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A relação cidade-campo: a análise marxiana na década de 1840

The relationship city-contryside: marxian analysis in 1840’s

Resumo

No presente artigo, a partir daquilo que o filósofo José Chasin chamou de análise imanente, pretendemos analisar a relação entre a cidade e o campo na obra marxiana. Para tanto, passaremos por obras da década de 1840. Intentamos demonstrar os meandros da crítica de Marx aos elementos rural e urbano. Com isso, também deixaremos claro que o essencial para o pensador alemão não é tanto o domínio da cidade sobre o campo, mas a supressão da divisão cidade-campo. Intentamos deixar claro que, na década de 1840, é central a tal análise temas da economia política.

Palavras-chave:
Marx; Cidade; Campo; Supressão da divisão do trabalho; Direito à cidade

Abstract

In this article, from what the Brazilian philosopher José Chasin called immanent analysis, we intend to analyze the relationship between the city and the countryside in Marxian work. To do so, we will go through works of the 1840s, such as German Ideology. We will try to demonstrate the intricacies of Marx's critique of the rural and urban elements. By this, we also want to make it clear that what is essential for the German thinker is not so much the dominance of the city over the countryside as the suppression of the city-countryside division. The matter of political economy is already a key aspect on the matter on 1840’ s.

Keywords:
Marx; City; Countryside; Suppression of division of labor; Right to city

Introdução

No marxismo, o tema relacionado à cidade tem bastante destaque. Com os trabalhos de Henri Lefebvre à frente, há toda uma tradição (com diversas variantes) que tem por central a temática. No entanto, salvo apontamentos do próprio Lefebvre (2001), e alguns comentários laterais de György Lukács (2013LUKÁCS, György. Para uma ontologia do ser social II. Trad. Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo, 2013.) (autor que não tem por assunto central a cidade), não existe uma análise cuidadosa da questão nos próprios autores que, de certo modo, fundam a tradição marxista, Marx e Engels. Assim, diversos teóricos importantes, como Raymond Williams (2011WILLIAMS, Raymond. Cidade e campo. Trad. Paulo Henriques Brito. São Paulo: Companhia das letras, 2011.]), Mike Davis (2006DAVIS, Mike. Planeta favela. Trad. Beatriz Medina. São Paulo: Boitempo, 2006.) e David Harvey (2005HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. Trad. Carlos Szlak. São Paulo: Annablume, 2005.) - só para que citemos autores de enorme proeminência - desenvolveram importantes estudos que passam pela questão da cidade e do campo tendo em conta: a estética e os modos de vida, as metamorfoses da cidade sob o capitalismo e a relação entre as contradições do modo de produção capitalista e seus reflexos no ajuste espacial. Em grande parte, apoiados nos próprios Marx e Engels, tais autores - de modo mais ou menos meandrado - buscaram trazer à tona a cidade e o espaço urbano como um campo essencial na oposição às vicissitudes do capitalismo.

No entanto, há algo mais que isso na contribuição original do autor de O capital e do autor do Anti-Düring. Neste artigo, a partir da análise da obra de Marx, principalmente, de A ideologia alemã, escrita em conjunto com Engels, procuraremos mostrar a especificidade da análise marxiana acerca da cidade. Intentamos explicitar, pois, o próprio texto de Marx, tão somente.

Marxtambém deu ensejo a certa centralidade da cidade - em relação ao campo - ao dizer que “de qualquer modo, um movimento comunista jamais poderá partir do campo, mas partirá sempre das cidades apenas” (MARX; ENGELS, 2007MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Ideologia alemã. Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2007., p. 342). Tais autores mencionados anteriormente, no essencial embora não só, trazem esta posição. No entanto, ao nos voltarmos para a obra do próprio Marx, a questão é mais complexa e envolve a análise de elementos nem sempre tratados ao se ter em mente a temática da cidade. Como pretendemos demonstrar aqui, o ponto de partida de certa tradição - tradição esta bastante heterogênea -, a saber certa centralidade da cidade e do urbano na resolução dos problemas sociais cotidianos do capitalismo e, no limite, do socialismo, talvez possa ser questionado ao se ter por parâmetro Marx.

Pretendemos aqui demonstrar que, ao menos na obra de Marx, a análise do tema é mais sutil.

A questão talvez tenha sido tratada, tanto teórica quanto praticamente, de modo bastante dramático no século XX, em que o processo de urbanização veio acompanhado, na melhor das hipóteses, de certa defesa do desenvolvimento. (Cf. LEFEBVRE, 1969_______. Posição: contra os tecnocratas. Trad. T.C Netto. São Paulo: Nova crítica, 1969.) Em verdade, ela adquiriu tais contornos, não só em meio aos estudiosos, mas na própria realidade. Sob a tônica da defesa do desenvolvimento, mesmo grandes autores marxistas como Paul Baran (1960BARAN, Paul. Economia política do desenvolvimento. Trad. S. Ferreira da Cunha. São Paulo: Zahar, 1960.), vieram a defender a coletivização do campo em moldes semelhantes aos da URSS stalinista. E o elemento dramático, e brutal, de tal empreitada stalinista foi, para dizer o mínimo, muito problemático. (Cf. DEUTSCHER, 2006) Aqui, não podemos nos ater a estes meandros. Intentamos somente trazer à tona o modo pelo qual Marx tratou do antagonismo e da oposição entre campo e cidade na década de 1840, e essencialmente, em A ideologia alemã. O tratamento se justifica ao passo que é possível concordar com o que disse Marcelo Musto sobre a relação entre Marx e a ideologia soviética: “com o fim do marxismo-leninismo, ele foi libertado, de fato, das correntes de uma ideologia infinitamente distante de sua concepção de sociedade” (MUSTO, 2018MUSTO, Marcelo. O velho Marx. Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2018., p. 10). Ou seja, por mais que as últimas décadas, que marcam certa crise do marxismo, tenham trazido uma agudização dos problemas sociais (Cf. MÉSZÁROS, 2007MÉSZÁROS, István. O desafio e o fardo histórico de nosso tempo. Trad. Ana e Vera Cotrim. São Paulo: Boitempo, 2007.), ao menos no campo teórico, certamente há uma abertura ao estudo do próprio marxismo: uma análise cuidadosa da obra marxiana é agora possível.

Obras como a Ideologia alemã foram publicadas no momento posterior da conformação daquilo que daria a tônica no marxismo oficial do século XX, sendo necessária uma análise cuidadosa da relação cidade-campo nesta obra de Marx e Engels. Faremos isto ao ter em mente a obra de Marx da década de 1840. A delimitação passa pela formação do essencial no pensamento do autor, embora venha a deixar de fora aquilo escrito posteriormente, e que precisa ser tratado separadamente, em um outro momento; O capital, os Grundrisse e as Teorias do mais-valor trazem elementos essenciais no que diz respeito à relação cidade-campo, mas necessitam de uma abordagem mais alongada, e que tem como pressuposto o que traremos neste pequeno escrito. Também por isso, acreditamos, há certa importância em nosso tema, como delimitado aqui. Deve-se dizer ainda que, embora não resolva nada por si só, tal análise pode ser bastante importante também noutro sentido: tem-se tal relevo tanto para os marxistas, que podem trazer uma fundamentação mais sólida para seus pontos de partida, quanto para os não-marxistas, que precisam analisar Marx pelo que ele efetivamente é, e não a partir de uma visão, não raro, contaminada dos mais variados preconceitos e conclusões apressadas. Para tanto, um tratamento dos momentos de formação do pensamento marxiano, que passa pela Ideologia alemã (Cf. CHASIN, 2009_________. Marx: Estatuto Ontológico e Resolução Metodológica. São Paulo: Boitempo, 2009.), tem relevo ao trazer as determinações essenciais na questão da cidade e do campo.

A partir daquilo que José Chasin chamou de análise imanente1 1 Como aponta José Chasin: “tal análise, no melhor da tradição reflexiva, encara o texto - a formação ideal - em sua consistência autosignificativa, aí compreendida toda a grade de vetores que o conformam, tanto positivos como negativos: o conjunto de suas afirmações, conexões e suficiências, como as eventuais lacunas e incongruências que o perfaçam. Configuração esta que em si é autônoma em relação aos modos pelos quais é encarada, de frente ou por vieses, iluminada ou obscurecida no movimento de produção do para-nós que é elaborado pelo investigador, já que, no extremo e por absurdo, mesmo se todo o observador fosse incapaz de entender o sentido das coisas e dos textos, os nexos ou significados destes não deixariam, por isso, de existir [...]” (CHASIN, 2009, p. 26). , abordaremos a obra marxiana no que diz respeito à relação cidade-campo (a análise do pensamento de Engels2 2 Seria de grande relevo analisar não só o Anti-Düring, que traz apontamentos muito importantes sobre o tema. Ter-se-ia também a necessidade de tratar da Situação da classe trabalhadora na Inglaterra e da Questão da habitação, ao menos. , também muito importante, não poderá ser realizada aqui; por mais que a Ideologia alemã tenha sido, em grande parte, escrita em conjunto, analisaremos, no essencial, passagens do próprio Marx). Não intentamos, com isso, nada mais que fornecer uma leitura atenta da obra de Karl Marx. Isto é algo importante em todo o clássico. No entanto, no caso do autor alemão, isto adquire contornos diferenciados pois, não raro, as concepções não-marxistas delineiam-se contra Marx e contra o próprio marxismo; estabelecem seus pontos de partida tendo em conta as limitações que estariam presentes no autor de O capital. Neste pequeno artigo, portanto, não poderemos oferecer quaisquer soluções para questões pungentes de nossa época no que toca aos grandes aglomerados urbanos, a reforma agrária, etc. No entanto, abordaremos um elemento teórico que perpassa, seja negativa, seja positivamente, a fundamentação daqueles que pretendem trazer à tona a resolução dos problemas, que passam pela relação entre cidade e campo, o urbano e o rural.

I. O surgimento da oposição cidade-campo, os grandes centros urbanos e as contradições da sociedade capitalista

A perspectiva de Marx é aquela segundo a qual as cidades não têm uma existência supra-histórica, aparecendo no cenário das relações humanas em determinado momento e em determinadas circunstâncias históricas. Elas, segundo o autor de O capital, aparecem em um grau máximo no modo de produção capitalista, em que a divisão do trabalho e a divisão em classes sociais são pungentes e adquirem contornos dramáticos. No entanto, o surgimento das cidades é anterior ao capitalismo, remetendo às sociedades classistas e marcadas pela existência do Estado. Com isso, a oposição cidade-campo, por mais que não surja no modo de produção capitalista, é trazida à tona de modo bastante claro nesta forma de sociedade. Nela tem-se a agudização das contradições que marcam as sociedades divididas em classes sociais. Diz-se na Ideologia alemã:

Com a cidade surge, ao mesmo tempo, a necessidade da administração, da polícia, dos impostos etc., em uma palavra, a necessidade da organização comunitária e, desse modo, da política em geral. Aqui se mostra, pela primeira vez, a divisão da população em duas grandes classes, que se baseiam diretamente na divisão do trabalho e nos instrumentos de produção. A cidade é, de pronto, o fato da concentração da população, dos instrumentos de produção, do capital, das fruições, das necessidades, enquanto o campo evidencia exatamente o fato contrário, a saber, o isolamento e a solidão. A oposição entre cidade e campo só pode existir no interior da propriedade privada. É a expressão mais crassa da subsunção do indivíduo à divisão do trabalho, a uma atividade determinada, a ele imposta - uma subsunção que transforma uns em limitados animais urbanos, outros em limitados animais rurais e que diariamente reproduz a oposição entre os interesses de ambos. O trabalho é, aqui, novamente o fundamental, o poder sobre os indivíduos, e enquanto existir esse poder tem de existir a propriedade privada. A superação da oposição entre cidade e campo é uma das primeiras condições da comunidade, uma condição que, por seu turno, depende de uma massa de pressupostos materiais e que não pode ser satisfeita pela mera vontade, como qualquer um pode constatar à primeira vista. (Tais condições têm ainda de ser desenvolvidas.) A separação entre cidade e campo também pode ser apreendida como a separação entre capital e propriedade da terra, como o início de uma existência e de um desenvolvimento do capital independentes da propriedade da terra, o início de uma propriedade que tem como base apenas o trabalho e a troca (MARX; ENGELS, 2007MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Ideologia alemã. Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2007., p. 52).

A cidade surge junto com a necessidade da administração, da polícia, dos impostos, da organização comunitária e, portanto, da política. Ela não existiu desde sempre, portanto. Deve-se destacar outro aspecto imediatamente também: Marx não trata da política como algo que perpassa a sociabilidade humana como tal. Ou seja, tal qual a cidade nem sempre existiu, o mesmo se dá para a política. (Cf. CHASIN, 2009_________. Marx: Estatuto Ontológico e Resolução Metodológica. São Paulo: Boitempo, 2009., 1999) E, assim, de acordo com Marx, há sociedades que não contam com a oposição cidade-campo. Ou seja, há duas determinações muito importantes que acompanham o surgimento da cidade: as classes sociais e a política.3 3 Nota-se que Marx é muito claro quanto àquilo que Chasin (2009) chamou de determinação ontonegativa da politicidade. Para ele, a política não existiu em todas as formações humanas, sendo seu surgimento atrelado a certas determinações sociais. Assim, a política não é um atributo ineliminável da conformação do homem como tal.

Tal qual a cidade, estas surgem em algum momento da história, não sendo categorias eternas. Tais formas de ser, determinações de existência (Cf. MARX, 2011________. Grundrisse. Trad. Mario Duayer. São Paulo: Boitempo, 2011.), são históricas e se relacionam com a produção material da sociedade mediante a divisão do trabalho e, de modo mais mediado, com a propriedade privada. Há, assim, uma organização econômica e social da sociedade que está pressuposta no momento em que as cidades se conformam. E, assim, o processo mediante o qual surge a cidade é aquele do aparecimento das classes sociais e da política; para que se fale com Engels (2002________. Origem da família, da propriedade privada e do Estado. Trad. Ruth M. Klauss. São Paulo: Centauro, 2002.), tratar-se-ia de algo indissociável da origem da família, da propriedade privada e do Estado. Tal qual estas formas sociais, a cidade - ao menos como algo conformado em oposição ao campo - é uma categoria ligada àquilo que Marx chamou de “pré-história da sociedade humana” (MARX, 2009MARX, Karl. Contribuição à Crítica da Economia Política. Trad. Florestan Fernandes. São Paulo: Expressão Popular, 2009., p. 48), de “história de todas as sociedades que existiram”, “a história da luta de classes”. (MARX; ENGELS, 1998, p. 9) Há, portanto, um processo econômico que, compreendido em sua unidade com diversas formas sociais, traz à tona a cidade, a política, a administração, etc. Estas últimas são indissociáveis, mas distintas. Assim, administração não é sinônimo de política nem política de cidade. Por mais que tais formas sociais não possam ser separadas em seu surgimento, não se pode dizer que conformam uma só e mesma figura do processo social.

Desta maneira, não obstante os inúmeros méritos de Lefebvre, méritos estes que o tornam um autor incontornável sobre a relação campo-cidade, neste ponto específico, não se pode concordar com sua leitura da obra de Marx em que, ao analisar a Ideologia alemã, diz: “a existência urbana se confunde com a existência da política, como a palavra indica” (LEFEBVRE, 2001LEFEBVRE, Henri. A cidade do capital. Trad. Maria Helena Rauta Ramos e Marilena Jamur. Rio de Janeiro: DP&A, 2001., p. 49).4 4 Henri Lefebvre distinguirá o urbano da cidade, apontando no elemento urbano como o centro de uma zona crítica, que propiciaria a superação do próprio capitalismo. Cf. LEFEBVRE, 2004. Aqui, ao se tratar da leitura do autor da Ideologia alemã, porém, tal aspecto não fica evidente e o aspecto urbano é tratado em conjunto com a cidade. Não é possível, devido a certa gênese conjunta, determinar a identidade entre a vida política e a urbana. Os meandros da questão são mais complexos, e envolvem a apreensão da especificidade da vida urbana, política, da administração, etc. Ou seja, trata-se, ao mesmo tempo, de compreender a diferença específica entre estas formas sociais, e sua necessária correlação. Sem isso, a análise do processo social fica substancialmente prejudicada. O que disse Marx em 1843 continua válido aqui, na análise de A ideologia alemã: “uma explicação que não dá a differentia specifica não é uma explicação” (MARX, 2005________. Crítica à filosofia do Direito de Hegel. Trad. Rubens Enderle e Leonardo de Deus. São Paulo: Boitempo, 2005., p. 34). Tratar do processo histórico em que tais determinações estão correlacionadas só é possível ao se perceber que, em meio às diferenças, há unidade em determinado processo. Mas é preciso que se traga uma ressalva: tal indissociabilidade não se dá necessariamente em todos os processos possíveis. E é preciso de cuidado: basta pensar na teorização marxiana sobre a supressão do capitalismo para que seja preciso maior reflexão sobre a questão. Neste processo haveria formas sociais, como o Estado e a família patriarcal, que estariam fadados a desaparecer. Ou seja, a análise da questão, em Marx, passa por uma dialética - indeterminável a priori - de continuidade e descontinuidade do processo social. Para que nos atenhamos ao tema: Marx em nenhum momento fala da supressão da cidade como tal; mas, ao falar da superação da oposição cidade-campo e da divisão do trabalho, trata da abolição do Estado.

O primeiro ponto a se destacar, portanto, é a historicidade da cidade e da oposição entre cidade e campo. Tal questão não pode ser deixada de lado caso se queira tratar da posição marxiana.

A cidade, assim, coloca-se em oposição ao campo, condensando tanto a população quanto a riqueza material e, por assim dizer, cultural. Ao tratar de um grau de desenvolvimento mais avançado, mais propriamente, aquele do sistema capitalista de produção, Marx diz que a cidade concentra os instrumentos produtivos, o capital, a população, as fruições, as necessidades; ou seja, o desenvolvimento das forças produtivas tem, no capitalismo, ao menos inicialmente, sua sede na cidade, conformada nos grandes centros urbanos.5 5 A ressalva que fazemos diz respeito ao fato segundo o qual o campo, com o desenvolvimento capitalista, passa a trazer também o desenvolvimento das forças produtivas a partir do momento em que a ciência se coloca como uma potência na produção no campo. Aqui, porém, não podemos tratar do tema, que é de grande relevo na compreensão da relação cidade-campo em meio às relações capitalistas de produção. Cf. MARX, 1986 a, b. De início, a vida rural se coloca como um entrave ao incremento da produtividade do trabalho e destaca-se pela separação e atomização das unidades produtivas. Se Marx diz sobre as forças produtivas que “a apropriação dessas forças não é em si mesma nada mais do que o desenvolvimento das capacidades individuais correspondentes aos instrumentos materiais de produção” (MARX; ENGELS, 2007MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Ideologia alemã. Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2007., p. 73), vê-se que, em geral, o grande locus do desenvolvimento individual está nas cidades. O campo, em oposição, traria consigo certa brutalidade, isolamento e solidão. Há um tom bastante duro quanto à vida rural, pois. Por isso, no Manifesto comunista, Marx aponta como um elemento progressista da dominação da classe burguesa justamente a subordinação do campo à cidade e a formação dos grandes centros urbanos:

A burguesia submeteu o campo à cidade. Criou grandes centros urbanos; aumentou prodigiosamente a população das cidades em relação à dos campos e, com isso, arrancou grande parte da população do embrutecimento da vida rural. Do mesmo modo que subordinou o campo à cidade, os países bárbaros ou semi-bárbaros aos países civilizados, subordinou os povos camponeses aos povos burgueses, o Oriente ao Ocidente (MARX; ENGELS,1998_________. O Manifesto Comunista. Trad. Maria Lucia Como. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998., p. 131-132).

A cidade surge com as classes sociais e com a política, que, em Marx, não se dissocia da forma estatal.6 6 Diz Marx que “a maior divisão entre trabalho material e espiritual é a separação entre cidade e campo. A oposição entre cidade e campo começa com a passagem da barbárie à civilização, do tribalismo ao Estado, da localidade à nação, e mantém-se por toda a história da civilização até os dias atuais” (MARX; ENGELS, 2007, p. 52). Sobre o uso marxiano das categorias “barbárie” e “civilização”, que podem levar a equívocos, Cf. PARREIRA, 2019. (Cf. CHASIN, 2009MARX, Karl. Contribuição à Crítica da Economia Política. Trad. Florestan Fernandes. São Paulo: Expressão Popular, 2009.) Os grandes centros urbanos, por outro lado, são uma criação da classe burguesa em meio ao surgimento e consolidação do modo de produção capitalista.

Se na Roma e na Grécia antiga a cidade estava subordinada ao campo (Cf. MARX; ENGELS, 2007MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Ideologia alemã. Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2007.), o oposto se daria com a sociabilidade capitalista, em que se subordina o campo à cidade. Tal aspecto viria com o desenvolvimento de forças produtivas e, portanto, de capacidades individuais. Posteriormente, em O capital, dirá Marx: “se, na Idade Média, o campo explorava politicamente a cidade onde quer que o feudalismo não tivesse sido superado por algum excepcional desenvolvimento urbano, como na Itália, assim também a cidade explorava o campo”; tal momento marca justamente a passagem do feudalismo ao capitalismo, no que complementa Marx: “em todo lugar e sem exceção, economicamente por meio de seus preços de monopólio, de seu sistema de impostos, de suas corporações, de seu engodo comercial direto e de sua usura” (MARX, p. 257-258). Ou seja, há um processo social e econômico em que se dá o domínio da cidade sobre o campo. Nele, justamente a chegada das figuras distintas do capital (de início, com o capital comercial, ou com o capital portador de juros, mas depois na dependência da grande indústria) representa a subordinação da vida rural aos grandes centros urbanos em formação.7 7 Sobre tal aspecto, há um importante estudo no Brasil, Os parceiros do Rio Bonito, de Antonio Candido. O desenvolvimento das capacidades individuais, sob o modo de produção capitalista, tem consigo um desenvolvimento desigual entre indivíduos, classes sociais, campo e cidade e nações. Trata-se do contraditório vir-a-ser do capitalismo, em que cidades adquirem, em grande parte, a conformação de grandes centros urbanos.

Com a cidade, aparece a possibilidade de um desenvolvimento omnilateral dos indivíduos. No entanto, tal processo também traria consigo as vicissitudes do desenvolvimento burguês, como o colonialismo (Cf. MARX, 2013________. O Capital, Livro I. Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013.), marcado não só pela subordinação de países, mas de povos e mesmo do Oriente ao Ocidente. Ou seja, a conformação da cidade é indissolúvel do desenvolvimento das contradições do modo de produção capitalista. Deste modo, em Marx, de um lado, tem-se uma crítica ao embrutecimento da vida rural sendo tecida de modo duro. Doutro, tem-se a maneira pela qual a cidade triunfa sobre o campo, com o colonialismo, com algo extremamente unilateral. Ou seja, a cidade, e aquilo que é indissolúvel dela em termos de incremento das capacidades humanas, não pode ser vista separadamente das contradições que marcam o próprio modo de produção capitalista. Se é verdade que tais questões só serão tratadas com todo o cuidado por Marx em obras como O capital, os Grundrisse e as Teorias do mais-valor, igualmente verdadeiro é que, já em A ideologia alemã, elas aparecem de modo bastante claro.

Neste momento, o autor alemão já havia tomado contato tanto com a economia política, como resta evidente nos Manuscritos econômico-filosóficos (2010), quanto com uma significativa contribuição na crítica a esta, que aparece em Engels (1979________. Esboço de uma crítica à economia política. Tradução por Maria Filomena Vieras. In: Revista Temas de Ciências Humanas. São Paulo: Livr. Ed. Ciências Humanas, 5, 1979.). Ou seja, mesmo que a crítica à economia política só venha a ser desenvolvida em suas determinações essenciais por Marx na década de 1850, em 1840 ela já está presente e deixa suas marcas. Tratar da oposição entre cidade e campo sem passar pelos grandes temas da crítica à economia política, em Marx, é impossível.

Nesse sentido, Marx aponta na Ideologia alemã que a oposição entre a cidade e campo só pode existir nos limites da propriedade privada (temática central ao Manuscritos econômico-filosóficos); com isso, ter-se-ia, ao mesmo tempo, o desenvolvimento de capacidades individuais e a subsunção dos indivíduos à divisão do trabalho e a uma atividade a eles imposta como uma potência estranhada. Não só a limitação do campo vem à tona; a cidade também conta com limitados animais urbanos, que dependem justamente da oposição entre campo e cidade e, imediatamente, na oposição aos interesses dos limitados animais rurais. Ou seja, se é verdade que, tanto no Manifesto quanto na Ideologia alemã (para não falar em obras da década de 1850, como O 18 Brumário), Marx é bastante ríspido quanto ao campo, pode-se dizer que, para o autor, as determinações da sociabilidade trazidas a partir dos grandes centros urbanos, por si sós, não são a solução. Elas estão marcadas pelas potencialidades e pelas vicissitudes do incremento da produtividade do trabalho trazido pelo modo de produção capitalista. Porém, na cidade, a divisão do trabalho, a propriedade e a subjugação dos indivíduos a potências estranhadas são indissolúveis.

Para o autor, portanto, não se trataria de uma alternativa entre o campo e os grandes centros urbanos: seria necessária a supressão da oposição entre cidade e campo; ela seria uma condição para a comunidade não mais marcada pela escravização à divisão do trabalho e à reprodução de uma potência estranhada, o capital. Tratar-se-ia de algo relacionado à superação da existência das classes sociais, da família patriarcal (Cf. ENGELS, 2002________. Origem da família, da propriedade privada e do Estado. Trad. Ruth M. Klauss. São Paulo: Centauro, 2002.) e da política, ou seja, do Estado. (Cf. CHASIN, 2009_________. Marx: Estatuto Ontológico e Resolução Metodológica. São Paulo: Boitempo, 2009.) Isto, segundo o autor de O capital, somente seria possível com a conformação de outro modo de produção. Com isso, percebe-se que não deixa de haver certo exagero quando Lefebvre diz sobre as passagens de Marx de A ideologia alemã que “aqui, o sujeito da história é incontestavelmente a cidade” (LEFEBVRE, 2001LEFEBVRE, Henri. A cidade do capital. Trad. Maria Helena Rauta Ramos e Marilena Jamur. Rio de Janeiro: DP&A, 2001., p. 49). Pelo que vimos, o condicionamento da atividade social que dá ensejo à emergência da cidade, da política, da administração é, sobretudo, econômico. Os elementos políticos, jurídicos, religiosos, em suma, ideológicos, conformam uma tomada de posição quanto aos conflitos sociais. Como dirá Marx em 1859, afinal, trata-se de “formas ideológicas, sob as quais os homens adquirem consciência desses conflitos”, entre elas, inclusive, as “formas jurídica, políticas, religiosas, artísticas e filosóficas” (MARX, 2009MARX, Karl. Contribuição à Crítica da Economia Política. Trad. Florestan Fernandes. São Paulo: Expressão Popular, 2009., p. 46); mas tais formas são dependentes da existência dos próprios conflitos. Ou seja, há uma clara interdependência entre as formas ideológicas e as relações materiais, bem como destas duas diante da existência da cidade. No entanto, não é verdade que, nesta relação, a cidade seja “o” sujeito da história; antes, no texto marxiano, ela aparece como algo muito mais perto de um predicado da atividade social mediada economicamente; não se pode autonomizá-la - dando um tratamento centralizado a ela e mesmo tendo consciência desta indissociabilidade - para que, então, as relações sociais de produção apareçam como resultado dela, que se conformaria como o verdadeiro sujeito da história.

De certo modo, mesmo que de maneira inconsciente, há na posição defendida por Lefebvre quanto aos textos de Marx uma inversão entre sujeito e predicado, tal qual teria ocorrido, segundo a Crítica à filosofia do Direito de Hegel no autor da Fenomenologia do espírito: “Hegel autonomiza os predicados, os objetos, mas ele os autonomiza separados de sua autonomia real, de seu sujeito. Posteriormente, o sujeito real aparece como resultado, ao passo que se deve partir do sujeito real e considerar sua objetivação” (MARX, 2005________. Crítica à filosofia do Direito de Hegel. Trad. Rubens Enderle e Leonardo de Deus. São Paulo: Boitempo, 2005., p. 44). Não que o procedimento de Lefebvre seja hegeliano e especulativo; não o é em todo. Mas destacar na cidade “o” sujeito da história beira a inversão especulativa típica do hegelianismo, que é criticada por Marx desde 1843.8 8 Os meandros da posição lefebvriana são muitos e aparecem ao tratar tanto da revolução urbana (2005), quanto do direito à cidade (1991 a) quanto do cotidiano (1991 b). Aqui, porém, ao tratarmos de Marx no artigo, nosso centro, ao abordar Lefebvre é somente sua interpretação sobre a obra marxiana.

Assim, mesmo que na exposição seja possível dar enfoque à cidade e à relação entre cidade em campo, desde 1843, em Marx, a pesquisa precisa ser realizada tendo em conta a centralidade das contradições cujo solo está nas relações materiais de produção. Elas marcam a totalidade do modo de produção capitalista, em correlação com determinações políticas, jurídicas, e mesmo espaciais. A oposição entre cidade e campo precisaria ser enxergada em meio a este processo. Sempre, portanto, é preciso lembrar da ressalva colocada por Marx em O capital: “é, sem dúvida, necessário distinguir o método de exposição, formalmente, do método de pesquisa.” (MARX, 1996, p. 26) Caso não se faça isso, tem-se o perigo de sempre parecer que o tema exposto fornece a chave para a história, sendo algum elemento dele o sujeito da história. Mesmo que tal passagem seja posterior à década de 1840, percebe-se que o procedimento marxiano quanto ao assunto já estava presente. A crítica à economia política, à especulação (estes dois temas tratados acima) e à politicidade (tema que não podemos tratar aqui), assim, aparecem neste momento de modo explícito. Continuemos, portanto.

No campo econômico, a oposição entre cidade e campo estaria desenvolvida na oposição entre renda da terra e lucro, ou seja, entre o capital, principalmente em sua faceta da grande indústria, e a classe que, pela simples propriedade da terra, consegue auferir renda. (Cf. MARX, 1980_________. Teorias da mais-valia. Trad. Reginaldo Sant´Anna. São Paulo: Civilização brasileira, 1980.) E, assim, tal qual anteriormente, por mais que Marx seja muito duro quanto à irracionalidade que representaria a renda fundiária - algo que ele viria a desenvolver substancialmente em sua obra posterior (Cf. MARX, 1986 b) -, ele não é, já na década de 1840, simplesmente um apologista da grande indústria. (Cf. SARTORI, 2019_________. Fetichismo, transações jurídicas, socialismo vulgar e capital portador de juros: o livro III de O capital diante do papel ativo do Direito. Revista da Sociedade Brasileira de Economia política. Niterói: UFF, 2019.) Antes, é alguém que defende a supressão do modo de produção capitalista e, com ele, do trabalho subordinado a uma rígida divisão do trabalho. Para que se use a dicção presente em O capital, podemos dizer que Marx defende a superação da grande indústria naquilo que, contra a propriedade privada do burguês, ou a propriedade dos acionistas ou do Estado, tem-se na “propriedade dos produtores associados, como propriedade diretamente social” (MARX, 1986 a, p. 332), com a transição “do modo de produção capitalista ao modo associado”. (MARX, 1986 a, p. 334) O autor alemão, portanto, não é alguém que veja de modo acrítico os grandes centros urbanos. Também não pressupõe a oposição unilateral entre cidade e campo, não sendo um defensor da grande indústria como solução das questões ligadas ao modo de produção capitalista ou para a produção rural. Antes, tais formas sociais, com o capitalismo, precisariam ser superadas no modo de produção associado, naquilo que ele chama de comunismo.

Nota-se que é central a Marx, não tanto o tratamento da cidade ou do campo, mas o processo social - que aparece já na economia política e que marca os estudos marxianos depois do contato que ele teve com o Esboço para uma crítica da economia política, de Engels - que tem por base a contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção.

O surgimento da cidade, assim, decorre do processo em que as classes sociais, o Estado e a família patriarcal desenvolvem-se em conjunto. Isto se dá sob o solo das contradições ancoradas - embora nunca reduzidas - nas determinações da produção material. Com o desenvolvimento do modo de produção capitalista, a oposição cidade-campo ganha força, trazendo a unilateralidade deste modo de produção, que subordina os indivíduos à sua posição na produção, o campo à cidade, às nações umas às outras etc. O momento que preside este processo - para que se use a dicção dos Grundrisse, o “momento preponderante” (MARX, 2011________. Grundrisse. Trad. Mario Duayer. São Paulo: Boitempo, 2011., p. 68) - é aquele colocado na produção material. E, assim, beira-se certa inversão especulativa ao se trazer a cidade como o sujeito da história. Esta é essencial nas indeterminações da atividade social, mas não se coloca real e efetivamente como sujeito, mas como uma predicação, dialeticamente compreendida e efetiva.

2. Cidade, campo e divisão do trabalho: unilateralidade da produção capitalista e a individualidade

O tom de Marx é claro quando ele diz que “as grandes rebeliões da Idade Média partiram todas do campo, mas foram totalmente malsucedidas devido à dispersão e à consequente rudeza dos camponeses” (MARX; ENGELS, 2007MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Ideologia alemã. Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2007., p. 53-54). Não se deve esquecer que o domínio da cidade contra o campo se volta contra tal rudeza, ao desenvolver forças produtivas (inclusive no campo); no entanto, a grande indústria, neste processo, traz também, nos grandes centros urbanos, o automatismo, a universalização da concorrência e a subordinação dos indivíduos ao mercado. Ou seja, tal qual o campo é marcado pela unilateralidade também é a cidade, que se coloca como cidade industrial moderna ou como cidade comercial, ou seja, figuras da cidade subordinadas ao capital9 9 Aqui não podemos tratar das cidades subordinadas ao capital financeiro, na medida em que elas não aparecem neste momento da obra de Marx. Ao analisar o livro III de O capital, talvez seja possível trazer indicações interessantes sobre o assunto. Isto, porém, extrapola o alcance deste artigo. :

A grande indústria, apesar desses meios protecionistas, universalizou a concorrência (ela é a liberdade prática de comércio, a tarifa protecionista é nela somente um paliativo, uma arma de defesa na liberdade de comércio), criou os meios de comunicação e o moderno mercado mundial, submeteu a si o comércio, transformou todo capital em capital industrial e gerou, com isso, a rápida circulação (o desenvolvimento do sistema monetário) e a centralização dos capitais. Criou pela primeira vez a história mundial, ao tornar toda nação civilizada e cada indivíduo dentro dela dependentes do mundo inteiro para a satisfação de suas necessidades, e suprimiu o anterior caráter exclusivista e natural das nações singulares. Subsumiu a ciência natural ao capital e tomou da divisão do trabalho a sua última aparência de naturalidade. Destruiu, em geral, a naturalidade, na medida em que isso é possível no interior do trabalho, e dissolveu todas as relações naturais em relações monetárias. No lugar das cidades formadas naturalmente, criou as grandes cidades industriais modernas, nascidas da noite para o dia. Destruiu, onde quer que tenha penetrado, o artesanato e, em geral, todos os estágios anteriores da indústria. Completou a vitória da cidade comercial sobre o campo. Seu [pressuposto] é o sistema automático (MARX; ENGELS, 2007MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Ideologia alemã. Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2007., p. 60).

Com a figura industrial do capital, surge o mercado mundial e, assim, a possibilidade - embora não a efetividade - de “indivíduos universalmente desenvolvidos” (MARX, 2011________. Grundrisse. Trad. Mario Duayer. São Paulo: Boitempo, 2011., p. 164). Com o desenvolvimento das forças produtivas, há aspectos essencialmente dúplices e contraditórios: sob o aspecto agora mencionado, ao mesmo tempo, tem-se o colonialismo e a história mundial. Com isso, a divisão do trabalho, inclusive aquela entre cidade e campo, toma um caráter essencialmente social, tendo-se a perda de sua aparência natural. As grandes cidades industriais modernas, assim, são o resultado deste afastamento de barreiras naturais (Cf. LUKÁCS, 2013LUKÁCS, György. Para uma ontologia do ser social II. Trad. Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo, 2013.), e portanto, do surgimento da possibilidade do controle consciente das condições de vida por parte dos homens. Ao mesmo tempo, porém, o pressuposto de tudo isso é, segundo Marx, o sistema automático. As contradições que marcam a vitória da cidade comercial sobre o campo, e depois da cidade industrial, portanto, são aquelas que dão a tônica do domínio do capital industrial e comercial sobre a renda da terra. Ou seja, novamente, tem-se certa centralidade de elementos que aparecem na economia política e, na obra marxiana, na crítica da economia política. A relação entre lucro, renda e salário vem a ser essencial ao tratar da relação cidade-campo. Em meio ao desenvolvimento destas categorias econômicas, tem-se, como possibilidade, o surgimento de indivíduos universalmente desenvolvidos. Isto pressupõe o incremento das forças produtivas e, portanto, das capacidades humanas. Ao mesmo tempo, o próprio capitalismo cala estas possibilidades. (Cf. SARTORI, 2018SARTORI, Vitor Bartoletti. Acerca da individualidade, do desenvolvimento das forças produtivas e do romantismo em Marx. In: Lutas comunais, n. 1, v. 1. Belo Horizonte: UFMG, 2018 c.) O autor de O capital busca a supressão das potências estranhadas que se impõem aos indivíduos em meio à divisão capitalista do trabalho, tratada em A ideologia alemã. Sobre isto, diz Marx posteriormente, nos Grundrisse: trata-se de “os indivíduos universalmente desenvolvidos, cujas relações sociais, como relações próprias e comunitárias, estão igualmente submetidas ao seu próprio controle comunitário” e diz que eles “não são um produto da natureza, mas da história” (MARX, 2011, p. 164). As contradições que marcam a história são aquelas que trazem a subordinação dos indivíduos às forças produtivas do capital, e do campo à cidade. Tal processo traz simultaneamente potencialidades gigantescas e as cala com a subordinação dos indivíduos à divisão do trabalho e à reprodução diuturna do modo de produção capitalista.

Os meandros deste processo, até mesmo no que toca às especificidades de cada conformação nacional, já são trazidos por Marx na Ideologia alemã, em que a oposição entre cidade e campo aparece em meio à separação e oposição entre diferentes atividades e diversas figuras econômicas:

A divisão do trabalho no interior de uma nação leva, inicialmente, à separação entre o trabalho industrial e comercial, de um lado, e o trabalho agrícola, de outro, e, com isso, à separação da cidade e do campo e à oposição entre os interesses de ambos. Seu desenvolvimento posterior leva à separação entre trabalho comercial e [trabalho] industrial. Ao mesmo tempo, por meio da divisão do trabalho no interior desses diferentes ramos, desenvolvem-se diferentes subdivisões entre os indivíduos que cooperam em determinados trabalhos. A posição dessas diferentes subdivisões umas em relação às outras é condicionada pelo modo como são exercidos os trabalhos agrícola, industrial e comercial (patriarcalismo, escravidão, estamentos, classes). As mesmas condições mostram-se no desenvolvimento do intercâmbio entre as diferentes nações (MARX; ENGELS, 2007MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Ideologia alemã. Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2007., p. 89).

Trabalho industrial e comercial conformam o capital industrial e o comercial, cuja relação é trata por Marx nos livros II e III de O capital. No que, novamente, percebe-se, mesmo na década de 1840: é impossível tratar da cidade e do campo, em Marx, sem que se tenha em mente a economia política e a crítica a esta. Com isto, os diferentes ramos da produção, aparecem, ao mesmo tempo, diferenciados e indissociáveis: a divisão do trabalho traz consigo a oposição entre as ocupações industrial, comercial e a agrícola. Assim, tem-se, inclusive, uma oposição entre o campo e a cidade.

Ao mesmo tempo, porém, isto se dá com a necessária relação socialmente mediada - e não mais natural espontânea - entre as diferentes formas de atividade localizadas no espaço. Ou seja, o trabalho e a organização do trabalho se colocam efetivamente no nível nacional. E a correção entre as diversas figuras do capital em cada nação dependem da especificidade das respectivas formações sociais. Tem-se uma unidade na diversidade: a oposição entre o capital comercial, industrial, financeiro etc. só pode ser pensada a partir da totalidade das relações materiais, cuja unidade aparece, também, em determinado país (e em determinada relação entre cidade em campo).

As especificidades nacionais - delimitadas também a partir das diferentes proporções entre as diversas figuras do capital - trazem consigo oposições entre nações. A partir do momento em que se tem a história mundial, e a partir do mercado mundial, tem-se o intercâmbio entre as nações colocando-se da maneira como Marx e Engels apontaram no Manifesto: “do mesmo modo que subordinou o campo à cidade, os países bárbaros ou semi-bárbaros aos países civilizados, subordinou os povos camponeses aos povos burgueses, o Oriente ao Ocidente” (MARX; ENGELS,1998_________. O Manifesto Comunista. Trad. Maria Lucia Como. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998., p. 131-132). Povos camponeses e burgueses, Oriente e Ocidente não são determinações ahistóricas ou imutáveis, mas essencialmente sociais e marcadas pela posição de cada povo ou nação na divisão internacional do trabalho. Assim, no limite, ao tratar da relação cidade-campo, trata-se também de relações socioeconômicas trazidas na história mundial.

E, assim, talvez não se possa concordar plenamente com Lefebvre (2001LEFEBVRE, Henri. A cidade do capital. Trad. Maria Helena Rauta Ramos e Marilena Jamur. Rio de Janeiro: DP&A, 2001., p. 49) quando o autor diz, interpretando a obra marxiana, que “a cidade concentra o que faz dela uma sociedade, ela o distribui de maneira razoável em organizações e instituições”; o sujeito de tal processo não é a cidade, mas o processo econômico mesmo. Nele, os homens fazem sua própria história em condições legadas pelo passado e que são perpassadas pela forma mercantil e pela produção e reprodução do valor. (Cf. MARX, 2013________. O Capital, Livro I. Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013.) O que traz a distribuição, as organizações e as instituições é o processo histórico, cuja base sempre está nos indivíduos produzindo em sociedade em meio a relações sociais anteriormente conformadas. Por mais que a cidade entre neste processo e ocupe um lugar importante nele (em suas diversas figuras, como a da cidade comercial e da cidade industrial, ou mesmo nos grandes centros urbanos) não é ela o sujeito que traz o momento preponderante da organização social e da institucionalização de práticas sociais.

Para a compreensão disto, seria, inclusive, necessário estudar a relação existente entre as relações sociais de produção, a política e o Direito. (Cf. SARTORI, 2016________. Direito, política e reconhecimento: apontamentos sobre Karl Marx e a crítica ao Direito. Revista da Faculdade de Direito da UFPR, V. 61. Curitiba: UFPR, 2016.)

No que se têm duas questões importantes a serem destacadas pelo que trouxemos até aqui: primeiramente, deve-se dizer que Marx não busca simplesmente um elogio à cidade em oposição ao campo; ele busca a supressão da oposição e da separação entre cidade e campo. Em segundo lugar, tem-se que a resolução das questões urbanas não diz respeito só ao aspecto local e ao cotidiano dos habitantes das cidades; antes, ela envolve necessariamente a divisão do trabalho no plano nacional e internacional. Não se pode concordar, portanto, com a posição segundo a qual “as numerosas considerações emitidas por Marx só fazem sentido em um contexto social: o da realidade urbana.” (LEFEBVRE, 2001LEFEBVRE, Henri. A cidade do capital. Trad. Maria Helena Rauta Ramos e Marilena Jamur. Rio de Janeiro: DP&A, 2001., p. 32) O que dissemos, na prática, significa que a relação aqui estudada só poderia ser compreendida - e resolvida - em meio à compreensão e resolução das próprias contradições do modo de produção capitalista. Tal é o contexto em que o autor alemão insere suas considerações. A resolução desta situação, para Marx, somente seria possível com o modo de produção associado. O contexto urbano jogaria um papel, mas ele nunca poderia ser hipostasiada:

A construção de cidades foi um grande progresso. Porém, em todos os períodos anteriores era impossível a superação da economia separada - economia que é inseparável da superação da propriedade privada -, pois não havia condições materiais para isso. O estabelecimento de uma economia doméstica coletiva pressupõe o desenvolvimento da maquinaria, da utilização das forças naturais e de muitas outras forças produtivas - por exemplo, canalizações de água, iluminação a gás, aquecimento a vapor etc., superação [da oposição] entre cidade e campo. Sem essas condições, a economia coletiva não seria mais, por si só, uma força de produção nova, careceria de toda base material, repousaria sobre um fundamento meramente teórico, isto é, seria um simples capricho e levaria apenas a uma economia monacal (MARX; ENGELS, 2007MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Ideologia alemã. Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2007., p. 62).

Para Marx, o processo de construção das cidades vem com as classes, a política, etc. Esta forma antagônica de desenvolvimento propicia, com o desenvolvimento da história mundial, a superação daquilo que ele chamou de economia separada. Ou seja, por mais que o autor de O capital trate das cidades e do grande progresso propiciado por estas, ele não pode, à maneira de Proudhon, separar o lado bom e o lado mau deste processo. Ele não procurará, na oposição entre cidade e campo, buscar preservar o elemento progressista, e urbano, da cidade em oposição à brutalidade do campo10 10 Williams, neste ponto, parece acompanhar Marx, por mais que não analise com todo o cuidado as passagens do autor alemão sobre o tema: “nem a cidade irá salvar o campo, nem o campo a cidade” (WILLIAMS, 2011, p. 490). ; antes, buscará a superação da própria oposição entre cidade e campo, e da subordinação do campo à cidade. A economia doméstica coletiva, assim, estaria intimamente ligada à economia coletiva como tal. A resolução das questões urbanas, assim, não passa só pela anatomia das próprias cidades: está relacionada com a anatomia da sociedade civil-burguesa, ou seja, com as contradições da totalidade do modo de produção capitalista. Marx não separa o elemento urbano dos grandes centros urbanos e, por mais que veja nas cidades um grande progresso, remete sempre ao fundamento deste processo social, colocado, sempre de modo mediado, na produção material da sociedade. E, assim, novamente é perceptível que tratar da cidade sem que se passe pela crítica da economia política é, para Marx, uma empreitada que ignora a real dimensão dos problemas sociais.

Isto, é verdade, não aparece com todos os detalhes em uma obra como a Ideologia alemã, ou no Manifesto comunista. Tais textos são essenciais à compreensão do pensamento marxiano. Porém, para que se possa realmente apreender o ideário do autor, faz-se essencial adentrar em alguns aspectos da crítica à economia política, desenvolvida depois de 1857, a partir dos Grundrisse e, depois, continuada em O capital. Ou seja, se é verdade que o sujeito do processo social não é a cidade, mas a atividade econômica mercantil subsumida ao capital11 11 Raymond Williams, assim, acompanha Marx ao dizer que “o capitalismo, enquanto modo de produção, é o processo básico por trás da maior parte da história do campo e da cidade que conhecemos” (WILLIAMS, 2011, p. 491). - dirá Marx contra Wagner, que o sujeito é a mercadoria12 12 Diz Marx que “não digo, portanto, que a ‘substância social comum do valor de troca’ é o ‘trabalho’; e uma vez que, em uma seção particular, trato detidamente da forma-valor, isto é, do desenvolvimento do valor de troca, seria curioso se eu reduzisse essa ‘forma’ a uma ‘substância social comum’, o trabalho. O sr. Wagner também esquece que nem ‘o valor’ nem ‘o valor de troca’ são para mim os sujeitos, mas sim a mercadoria” (MARX, 2017, p. 255). -, há de se analisar com mais cuidado a obra posterior de Marx.

Assim, a década de 1840 é de grande importância na conformação do pensamento marxiano, e do pensamento marxiano sobre a cidade. Já neste momento, o autor alemão remete à relação entre a supressão entre a oposição cidade-campo e a supressão da divisão do trabalho. Com isto, traz a correlação entre a questão urbana, a rural e as contradições do modo de produção capitalista. Mesmo que tais aspectos só possam ser tratados em sua trama interna a partir da década de 1850, eles já aparecem com força no pensamento marxiano do momento aqui tratado.

Considerações finais: cidade e crítica à economia política

Henri Lefebvre diz, ao interpretar o pensamento de Marx, que “o caráter associativo inerente à cidade acaba por arrastar os campos, por engendrar novas formas que o ultrapassam.” (LEFEBVRE, 2001LEFEBVRE, Henri. A cidade do capital. Trad. Maria Helena Rauta Ramos e Marilena Jamur. Rio de Janeiro: DP&A, 2001., p. 63) Pelo que trouxemos acima, no entanto, não é possível atribuir à cidade tal aspecto, destacado pelo autor francês ao analisar a Ideologia alemã. Por mais que o caráter associativo do modo de produção capitalista - o fato de as relações adquirirem um caráter crescentemente social e não mais natural espontâneo - seja corretamente destacado pela interpretação de Henri Lefebvre, este processo não é aquele em que se tem por sujeito a cidade.

Antes, como procuramos explicitar neste texto, a questão se dá de modo diverso, tendo-se as contradições do modo de produção capitalista impondo-se aos indivíduos concretos em meio ao desenvolvimento econômico mediado pela divisão do trabalho. Se é verdade que o desenvolvimento das formas econômicas capitalistas traz como potencialidade a supressão do próprio capitalismo, isto não tem como principal sujeito a cidade. A questão já aparece na década de 1840 na obra de Marx. No entanto, isto se dá ao se ter certa centralidade daquilo que, posteriormente, em O capital, seria tratado como uma crítica à economia política. E, assim, tem-se a necessária correlação entre o tratamento das temáticas urbanas, rurais e as contradições do modo de produção capitalista.

As posições de Marx sobre a cidade são bastante meandradas e passam por um estudo em que, em verdade, o central sequer é a caracterização das cidades. Deste modo, sem que se possa afirmar qualquer coisa sobre a importância - que é muito grande - da tradição que busca o direito à cidade, com Lefebvre a frente, há de se dizer que esta tradição tem desenvolvimentos próprios, que não se encontram na obra do autor de O capital. Até então, não se tem problema algum. Pelo contrário: é necessário aos marxistas se colocarem, não só como contemporâneos de Marx, mas do tempo presente. No entanto, ao menos na análise das obras de Marx, principalmente de A ideologia alemã, como expressamos rapidamente acima, Lefebvre acredita encontrar o que não está efetivamente na obra marxiana: Marx não coloca a cidade como o sujeito da história e traz certa centralidade à crítica da economia política (mesmo na década de 1840) que não está presente na tradição que busca o direito à cidade. Ou seja, o centro da pesquisa marxiana é bastante distinto.

Por mais que Marx veja com bons olhos a emergência das cidades sob diversos aspectos, nela há uma unidade entre tais avanços e a imposição da divisão do trabalho capitalista, que, depois, a partir da década de 1850, será trazida tendo em conta a autovalorização do valor.

Ou seja, a solução marxiana não está na cidade propriamente dita, nem no campo. Está na supressão da oposição entre cidade e campo. Isto envolve aquilo que, em A ideologia alemã, será tratado ao se ter em conta a supressão da divisão do trabalho. A cidade, portanto, só pode ser vista neste momento da obra de Marx em um panorama mais amplo, aquele da organização da produção e do modo pelo qual isto leva à consideração das relações materiais de produção. Não são tanto a produção e a divisão do trabalho que são um fruto do elemento urbano, pois; antes, tem-se o inverso. O urbano, o rural, etc. jogam certamente um papel grande aqui; mas são figuras sociais engendradas no processo que, ao mesmo tempo, traz enormes possibilidades, e as torna irrealizáveis sob o modo de produção capitalista. A consideração do problema que foi trazido aqui à tona, assim, tem certamente sua especificidade. Mas, somente poderia ser resolvido ao se ter em conta, juntamente com tal especificidade, a totalidade das determinações de certo momento histórico. No capitalismo, trata-se de uma forma social contraditória que, segundo Marx, precisaria ser suprimida. O autor alemão, assim, não trata de algo como o direito à cidade, mas da superação da oposição entre cidade e campo, somente possível em meio ao processo de superação do capitalismo mesmo.

É verdade que ele não fala da supressão da cidade como tal. No entanto, ele também não a coloca como um ponto de apoio essencial na supressão do modo de produção capitalista.

Para que isto possa ser tratado com todo o cuidado, porém, é necessário trazer à tona a obra posterior de Marx. Aqui, no entanto, não podemos fazê-lo. Mas pretendemos ter aberto o espaço para que tal compreensão seja factível. A análise da obra marxiana da década de 1840 certamente prepara o terreno para aquilo que é escrito posteriormente. Ela também rompe com alguns preconceitos: o autor alemão não é simplesmente um entusiasta da grande indústria, da cidade, do progresso, da história mundial etc. Tais aspectos são vistos de modo dúplice em sua obra. Caso se procure partir da obra de Karl Marx, tal duplicidade precisa ser levada em conta; caso a intenção seja criticar o pensamento marxiano, isso também se dá. Assim, pretendemos - mesmo que modestamente - ter contribuído na leitura da obra marxiana da década de 1840. No que toca a relação entre cidade e campo, isto pode ser importante, tanto para desfazer certas leituras que venham a atribuir um papel exacerbado à noção de cidade na obra de Marx, quanto para preparar o terreno para a compreensão do tema na obra posterior do autor, em que os estudos sobre a renda da terra, a mecanização do campo, o uso da ciência na produção rural, as condições de vida urbanas adquirem sentido em meio àquilo que Marx chamou em O capital de trabalhador coletivo.

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  • WILLIAMS, Raymond. Cidade e campo. Trad. Paulo Henriques Brito. São Paulo: Companhia das letras, 2011.]
  • 1
    Como aponta José Chasin: “tal análise, no melhor da tradição reflexiva, encara o texto - a formação ideal - em sua consistência autosignificativa, aí compreendida toda a grade de vetores que o conformam, tanto positivos como negativos: o conjunto de suas afirmações, conexões e suficiências, como as eventuais lacunas e incongruências que o perfaçam. Configuração esta que em si é autônoma em relação aos modos pelos quais é encarada, de frente ou por vieses, iluminada ou obscurecida no movimento de produção do para-nós que é elaborado pelo investigador, já que, no extremo e por absurdo, mesmo se todo o observador fosse incapaz de entender o sentido das coisas e dos textos, os nexos ou significados destes não deixariam, por isso, de existir [...]” (CHASIN, 2009_________. Marx: Estatuto Ontológico e Resolução Metodológica. São Paulo: Boitempo, 2009., p. 26).
  • 2
    Seria de grande relevo analisar não só o Anti-Düring, que traz apontamentos muito importantes sobre o tema. Ter-se-ia também a necessidade de tratar da Situação da classe trabalhadora na Inglaterra e da Questão da habitação, ao menos.
  • 3
    Nota-se que Marx é muito claro quanto àquilo que Chasin (2009MARX, Karl. Contribuição à Crítica da Economia Política. Trad. Florestan Fernandes. São Paulo: Expressão Popular, 2009.) chamou de determinação ontonegativa da politicidade. Para ele, a política não existiu em todas as formações humanas, sendo seu surgimento atrelado a certas determinações sociais. Assim, a política não é um atributo ineliminável da conformação do homem como tal.
  • 4
    Henri Lefebvre distinguirá o urbano da cidade, apontando no elemento urbano como o centro de uma zona crítica, que propiciaria a superação do próprio capitalismo. Cf. LEFEBVRE, 2004_______. A revolução urbana. Trad. Sérgio Martins. Belo Horizonte: UFMG, 2004.. Aqui, ao se tratar da leitura do autor da Ideologia alemã, porém, tal aspecto não fica evidente e o aspecto urbano é tratado em conjunto com a cidade.
  • 5
    A ressalva que fazemos diz respeito ao fato segundo o qual o campo, com o desenvolvimento capitalista, passa a trazer também o desenvolvimento das forças produtivas a partir do momento em que a ciência se coloca como uma potência na produção no campo. Aqui, porém, não podemos tratar do tema, que é de grande relevo na compreensão da relação cidade-campo em meio às relações capitalistas de produção. Cf. MARX, 1986________. O Capital, livro III, tomo II. Trad. Tradução por Regis Barbosa e Flávio R. Kothe São Paulo: Nova Cultural, 1986 b. a, b.
  • 6
    Diz Marx que “a maior divisão entre trabalho material e espiritual é a separação entre cidade e campo. A oposição entre cidade e campo começa com a passagem da barbárie à civilização, do tribalismo ao Estado, da localidade à nação, e mantém-se por toda a história da civilização até os dias atuais” (MARX; ENGELS, 2007MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Ideologia alemã. Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2007., p. 52). Sobre o uso marxiano das categorias “barbárie” e “civilização”, que podem levar a equívocos, Cf. PARREIRA, 2019PARREIRA, Lucas. Entre flexas e martelos: Marx como leitor de Henry Morgan (dissertação de mestrado). Belo Horizonte: UFMG, 2019..
  • 7
    Sobre tal aspecto, há um importante estudo no Brasil, Os parceiros do Rio Bonito, de Antonio Candido.
  • 8
    Os meandros da posição lefebvriana são muitos e aparecem ao tratar tanto da revolução urbana (2005), quanto do direito à cidade (1991 a) quanto do cotidiano (1991 b). Aqui, porém, ao tratarmos de Marx no artigo, nosso centro, ao abordar Lefebvre é somente sua interpretação sobre a obra marxiana.
  • 9
    Aqui não podemos tratar das cidades subordinadas ao capital financeiro, na medida em que elas não aparecem neste momento da obra de Marx. Ao analisar o livro III de O capital, talvez seja possível trazer indicações interessantes sobre o assunto. Isto, porém, extrapola o alcance deste artigo.
  • 10
    Williams, neste ponto, parece acompanhar Marx, por mais que não analise com todo o cuidado as passagens do autor alemão sobre o tema: “nem a cidade irá salvar o campo, nem o campo a cidade” (WILLIAMS, 2011WILLIAMS, Raymond. Cidade e campo. Trad. Paulo Henriques Brito. São Paulo: Companhia das letras, 2011.], p. 490).
  • 11
    Raymond Williams, assim, acompanha Marx ao dizer que “o capitalismo, enquanto modo de produção, é o processo básico por trás da maior parte da história do campo e da cidade que conhecemos” (WILLIAMS, 2011WILLIAMS, Raymond. Cidade e campo. Trad. Paulo Henriques Brito. São Paulo: Companhia das letras, 2011.], p. 491).
  • 12
    Diz Marx que “não digo, portanto, que a ‘substância social comum do valor de troca’ é o ‘trabalho’; e uma vez que, em uma seção particular, trato detidamente da forma-valor, isto é, do desenvolvimento do valor de troca, seria curioso se eu reduzisse essa ‘forma’ a uma ‘substância social comum’, o trabalho. O sr. Wagner também esquece que nem ‘o valor’ nem ‘o valor de troca’ são para mim os sujeitos, mas sim a mercadoria” (MARX, 2017________. Glosas marginais ao Manual de economia política de Adolph Wagner. Trad. Luiz Philipe De Caux. In: Verinotio: revista on-line de filosofia e ciências humanas, V. 23, N. 2. Rio das Ostras: UFF, 2017., p. 255).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2024

Histórico

  • Recebido
    17 Jan 2023
  • Aceito
    17 Ago 2023
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