saber reducionista que erradica a diferença para garantir o conhecimento, por exemplo: todo aquele que tem um filho é pai/mãe e, com isso, tem deveres e direitos, o que possibilita diferença quanto aos deveres de diferentes pais com seus filhos, ou mesmo, diferença de direitos e deveres do pais em relação a cada filho (PIMENTA, 2012PIMENTA, Leonardo Goulart. Responsabilidade e direito na teoria de Emmanuel Lévinas. Revista Eletrônica Direito e Política, Itajaí, v. 7, n. 2, p. 1334-1352, 2012. Disponível em: https://siaiap32.univali.br/seer/index.php/rdp/article/view/5628/3030#. Acesso em: 24 out. 2021.
https://siaiap32.univali.br/seer/index.p...
, p. 1336-1340).

A justiça levinasiana é agir sobre o sofrimento e não o causar, assim, a utilização de força ou violência para Lévinas provoca sofrimento, e, a coação, ainda que de acordo com o direito, sempre será injusta. O direito é ontológico, e, como afirmou Derrida (2007DERRIDA, Jacques. Força de lei. São Paulo: Martins Fontes, 2007., p. 8), “não há direito que não implique a possibilidade de ser aplicado pela força”. A coação não é elemento da justiça levinasiana, porque toda justificativa de violência é ontológica da política e do direito. A pessoa é transcendente da ontologia, na medida em que a justiça está para além do definido na ordem jurídica; é fazer mais do que a ordem impõe (PIMENTA, 2012PIMENTA, Leonardo Goulart. Responsabilidade e direito na teoria de Emmanuel Lévinas. Revista Eletrônica Direito e Política, Itajaí, v. 7, n. 2, p. 1334-1352, 2012. Disponível em: https://siaiap32.univali.br/seer/index.php/rdp/article/view/5628/3030#. Acesso em: 24 out. 2021.
https://siaiap32.univali.br/seer/index.p...
, p. 1341), máxime pela infinitude de deveres do Eu (LEVINAS, 1994LÉVINAS, Emmanuel. Nine Talmudic Readings. Tradução: Annette Aronowicz. Indiana: University Press, 1994.).

O direito como ontologia produz comportamentos desejáveis, sob pena de sanção, mas a alteridade não pode ser objeto de sanção, já que ninguém pode ser obrigado a ter alteridade genuinamente sob a espada do Judiciário. A alteridade transcende o direito enquanto ontologia, e a mera aplicação da lei ao caso concreto não leva ao justo levinasiano. O chamado do rosto levinasiano é de todos, não só do Estado, logo, a todos temos o dever de justiça. Não é necessário força ou autoridade para dar o pão ao faminto, o ouvido ao aflito e o cobertor ao resfriado. O que demonstra que o Estado tem o monopólio da força, mas não o da justiça.

Nesse sentido, a própria atividade da magistratura, no exercício de suas atribuições, não conseguirá, via de regra, produzir justiça. A autoridade não tem tempo de questionar onde está o bem e o mal, já que integra o poder constituído e opera o mandamento estatal, logo, não se coloca prima facie na metafísica, mas na ontologia do Estado e do Direito (LÉVINAS, 1994LÉVINAS, Emmanuel. Nine Talmudic Readings. Tradução: Annette Aronowicz. Indiana: University Press, 1994., p. 110-111).

A atividade jurisdicional é precipuamente ontológica e a justiça será encontrada além de suas competências funcionais, da obrigação e do mando legal, e, somente quando o magistrado, sob a toga de sua humanidade, for além do que é, é que encontrará a justiça. A vida, enquanto história, foge ao controle e domínio institucional. A crítica levinasiana pode ser vislumbrada em entrevista concedida por Lévinas a François Poirié (2007, p. 90):

Os movimentos em relação aos direitos do homem procedem do que eu chamo de: consciência de que a justiça ainda não é suficientemente justa. É pensando nos direitos do homem e na necessidade dos direitos do homem nas sociedades liberais que a distância entre a justiça e a caridade busca incessantemente estreitar-se. Movimentos constantemente reinventados e que, no entanto, jamais podem sair da ordem das soluções e das fórmulas gerais. Isso jamais preenche o que só a misericórdia, preocupação com o individual, pode dar. Isso remanesce, para além da justiça e da lei, como um apelo aos indivíduos em sua singularidade, algo que, os cidadãos confiantes na justiça, sempre continuam sendo.

De toda forma, a justiça se vincula ao próprio sistema, na medida em que só é possível transcender ao sistema se houver o sistema, de tal forma que este também é condição da justiça. Neste ponto, ressalta-se que a justiça levinasiana não afasta uma ordem jurídica, mas propõe a superação do sistema ontológico. A própria justiça divina condicionaria sua manifestação no tribunal dos homens para se revestir de fraternidade humana (LÉVINAS, 1994LÉVINAS, Emmanuel. Nine Talmudic Readings. Tradução: Annette Aronowicz. Indiana: University Press, 1994.).

Portanto, é indelével a busca por uma justiça que transcenda os limites do sistema ontológico. Não se trata da extinção da ordem jurídica, mas da incansável e necessária aproximação do Judiciário e da caridade, rumo à justiça. A alteridade é mais do que reconhecer o Outro como diferente, mas preceder o Outro ao Eu. E, neste fluxo, transcender os limites ontológicos para uma dimensão de substituição e responsabilização infinita pelo Outro.

O deslocamento dos conceitos alterísticos levinasianos anteriormente abordados para a dimensão do político cria uma tensão da justiça alterística com a concepção mundana ontológica, nos espectros da justiça, da ética e do político. Com o intuito de emergir da discussão teórica para a práxis social, desloca-se novamente a discussão para o contexto da pandemia decorrente da Covid-19 no cenário das desigualdades sociais brasileiras.

3. Acesso à saúde, desigualdades e alteridade: uma reflexão pandêmica

A pandemia da Covid-19 trouxe várias reflexões e mudanças no cenário brasileiro. Com o intuito de analisar com mais clareza o objeto deste trabalho, avoca-se o recorte da tensão entre direito, saúde e alteridade. Dessa forma, elege-se o fenômeno pandêmico como elemento comum da discussão, viabilizando um contexto concreto para ser cotejado com a filosofia levinasiana4 4 A obra de Lévinas pode ser dividida em três períodos ou fases. A primeira seria marcada pelo interesse e a pesquisa na fenomenologia de Edmund Husserl e Martins Heidegger. Na segunda fase, a experiência pessoal, do filósofo, de ser capturado como prisioneiro de guerra, colocado com demais judeus e ter quase toda sua família morta, passou a integrar suas obras, uma vez que a articulação das teses deixa de apenas ser abstrata, passando a utilizar experiências na carne e na pele, como consequência da ontologia ocidental, da totalização do Ser neutro e impessoal. Seu pensamento volta-se contra o de Heidegger, tomado como fiel representante da filosofia Ocidental contemporânea. O termo existência sem existente, de sua filosofia é utilizado como o Ser da ontologia incapaz de significar a singularidade do humano, um judeu como mero pedaço de carne a ser levado pelos trens de extermínio, humanos generalizados sujeitos a um projeto geopolítico maior, que evidencia a necessidade a se pensar em uma saída ética heterológica ao pensamento filosófico ocidental. Assim, o projeto filosófico de Lévinas passa ser uma a constante e radical denúncia acerca do egoísmo ontológico que permitiu a guerra. Dessa forma, a partir da segunda fase de Lévinas seu pensamento passa a integrar suas experiências pessoais e a reflexão da realidade material. O terceiro período se inicia por volta de 1966, marcado por constante produção acadêmica, tanto filosófica como teológica (SOUZA, 1999). . O ponto de partida para a intersecção da alteridade com o direito à saúde se encontra no artigo 196 da Constituição Federal (BRASIL, 1988). O referido dispositivo estabelece que o direito à saúde é um direito de todos e dever do Estado, amplamente demonstrado como um direito fundamental e da personalidade (SIQUEIRA; FAZOLLI, 2014SIQUEIRA, Dirceu Pereira; FAZOLLI, Fabricio. Do direito à saúde: do paradoxo do dever público e da iniciativa privada. Revista de Direitos Sociais e Políticas Públicas (UNIFAFIBE), Bebedouro, v. 2, n. 1, p. 182-197, 2014. Disponível em: https://www.unifafibe.com.br/revista/index.php/direitos-sociais-politicas-pub/article/view/45. Acesso em: 19 nov. 2021.
https://www.unifafibe.com.br/revista/ind...
), valendo-se de políticas públicas sociais e econômicas.

Um primeiro ponto a ser destacado é o de que o risco de ineficácia da implementação do direito constitucional seja pela dificuldade de gestão ou mesmo pela ausência de vontade política pelo Congresso Nacional, ressaltando-se a possibilidade de o Judiciário intervir na concretude do direito (TEIXEIRA; MORAES, 2020TEIXEIRA, Rodrigo Valente Giublin; MORAES, Vinicius Caleffi de. Direito à saúde: uma análise dos limites do ativismo judicial para a efetividade do acesso à saúde. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD), São Leopoldo, v. 12, n. 3, p. 549-567, 2020. Disponível em: http://revistas.unisinos.br/index.php/RECHTD/article/view/rechtd.2020.123.14. Acesso em: 19 nov. 2021.
http://revistas.unisinos.br/index.php/RE...
, p. 550-551). O segundo ponto, e que é previsto pela disposição constitucional, é que o direito à saúde também é garantido por medidas econômicas.

Quanto ao primeiro ponto, do dever do Estado de fornecer o acesso à saúde, verifica-se a alteridade no direito à saúde reside na transcendência do direito ontológico. Conforme se nota da leitura levinasiana, a alteridade como justiça se encontra justamente além do direito ontológico, de forma, que a responsabilidade infinita e o Eu em relação ao Outro se encontra para além do dever estatal. A pandemia colocou em jogo justamente a responsabilidade de cada pessoa em sociedade, na medida em que o cumprimento das medidas de isolamento social, a solidariedade mercantil de bens essenciais e a participação informativa dependeram muito mais da pessoa do que do dever do Estado.

A pandemia colocou a ética no centro do debate político e emergiram textos que abriram a reflexão com posições diversas como um eco que começou no Brasil durante o carnaval de 2020, mas que não tardou a fazer parte da realidade brasileira (WERMUTH; MORAIS, 2020WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi; MORAIS, José Luis Bolzan de. Da exceção agamberiana à constituição planetária de Ferrajoli: desafios impostos pela pandemia do novo coronavírus às categorias jurídico-políticas tradicionais. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, v. 15, n. 1, p. 1-29, 2020. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/revistadireito/article/view/43057/pdf. Acesso em: 20 nov. 2021.
https://periodicos.ufsm.br/revistadireit...
). Apenas para menção de alguns textos lançados no centro do debate, Žižek (2020ŽIŽEK, Slavoj. Monitorar e punir? Sim, por favor! Tradutores proletários, 16 mar. 2020. Disponível em: https://tradutoresproletarios.wordpress.com/2020/03/17/zizek-monitorar-e-punir-sim-por-favor. Acesso em: 20 nov. 2021.
https://tradutoresproletarios.wordpress....
) aponta as contradições do capitalismo no cenário global com a Covid-19 e nos alerta para a necessidade de um novo tempo de comunidade e solidariedade de informações e recursos. No contexto italiano, Agamben (2020AGAMBEN, Giorgio. Chiarimenti. Quodlibet, 17 mar. 2020. Disponível em: https://www.quodlibet.it/giorgio-agamben-chiarimenti. Acesso em: 20 nov. 2021.
https://www.quodlibet.it/giorgio-agamben...
) alerta sobre a recorrente criação de pânico como técnica de governo, como possibilidade de legitimar a suspensão da norma vigente e a produção de atos de exceção. Harari (2020HARARI, Yuval Noah. The world after coronavirus. Financial Times, 19 mar. 2020. Disponível em: https://www.ft.com/content/19d90308-6858-11ea-a3c9-1fe6fedcca75. Acesso em: 20 nov. 2021.
https://www.ft.com/content/19d90308-6858...
) coloca a questão pandêmica como o maior teste de cidadania como reconstrução da confiança na ciência, nas autoridades públicas e na mídia, sob o risco de coloca em xeque a liberdade, com o aceite de um estado de supervisão da vida do cidadão.

Nesse sentido, é pertinente relembrar que uma crise global pairou pela civilização ocidental entre 2008 e 2009. Na oportunidade, as ações tomadas foram para salvar os grandes bancos financeiros, como medida natural, a fim de se evitar o colapso da economia mundial. Uma década depois, o Estado, que se colocava como devedor para assegurar a prestação de serviços essenciais à população, até pelas intervenções financeiras anteriores, ficou nos bastidores do protagonismo do mercado de capitais. Foi justamente a pandemia que requestou sua intervenção pela saúde, pela economia e pela vida das pessoas (PINZANI, 2020PINZANI, Alessandro. Fraqueza do Estado e elitização da cidadania na América do Sul: lições políticas da pandemia. In: REICH, Evânia; BORGES, Maria de Lourdes; XAVIER, Raquel Ciaprini (orgs.). Reflexões sobre uma pandemia. Florianópolis: Néfiponline, 2020. p. 21-29., p. 22-23), mas as medidas não deveriam ser realizadas tão somente pelo Estado, e sim por todas as pessoas, em um circuito conjunto de alteridade pelo Outro, diante da avocação da responsabilidade infinita pelo Outro. Este é o caminho da justiça levinasiana. Como pontuam Soares e Lochhi:

[...] a atualidade a concepção que mais se destaca é a dignidade como inerente à pessoa humana, gerando um entendimento de que o indivíduo nada precisa fazer para garantir sua dignidade, pelo contrário, é papel do Estado e das instituições fazerem isso por ele, tirando qualquer tipo de responsabilidade das pessoas. O papel do Estado e das instituições é de fundamental importância para garantir a dignidade de todos, porém não se pode retirar toda e qualquer responsabilidade das pessoas (SOARES; LOCCHI, 2016SOARES, Josemar Sidnei; LOCCHI, Maria Chiara. O papel do indivíduo na construção da dignidade da pessoa humana. Revista Brasileira de Direito, Passo Fundo, v. 12, n. 1, p. 31-41, 2016. Disponível em: https://seer.imed.edu.br/index.php/revistadedireito/article/view/1118/835. Acesso em: 2 nov. 2021.
https://seer.imed.edu.br/index.php/revis...
, p. 31).

Doravante, identifica-se que a recepção das medidas estatais pelos brasileiros foi de descrença, reflexo de uma estrutura política e econômica anterior. A desconfiança da população perante as determinações de isolamento social, auxílios financeiros e outras medidas foi considerada excessiva, estatais, mas não foi mera coincidência, dado que a história dos países da América Latina indica que nesta região houve um desenvolvimento diferente quanto aos países do norte do globo. A desconfiança com em relação ao Estado pode ser constatada nas famílias com mais capacidade financeira, uma vez que a tradição é o indivíduo recorrer aos próprios meios para lograr por uma vida digna, que optam por um plano de saúde e escolas particulares ao invés do SUS e das escolas públicas (PINZANI, 2020PINZANI, Alessandro. Fraqueza do Estado e elitização da cidadania na América do Sul: lições políticas da pandemia. In: REICH, Evânia; BORGES, Maria de Lourdes; XAVIER, Raquel Ciaprini (orgs.). Reflexões sobre uma pandemia. Florianópolis: Néfiponline, 2020. p. 21-29., p. 25).

Uma constatação forte deste contexto é que no momento em que a desconfiança da população alcança não somente os governantes, mas, também, as instituições públicas, aumenta-se o individualismo, sendo enfraquecida a potência comunitária. O distanciamento do povo com o governo não amadurece o engajamento político, mas o apolítico. Além disso, as pessoas passam a se envolver apenas com aqueles de seu âmbito social mais imediato, como amigos, colegas de trabalho, igreja e afins, e os demais, tornam-se números frios e pessoas desconhecidas (PINZANI, 2020PINZANI, Alessandro. Fraqueza do Estado e elitização da cidadania na América do Sul: lições políticas da pandemia. In: REICH, Evânia; BORGES, Maria de Lourdes; XAVIER, Raquel Ciaprini (orgs.). Reflexões sobre uma pandemia. Florianópolis: Néfiponline, 2020. p. 21-29., p. 27).

Dessa forma, a população se dividiu entre aqueles que seguiriam as medidas sociais e os que se opuseram às medidas sociais, e os debates se pautaram tanto em pesquisas científicas como em teorias da conspiração. Como a camada mais jovem não se encontrava na zona de risco da doença, como seria o caso dos mais idosos e portadores de comorbidades, ou mesmo das pessoas que não habitavam no seu círculo mais próximo com alguém neste parâmetro, constantemente foram noticiadas festas em locais públicos ou privados, inclusive manifestações contrárias ao isolamento (OLIVEIRA, 2020OLIVEIRA, Tiago Mendonça de. Manifestações e aglomerações em períodos de pandemia por COVID-19: manifestações em períodos de pandemia. InterAmerican Journal of Medicine and Health, v. 3, p. 1-2, 2020. Disponível em: https://iajmh.emnuvens.com.br/iajmh/article/view/109. Acesso em: 19 nov. 2021.
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). Além de um problema comunicacional no debate público e de aglomerações, percebe-se um movimento de pessoas que analisaram a pandemia como oportunidade de lucro5 5 É no extremo da saúde que se revela a verdade, expondo-se as contradições de sua estrutura jurídica e política. Neste extremo, desvela-se que a uma sociedade de acumulação precisa da saúde, mas não a nutre adequadamente, tendo em vista que a sua estruturação é voltada à extração do mais-valor e do lucro, em detrimento da intenção de salvar vidas, de tal forma que “vida, dignidade e saúde são preceitos e princípios materialmente contraditórios aos termos do capitalismo” (MASCARO, 2020, p. 433-434). , vendendo bens e serviços essenciais com valores significativamente acima do aumento de custos nesta situação emergencial, fenômeno conhecido como price gouging (FARIAS; AQUINO, 2018FARIAS, Talden; AQUINO, Vinícius Salomão de. A elevação injustificada de preços como prática abusiva: fundamentação e critérios para sua identificação. Revista jurídica Jurídica da FA7 Fortaleza, v. 15, n. 2, p. 13-25, 2018. Disponível em: https://periodicos.uni7.edu.br/index.php/revistajuridica/article/view/560. Acesso em: 19 nov. 2021.
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)6 6 Apenas para mencionar um dos casos, o preço da caixa de máscaras descartáveis, considerada essencial para proteção da saúde e da vida no contexto pandêmico, chegou a ter um aumento de custo de 1.380%, de R$ 5 para R$ 69 em Belo Horizonte/MG (FIÚZA; LEOCÁDIO, 2021). O fenômeno motivou o Senador Marcos do Val à estruturação do PL 1.610/2020 para proibir a elevação de alimentos da cesta básica durante estado de Calamidade. Segundo o Senador: “Apenas uma semana após o Congresso Nacional reconhecer a calamidade pública relacionada ao coronavírus, já havia notícias de reajustes de até 70% em produtos de necessidade básica nos supermercados. Esses aumentos repentinos nos preços não se justificam pela elevação dos custos desses produtos, mas pelo oportunismo inescrupuloso de poucos” (CHAGAS, 2021). .

Sobre a questão do isolamento social, para além de diversos estudos realizados sobre as consequências da pandemia, o principal fato revelado foi em nível psíquico. Até a irrupção do vírus, os indivíduos pareciam obrigados a procurarem outros no campo social, velando a necessidade do Eu com o Outro. O encontro com o Outro não dispõe mais de espaço na agenda individual que somente se ocupa da própria realização individual. Durante a pandemia, a impressão era de que as outras pessoas se limitassem a uma decoração, sendo apenas “reflexos repetidos de quem somos: eu, eu e eu”. O isolamento social mostrou que aqueles Outros que o Eu era obrigado a encontrar no seu dia a dia eram vitais, não ao Outro, mas ao Eu (BURIL, 2020BURIL, Bárbara. A pandemia e o individualismo que nunca existiu. In: REICH, Evânia; BORGES, Maria de Lourdes; XAVIER, Raquel Ciaprini (orgs.). Reflexões sobre uma pandemia. Florianópolis: Néfiponline, 2020. p. 30-34., p. 32-33).

Esta vinculação do Eu com o Outro não é meramente uma relação de necessidade, já que a satisfação da necessidade decorre do Eu egoísta é a falta freudiana, uma urgência biológica ou de dominação, e que, uma vez satisfeita, incorporando o objeto de necessidade para si, deixará de ter necessidade. Já o desejo ético, passando ao largo da necessidade, aproxima o Eu do Outro, inclusive como antecipação do próprio ato de desejar, é desejo sem fim (LEVINAS, 1980LEVINAS, Emmanuel. Totalidade e infinito: ensaio sobre a exterioridade. Lisboa: Edições 70, 1980.). Dessa forma, o isolamento social mostrou o quanto o Eu deseja infinitamente o Outro, demonstrando-se que a necessidade do Outro é uma distorção ontológica da alteridade.

Esse esquecimento do Outro decorre do imenso empreendimento ocidental para descobrir a essência do Ser, uma investida ontognoselógica. A premissa é da possibilidade de conhecimento do Ser, pois este não se transformaria, permaneceria idêntico a ele mesmo; e aquilo que permanece sendo, é passível de descrição e conhecimento. Esta perspectiva filosófica afeta a concepção de pessoa, na medida em que cada uma é singular e não pode ser reduzida a uma concepção geral e universal do mesmo (CUNHA, 2018CUNHA, José Ricardo. Modernidade, pós-modernidade e emancipação na perspectiva da ética da alteridade. Revista Direito & Práxis, Rio de Janeiro, v.9, n.3, p. 1313-1362, 2018., p. 1313-1362. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/36642/25900. Acesso em: 24 out. 2021.
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index....
, p. 1349-1350). Essa redução do Outro ao mesmo, como objeto de discurso ideológico do Eu, reduzem-no a um elemento a se encaixar dentro de um quadro normativo de limite de existência social, pois mediante “o discurso de conhecimento, o sujeito pode se definir desde cidadão a ente social, o que inclui sua condição de humanidade” (ALMEIDA, 2021ALMEIDA, Fernando Rodrigues de. Validade contra a gênese: sobre poder, direito e violência. São Paulo: LiberArs, 2021., p. 138).

Já quanto ao segundo aspecto do direito à saúde, esculpido no artigo 196 da Constituição Federal de 1988, verifica-se a clara imbricação de saúde com a dimensão econômica. Apesar de ecoar no espaço público uma espécie de discurso de igualdade perante o vírus, há desigualdade no acesso à saúde, no sentido amplo, já que é velada. O acesso à saúde não é saturado com o mero acesso às instalações de saúde e seus profissionais, de tal modo que a educação sobre a saúde é determinante para o aspecto da dimensão preventiva da saúde (SANCHEZ; CICONELLI, 2012SANCHEZ, Raquel Maia; CICONELLI, Rozana Mesquita. Conceitos de acesso à saúde. Revista Panamericana de Salud Pública, v. 31, n. 3, p. 260-268, 2012. Disponível em: https://scielosp.org/article/rpsp/2012.v31n3/260-268/pt/. Acesso em: 19 nov. 2021.
https://scielosp.org/article/rpsp/2012.v...
, p. 266-267). Ou seja, no contexto pandêmico, qualquer informação inverídica sobre saúde seria um atentado ao direito de acesso à saúde e à justiça alterística.

No que tange o direito à saúde e a seu acesso, especialmente na reflexão ética desencadeada pela irrupção viral, não se pode desvincular a questão das desigualdades sociais do centro do debate de direitos sociais. A própria previsão constitucional, em seu artigo 3º, prevê como um dos objetivos da República Federativa do Brasil é a erradicação da pobreza e a diminuição das desigualdades regionais. Portanto, são fundamentais, algumas observações acerca das esferas da educação e do trabalho que foram especialmente afetadas no contexto da Covid-19, demonstrando que a pauta do acesso à saúde deve se alinhar com o fomento de outros direitos sociais, especialmente porque as medidas restritivas da pandemia afetaram de forma diversa os mais pobres7 7 Pontua-se que ao lado dos eixos fundantes da cidade, esculpidas na Carta de Atenas, de 1933, o rol do artigo 6º da Constituição complementa o dever das cidades de oferecerem moradia, transporte, lazer e trabalho. Todavia, em contraste aos mandamentos constitucionais, no Brasil, cerca de 100 milhões de pessoas não têm coleta de esgoto, 13 milhões vivem em favelas, 35 milhões não tem acesso à rede de água. Dessa forma, questiona-se como seria possível exigir do Outro que não tem acesso à água, que lavasse as mãos, ou como pedir aos que vivem aglomerados nas favelas que mantivessem o distanciamento social. Portanto, a realidade brasileira demonstra que “ficar em casa é um privilégio de poucos” (LIBÓRIO, 2020, p. 420-421). .

No campo da educação, nota-se que as crianças e jovens sem computadores e serviços de Internet com qualidade não conseguiram assistir às aulas. Na seara do trabalho e do cenário urbanístico, percebe-se que a estrutura residencial das áreas urbanas mais periféricas ou rurais costuma ser menor e facilita a aglomeração, conjugada com o fator de que as famílias mais pobres não possuem educação ou reserva financeira para deixarem de trabalhar por meses, de modo que durante a pandemia não tivera outra alternativa, senão a de se expor ao contágio do vírus para conseguir formas de sustento, ressaltando-se que o ofício usualmente exercido pelos integrantes de famílias mais pobres não pode ser realizado por um computador, considerando que nem todas as famílias possuem o referido equipamento. Logo, não houve igualdade perante a Covid-19, mas aprofundamento da desigualdade. Em entrevista à BBC News, Drauzio Varella ratifica:

BBC News Brasil - Não tem condições de higiene?

Varella - Nenhuma. E você tem um cômodo em que moram quatro adultos e três, quatro crianças. De dia aquele cômodo é a sala de refeições, de noite a mesa vai para o canto e os colchões saem da parede e vão para o chão, e as pessoas dormem ali. Você não tem condição mínima de separação. Vão dizer 'fica em casa, não vão para a rua'. Como é que essas pessoas não vão para a rua? E além do que é um nível de pobreza, que você vê o que está acontecendo: em dois, três dias essas pessoas não têm o que comer. Porque a luta é sair, e conseguir passar no supermercado e levar alguma coisa para casa, diariamente. Imagina você o dinheiro que você tem não dá para aguentar dois, três dias isolada, porque não vai ter o que comer. E a ajuda do governo, lógico que é importante, mas é difícil organizar também. As pessoas falam também 'ah, mas devia ter chegado o dinheiro'. É, vai lá organizar para ver como é, não é fácil (GUIMARÃES, 2020GUIMARÃES, Lígia. Drauzio Varella prevê 'tragédia nacional' por coronavírus: 'Brasil vai pagar o preço da desigualdade'. BBC News Brasil, São Paulo, 20 abr. 2020. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2020/04/20/drauzio-preve-tragedia-nacional-por-coronavirus-brasil-vai-pagar-o-preco-da-desigualdade.htm6/. Acesso em: 2 nov. 2021.
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, online).

O Brasil é marcado por uma profunda desigualdade social estrutural, que foi acentuada pela pandemia. A naturalização das desigualdades estruturais pode ser verificada na simples recomendação de lavagem constantes das mãos com água e sabão, que parte do pressuposto de que todos têm moradia e saneamento, de que o Outro é igual ao Eu, o que não é verdadeiro. Nós vivemos em constantes crises, não apenas virais, e essa foi uma opção econômica, política e social da sociedade Ocidental, própria do modelo capitalista e que não opera à revelia do direito, porquanto a desigualdade está inscrita no próprio sistema jurídico, é parte integrante e indispensável dele, operando de forma a sistematizar juridicamente as desigualdades sociais, políticas e econômicas, “constituindo-se referência e suporte para sua reprodução, onde (sic) pode florescer um individualismo perverso, que nunca se identifica com o ‘outro’, mesmo que este seja seu semelhante” (LIMA et al., 2020LIMA, Roberto Kant de et al.. O coronavírus evidencia as desigualdades estruturais de nossa sociedade. O Globo, Blog Ciência e Matemática, 30 mar. 2020. Disponível em: https://blogs.oglobo.globo.com/ciencia-matematica/post/o-coronavirus-evidencia-desigualdades-estruturais-de-nossa-sociedade.html. Acesso em: 20 nov. 2021.
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, online).

A dimensão política também evidenciou a hierarquia da justiça ontológica do Eu, em detrimento da justiça alterística do Outro. A intervenção mínima do Estado, sob motivações eleitorais e agendas de setores específicos, propagou o discurso de que ele não tem a responsabilidade de cuidar de todos ou de que a economia mataria mais do que o vírus, o que permitiu a disseminação natural da doença. Ao observar o Brasil, e outros países, as pautas populistas contribuíram para a disseminação da doença, podendo-se enquadrar o fenômeno político em quatro mecanismos: “1) culpar os outsiders e as vítimas, 2) desprezar e enfraquecer as instituições democráticas, 3) promover o negacionismo e 4) lançar suspeitas sobre as ‘elites’, supostas ‘inimigas do povo’, especialmente a imprensa e os especialistas.” (VENTURA; PERONE-MOISÉS; MARTINS-CHENUT, 2021VENTURA, Deisey de Freitas Lima; PERRONE-MOISÉS, Cláudia; MARTIN-CHENUT, Kathia. Pandemia e crimes contra a humanidade: o “caráter desumano” da gestão da catástrofe sanitária no Brasil. Revista Direito & Práxis, Rio de Janeiro, v. 12, n. 3, p. 2206-2257, 2021. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/61769/39038. Acesso em: 20 nov. 2021.
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index....
, p. 2218), que propunham o darwinismo social e o neoliberalismo que estabelece uma relação hierárquica da economia do Eu sobre a vida humana do Outro (VENTURA; PERONE-MOISÉS; MARTINS-CHENUT, 2021, p. 2218).

Observa-se que a vida e a saúde das pessoas no sistema capitalista são reduzidas à meras mercadorias, assim, ao mesmo. Os dispositivos subjetivantes desse sistema estão imbuídos da concorrência, do lucro e do homo lúpus, de tal forma que o acesso à saúde fica muitas vezes comprometido pelos interesses do mercado e de corporações farmacêuticas. Somado ao sistema capitalista, o Brasil desmantelou muitas das políticas públicas nos últimos anos, tornando-se necessário sua revitalização para além do mero atendimento clínico. Dessa forma, para se pensar uma saúde preventiva para o futuro, é necessária à implementação de ações não apenas estatais, carreando responsabilidade e solidariedade sociais perante os mecanismos de reprodução de desigualdades, com vistas à produção de uma igualdade diversa, que reconheça e se configure com base na diferença (VOMMARO, 2021VOMMARO, Pablo. O mundo em tempos de pandemia: certezas, dilemas e perspectivas. Revista Direito & Práxis, Rio de janeiro, v. 12, n. 2, p. 1095-1115, 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rdp/a/FgCBc5MG7zRNvNkWGzbgWPJ/. Acesso em: 19 nov. 2021.
https://www.scielo.br/j/rdp/a/FgCBc5MG7z...
, p. 1101-1102), como explorado a partir de Lévinas.

Destaca-se que Lévinas, ao ser questionado expressamente acerca da possibilidade de conciliação entre seu pensamento e o marxismo responde que há no marxismo o reconhecimento do Outro, sendo um pensamento que tomou o Outro a sério. O pensador comenta que “o marxismo convida a humanidade a reclamar o que é do meu dever dar-lhe” (LÉVINAS, 2010LÉVINAS, Emmanuel. Entre nós: ensaio sobre a alteridade. Tradução: Pergentino Steffano Pivatto. Petrópolis: Vozes, 2010., p. 163). Dessa forma, a filosofia de Lévinas, ao se abrir para a não totalização ontológica, não descarta a realidade social e suas contradições. Nesse sentido, podem ser pontuadas as aproximações e distanciamentos entre o pensamento de Lévinas e Karl Marx, delineados no estudo de José Ricardo Cunha (2021CUNHA, José Ricardo. De Lévinas a Marx: ética e política entre transcendência e revolução. Revista Direito & Práxis, Rio de Janeiro, v. 12, n. 3, p. 1.573-1.614, 2021. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/61544/39030. Acesso em: 14 ago. 2022.
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), o qual destaca a convergência dos pensamentos que partem de pontos opostos: um vem pela via da responsabilidade e da doação, enquanto o outro pela emancipação e exigência. Ambos, no entanto, propõe uma crítica radical ao denunciar o aviltamento do humano, escondido por detrás de gracejos pseudo-humanistas, buscando, com isso, romper com o pensamento filosófico dominante e instituir as suas reflexões a partir de um não-lugar, isto é, uma transcendência ou uma revolução.

Com efeito, para que os direitos da pessoa humana sejam efetivados, sejam eles da personalidade ou fundamentais (SCHREIBER, 2013SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. São Paulo: Atlas, 2013.), o Eu deve avocar sua responsabilidade infinita com o Outro. A pandemia fomenta numa perspectiva macro a reflexão de cooperação e solidariedade entre as nações e reforça as críticas econômicas e de justiça social, requestando a adoção de medidas coordenadas entre os países e o compartilhamento dos resultados de pesquisas (DALL’AGNOL, 2020DALL’AGNOL, Darlei. Reflexões bioéticas sobre a COVID-19. In: REICH, Evânia; BORGES, Maria de Lourdes; XAVIER, Raquel Ciaprini (orgs.). Reflexões sobre uma pandemia. Florianópolis: Néfiponline, 2020. p. 53-60., p. 56-57). Já numa perspectiva micro, a partir do Eu, observa-se que a alteridade levinasiana se encontra além do direito ontológico constitucional. É necessário transcender a concepção de ideia de saúde como dever do Estado, para que cada Eu pense na saúde do Outro com responsabilidade infinita.

A reflexão ética que Lévinas propõe sobre o sofrimento humano se dá numa esfera intersubjetiva, que estabelece uma não-indiferença. O socorro de uns aos outros no sentido altero é aquele que ocorre sem qualquer pretensão de reciprocidade e que age independentemente da coação do estado de natureza, dos costumes ou do Estado civil (LÉVINAS, 2010LÉVINAS, Emmanuel. Entre nós: ensaio sobre a alteridade. Tradução: Pergentino Steffano Pivatto. Petrópolis: Vozes, 2010., p. 128-129). É justamente esse ir além da ontologia que encontra a alteridade, a liberdade responsável do Eu com a saúde e vida do Outro, na palavra que se faz carne, na ideia que se faz ato é o dever de ir além do que definido por lei. É ser de outra forma do que para si, é ser outramente que para si, é ser para o Outro. A justiça levinasiana é aquela em que a indiferença não prevalece, é aquela em que o pão vai ao prato do Outro e, é aquela em que a relação assimétrica que marca o Outro interpela pelo rosto e abre a linguagem, diz-se ao Eu: não matarás.

4. Considerações finais

O problema analisado pela pesquisa foi: que forma a alteridade e a justiça alterística levinasiana podem abrir novas leituras éticas perante a pandemia decorrente da Covid-19? Já a hipótese testada ao longo da pesquisa foi a de que a dificuldade de estabelecimento da alteridade decorre da própria construção de realidade a partir do Eu.

Na primeira seção do desenvolvimento, foi possível explorar os conceitos levinasianos que gravitam em torno da ideia de alteridade constatar que uma das grandes dificuldades da efetivação da alteridade é a filosofia ontológica do Eu que precede ao Outro e ao seu acolhimento. Dessa forma, diante da constatação de que a alteridade coloca o Outro no centro da realidade, precedendo ao próprio Eu como formador da realidade e do ponto de partida desta, o egoísmo e o individualismo pujantes obstam a alteridade severamente.

Na segunda seção do desenvolvimento, a perspectiva de alteridade levinasiana foi cotejada com o fenômeno da pandemia decorrente da Covid-19, percebendo-se que diferente de muitos discursos pregados, não há igualdade perante o vírus. Verificou-se que as desigualdades sociais não foram amenizadas pela pandemia e,, o Eu e o Outro não ficavam sob o mesmo patamar perante o vírus, as estruturais sociais marcadas pela desigualdade social estrutural nacional agravaram as vulnerabilidades sociais do Outro.

Durante a pandemia, o Outro não precedeu ao Eu, pois primeiro o Eu garantiu sua segurança e saúde, depois resguardou o seu ciclo mais próximo, deixando o Outro para o plano do esquecimento, indicando a simetria entre a filosofia ontológica ocidental e a consciência política dos indivíduos.

Observa-se que o resgate do Outro exige uma responsabilidade infinita. É ao Outro que o Eu deve entregar tudo, sempre sem esperar qualquer coisa em retorno, é santidade gratuita. É ir além da obrigação legal e, social, é buscar a santidade do Eu e dar o pão ao faminto, é tirar o pão do próprio prato ao desamparado, é tirar o pão da própria boca ao que me interpela pelo rosto, é saciar a fome insaciável de amor que o Outro me interpela pelo rosto. É fazer emergir a única justiça alterística possível, que é a de erradicar toda a indiferença com o sofrimento e à vulnerabilidade do Outro.

A pandemia da Covid-19 demonstra que o vírus não é o único elemento que ceifa a vida do Outro, mas o oportunismo e a ganância do Eu perante o Outro, caracterizando uma pandemia do mesmo. A subjetivação ontológica do mundo ocidental coloca-se como um nervo exposto no contexto pandêmico, na medida em que as desigualdades sociais estruturais ficam ainda mais evidenciadas, requestando-se uma pauta ética que enfrente o tratamento homogêneo e acrítico que denuncia a projeção do Eu sobre o Outro, como tentativa de totalização, tornando-o o mesmo. O direito, como ontologia, não se torna justo ao aplicar formas jurídicas universais e vazias pré-estabelecidas, pois fundadas a partir e para o Eu. Portanto, é necessário ir além do direito: encontrar a alteridade como responsabilidade infinita pelo Outro e condição para possibilidade de justiça.

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  • SOUZA, Ricardo Timm de. Ética como fundamento II: pequeno tratado de ética radical. Caxias do Sul: Educs, 2016.
  • SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o Subalterno Falar? Belo Horizonte: UFMG, 2014.
  • TEIXEIRA, Rodrigo Valente Giublin; MORAES, Vinicius Caleffi de. Direito à saúde: uma análise dos limites do ativismo judicial para a efetividade do acesso à saúde. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD), São Leopoldo, v. 12, n. 3, p. 549-567, 2020. Disponível em: http://revistas.unisinos.br/index.php/RECHTD/article/view/rechtd.2020.123.14 Acesso em: 19 nov. 2021.
    » http://revistas.unisinos.br/index.php/RECHTD/article/view/rechtd.2020.123.14
  • VENTURA, Deisey de Freitas Lima; PERRONE-MOISÉS, Cláudia; MARTIN-CHENUT, Kathia. Pandemia e crimes contra a humanidade: o “caráter desumano” da gestão da catástrofe sanitária no Brasil. Revista Direito & Práxis, Rio de Janeiro, v. 12, n. 3, p. 2206-2257, 2021. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/61769/39038 Acesso em: 20 nov. 2021.
    » https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/61769/39038
  • VOMMARO, Pablo. O mundo em tempos de pandemia: certezas, dilemas e perspectivas. Revista Direito & Práxis, Rio de janeiro, v. 12, n. 2, p. 1095-1115, 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rdp/a/FgCBc5MG7zRNvNkWGzbgWPJ/. Acesso em: 19 nov. 2021.
    » https://www.scielo.br/j/rdp/a/FgCBc5MG7zRNvNkWGzbgWPJ
  • WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi; MORAIS, José Luis Bolzan de. Da exceção agamberiana à constituição planetária de Ferrajoli: desafios impostos pela pandemia do novo coronavírus às categorias jurídico-políticas tradicionais. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, v. 15, n. 1, p. 1-29, 2020. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/revistadireito/article/view/43057/pdf Acesso em: 20 nov. 2021.
    » https://periodicos.ufsm.br/revistadireito/article/view/43057/pdf
  • ŽIŽEK, Slavoj. Monitorar e punir? Sim, por favor! Tradutores proletários, 16 mar. 2020. Disponível em: https://tradutoresproletarios.wordpress.com/2020/03/17/zizek-monitorar-e-punir-sim-por-favor Acesso em: 20 nov. 2021.
    » https://tradutoresproletarios.wordpress.com/2020/03/17/zizek-monitorar-e-punir-sim-por-favor
  • 1
    Na língua original do filósofo, seu nome é grafado como “Emanuelis Levinas”. Na tradução lusitana e alemã, costumeiramente, “Emmanuel Lévinas”. Neste estudo, optou-se por utilizar a forma “Emmanuel Lévinas”, salvo nas referências, nas hipóteses em que o nome do autor foi grafado de forma diversa por editores e/ou pesquisadores de sua obra, mantendo-se, nesses casos, a grafia original da fonte.
  • 2
    O nascimento de Lévinas ocorreu em 30 de dezembro de 1905, diante do calendário Juliano de seu país original (Lituânia), e em 12 de janeiro de 1906, no calendário cristão. Para uma análise acerca da trajetória bioepistemográfica do filósofo, indica-se o estudo de Herlon Alvez Bezerra (2013BEZERRA, Herlon Alves. A trajetória bioespistemográfica de Emmanuel Lévinas: pistas para uma prática intercultural do pensamento. Revista de Administração Educacional, Recife, v. 4, n. 10, p. 167-200, 2013. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/ADED/article/view/2301. Disponível em: 14 ago. 2022.
    https://periodicos.ufpe.br/revistas/ADED...
    ).
  • 3
    O termo infinito encontra sua fonte na filosofia de Descartes, que “da maneira mais característica, esboça uma estrutura de que apenas queremos conversar, aliás, unicamente o desenho formal” (LÉVINAS, 1997LÉVINAS, Emmanuel. Descobrindo a existência com Husserl e Heidegger. Tradução: Fernando Oliveira. Lisboa: Piaget, 1997., p. 209). Esta estrutura enriquece a filosofia levinasiana, na medida em que “a relação do mesmo com o Outro, sem que a transcendência da relação corte os laços que a relação implica, mas sem que esses laços unam num Todo o Mesmo e o Outro, está, de fato, fixada na situação descrita por Descartes em que o ‘eu penso’ mantem com o infinito, que ele não pode de modo nenhum conter e de que está separado, uma relação chamada ‘ideia do infinito’”. (LEVINAS, 1980LEVINAS, Emmanuel. Totalidade e infinito: ensaio sobre a exterioridade. Lisboa: Edições 70, 1980., p. 36).
  • 4
    A obra de Lévinas pode ser dividida em três períodos ou fases. A primeira seria marcada pelo interesse e a pesquisa na fenomenologia de Edmund Husserl e Martins Heidegger. Na segunda fase, a experiência pessoal, do filósofo, de ser capturado como prisioneiro de guerra, colocado com demais judeus e ter quase toda sua família morta, passou a integrar suas obras, uma vez que a articulação das teses deixa de apenas ser abstrata, passando a utilizar experiências na carne e na pele, como consequência da ontologia ocidental, da totalização do Ser neutro e impessoal. Seu pensamento volta-se contra o de Heidegger, tomado como fiel representante da filosofia Ocidental contemporânea. O termo existência sem existente, de sua filosofia é utilizado como o Ser da ontologia incapaz de significar a singularidade do humano, um judeu como mero pedaço de carne a ser levado pelos trens de extermínio, humanos generalizados sujeitos a um projeto geopolítico maior, que evidencia a necessidade a se pensar em uma saída ética heterológica ao pensamento filosófico ocidental. Assim, o projeto filosófico de Lévinas passa ser uma a constante e radical denúncia acerca do egoísmo ontológico que permitiu a guerra. Dessa forma, a partir da segunda fase de Lévinas seu pensamento passa a integrar suas experiências pessoais e a reflexão da realidade material. O terceiro período se inicia por volta de 1966, marcado por constante produção acadêmica, tanto filosófica como teológica (SOUZA, 1999SOUZA, José Tadeu Batista de. Emmanuel Lévinas: o homem e a obra. Revista SymposiuM, Pernambuco, v. 3, n. Especial, p. 45-53, 1999. Disponível em: https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/2892/2892.PDF. Acesso em: 15 ago. 2022.
    https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/2892...
    ).
  • 5
    É no extremo da saúde que se revela a verdade, expondo-se as contradições de sua estrutura jurídica e política. Neste extremo, desvela-se que a uma sociedade de acumulação precisa da saúde, mas não a nutre adequadamente, tendo em vista que a sua estruturação é voltada à extração do mais-valor e do lucro, em detrimento da intenção de salvar vidas, de tal forma que “vida, dignidade e saúde são preceitos e princípios materialmente contraditórios aos termos do capitalismo” (MASCARO, 2020MASCARO, Alysson Leandro. Política e Direito na Pandemia. In: WARDE, Walfredo; VALIM, Rafael (cords.). As consequências da COVID-19 no Direito Brasileiro. São Paulo: Contracorrente, 2020. p. 431-441., p. 433-434).
  • 6
    Apenas para mencionar um dos casos, o preço da caixa de máscaras descartáveis, considerada essencial para proteção da saúde e da vida no contexto pandêmico, chegou a ter um aumento de custo de 1.380%, de R$ 5 para R$ 69 em Belo Horizonte/MG (FIÚZA; LEOCÁDIO, 2021FIÚZA, Patrícia; LEOCÁDIO, Thais. Coronavírus faz preço da caixa de máscaras descartáveis passar de R$ 5 para R$ 69 em BH. G1 Minas, 6 mar. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2020/03/06/coronavirus-faz-preco-da-caixa-de-mascaras-descartaveis-passar-de-r-5-para-r-69-em-bh.ghtml. Acesso em: 19 nov. 2021.
    https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/not...
    ). O fenômeno motivou o Senador Marcos do Val à estruturação do PL 1.610/2020 para proibir a elevação de alimentos da cesta básica durante estado de Calamidade. Segundo o Senador: “Apenas uma semana após o Congresso Nacional reconhecer a calamidade pública relacionada ao coronavírus, já havia notícias de reajustes de até 70% em produtos de necessidade básica nos supermercados. Esses aumentos repentinos nos preços não se justificam pela elevação dos custos desses produtos, mas pelo oportunismo inescrupuloso de poucos” (CHAGAS, 2021CHAGAS, Elias. Senadores propõem punição por preços abusivos durante pandemia. Agência Senado, 8 abr. 2021. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/04/08/senadores-propoem-punicao-por-precos-abusivos-durante-pandemia. Acesso em: 19 nov. 2021.
    https://www12.senado.leg.br/noticias/mat...
    ).
  • 7
    Pontua-se que ao lado dos eixos fundantes da cidade, esculpidas na Carta de Atenas, de 1933, o rol do artigo 6º da Constituição complementa o dever das cidades de oferecerem moradia, transporte, lazer e trabalho. Todavia, em contraste aos mandamentos constitucionais, no Brasil, cerca de 100 milhões de pessoas não têm coleta de esgoto, 13 milhões vivem em favelas, 35 milhões não tem acesso à rede de água. Dessa forma, questiona-se como seria possível exigir do Outro que não tem acesso à água, que lavasse as mãos, ou como pedir aos que vivem aglomerados nas favelas que mantivessem o distanciamento social. Portanto, a realidade brasileira demonstra que “ficar em casa é um privilégio de poucos” (LIBÓRIO, 2020LIBÓRIO, Daniela Campos. Pandemia como fato urbano. In: WARDE, Walfredo; VALIM, Rafael (cords.). As consequências da COVID-19 no Direito Brasileiro. São Paulo: Contracorrente, 2020. p. 417-430., p. 420-421).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2024

Histórico

  • Recebido
    22 Nov 2021
  • Aceito
    24 Ago 2022
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