Resumo
O objetivo deste trabalho é analisar o posicionamento de autoras feministas acerca da política de renda básica incondicional e universal de Philippe Van Parijs. A hipótese inicial desta pesquisa é que a proposta de Van Parijs consegue resistir, satisfatoriamente, às objeções feministas que são contrapostas ao seu conteúdo, no que se refere ao implemento de um projeto de liberdade e à minimização das desigualdades de gênero. Conclui-se que, sob os aspectos da segurança, da propriedade de si e da oportunidade lexmin, ainda que haja uma série de vantagens, o modelo de renda básica em estudo não constitui medida suficiente para atender a todas as condições de Liberdade Real das mulheres.
Palavras-Chave:
Renda Básica; Equidade de Gênero; Feminismo
Abstract
The aim of this paper is to analyze the position of feminist authors regarding Philippe Van Parijs' proposal of unconditional and universal basic income policy. The initial hypothesis of this research is that Van Parijs' proposal manages to resist, satisfactorily, the feminist objections that are opposed to its content, with regard to the implementation of a freedom project and the minimization of gender inequalities. It is concluded that, under the aspects of security, self-ownership and the lexmin opportunity, although there are a set of advantages, the basic income model under study is not a sufficient measure to meet all the conditions of real women's freedom.
Keywords:
Basic Income; Gender Equality; Feminism
1 Introdução
Este trabalho baseia-se nas concepções normativas de Philippe Van Parijs, sobretudo na obra Real Freedom for All - What (if anything) can justify capitalism?, na qual o autor concebe e justifica uma política de renda básica incondicional e universal como um projeto de liberdade.
Tal recorte metodológico1 1 Ainda que não seja o objetivo da pesquisa, este trabalho também pode contribuir para a literatura que trata da distribuição de renda e recurso como estratégia de desenvolvimento. No Brasil, tais pautas já se traduzem no caso do programa Bolsa-Família (Lei n. 10.836, de 9 de Janeiro de 2004) e na Lei que institui a Renda Básica de Cidadania (Lei n. 10.835, de 8 de Janeiro de 2004). Atualmente, a temática da renda básica universal voltou às pautas dada a finalidade da medida em combater a crescente desigualdade no contexto da pandemia de COVID-19. Para outras pesquisas, com metodologias diversas, no campo das políticas sociais e estudos de gênero vide: LAVINAS, L; COBO, B; VEIGA, A. (2012); REGO, W. L.; PINZANI, A. (2013); DE BRAUW, A.; et al. (2014); BARTHOLO, L., PASSOS, L., FONTOURA, N. (2019). tem por objetivo analisar se o argumento libertário de Van Parijs (1995) em favor da renda básica, quando contraposto às desigualdades de gênero, consegue oferecer um caminho viável para superar injustiças e realizar os valores igualitários que afirma apoiar.
Ao colocar o libertarismo real vanparijsiano em perspectivas feministas, será possível analisar os efeitos da proposta de renda básica e de Liberdade Real vanparijsiana para injustiças estruturais de gênero.
Considerando o grande impacto das ideias libertárias sobre a filosofia política, bem como o ativismo associado à renda básica, tais questões auxiliam na compreensão de estratégias de reforma advindas de teorias de justiça, como a de Philippe Van Parijs.
A análise das objeções e possiblidades da renda básica incondicional e universal vanparijsiana, em relação à equidade de gênero, será desenvolvida a partir dos três componentes da Liberdade Real de Van Parijs (1995), quais sejam, I) segurança, II) propriedade de si e III) oportunidade leximin.
A hipótese inicial desta pesquisa é que a proposta de Van Parijs consegue resistir, satisfatoriamente, às objeções feministas que são contrapostas ao seu conteúdo, no que se refere ao implemento de um projeto de liberdade e à minimização das desigualdades de gênero.
Esta pesquisa tem abordagem qualitativa, ou seja, não enfoca representatividades numéricas ou testes de correlações sociais, mas sim o aprofundamento da compreensão sobre um determinado problema e a explicação da dinâmica lógica das relações sociais. Trata-se de pesquisa no campo normativo de teoria da justiça, com natureza básica (SILVEIRA e CÓRDOVA, 2009SILVEIRA, Denise Tolfo; CÓRDOVA, Fernanda Peixoto. "Unidade 2 - A Pesquisa Científica". In: SILVEIRA, Denise Tolfo; GERHARDT, Tatiana Engel (Eds.). Métodos de pesquisa. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009.).
O trabalho será dividido da seguinte forma: Em primeiro lugar, justifica-se a escolha da obra de Philippe Van Parijs, traçando um panorama e apontando impactos do pensamento do autor. Em segundo lugar, esclarece-se como a liberdade pode ser usada como base para a teoria da justiça de Van Parijs. Posteriormente, será apresentada a proposta de renda básica incondicional e universal do autor. E, por fim, será feito um diálogo entre as proposições vanparijsianas e a equidade de gênero, quando serão apresentadas as objeções e possibilidades da proposta.
2 Proposições de Philippe Van Parijs: visão geral, repercussão e justificativa
Nesta seção busca-se justificar a escolha metodológica da obra de Philippe Van Parijs, além de traçar um panorama do impacto do pensamento do autor para o debate feminista sobre renda básica.
Philippe Van Parijs (1995), em seu livro Real Freedom for All: What (If Anything) Can Justify Capitalism?, traçou um esquema liberal e igualitário sofisticado de implementação de uma renda básica incondicional e universal como expressão de justiça . Ao fazer uma defesa ética da renda básica, propondo fornecimento de renda incondicional, sem testes ou exigência de trabalho, Van Parijs (1995) levantou algumas questões morais espinhosas e se destacou como um dos grandes filósofos políticos da contemporaneidade .
Van Parijs (1995) sustenta que, para que uma sociedade seja livre, é fundamental que cada um dos seus membros tenha uma estrutura de direitos que dê segurança para o exercício da liberdade e propriedade de si ― mas só isso não é suficiente ― é preciso que seja concedida a maior oportunidade possível para que cada pessoa faça qualquer coisa que queira fazer. A justificativa filosófica, de vertente libertária, é que a implementação da maior renda básica sustentável seria a melhor maneira de transformar uma mera liberdade formal em Liberdade Real para todos, visto que garantiria uma base material firme para cada um desenvolver sua própria concepção de vida boa .
Segundo Van Parijs (1994: 70), a introdução de uma renda incondicional e universal deve ser vista como “estratégia para levar adiante tudo aquilo que tinha e ainda tem apelo no velho ideal emancipatório associado ao movimento comunista, sem que, para isso, exija nada semelhante a um modo de produção socialista”. A expressão capitalismo de renda básica é empregada pelo autor para descrever um regime socioeconômico em que a “maior parte dos meios de produção é de propriedade particular”, e cada cidadão recebe uma “renda básica substancial, além das rendas que possam ser obtidas através da participação nos mercados de trabalho, de capital ou mesmo que se deva a algum status específico” (VAN PARIJS, 1994VAN PARIJS, Philippe. "Capitalismo de renda básica". Lua Nova, São Paulo, n. 2, 1994, pp. 69-91.: 69).
O destaque das publicações de Van Parijs inspirou debates e trouxe contribuições sobre a propriedade de si, sobre a relação entre liberdade e igualdade, além da natureza da exploração . Também foram realizados estudos sobre os possíveis efeitos da implementação da renda básica para o mercado de trabalho . Nos últimos anos, a proposição de uma renda básica ― incondicional, independente da situação laboral, da disponibilidade para trabalhar, dos níveis de riqueza e igualdade―, perpassou o campo filosófico de Van Parijs, impulsionando, também, debates sobre desemprego, pobreza, mudança dos padrões de vida familiar e futuro da política social .
Nos debates acadêmicos, teóricos que apoiam as proposições vanparijsianas enfatizam como uma renda básica incondicional e universal pode proporcionar maior segurança, oportunidades de trabalho e poder de barganha para aqueles que têm maiores dificuldades em encontrar empregos decentes . Tais proposições também teriam impacto não apenas na diminuição da pobreza e do desemprego, como melhorariam a vida das mulheres e evitaria o dano ambiental causado pela superprodução e crescimento rápido .
Todos esses pontos da teoria de Van Parijs merecem um estudo cuidadoso. Contudo, nesta pesquisa, concentraremos no debate da renda básica que alcançou a literatura feminista, gerando posicionamentos antagônicos . Por um lado, teóricos de uma primeira corrente sugerem que a renda básica aumentaria a autonomia das mulheres pobres , bem como aumentaria a autonomia de mulheres e homens para gerirem a participação na esfera doméstica e no mercado de trabalho formal . A renda básica, portanto, seria um mecanismo de apoio para as estruturas contemporâneas do mercado de trabalho, bem como seria um instrumento de efetivação do bem-estar social, ou uma forma de integrar a economia com a política social por meio da potencialização da justiça social e eficiência econômica .
A proposição desta corrente é que a renda básica poderia ajudar a alcançar equidade de gênero no mercado de trabalho uma vez que, em tese, aumentaria o poder de negociação da mulher e incentivaria o trabalho parcial de homens, bem como o compartilhamento de trabalho doméstico . Segundo Robeyns , a renda básica pode ser vista, neste sentido, como uma taxa de emancipação para as mulheres, pois possibilitaria que elas obtivessem reconhecimento financeiro e suporte para um modo de vida que valorizasse o trabalho de cuidados não-remunerado, quando fosse o caso.
Por outro lado, uma segunda corrente entende que a renda básica não é uma boa estratégia para alcançar igualdade e justiça de gênero. Consideram-na uma espécie de salário das donas de casa, enviando as mulheres de volta para o lar e revogando a emancipação . Segundo Orloff , a divisão desigual das responsabilidades domésticas é crucial na explicação da posição desvantajosa das mulheres na sociedade e, por isso, outros elementos da política social que alteram a estrutura do trabalho remunerado e não-remunerado podem ser muito mais eficazes para alcançar a justiça de gênero.
Neste sentido, Withorn explica que uma política de renda básica poderia aumentar o risco de privatizações de serviços públicos essenciais à autonomia das mulheres, como as políticas de saúde, educação, trabalho, creche etc., bem como poderia introduzir uma noção de autonomia e de poder aquisitivo direcionado exclusivamente às necessidades da vida privada. Em outras palavras, a renda básica não necessariamente leva à emancipação feminina se o dinheiro potencialmente é direcionado ao reinvestimento na família .
Por essa perspectiva, Robeyns sugere que renda básica pode ser vista como suborno, proporcionando uma recompensa financeira para o trabalho doméstico e de cuidados, de modo que as mulheres fiquem gratas (ou pelo menos contentes) ao invés de defender mudanças mais profundas em sua posição social e nos papéis de gênero.
Essa discussão é ampla e importante para os termos desta pesquisa, por isso, antes de adentrá-la, é preciso compreender os princípios que fundamentam essas conclusões, como veremos na próxima seção.
3 O que é Liberdade Real para Philippe Van Parijs?
A liberdade é a base da teoria da justiça de Van Parijs. Liberdade Real é o termo utilizado por Van Parijs (1995) para se referir a uma liberdade que incorpore três componentes, quais sejam: segurança, propriedade de si e oportunidade leximin. Para que haja Liberdade Real para todos, é necessário que tais condições sejam satisfeitas: I) a existência de uma estrutura de direitos solidamente garantida (condição de segurança); II) que essa estrutura permita que cada pessoa seja proprietária de si mesma (condição de propriedade de si); e III) que essa estrutura permita que cada pessoa tenha a maior oportunidade possível de fazer o que se possa querer fazer (condição de oportunidade leximin ou maximin lexicográfico) .
Esse conceito serve para caracterizar, institucionalmente, uma sociedade livre e serve também para diferenciar a Liberdade Real da liberdade formal clássica do libertarismo. Esta, incorpora apenas as duas primeiras condições. Aquela, incorpora as três, haja vista que a segurança concedida por uma estrutura de direitos e a propriedade de si são necessárias para a concessão da maior oportunidade possível para cada pessoa fazer qualquer coisa que possa querer fazer (VAN PARIJS, 1995_________. Real Freedom for All - What (if anything) can justify capitalism? Oxford: Oxford University Press, 1995.).
Quanto à primeira condição, a segurança, esta envolve uma estrutura de direitos bem reforçada, necessária para criar um ambiente no qual as pessoas possam ser livres. O estabelecimento de direitos, inclusos direitos de propriedade, é necessário para conceder liberdade aos membros da sociedade .
A segunda condição, a propriedade de si mesmo, concentra-se na ideia de que as pessoas têm o direito natural sobre si mesmas e sobre suas propriedades. A ideia é que os indivíduos devem ser autorizados a usar seus talentos, renda ou todos os outros tipos de seus pertences, sem qualquer coerção externa .
A posição de Van Parijs sobre propriedade de si pode ser entendida:
[...] em sentido que é fraco o suficiente para ser consistente com a impossibilidade de realmente fazer qualquer coisa consigo mesmo, devido, por exemplo, a não ter o direito de estar em qualquer lugar; mas ao mesmo tempo em um sentido que é forte o suficiente para excluir não apenas a escravidão ou escravidão feudal, mas também a escolarização obrigatória ou o serviço militar e a imposição de impostos de montante fixo sobre os talentos das pessoas2 2 [No original] “Note that self-ownership is here to be understood in a sense that is weak enough to be consistent with the impossibility of actually doing anything with oneself, owing, for example, to not being entitled to stand anywhere; but at the same time in a sense that is strong enough to exclude not just slavery or feudal bondages, but also compulsory schooling or military service and the imposition of lump-sum taxes on people's talents”. (VAN PARIJS, 1995_________. Real Freedom for All - What (if anything) can justify capitalism? Oxford: Oxford University Press, 1995.: 21, tradução nossa).
Vallentyne observa que a definição de propriedade de si de Van Parijs é definida por três aspectos diferentes que são: (a) control self-ownership; (b) leisure self-ownership, e (c) non-brute luck income self ownership.
Segundo Vallentyne o control self-ownership confere a cada agente o direito moral de controlar o uso de seu corpo. Já o leisure self-ownership considera que nenhuma taxação da riqueza sobre o valor dos talentos pessoais é legítima, assim, proíbe a taxação do valor do capital humano, como habilidades e aptidões, pois levaria a uma escravização implícita do talentoso, ou seja, aqueles com talentos produtivos serão forçados a trabalhar porque suas habilidades são tributadas. Por fim, o non-brute luck income self-ownership proíbe a taxação de rendas advindas de “sorte opcional”3 3 As teorias liberais contemporâneas da justiça têm discutido como o Estado poderia compensar a sorte. As diferentes teorias igualitárias liberais da justiça defenderam várias maneiras de fazer essa compensação, a partir da distinção entre a sorte de opção e a sorte bruta. A primeira é uma consequência das decisões que as pessoas tomam durante suas vidas e elas são responsáveis por elas. A segunda é devido ao mero acaso. Neste sentido ver: DWORKIN, 1981a; DWORKIN, 1981b. , exceto na medida necessária para corrigir desigualdades advindas da “sorte bruta” (VALLENTYNE, 1997VALLENTYNE, Peter. "Self-ownership and equality: Brute luck, gifts, universal dominance, and leximin". Ethics, v. 107, n. 2, 1997, pp. 321-343.: 324-327).
Segundo Vallentyne (1997VALLENTYNE, Peter. "Self-ownership and equality: Brute luck, gifts, universal dominance, and leximin". Ethics, v. 107, n. 2, 1997, pp. 321-343.), depreende-se da definição de propriedade de si de Van Parijs que o autor é liberal, por um lado, por causa de sua ênfase na propriedade de si e nos direitos relacionados à liberdade dos indivíduos e, por outro lado, é igualitário na forma como assume a propriedade comum dos recursos naturais que, em certa medida, deve ser usada para melhorar a igualdade entre os membros da sociedade.
Passando para a terceira condição da Liberdade Real vanparijsiana, a oportunidade leximin se destaca por trazer a questão distributiva à tona, ao exigir que a oportunidade maior possível seja fornecida a todos. Van Parijs (1995) não propõe liberdade total máxima, nem liberdade máxima igual, mas uma liberdade leximin, de modo que as oportunidades daqueles em pior situação devam ser maximizadas.
Desse modo, alguém pode ter mais oportunidades do que outros, mas apenas se, ter mais, não reduz as oportunidades de alguém que tem menos. Dito de outro modo, as instituições devem ser concebidas de tal forma que ofereçam as maiores oportunidades reais para aqueles que têm menos oportunidades, dada a condição de que a liberdade formal de todos seja respeitada.
O “maxmin lexicográfico” expressa a ideia de que os membros de uma sociedade livre (no mais alto grau) são tão livres quanto possível, sendo, para Van Parijs (1994: 72), uma fórmula superior tanto a uma “fórmula puramente agregativa” (por exemplo, uma que focalize as oportunidades do membro médio da sociedade), quanto a uma “fórmula mais igualitária” (em termos, por exemplo, de oportunidades iguais máximas).
Em uma sociedade livre, conforme estabelece a terceira condição:
A pessoa que tem menos oportunidades ainda assim tem oportunidades que não são piores do que aquelas disponíveis pela pessoa com menos oportunidades sob qualquer outro arranjo possível; no caso de haver outro arranjo possível que é igualmente bom para a pessoa com menos oportunidades, então a pessoa que se encontra logo acima na escala de uma sociedade livre deve ter oportunidades que não sejam menores do que a pessoa que ocupa o segundo pior lugar na escala de oportunidades sob esse arranjo alternativo; e assim por diante (VAN PARIJS, 1994VAN PARIJS, Philippe. "Capitalismo de renda básica". Lua Nova, São Paulo, n. 2, 1994, pp. 69-91.: 71-72).
A oportunidade leximin exprime que o tamanho do conjunto de oportunidades é usado como medida de Liberdade Real para todos, ou seja, a oportunidade leximin visa tanto a medição da Liberdade Real, quanto sua distribuição . Como o foco de análise está na proposta de renda básica incondicional, o conjunto de oportunidades surge então como um conjunto de combinações renda-lazer que dependem da capacidade de um indivíduo obter renda, bem como das dotações externas de riqueza .
Sommer (2016SOMMER, Maximilian. A feasible basic income scheme for Germany: Effects on labor supply, poverty, and income inequality. Springer, 2016.) ensina que, como o conceito de Liberdade Real de Van Parijs altera-se de fazer o que se quer fazer para o mais geral fazer o que se pode querer fazer, o tamanho do conjunto de oportunidades de cada indivíduo torna-se central para o autor. Assim, o tamanho dos conjuntos de oportunidades individuais é o distribuendum da abordagem de Van Parijs que, para comparar estados diferentes, utiliza-se da regra leximin.
Além da prioridade lexical na distribuição de oportunidades daqueles que têm menos, há também uma relação de prioridade mais fraca entre as três condições, ou seja, há um padrão segundo o qual os conflitos entre as três condições devem ser resolvidos. A segurança tem prioridade sobre a propriedade de si, que, por sua vez, tem prioridade sobre a oportunidade leximin. Essa reivindicação de prioridade significa que pequenas violações na segunda condição de justiça seriam aceitáveis, se os ganhos na satisfação da primeira fossem suficientemente amplos, por exemplo .
Portanto, a sociedade livre deve dar prioridade à condição de segurança sobre a propriedade de si mesmo, e a esta última sobre a oportunidade leximin; contudo, não é preciso que essa prioridade seja rigidamente lexicográfica, haja vista que perturbações leves da lei e da ordem podem ser toleradas se restrições de monta à liberdade de si ou desvios grandes da oportunidade leximin forem necessárias para eliminá-las . Por isso, restrições leves à propriedade de si podem ser incorporadas à estrutura institucional de uma sociedade livre, caso seja possível sustentar uma melhoria significativa em termos da oportunidade leximin.
Essa concepção libertária-real da justiça defendida por Van Parijs (1995) vai ao encontro do postulado geral de neutralidade ou de igual respeito do libertarismo padrão, ou seja, a visão de que o justo não deve ser determinado com base em alguma concepção substantiva particular de vida boa. Liberdade vem através do postulado da neutralidade, através da restrição da propriedade de si e através de uma preocupação, não diretamente com a própria felicidade das pessoas, mas com os meios necessários para alcançá-la .
A medida de uma sociedade considerada boa para Van Parijs (1995) é determinada exatamente na medida em que uma sociedade é livre; por isso, o autor aceita o afastamento da justiça estrita ou máxima, por exemplo, se isso permitir que as relações sociais se tornem mais fraternas. Ou seja, Van Parijs (1995) defende uma concepção libertária-real que atribui à justiça uma suave prioridade lexicográfica, de modo que a injustiça é admissível somente quando grandes ganhos em termos de outros bens podem ser adquiridos, com desvios insignificantes da Liberdade Real.
Seguindo a perspectiva do libertarismo-real, Van Parijs (1995: 17) questiona, então, “livre para quê?” e responde, à luz da concepção positiva (freedom to), “livre para fazer o que quer que possa querer fazer”4 4 [No original] “Whatever one might want to do”. (VAN PARIJS, 1995_________. Real Freedom for All - What (if anything) can justify capitalism? Oxford: Oxford University Press, 1995.: 20, tradução nossa). O autor explica que tratar todos os membros da sociedade com igual preocupação requer uma concepção de justiça neutra, ou seja, que não seja determinada por uma concepção de bem, mas pelo contrário, que respeite várias concepções de bem por igual, permitindo um leque mais alargado possível de opções, de modo que qualquer acepção positiva de liberdade não remeta a um caminho específico para não contrariar esse preceito .
Já à luz da acepção negativa (freedom from), a liberdade “consiste em não ser impedido de fazer apenas o que se quer fazer, mas o que se possa querer fazer”5 5 [No original] “Consists in not being prevented from doing not just what one wants to do, but whatever one might want to do”. , sem obstáculos que impeçam ou restrinjam a liberdade (VAN PARIJS, 1995_________. Real Freedom for All - What (if anything) can justify capitalism? Oxford: Oxford University Press, 1995.: 19, tradução nossa). Van Parijs (1995) considera insuficiente a visão libertária que considera que a coação ocorre quando praticada exclusivamente por terceiros ― entidades individuais ou coletivas, privadas ou públicas ― sobre o conjunto de direitos estritamente formais, alusivos à sua segurança e à propriedade de si dos indivíduos, os quais, nestes casos, teriam legitimidade para reclamar.
Segundo Van Parijs (1995), não é possível caracterizar alguém como realmente livre, mesmo em um cenário sem constrangimentos formais, se não é possível executar qualquer atividade, seja ela qual for, sem os meios materiais requeridos para tal. Levar em conta apenas a esfera formal é arbitrário, pois a ausência de meios materiais pode ser considerada um obstáculo à liberdade. Por exemplo, “não basta dizer que o João é livre para praticar ciclismo por ter permissão legal e a garantia de segurança (livre de ameaças, violência e confisco) se se vê impossibilitado a fazê-lo por falta do dinheiro suficiente para adquirir uma bicicleta” (RAJÃO, 2018RAJÃO, Hugo. "Capabilities e Rendimento Básico Incondicional: Um Estudo Introdutório sobre as Possibilidades de Compatibilização". Revista Portuguesa de Filosofia, v. 74, n. 2-3, 2018, pp. 695-728.: 702).
Nota-se, assim, que as condições de segurança e propriedade de si são influenciadas pelo conceito negativo de liberdade e representam a liberdade formal. Além disso, a liberdade negativa estende-se através da liberdade positiva para dar aos indivíduos os meios para realmente usar sua liberdade formal. É desse modo que os recursos materiais são adicionados às liberdades formais, a fim de manter as condições que protegem a integridade do processo pelo qual se adquire ou se formam os valores .
Portanto, a sociedade livre identificada com uma sociedade justa pelo libertarismo real eleva as pessoas em pior situação tanto quanto seja possível, incrementando a oportunidade real para que elas desenvolvam sua concepção de vida boa. Contudo, a liberdade não é apenas uma questão de direito, é também uma questão de meios para exercê-la. Isso traz à baila a consequência institucional mais destacável da disposição de Liberdade Real para todos ― a renda básica incondicional a todos os membros da sociedade.
4 A proposta de renda básica incondicional de Van Parijs
Van Parijs (1995) afirma que o ideal de Liberdade Real para todos exige a leximização das rendas das pessoas, sujeito ao respeito da liberdade formal de todos e, mais concretamente, o ideal exige renda básica incondicional como garantia de meios e não apenas de direito para fazer o que quer que se possa querer fazer.
Van Parijs (1995) explica que a Liberdade Real para todos se preocupa não só com a escolha entre os vários pacotes de bens que se deseja consumir, mas também com a liberdade de escolha entre as várias vidas que se possa querer conduzir. O que o autor sustenta, com essa diferenciação, é que a renda é importante, na medida em que seja dada incondicionalmente a cada cidadão, sem restrições. Ou seja, sem qualquer limitação sobre o que se pode comprar e sobre como se pode usar seu tempo.
Dito em outras palavras, Van Parijs (1995) preocupa-se não só com a Liberdade Real de escolher entre complexos de bens de consumo, mas também com a Liberdade Real de levar a própria vida da forma como se deseja. Segundo Reeve , essa posição aponta que a relação entre oportunidade e renda é dupla em termos de oportunidade de consumo e de oportunidade de vivências. Por um lado, o dinheiro disponível define os pacotes de bens que podem ser comprados por uma determinada pessoa. Por outro, aumenta o leque de escolhas de como viver.
A proposição de incondicionalidade da renda básica de Van Parijs (1995) é crucialmente importante para garantir renda sem qualquer restrição à conduta da pessoa beneficiada; sem nenhuma limitação, especialmente, que derive do exercício ou não do trabalho pago. Essa incondicionalidade é considerada “radical”, segundo o autor, porque, ao assegurar a Liberdade Real para todos ― considerando que se pode abstrair por um momento tanto das considerações dinâmicas, quanto das diferenças interpessoais de capacidades ― o objetivo é conceder a renda incondicional mais elevada possível para que seja compatível com a segurança e com a propriedade de si (VAN PARIJS, 1995_________. Real Freedom for All - What (if anything) can justify capitalism? Oxford: Oxford University Press, 1995.: 33).
A renda básica pensada por Van Parijs (1995) é paga a cada membro efetivo da sociedade, independente dos recursos dessa pessoa ― se rica ou pobre, da disposição para trabalhar, do formato familiar ou de onde se vive. Portanto, é pago regularmente a todos na população, individualmente, e não como um único pagamento doméstico; é sem teste e não condicionado à situação familiar ou laboral.
A primeira condição ― pago a cada membro da sociedade, é consequência da neutralidade em relação a diferentes planos de vida. A segunda condição ― independente dos recursos dessa pessoa, corresponde à alegação de Van Parijs de que tal transferência deve ser paga ex ante como uma renda básica incondicional e não como um imposto de renda negativo ex post. A terceira e quarta condição ― pago individualmente, sem teste, centra-se na transferência incondicional, ou seja, independentemente da situação do agregado familiar e dos arranjos de vida .
Segundo Sommer (2016SOMMER, Maximilian. A feasible basic income scheme for Germany: Effects on labor supply, poverty, and income inequality. Springer, 2016.) a renda básica incondicional de Van Parijs foi concebida “como uma transferência individual, independentemente de qualquer preocupação relacionada com a subsidiariedade”6 6 [No original] “an individual transfer regardless of any concern related to subsidiarity”. (SOMMER, 2016SOMMER, Maximilian. A feasible basic income scheme for Germany: Effects on labor supply, poverty, and income inequality. Springer, 2016.: 32, tradução nossa). Isso decorre da reivindicação de maximizar a Liberdade Real de cada indivíduo, maximizando assim os conjuntos de oportunidades.
Por isso, em resumo, a renda básica incondicional é diferente dos pagamentos padrão de política de bem-estar-social que, muitas vezes, estão subordinados à vontade de empreender, de emprego ou se relacionam com considerações locais, níveis de renda, posição dos parceiros ou de outras pessoas que vivem no lar. A renda básica é totalmente individualizada e, normalmente, não é reduzida quando as receitas de outras fontes são adicionadas .
Além disso, devido à sua natureza incondicional, as pessoas podem contar, com segurança, com uma base material sobre a qual uma vida pode descansar firmemente, e qualquer outra renda, seja em dinheiro ou em espécie, do trabalho ou da poupança, do mercado ou do Estado, pode legitimamente ser adicionadas . Em contrapartida, na definição de renda básica vanparijsiana, não há conexão com noções de necessidades básicas, ou seja, essa renda básica pode ficar aquém do que é considerado “necessário para uma existência decente” (VAN PARIJS, 1994VAN PARIJS, Philippe. "Capitalismo de renda básica". Lua Nova, São Paulo, n. 2, 1994, pp. 69-91.: 77).
Pode-se observar, portanto, que o tamanho do conjunto de oportunidades está diretamente ligado à renda, de modo que a distribuição regular assume papel central para Van Parijs. Apoiado na Liberdade Real para todos, o autor buscou justificar normativamente a introdução de uma renda básica incondicional, paga a cada membro efetivo da sociedade individualmente, sem teste, independente da situação familiar ou laboral, da quantidade de recursos, da disposição para trabalhar ou do local onde se vive. A renda básica incondicional e universal, nesses moldes, gerou controvérsias dentro da literatura feminista, por isso, na próxima seção analisaremos quais são os efeitos da proposta de renda básica e de Liberdade Real vanparijsiana para injustiças estruturais de gênero.
5 Renda básica incondicional e universal: Objeções e possibilidades para equidade de gênero
A análise da adequação da renda básica incondicional e universal vanparijsiana, em relação à equidade de gênero, será desenvolvida a partir dos três componentes da Liberdade Real propostos pelo autor, quais sejam, I) segurança, II) propriedade de si e oportunidade leximin.
A primeira condição para a efetivação da Liberdade Real de Van Parijs (1995), a segurança, como tratado anteriormente, diz respeito a uma forte estrutura de direitos respaldados por uma robusta estrutura institucional para garantir a sua efetivação. A segurança, não diz respeito apenas à existência formal de uma legislação ou a previsão legislativa para a criação de benefícios, mas envolve também o arranjo político, social e econômico que garanta efetividade da norma, bem como sua inviolabilidade.
Nesse contexto, Pateman estabelece uma objeção severa à criação de uma renda básica. Segundo a autora, a implementação de uma renda básica é de difícil aceitação entre as sociedades modernas ocidentais, pela vinculação simbólica construída ao longo de séculos entre o trabalho e a renda. Mesmo com avanços de políticas assistenciais, pautadas na fragilidade, como auxílios-maternidade, auxílios-doença e outras formas de seguridade social, a vinculação de benefícios às pessoas dizem respeito a contribuições temporárias que servem a ajudar as pessoas a exercerem o potencial de sua atividade produtiva no mercado de trabalho .
Neste sentido, Lina Coelho explica que uma renda básica incondicional, ainda que fixada em montante adequado, não asseguraria por si só o conjunto de mudanças necessárias para a efetivação de um modelo de sociedade com equidade de gênero. Assim, outras mudanças estruturais devem ser feitas para que seja criado um aparato institucional amplo o suficiente para dar conta do desafio que se coloca adiante, como, por exemplo: a) uma legislação de trabalho com menores jornadas para todos; b) legislações trabalhistas que autorizem a redução de jornada de trabalho mediante requisição do trabalhador; c) efetivação de equiparação salarial em moldes rigorosos para evitar disparidades salariais; d) incentivo a jornada parcial de trabalho para todos os trabalhadores; e) partilha do custo dos cuidados às pessoas; f) sistemas universais de proteção na saúde, independente de empregos e, por fim, g) sistemas de tributação não discriminatórios, que assegurem equidade de gênero.
Nota-se, assim, que mesmo com a efetivação da renda básica, mudanças estruturais complementares de flexibilização do emprego se fazem necessárias para dar conta de gerar, em alguma medida, efetividade para esse novo modelo social de redistribuição de recursos. Tais mudanças, como afirma Coelho (2018COELHO, Lina. "Rendimento Básico Incondicional, Segurança Económica e Igualdade de Género, no Quadro do Capitalismo Pós-industrial". Revista Portuguesa de Filosofia, v. 74, n. 2-3, 2018, pp. 729-758.), teriam o cunho de assegurar uma divisão justa entre as jornadas de trabalho assalariadas e de trabalho de cuidado, garantindo uma retribuição equitativa da renda resultante.
Em relação à questão da tributação, Birnbaum afirma a necessidade de um período de adaptação, para que não haja surpresas na forma como se procederia a arrecadação. Nesse modelo libertário-real, o conjunto relevante de recursos externos deve ser gradualmente equalizado em aumento de oportunidades. A arrecadação se daria conforme a capacidade de contribuição dos agentes produtivos, sem penalizar os que optassem pelo trabalho - no cenário mais adequado, as pessoas poderiam optar por trabalhar ou não.
A opção pelo trabalho traria duas grandes implicações para o mercado de empregos: a) por um lado, os salários deveriam ser atrativos o suficiente para que as pessoas percebam vantagens no trabalho assalariado, bem como a tributação deve ser justa o suficiente para que aqueles que não trabalham não ambicionem aqueles que o fazem; e b) os empregos devem atender padrões mínimos de atratividade com boas condições de labor, bem como as oportunidades de trabalho devem ser enriquecidas para serem mais atrativos a profissionais que desejem se dedicar a trabalhos não-repetitivos e mecânicos.
Tal cenário ― em que o trabalho em si é uma escolha voluntária, por certo, sofreria resistências de setores empresariais produtivos, seja pelo aumento das despesas referentes à capacidade produtiva, seja pela redução de suas margens de lucro por meio de uma tributação progressivamente mais intensa. Neste sentido, em países caracterizados por grande concentração de renda e baixo poder de barganha do trabalhador, como o Brasil, a proposição da renda básica seria uma medida controversa e objeto de grande lobby de grupos econômicos específicos, como já acontece com as políticas de transferência, como o bolsa-família.
Robeyns (2013_________. "A Gender Analysis of Basic Income". In: WIDERQUIST, Karl, et al. Basic Income: An Anthology of Contemporary Research. New Jersey: Wiley Blackwell, 2013, pp. 153-162.), seguindo essa lógica, entende que a introdução de um sistema de renda básica, no molde proposto por Van Parijs, só seria introduzido adequadamente em conjunto com medidas de seguridade social que considerem as situações individuais e de maior vulnerabilidade, para garantir uma base de direitos mínimos. Complementarmente, seria necessária uma grande ampliação de direitos sociais, especialmente no que concerne à distribuição familiar dos recursos. Assim, por exemplo, os direitos de seguridade referentes ao labor podem ser divididos entre os cônjuges na medida de sua produção. Desse modo, seriam somados os montantes adquiridos pelo trabalho assalariado de ambos os cônjuges para, em seguida, haver a divisão equitativa dos montantes recebidos. Essas medidas de equalização do controle dos recursos dentro das famílias, segundo a autora, teriam um maior impacto na redução das desigualdades de gênero na esfera privada .
O que se conclui dessas construções é que é muito difícil, em sociedades ocidentais, superar a imposição da necessidade de cumprimento de jornadas de trabalho e, no caso das mulheres, de jornadas complementares de trabalho de cuidado. A grande dificuldade de Van Parijs, segundo Birnbaum , é transpor a sua teoria para sociedades reais, considerando os principais vieses socioculturais e as relações subjetivas de poder que existem entre as classes mais favorecidas e as classes mais frágeis. Neste sentido, por mais que uma concepção liberal plausível de justiça exija que as políticas criem condições justas e seguras para escolhas genuínas e reflexão ética crítica para a educação que não levem os sujeitos a papéis tradicionais de trabalho e gênero, esse pleito encontra objeções estruturais e políticas que vão muito além da eficiência do modelo de renda básica.
A análise da política de renda básica, sob perspectivas feministas, será feita agora à luz da segunda condição de Liberdade Real de Van Parijs (1995), a propriedade de si. Essa condição, traduzida como exercício positivo (freedom to) e negativo (freedom from) da liberdade, constitui um imperativo de igualdade e de não-subordinação de qualquer natureza para todas as pessoas, de modo que se respeite a concepção de vida boa de cada um. Nos debates feministas, essa discussão é transposta para a equidade de gênero e, especialmente, para a subordinação advinda da divisão das esferas pública e privada que constituem papéis de gênero subalternos às mulheres no tradicional modelo do breadwinner.
Pateman explica que o sistema anglo-americano de seguridade social fora construído sobre a suposição de que as esposas não eram apenas dependentes econômicos de seus maridos, mas cidadãs incapazes cujos direitos derivavam de Estatutos Privados e relações domésticas, e não da cidadania pública. Os cidadãos primários, os maridos, ou homens trabalhadores (breadwinners), eram os responsáveis pela aquisição de benefícios em caso de desemprego ou doença e, em sua velhice, eram os beneficiários diretos das políticas sociais.
Dessarte, o desafio feminista contemporâneo não requer necessariamente a rejeição da ideia de duas esferas, mas a rejeição de sua separação rígida e da relegação implícita ou explícita de homens para uma esfera e as mulheres para a outra esfera (ZELLEKE, 2008ZELLEKE, Almaz. "Reconsidering Independence: Foundations of a Feminist Theory of Distributive Justice". 12th Bien Congress, Dublin, 2008, pp. 1-21.). Portanto, a “equidade de gênero depende do reconhecimento de sua interdependência e da reestruturação de instituições sociais para permitir fluidez entre ambas as esferas para homens e mulheres”7 7 [No original] “Gender equality depends on the recognition of their interdependence and the restructuring of social institutions to allow fluidity between both spheres for both men and women”. (ZELLEKE, 2008: 5-6, tradução nossa).
Neste sentido, ao criticar o modelo de breadwinner, Fraser (1994FRASER, Nancy. "After the Family Wage: Gender Equity and the Welfare State". Political Theory, v. 22, n. 4, 1994, pp. 591-618.) estabelece um referencial para igualdade de gênero no modelo do cuidador universal, que reconhece todas as pessoas como seres relacionais com compromisso de cuidado uns com os outros. Segundo a autora, “a chave para alcançar a igualdade de gênero em um estado de bem-estar pós-industrial [...] está em tornar o atual padrão de vida das mulheres a norma para todos”8 8 [No original] “The key to achieving gender equity in a postindustrial welfare state [...] make- women's current life-patterns the norm for everyone” (FRASER, 1997_________. "After the family wage: a postindustrial thought experiment". In: FRASER, Nancy. Justice interruptus: Critical reflections on the "postsocialist" condition. London: Routledge, 1997, pp. 41-66.: 61, tradução nossa).
De acordo com Fitzpatrick (2013FITZPATRICK, Tony. "A Basic Income for Feminists?" In: WIDERQUIST, Karl, et al. Basic Income: An Anthology of Contemporary Research. New Jersey: Wiley Blackwell, 2013, pp. 163-172.), ao reestruturar as instituições, balizado pelo modelo de cuidador universal da Fraser (1994FRASER, Nancy. "After the Family Wage: Gender Equity and the Welfare State". Political Theory, v. 22, n. 4, 1994, pp. 591-618.), teríamos na renda básica uma das formas de materializar o estatuto da igualdade das mulheres, equalizando o tratamento dos sexos dentro do sistema de benefícios, individualizando o pagamento de transferências de forma simples e desburocratizada. Neste sentido, a medida incorpora um forte elemento de direitos humanos, proporcionando independência financeira para as mulheres ― o que se constitui um avanço, pois, mesmo que não haja garantias de que os papéis de gênero sejam alterados a curto-médio prazo, há um incremento na capacidade da mulher de se libertar de situações de opressão. A renda básica “pode abrir as portas entre o público e privado, permitindo às mulheres maior acesso ao primeiro e aos homens maior acesso a este último”9 9 [No original] “a BI could open the doors between the public and the private, permitting women greater access to the former and men greater access to the latter […]”. (FITZPATRICK, 2013FITZPATRICK, Tony. "A Basic Income for Feminists?" In: WIDERQUIST, Karl, et al. Basic Income: An Anthology of Contemporary Research. New Jersey: Wiley Blackwell, 2013, pp. 163-172.: 167, tradução nossa).
Entretanto, sua verdadeira realização ainda precisa superar os receios postos pelo espectro dos freeriders, especialmente no que diz respeito à continuidade das mulheres em tarefas domésticas e homens em posição inservível nas relações de cuidado. Segundo Fitzpatrick (2013FITZPATRICK, Tony. "A Basic Income for Feminists?" In: WIDERQUIST, Karl, et al. Basic Income: An Anthology of Contemporary Research. New Jersey: Wiley Blackwell, 2013, pp. 163-172.) ao eliminar os obstáculos às horas de trabalho mais curtas entre homens e mulheres, a renda básica não poderia garantir que os homens gastariam o seu tempo livre de trabalho em afazeres domésticos, pois estes poderiam assumir o papel de sujeitos desocupados (freeriders). Ao assumir este papel, homens teriam maior acesso à liberdade de ocupação deixando os encargos domésticos a cargo da esposa, relegando, assim, a mulher à esfera privada do relacionamento e acentuando desigualdades . Uma das objeções da teoria feminista, portanto, não é apenas que a renda básica incondicional e universal falhe em prover às mulheres maior capacidade de negociação, mas que proveja aos homens maior poder e liberdade em detrimento dos direitos individuais de suas esposas .
A existência de freeriders viola o princípio da reciprocidade, pois estes obtêm os frutos dos esforços dos outros sem contribuir nada em troca; desse modo, ainda que a renda básica contribua na capacidade de libertação das mulheres, não é uma garantia de que será um divisor de águas na reestruturação dos arranjos familiares. Neste sentido, a ideia do reforço dos estereótipos de gênero e as discriminações no mercado constituem a noção para algumas autoras de que, talvez, a renda básica leve justamente ao efeito oposto da igualdade .
Contudo, a renda básica pode levar a boas chances de mudança efetiva da condição individual:
Meu argumento é que, à luz dessas razões, uma renda básica é preferível como uma aposta. Uma renda básica é uma parte crucial de qualquer estratégia para a mudança social democrática porque, ao contrário de uma subvenção de capital, poderia ajudar a romper a ligação duradoura entre renda e emprego e acabar com o reforço mútuo das instituições de casamento, emprego e cidadania10 10 [No original] “My argument is that in light of these reasons a basic income is preferable to a stake. A basic income is a crucial part of any strategy for democratic social change because, unlike a capital grant, it could help break the long-standing link between income and employment and end the mutual reinforcement of the institutions of marriage, employment, and citizenship”. (PATEMAN, 2004PATEMAN, Carole. "Democratizing citizenship: some advantages of a basic income". Politics & Society, 32, n. 1, 2004, pp. 89-105. 90, tradução nossa).
O modelo de Van Parijs (1995) aposta na distribuição de recursos para proporcionar propriedade de si, cidadania plena e poder de barganha ao indivíduo. A medida, por reforçar o poder de negociação das pessoas que prestam cuidado a troco de remuneração, bem como das pessoas mais vulneráveis, elimina o grave risco da ausência dos direitos mais básicos e dos abusos aos quais as trabalhadoras tantas vezes estão sujeitas . Para dar conta dessa tarefa, Van Parijs propõe a máxima renda básica incondicional a todos que possa ser sustentada em uma sociedade. Se essa renda for significativa, teria um impacto maior em cumprir seus objetivos. “No entanto, Van Parijs (1995, p. 76) admite que essa renda pode ser muito baixa, até mesmo nula” (ANDERSON, 2014ANDERSON, Elizabeth S. "Qual é o sentido da igualdade?" Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 15, setembro-dezembro 2014, pp. 163-227.: 177). Assim, ergue-se a objeção de que uma renda básica baixa pode não ser satisfatória para materializar equidade de gênero, aliviar o risco de pobreza ou ausência de direitos mais básicos.
Em resumo, é possível afirmar que a propriedade de si, traduzida no exercício da liberdade negativa, refere-se, por um lado, à potencial libertação das amarras e constrições econômicas e de qualidade vida que as pessoas sofrem em função de sua condição marginal; por outro, à potencial liberdade de relações familiares caracterizadas por divisão desigual das responsabilidades domésticas. Assim, incrementa potencialmente a liberdade positiva por aumentar a eficácia na prevenção, em vez de simplesmente aliviar a pobreza , permitindo que as pessoas possam dedicar seus tempos a tudo aquilo que ela possa, de fato, vir a querer fazer, sem enfrentar riscos de perda de condições mínimas de vida, em função da redução de horas de trabalho.
A utilização do advérbio potencial(mente) repetidas vezes no parágrafo anterior, deve-se, como já afirmado Robeyns (2000ROBEYNS, Ingrid. "Hush Money or Emancipation Fee? A Gender Analysis of Basic Income", 2000, pp. 121-136. Disponivel em: <https://www.academia.edu/621286/An_emancipation_fee_or_hush_money_The_advantages_and_disadvantages_of_a_basic_income_for_womens_emancipation_and_well-being>. Acesso em setembro de 2018.
https://www.academia.edu/621286/An_emanc...
), a incerteza de que tal empoderamento coletivo levará, de fato, à equidade de gênero. Segundo a autora, a medida pode não ser tão eficaz quanto outros elementos da política social que alterem a estrutura do trabalho pago e não-remunerado. Entretanto, não há uma teoria consolidada a respeito de quais devem ser os objetivos dessas políticas ou quais são as métricas passíveis de uso para medir a eficácia da renda básica. Para suprir o vazio sobre os objetivos tangíveis de equidade de gênero a serem perseguidas, McLean (2015) apresenta uma tabela (Tabela 01) na qual são analisados os princípios de equidade de gênero propostos por Fraser (1994FRASER, Nancy. "After the Family Wage: Gender Equity and the Welfare State". Political Theory, v. 22, n. 4, 1994, pp. 591-618.) para compreender em que medida a renda básica seria eficaz na promoção da Liberdade Real:
Nota-se através da Tabela 01 que a renda básica pode trazer grandes implicações para as mulheres na determinação de suas escolhas de vida, bem como forneceria as fundações para repensar as relações entre homens e mulheres nas famílias. Contudo, como aponta McLean (2015), o estabelecimento formal de direitos iguais por meio da renda básica não conduz, necessariamente, a resultados iguais.
Em trabalho recente a Fraser (2020_________. "Contradições entre capital e cuidado". Princípios: Revista de Filosofia, v. 27, n. 53, 2020, pp. 261-288.) vai além. A autora afirma que o atual estágio de capitalismo financeirizado promove igualdade entre homens e mulheres na esfera da produção e do labor material, tratando o trabalho de cuidado e a reprodução social como obstáculos a serem removidos. Entretanto, o capitalismo depende do trabalho de cuidado não monetizado e das atividades sociorreprodutivas. Ou seja, o trabalho doméstico, a criação de crianças, a escolarização e a reposição de trabalhadores são indispensáveis para produção econômica e para existência de trabalho remunerado em uma sociedade capitalista. Fraser (2020) acredita que isso gera uma “crise do cuidado” que tem raízes nessa contradição social inerente ao capitalismo. Se essa tese estiver correta, “tal crise não será resolvida com remendos de política social”, como a renda básica incondicional (FRASER, 2020_________. "Contradições entre capital e cuidado". Princípios: Revista de Filosofia, v. 27, n. 53, 2020, pp. 261-288.: 283). Segundo a autora, o “caminho para sua resolução só poderá passar pela profunda transformação estrutural dessa ordem social” (FRASER, 2020: 283-284).
Portanto, o ganho robusto da tese da renda básica incondicional e universal reside na capacidade de potencializar a liberdade das mulheres, contudo, sem constituir uma garantia de fato da propriedade de si. Neste sentido, há uma lacuna no quesito do exercício das liberdades positivas e negativas, dado o caráter incerto da medida, bem como a natureza de aposta que as teóricas feministas têm atribuído a ela.
A análise da política de renda básica incondicional e universal, sob perspectivas feministas, chega ao seu fim à luz da terceira condição para a Liberdade Real de Van Parijs (1995), a oportunidade leximin ou maxmin lexicográfico. Essa condição presume que a estrutura social consiga permitir a todos os indivíduos a oportunidade de fazer o que se possa querer fazer. Assim, a renda básica apresenta-se como uma medida fecunda, pois, como visto, teria a capacidade de libertar os sujeitos das constrições econômicas.
A grande controvérsia, aqui, diz respeito, mais uma vez, à questão do exercício dessa escolha dos indivíduos . Como já tratado anteriormente neste trabalho, a existência de uma liberdade não garante, em si, que estas oportunidades serão plenamente exercidas apenas em função de um maior acesso a recursos. Se não há garantias de que os homens passariam a se dedicar mais às atividades domésticas, também não há garantias de que as mulheres irão se opor às estruturas atuais de gênero. Isso porque, após séculos de referenciais pautados na dominação de gênero, é possível que algumas mulheres façam uso da renda básica para se fortalecer um apego subjetivo à condição subalterna, reforçando, assim, os estereótipos de gênero .
Neste sentido, como sustenta Pateman (2004PATEMAN, Carole. "Democratizing citizenship: some advantages of a basic income". Politics & Society, 32, n. 1, 2004, pp. 89-105.), a oportunidade leximin depende da forma como os indivíduos interagem uns com os outros em suas rotinas diárias; logo, não diz respeito apenas à criação de condições e oportunidades, mas à capacidade efetiva de uso dessas oportunidades ― no que se refere ao desejo de uso da liberdade em si. Dessa forma, tal desejo será constituído pelo sentido cultural dado a tal liberdade; logo, a renda básica em si não seria capaz de transformar a realidade sem uma estrutura de educação, de capacitação, instituições de apoio para o cuidado de filhos pequenos, bem como o cuidado da casa, entre outras medidas que permitam o desenvolvimento sociocultural de tal maneira que homens e mulheres queiram exercer a plenitude de suas capacidades. Com a atual separação ideológica das esferas pública e privada, essa tarefa é extremamente difícil de realizar .
Em outras palavras, a renda básica não garante a equalização de oportunidades ou capacidades, mas sim a garantia dos recursos para que os indivíduos prossigam seus próprios objetivos consistentes com suas habilidades inatas e com um grau semelhante de autonomia sobre suas próprias vidas em relação aos outros . Neste sentido, um grande senso de solidariedade cultural entre homens e mulheres deve ser desenvolvido em uma sociedade antes da concreta efetivação da equidade de gênero nas relações sociais . O principal dilema do liberalismo, nesse aspecto, é que tal solidariedade não deve ser forçada ou imposta, mas deve demandar de um próprio movimento dos indivíduos a partir de sua própria ética crítica.
Contudo, não se pode deixar de observar os avanços sociais que são possíveis por meio da renda básica incondicional e universal. Trata-se de um instrumento de equidade de gênero, tanto em aspectos familiares quanto profissionais. Logo, a renda básica pode ser uma medida eficiente para ganhos de bem-estar subjetivo. Entretanto, sua capacidade de efetivação da oportunidade leximin depende de mudanças graduais em estruturas que estão profundamente enraizadas na sociedade. Os argumentos apresentados podem ser resumidos conforme a Tabela 02 abaixo:
6 Considerações finais
As construções teóricas acerca da adequação da proposta de renda básica e de Liberdade Real de Van Parijs (1995), em relação à equidade de gênero, podem assim ser sumarizadas.
Considerado o primeiro componente (segurança), as limitações da sociedade real apontam insegurança quanto à efetivação dos direitos, em decorrência da existência de um espectro amplo e múltiplo de interesses divergentes. O segundo componente (propriedade de si), revela que há ainda grandes incertezas se o acesso aos recursos permitiria divisão igualitária das responsabilidades de cuidado, de modo que a renda básica se apresenta como uma aposta. Por fim, o último componente (oportunidade leximin) indica que não há certeza do desejo do exercício efetivo das liberdades, visto que há aspectos culturais e sociais que não foram levados em consideração. Dessa forma, a maior objeção à renda básica diz respeito ao caráter de incerteza em relação aos seus resultados para a equidade de gênero.
O que é possível concluir, em relação à equidade de gênero, é que mesmo havendo uma série de vantagens da renda básica, o modelo em estudo, não constitui medida suficiente para atender a todas as condições propostas por Van Parijs quanto à Liberdade Real. Isso refuta a hipótese de pesquisa incialmente aventada, uma vez que a proposta vanparijsiana não consegue resistir, satisfatoriamente, às objeções feministas que foram contrapostas ao seu conteúdo, no que diz respeito à infalibilidade de um projeto de liberdade e de minimização das desigualdades de gênero.
Em uma perspectiva otimista, a visão de Van Parijs apresenta grande potencial de mudança; entretanto, quando se leva em consideração as variadas desigualdades de gênero, fica evidenciada a sua fragilidade. Nesse aspecto, é possível afirmar, que a renda básica incondicional e universal seria um instrumento para aumentar o leque de opções de vida, por meio de recursos, mas não é uma medida que, isoladamente, constitui a solução definitiva para as injustiças relacionados ao gênero. Trata-se de uma ação válida, mas não substantiva o suficiente para a superação dos dilemas e objeções até aqui apresentados. Logo, é possível afirmar que a renda básica possui alguma validade, contudo, não validade absoluta como teoria da justiça de gênero.
7 Referências bibliográficas
- ANDERSON, Elizabeth S. "Qual é o sentido da igualdade?" Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 15, setembro-dezembro 2014, pp. 163-227.
- ATKINSON, Anthony Barnes. Public economics in action: The basic income/Flat tax proposal. Oxford: OUP Catalogue, 1996.
- BARTHOLO, Letícia; PASSOS, Luana; FONTOURA, Natália. "Bolsa Família, autonomia feminina e equidade de gênero: o que indicam as pesquisas nacionais?". Cadernos Pagu, n. 55, 2019, p. 1-33.
- BIRNBAUM, Simon. "Real-Libertarianism, Structural Injustice and the Democratic Ideal". Bien's 10th Congress, The Right to a Basic Income: Egalitarian Democracy, Barcelona, 2004, pp. 1-32.
- _________. Basic income reconsidered: Social justice, liberalism, and the demands of equality. New York: Palgrave Macmillan, 2012.
- BRASIL, Lei n. 10.835, de 8 de janeiro de 2004. Institui a renda básica de cidadania e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 2004. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.835.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%2010.835%2C%20DE%208,Art. Acesso em dezembro de 2019.
» http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.835.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%2010.835%2C%20DE%208,Art - BRASIL, Lei n. 10.836, de 9 de janeiro de 2004. Cria o Programa Bolsa Família e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 2004. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Lei/L10.836.htm Acesso em dezembro de 2019.
» http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Lei/L10.836.htm - COELHO, Lina. "Rendimento Básico Incondicional, Segurança Económica e Igualdade de Género, no Quadro do Capitalismo Pós-industrial". Revista Portuguesa de Filosofia, v. 74, n. 2-3, 2018, pp. 729-758.
- COHEN, Joshua; ROGERS, Joel. (Eds.). What’s wrong with a free lunch? Boston, Massachusetts: Beacon Press, 2001.
- DE BRAUW, Alan; GILLIGAN, Daniel O.; HODDINOTT, John; ROY, Shalini. “The Impact of Bolsa Família on Women’s Decision-Making Power”. World Development, v. 59, jul. 2014, pp. 487-504.
- DWORKIN, Ronald. "What is Equality? Equality of Welfare". Philosophy & Public Affairs, v. 10, n. 3, 1981a, p. 185-246.
- _________. What is Equality? Equality of Resources. Philosophy & Public Affairs, v. 10, n. 4, 1981b, pp. 283-345.
- ELGARTE, Julieta M.. "Basic Income and the Gendered Division". Basic Income Studies - An International Journal of Basic Income Research, n. 3, 2008, pp. 1-7.
- FRASER, Nancy. "After the Family Wage: Gender Equity and the Welfare State". Political Theory, v. 22, n. 4, 1994, pp. 591-618.
- _________. "After the family wage: a postindustrial thought experiment". In: FRASER, Nancy. Justice interruptus: Critical reflections on the "postsocialist" condition. London: Routledge, 1997, pp. 41-66.
- _________. "Contradições entre capital e cuidado". Princípios: Revista de Filosofia, v. 27, n. 53, 2020, pp. 261-288.
- FITZPATRICK, Tony. "A Basic Income for Feminists?" In: WIDERQUIST, Karl, et al. Basic Income: An Anthology of Contemporary Research. New Jersey: Wiley Blackwell, 2013, pp. 163-172.
- GHEAUS, Anca. Basic Income, "Gender Justice and the Costs of Gender‐Symmetrical Lifestyles". Basic Income Studies, v. 3, n. 3, 2008, pp. 1-8.
- HUNYADI, Mark; MÄNZ, Marcus. "Does 'Real‐Freedom‐for‐All' Really Justify Basic Income?" Swiss Political Science Review, v. 4, n. 1, 1998, pp. 43-63.
- JORDAN, Bill. The New Politics of Welfare: Social justice in a global context. London: Sage, 1998.
- LAVINAS, Lena; COBO, Barbara; VEIGA, Alinne. “Bolsa Família: impacto das transferências de renda sobre a autonomia das mulheres pobres e as relações de gênero”. Revista Latinoamericana de Población, v. 6, n. 10, 2012, pp. 31-56.
- MCKAY, Ailsa. "Promoting Gender Equity Through a Basic Income". In: WIDERQUIST, Karl, et al. Basic Income: An Anthology of Contemporary Research. New Jersey: Wiley Blackwell, 2013, pp. 178-185.
- MCKAY, Ailsa; VANEVERY, Jo. Thoughts on a Feminist Argument for Basic Income. Department of Economics. Glasgow: Caledonian University, 1995.
- MCLEAN, Caitlin. "Beyond Care: Expanding the Feminist Debate on Universal Basic Income". Wise Research Centre, n. 1, 2015, pp. 1-12
- ORLOFF, Ann S. "Why Basic Income does not Promote Gender Equality". In: WIDERQUIST, Karl, et al. Basic Income: An Anthology of Contemporary Research. Wiley Blackwell, 2013, pp. 149-152.
- PATEMAN, Carole. "Democratizing citizenship: some advantages of a basic income". Politics & Society, 32, n. 1, 2004, pp. 89-105.
- _________. "Free-riding and the Household". In: WIDERQUIST, Karl, et al. Basic Income: An Anthology of Contemporary Research. New Jersey: Wiley Blackwell, 2013, pp. 173-177.
- RAJÃO, Hugo. "Capabilities e Rendimento Básico Incondicional: Um Estudo Introdutório sobre as Possibilidades de Compatibilização". Revista Portuguesa de Filosofia, v. 74, n. 2-3, 2018, pp. 695-728.
- REEVE, Andrew. "Introduction". In: REEVE, Andrew; WILLIAMS, Andrew. Real libertarianism assessed: political theory after Van Parijs. New York: Palgrave Macmillan, 2003, pp. 1-14.
- REGO, Walquiria Leão; PINZANI, Alessandro. Vozes do Bolsa Família: autonomia, dinheiro e cidadania. São Paulo: Editora Unesp, 2013.
- ROBEYNS, Ingrid. "Hush Money or Emancipation Fee? A Gender Analysis of Basic Income", 2000, pp. 121-136. Disponivel em: <https://www.academia.edu/621286/An_emancipation_fee_or_hush_money_The_advantages_and_disadvantages_of_a_basic_income_for_womens_emancipation_and_well-being>. Acesso em setembro de 2018.
» https://www.academia.edu/621286/An_emancipation_fee_or_hush_money_The_advantages_and_disadvantages_of_a_basic_income_for_womens_emancipation_and_well-being - _________. "A Gender Analysis of Basic Income". In: WIDERQUIST, Karl, et al. Basic Income: An Anthology of Contemporary Research. New Jersey: Wiley Blackwell, 2013, pp. 153-162.
- SILVEIRA, Denise Tolfo; CÓRDOVA, Fernanda Peixoto. "Unidade 2 - A Pesquisa Científica". In: SILVEIRA, Denise Tolfo; GERHARDT, Tatiana Engel (Eds.). Métodos de pesquisa. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009.
- SOMMER, Maximilian. A feasible basic income scheme for Germany: Effects on labor supply, poverty, and income inequality. Springer, 2016.
- STANDING, Guy. "The need for a new social consensus". In: VAN PARIJS, Philippe. Arguing for Basic Income. Ethical Foundations for a Radical Reform. Londres, 1992, pp. 47-60.
- VALLENTYNE, Peter. "Self-ownership and equality: Brute luck, gifts, universal dominance, and leximin". Ethics, v. 107, n. 2, 1997, pp. 321-343.
- VAN DER VEEN, Robert J. "Real freedom versus reciprocity: competing views on the justice of unconditional basic income". Political Studies, v. 46, n. 1, 1998, pp. 140-163.
- VAN DONSELAAR, Gijs. The right to exploit: Parasitism, scarcity, and basic income. Oxford University Press, 2009.
- VAN PARIJS, Philippe. "Capitalismo de renda básica". Lua Nova, São Paulo, n. 2, 1994, pp. 69-91.
- _________. Real Freedom for All - What (if anything) can justify capitalism? Oxford: Oxford University Press, 1995.
- VEEN, Robert Van Der; GROOT, Loek. (Eds.). Basic Income on the Agenda: Policy Objectives and Political Chances. Amsterdam: Amsterdam University Press, 2000.
- WALTER, Tony. Basic income: freedom from poverty, freedom to work. London: Marion Boyars, 1989.
- WITHORN, Ann. "Is One Man’s Ceiling Another Woman’s Floor?" In: WIDERQUIST, Karl, et al. Basic Income: An Anthology of Contemporary Research. New Jersey: Wiley Blackwell, 2013, pp. 145-148.
- ZELLEKE, Almaz. "Reconsidering Independence: Foundations of a Feminist Theory of Distributive Justice". 12th Bien Congress, Dublin, 2008, pp. 1-21.
-
1
Ainda que não seja o objetivo da pesquisa, este trabalho também pode contribuir para a literatura que trata da distribuição de renda e recurso como estratégia de desenvolvimento. No Brasil, tais pautas já se traduzem no caso do programa Bolsa-Família (Lei n. 10.836, de 9 de Janeiro de 2004) e na Lei que institui a Renda Básica de Cidadania (Lei n. 10.835, de 8 de Janeiro de 2004). Atualmente, a temática da renda básica universal voltou às pautas dada a finalidade da medida em combater a crescente desigualdade no contexto da pandemia de COVID-19. Para outras pesquisas, com metodologias diversas, no campo das políticas sociais e estudos de gênero vide: LAVINAS, L; COBO, B; VEIGA, A. (2012); REGO, W. L.; PINZANI, A. (2013); DE BRAUW, A.; et al. (2014); BARTHOLO, L., PASSOS, L., FONTOURA, N. (2019).
-
2
[No original] “Note that self-ownership is here to be understood in a sense that is weak enough to be consistent with the impossibility of actually doing anything with oneself, owing, for example, to not being entitled to stand anywhere; but at the same time in a sense that is strong enough to exclude not just slavery or feudal bondages, but also compulsory schooling or military service and the imposition of lump-sum taxes on people's talents”.
-
3
As teorias liberais contemporâneas da justiça têm discutido como o Estado poderia compensar a sorte. As diferentes teorias igualitárias liberais da justiça defenderam várias maneiras de fazer essa compensação, a partir da distinção entre a sorte de opção e a sorte bruta. A primeira é uma consequência das decisões que as pessoas tomam durante suas vidas e elas são responsáveis por elas. A segunda é devido ao mero acaso. Neste sentido ver: DWORKIN, 1981a; DWORKIN, 1981b.
-
4
[No original] “Whatever one might want to do”.
-
5
[No original] “Consists in not being prevented from doing not just what one wants to do, but whatever one might want to do”.
-
6
[No original] “an individual transfer regardless of any concern related to subsidiarity”.
-
7
[No original] “Gender equality depends on the recognition of their interdependence and the restructuring of social institutions to allow fluidity between both spheres for both men and women”.
-
8
[No original] “The key to achieving gender equity in a postindustrial welfare state [...] make- women's current life-patterns the norm for everyone”
-
9
[No original] “a BI could open the doors between the public and the private, permitting women greater access to the former and men greater access to the latter […]”.
-
10
[No original] “My argument is that in light of these reasons a basic income is preferable to a stake. A basic income is a crucial part of any strategy for democratic social change because, unlike a capital grant, it could help break the long-standing link between income and employment and end the mutual reinforcement of the institutions of marriage, employment, and citizenship”.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
13 Out 2023 -
Data do Fascículo
Jul-Sep 2023
Histórico
-
Recebido
16 Set 2021 -
Aceito
29 Mar 2022