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A duração do trabalho e os três espíritos do capitalismo

Resumo

Este artigo objetiva traçar um panorama histórico a respeito da duração do trabalho e de sua limitação ao longo das três principais fases do capitalismo, às quais correspondem maneiras particulares de controle dos tempos de trabalho. Apresenta também de que modo a questão da jornada de trabalho vem sendo discutida na experiência brasileira.

Palavras-chave:
Jornada de Trabalho; Capitalismo; Direito do Trabalho

Abstract

This article aims to draw a historical overview about the working-time and its limitation along the three main stages of capitalism, which correspondence to specific ways of controlling working day. Also presents the question of how working hours is being debated in the Brazilian experience.

Keywords:
Working-Time; Capitalism; Labor Law

1. Introdução

A expressão “espíritos do capitalismo” está relacionada à obra dos escritores Luc Boltanski e Eve Chiapello, intitulada “O novo espírito do Capitalismo”1 1 A opção das autoras pela referida expressão tem como ponto de partida a obra de Max Weber “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, na qual Weber explica que as pessoas precisaram de fortes razões morais para aderirem ao capitalismo nascente, que à época foram encontradas na ideia de vocação para o trabalho defendida pelo protestantismo. , que tem como objetivo facilitar a compreensão das condições históricas que permitiram ao capitalismo, em diferentes momentos históricos, obter o engajamento dos atores sociais necessários à sua sobrevivência enquanto modo de produção dominante. De acordo com os autores,

O espírito do capitalismo é justamente o conjunto de crenças associadas à ordem capitalista que contribuem para justificar e sustentar essa ordem, legitimando os modos de ação e as disposições coerentes com ela. Essas justificações, sejam elas gerais ou práticas, locais ou globais, expressas em termos de virtude ou em termos de justiça, dão respaldo ao cumprimento de tarefas mais ou menos penosas e, de modo mais geral, à adesão a um estilo de vida, em sentido favorável à ordem capitalista. (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Eve. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009., p. 42.)

Este artigo objetiva traçar um panorama histórico a respeito da duração do trabalho e de sua limitação ao longo das três principais fases do capitalismo, identificadas por Boltanski e Chiapello como seus “três espíritos”. Antes disso, é importante tratar, ainda que brevemente, das formas de trabalho e de controle do tempo de trabalho nos modos de produção pré-capitalistas.

Na década de 1990, o sociólogo Sadi Dal Rosso iniciou o seu itinerário pela história da duração do trabalho no mundo tendo como ponto de partida a Roma antiga, de economia predominantemente agrária e escravocrata, apesar de também contar com o trabalho de camponeses livres, arrendatários e trabalhadores volantes, que executavam montantes de trabalho semelhantes quanto à duração. De acordo com ele, a jornada dos escravos certamente era mais longa que a dos demais trabalhadores, pois a eles não eram aplicáveis as interdições sociais ao trabalho que recaíam sobre os romanos. (DAL ROSSO, 1996DAL ROSSO, Sadi. A jornada de trabalho na sociedade: o castigo de prometeu. São Paulo: LTr, 1996.)

A principal limitação ao exercício do trabalho agrícola na Roma Antiga era natural, pois ele começava ao nascer do sol e terminava ao seu poente. Além disso, as estações do ano também influenciavam na quantidade de trabalho executada, pois no inverno se trabalhava para a obtenção do mínimo necessário à subsistência, enquanto que no outono, primavera e verão, trabalhava-se mais. Quanto ao controle dos tempos de trabalho, Dal Rosso afirma que a contagem exata das horas não era acessível a todos os romanos, e que instrumentos de medição, como a clepsidra, só estavam disponíveis aos segmentos mais aristocráticos da sociedade. (DAL ROSSO, 1996DAL ROSSO, Sadi. A jornada de trabalho na sociedade: o castigo de prometeu. São Paulo: LTr, 1996.)

Na idade média, a forma de contagem de tempo foi modificada após a reforma da Igreja Católica ocorrida no século VI d.C., que espalhou monastérios pelo continente europeu e instituiu as horas canônicas para a realização de ofícios pelos monges.

As horas canônicas eram atos religiosos coletivos, para cujo exercício os monges eram convocados pelo sino da igreja a intervalos determinados, separados por três horas. O sino exercia, primeiramente, este papel de despertar e chamar os monges para os ofícios divinos. Mas a voz do sino preenchia outra função muito importante: espalhava-se pelas distancias e servia de balizamento das horas para o conjunto da população que habitava as vilas e cidades próximas aos mosteiros. O sino da igreja badalando as horas do oficio divino organizava socialmente a vida da população. Organizava também a jornada de trabalho, à medida que possibilitava um meio confiável e acessível para a divisão do tempo e controle do trabalho. (DAL ROSSO, 1996DAL ROSSO, Sadi. A jornada de trabalho na sociedade: o castigo de prometeu. São Paulo: LTr, 1996.. P. 74)

Com a formação das cidades-estados, o poder de marcar as horas saiu das mãos da Igreja para as mãos dos comerciantes e burgueses, e a torre municipal passou a ser o local onde eram instalados os sinos ou Jacquemarts2 2 Homem de metal ou madeira que batia com um martelo no sino do relógio ao passar das horas. (DAL ROSSO, 1996. p. 74-75) (bate-horas). Para as populações que viviam afastadas dos centros das cidades, o tempo de trabalho continuou condicionado ao nascer e ao pôr do sol. (DAL ROSSO, 1996DAL ROSSO, Sadi. A jornada de trabalho na sociedade: o castigo de prometeu. São Paulo: LTr, 1996.)

Dal Rosso, a partir dos dados coletados por ele na obra de Gösta Langenfelt3 3 Gösta Langenfelt, A origem do dia de oito horas, 1954, p. 38-45 apud DAL ROSSO, 1996. estimava que a duração anual do trabalho na Idade Média fosse de até 2500 horas ao ano, assumindo que as pessoas não trabalhavam aos domingos e durante as principais festividades religiosas, e que havia trabalho parcial durante a vigília que antecedia as festividades religiosas. Ainda de acordo com ele, esse padrão de horas de trabalho anual foi expandido com o advento do mercantilismo e com a passagem para o modo de produção capitalista.

De acordo com essa estimativa, a duração do trabalho apresentou a seguinte dinâmica ao longo de sua história:

2. A duração do trabalho no primeiro espírito do capitalismo. A questão da jornada de trabalho em Marx.

Boltanski e Chiapello (2009)BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Eve. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009. traçam um panorama histórico e social das condições de existência dos três espíritos do capitalismo, que elencam como sendo as principais variações desse modo de produção desde o seu surgimento. De acordo com os autores, o primeiro espírito do capitalismo tem como figura heroica o burguês empreendedor, do final do século XIX, que está associado às ideias de libertação das formas tradicionais de dependência pessoal e à inovação.

Esse espírito também estava pautado nos valores burgueses, que no âmbito econômico se manifestavam na tendência a racionalizar a vida cotidiana em todos os seus aspectos, e na vida privada, através de posicionamentos tradicionais, atribuindo grande importância à família, à linhagem, ao patrimônio, à castidade das moças (para evitar casamentos desvantajosos e dilapidação do capital) e ao caráter patriarcal das relações mantidas com os empregados. Além disso, havia uma forte “crença no progresso, no futuro, na ciência, na técnica, nos benefícios da indústria”, que justificava uma visão utilitarista, segundo a qual sacrifícios tinham de ser feitos em nome desse progresso. (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Eve. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009., p. 49-50)

É no contexto do primeiro espírito do capitalismo que Karl Marx publica o livro I d’O Capital, no qual dedica uma seção específica ao estudo da jornada de trabalho nas fábricas inglesas daquela época e expõe a sua visão acerca dos limites da exploração da força de trabalho humana. De acordo com ele, “a grandeza da jornada de trabalho” se constitui da soma do tempo necessário à produção dos meios de subsistência médios diários do trabalhador e do tempo de mais-trabalho, que determina a quantidade de mais-valia que será apropriada pelo empregador. (MARX, 2013MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I. trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013. p. 305-306)

Marx defende a existência de uma dupla determinação da duração máxima da jornada de trabalho diária, em primeiro lugar pela limitação física da força de trabalho, que durante um dia precisa satisfazer as suas necessidades físicas, como se alimentar e descansar; e em segundo lugar, pelos limites morais/sociais da duração do trabalho, considerando que os trabalhadores também necessitam de tempo para se dedicar às suas necessidades intelectuais e sociais, cujos níveis eram determinados pelo nível geral de cultura da época. (MARX, 2013MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I. trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013. p. 306)

Outra questão importante apontada nos estudos de Marx é a existência de uma avidez por mais-trabalho, que se intensifica no modo de produção capitalista, mas que não é exclusividade desse sistema, pois

onde quer que uma parte da sociedade detenha o monopólio dos meios de produção, o trabalhador, livre ou não, tem de adicionar ao tempo de trabalho necessário à sua auto conservação um tempo de trabalho excedente a fim de produzir os meios de subsistência para o possuidor dos meios de produção. (MARX, 2013MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I. trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013. p. 309)

O pensador alemão apresenta as Factory Acts inglesas como primeiras normas destinadas a refrear o impulso do capital pela sucção ilimitada da força de trabalho, pois essas leis estabeleciam uma limitação compulsória da jornada de trabalho, que deveria ser observada pela burguesia britânica. Ao lado das atividades com duração diária limitada pelas Factory Acts, Marx apresenta também as formas de labor que não se sujeitavam a nenhuma regulamentação estatal. Para tanto, recorre aos relatórios elaborados pela Child Employment Commission, encarregada de visitar as fábricas e relatar as condições de trabalho das crianças inglesas, e também dos demais trabalhadores.

Os relatórios discutidos por Marx versam sobre diferentes categorias de trabalhadores, envolvidos em diferentes atividades, e indicam a mão-de-obra predominante (masculina, feminina ou infantil), assim como o número de horas trabalhadas por eles.

Quanto à duração do trabalho infantil, chamam atenção as jornadas extenuantes prestadas pelas crianças nas atividades descritas por Marx. Na fabricação de rendas, havia crianças trabalhando de 18 a 20 horas ininterruptas; nas olarias, meninas e meninos trabalhavam de 15 a 20 horas por dia; na manufatura de palitos de fósforo, cuja metade dos empregados era composta por crianças, a jornada variava de 12 a 15 horas diárias, igualmente ininterruptas; e na fabricação de papéis de parede, mulheres e crianças trabalhavam aproximadamente 16 horas por dia, sem intervalo para alimentar-se, havendo relatos de mães que alimentavam e cuidavam de seus filhos sob as máquinas, em seus postos de trabalho.

A mão de obra masculina tinha jornadas ainda mais extensas do que os dados informados pelos relatórios da Child Employment Commission, como consta dos exemplos trazidos por Marx das categorias dos oficiais padeiros, ferroviários e agricultores, que tinham jornadas que variavam entre as 16 e 18 horas diárias em baixa estação, chegando até 20 horas durante a alta estação em Londres. A categoria dos ferroviários tinha jornadas especialmente longas, que durante o movimento normal dos trens variava entre as 13 até 20 horas diárias, mas durante a London Season poderia durar de 40 a 50 horas ininterruptas, razão pela qual ocorriam muitos acidentes com mortes nas linhas férreas inglesas.

A apropriação do trabalho feminino era particularmente vista em atividades fabris ligadas à produção têxtil. Marx relata um exemplo emblemático de morte por excesso de trabalho da modista inglesa a Mary Walkley, morta após trabalhar por 30 horas ininterruptas na confecção de vestidos para as senhoras da alta sociedade inglesa. O pensador alemão destacou que, durante a alta estação, as moças empregadas nessas atividades passavam até 30 horas seguidas trabalhando para fazer frente à demanda por roupas, sem que para isso tivessem intervalos para descanso ou alimentação.

Ao tratar da distinção entre o trabalho diurno e noturno, e do trabalho em sistema de revezamento, Marx reafirma que “apropriar-se do trabalho 24 horas por dia é, assim, o impulso imanente da produção capitalista”, por isso, a fim de superar a limitação física da força de trabalho, torna-se necessário estabelecer um sistema de revezamento entre os empregados, de acordo com as necessidades empresariais. A fim de ilustrar como funcionava esse sistema, faz referência ao quarto relatório elaborado pela Child Employment Commission, no qual registram os fiscais de fábrica:

A turma escalada para o turno diurno trabalha semanalmente 5 dias de 12 horas e um dia de 18 horas, e a turma escalada para o turno da noite trabalha 5 noites de 12 horas e uma de 6 horas. Em outros casos, cada turma trabalha 24 horas, uma depois da outra, em dias alternados. Para completar as 24 horas, uma turma trabalha 6 horas na segunda feira e 18 horas no sábado. Em outros casos introduziu-se um sistema intermediário em que todos os empregados na maquinaria de fabricação de papel trabalham todos os dias da semana por 15-16 horas. Esse sistema, diz o comissário de inquérito Lord, parece unir todos os males dos revezamentos de 12 e 24 horas. Crianças menores de 13 anos, jovens menores de 18 anos e mulheres trabalham sob esse sistema noturno. Às vezes, no sistema de 12 horas, eles eram obrigados, por conta da ausência de quem iria rendê-los, a trabalhar o turno duplo de 24 horas. Depoimentos de testemunhas provam que meninos e meninas trabalham com muita frequência além do tempo da jornada de trabalho, que não raro se estende a 24 e até mesmo 36 horas. (MARX, 2013 p. 332)

A fixação de uma jornada normal de trabalho, segundo Marx, resultou de 400 anos de luta entre capitalistas e trabalhadores na Inglaterra, e durante esse período haviam duas correntes antagônicas em evidência: a) a primeira inscrita nos estatutos dos trabalhadores anteriores ao período industrial, nos quais se garantia ao capital em seu estado embrionário o direito a extrair uma quantidade suficiente de mais-trabalho por meio da coerção estatal; e b) a legislação fabril do final do século XIX que limitava compulsoriamente a jornada de trabalho. (MARX, 2013MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I. trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013.. p. 343)

Dentre as normas elaboradas no período industrial, Karl Marx destacou a Lei de 1833, a Lei de 1844 e a lei das 10 horas, de 1º de maio de 1848. A Lei de 1833 previa uma jornada que se iniciava às 5 da manhã e terminava às 20:30, perfazendo um total de 15 horas diárias. Permitia o trabalho de adolescentes durante 12 horas diárias, distribuídas a critério do empregador, e proibia a realização de trabalho noturno por pessoas com idade de 9-18 anos. Era considerado noturno o trabalho prestado das 20:30 às 5h.

A lei de 1844, que vigorou até 1847, previa uma jornada de trabalho um pouco menor, com duração de 12 horas diárias. Nesse período houve grande agitação política dentro das classes trabalhadoras, que tinham como lema a busca por uma jornada de trabalho de 10 horas, o que fez com que a jornada de 12 horas fosse implementada de maneira geral e uniforme, para todos os ramos da indústria sujeitos à legislação fabril. Porém, como forma de compensar os industriais pela restrição à extração de mais-trabalho, o governo inglês reduziu a idade com a qual as crianças poderiam ser empregadas, de 9 para 8 anos. (MARX, 2013MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I. trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013.. p. 355)

Especificamente durante os anos de 1846-1847, houve uma crise econômica na Inglaterra, e o movimento dos cartistas e pela jornada de 10 horas cresceram tanto que a Lei das 10 horas foi finalmente aprovada, mas a sua implementação se daria de maneira gradativa, passando para 11 horas em julho de 1847, e para 10 horas em maio de 1848. A reação dos industriais foi reduzir os salários inicialmente em 10%, seguido por outra redução de 8,5% assim que a jornada de 11 horas entrou em vigor. Além disso, usaram de ameaças e toda forma de coação para que os trabalhadores assinassem petições pedindo a revogação da lei das 10 horas, que quando ouvidos pelos inspetores de fábrica, atestaram ter sido forçados a assinar tais documentos. (MARX, 2013MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I. trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013.. p. 356)

Apesar dessa campanha dos empregadores contra a lei das 10 horas, ela entrou em vigor, mas assim como as suas predecessoras, não limitava o trabalho do operário masculino maior de 18 anos, que continuou trabalhando de 12 a 15 horas diárias. Somente em 1850, fabricantes e trabalhadores chegaram a um acordo a respeito da duração da jornada diária de trabalho, que Marx descreve no trecho a seguir

A jornada de trabalho para “jovens e mulheres” foi prolongada, nos primeiros cinco dias da semana, de 10 para 10 horas e meia e diminuída para 7 horas e meia aos sábados. O trabalho deve ser realizado no período entre as 6 horas da manhã e as 6 horas da tarde, com 1 hora e meia de pausas para as refeições, que devem ser as mesmas para todos, e em conformidade com as regras de 1844. Com isso pôs-se fim, de uma vez por todas, ao sistema de revezamento. Para o trabalho infantil, continuou em vigor a lei de 1844. (MARX, 2013 p. 364)

Marx finaliza o seu relato sobre o histórico das lutas pela jornada normal de trabalho explicando como a luta dos operários ingleses repercutiu em outros países, como na França, que limitou a jornada de trabalho a 12 horas em 1855, e nos EUA, onde após declarado o fim da escravidão, surgiu um movimento operário cuja principal exigência era a jornada de trabalho de oito horas diárias. (MARX, 2013 p. 371-372)

No encerramento do capítulo dedicado à jornada de trabalho em “O Capital” há um importante retrato do trabalhador inserido no momento histórico no qual predominava o primeiro espírito do capitalismo:

Temos de reconhecer que nosso trabalhador sai do processo de produção diferente de quando nele entrou. No mercado, ele, como possuidor da mercadoria “força de trabalho”, aparece diante de outros possuidores de mercadorias. O contrato pelo qual ele vende sua força de trabalho ao capitalista prova – por assim dizer, põe o preto no branco – que ele dispõe livremente de si mesmo. Fechado o negócio, descobre-se que ele não era “nenhum agente livre”, que o tempo de que livremente dispõe para vender sua força de trabalho é o tempo em que é forçado a vendê-la, que, na verdade, seu parasita [Sauger] não o deixará “enquanto houver um músculo, um nervo, uma gota de sangue para explorar”. Para se proteger contra a serpente de suas aflições, os trabalhadores têm de se unir e, como classe, forçar a aprovação de uma lei, uma barreira social instransponível que os impeça a si mesmos de, por meio de um contrato voluntário com o capital, vender a si e a suas famílias à morte e à escravidão. (MARX, 2013 p. 373-374)

É importante compreender que, a cada espírito do capitalismo corresponde uma forma de controle do tempo de trabalho, e que ao final do século XIX e início do século XX, tem início os estudos e experimentos destinados a aprimorar o processo produtivo, dentre os quais se destaca o taylorismo, forma de controle do tempo de trabalho que atingiu o seu desenvolvimento completo no período correspondente ao segundo espírito do capitalismo, que será visto a seguir.

3. A duração do trabalho no segundo espírito do capitalismo. O sistema taylorista-fordista e as formas de controle e gerenciamento do tempo de trabalho.

De acordo com Boltanski e Chiapello (2009)BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Eve. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009., o segundo espírito do capitalismo – que se manifesta no período dos anos 1930-1960 – está centrado no desenvolvimento da grande empresa industrial centralizada e burocratizada e tem como figura heroica o diretor que,

diferentemente do acionista que procura aumentar sua riqueza pessoal, é habitado pela vontade de aumentar ilimitadamente o tamanho da firma que ele dirige, com o fim de desenvolver uma produção de massa, baseada em economias de escala, na padronização dos produtos, na organização racional do trabalho e em novas técnicas de ampliação dos mercados (marketing). (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Eve. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.. p. 50)

Nesse segundo espírito, a organização da vida na empresa e em sociedade se pauta na ideia de planejamento de longo prazo. As organizações oferecem planos de carreira e infraestrutura para a vida cotidiana de seus funcionários, como moradias e centros de formação e lazer. Há também uma nova vertente ideológica, com o objetivo de adequar o capitalismo às demandas por justiça social e de salvá-lo de um colapso, após a crise de 1929, que é chamada de Estado de bem-estar social, e se pauta nos seguintes valores:

Quanto à referência a um bem comum, é feita não só por meio da composição com um ideal de ordem industrial encarnada pelos engenheiros - crença no progresso, esperanças na ciência e na técnica, na produtividade e na eficácia -, mais pregnante ainda que na versão anterior, mas também com um ideal que pode ser qualificado de cívico no sentido de enfatizar a solidariedade institucional, e a socialização da produção, da distribuição e do consumo, bem como a colaboração entre as grandes empresas e o Estado com o objetivo de alcançar a justiça social. (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Eve. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.. p. 51)

É nesse contexto que surge o sistema taylorista de organização do trabalho, cujo elemento central é o estudo e controle do tempo de execução do trabalho como forma de racionalizar ao máximo a produção. Geraldo Augusto Pinto (2013)PINTO, Geraldo A. A organização do trabalho no século XX: taylorismo, fordismo e Toyotismo. 3.ed. São Paulo: Expressão Popular, 2013. elenca os principais elementos do taylorismo como sendo:

a) estudo do tempo; b) chefia numerosa e funcional; c)padronização dos instrumentos e materiais utilizados, como também de todos os movimentos dos trabalhadores para cada tipo de serviço; necessidade de uma seção de planejamento; e) fichas de instrução para os trabalhadores; e f) ideia de “tarefa” na administração, associada a alto prêmio para os que realizam toda tarefa com sucesso; g) pagamento com gratificação diferencial. (PINTO, 2013PINTO, Geraldo A. A organização do trabalho no século XX: taylorismo, fordismo e Toyotismo. 3.ed. São Paulo: Expressão Popular, 2013.. p. 30)

O próprio Frederick Winslow Taylor explica como chegou à padronização dos tempos e movimentos dos empregados envolvidos em seu experimento, que culminou na elaboração dos Princípios da Administração Científica, que ditaram o comportamento das organizações desde o início do século XX até a passagem para o modelo de acumulação flexível. De acordo com ele, era preciso seguir as regras elencadas abaixo

Primeira — Encontrar, digamos, 10 ou 15 trabalhadores (preferentemente de várias empresas e de diferentes regiões do país) particularmente hábeis em fazer o trabalho que vai ser analisado. Segunda — Estudar o ciclo exato das operações elementares ou movimentos que cada um destes homens emprega, ao executar o trabalho que está sendo investigado, como também os instrumentos usados. Terceira — Estudar, com o cronômetro de parada automática, o tempo exigido para cada um destes movimentos elementares e então escolher os meios mais rápidos de realizar as fases do trabalho. Quarta — Eliminar todos os movimentos falhos, lentos e inúteis. Quinta — Depois de afastar todos os movimentos desnecessários, reunir em um ciclo os movimentos melhores e mais rápidos, assim como os melhores instrumentos. (TAYLOR, 1995TAYLOR, Frederick Winslow. Princípios da Administração Científica. Tradução de Arlindo Vieira Ramos. 8.ed. São Paulo: Atlas, 1995.. p. 86)

Os princípios elencados por Taylor resultaram na possibilidade de utilização de mão de obra barata e altamente especializada, através de um treinamento com custos relativamente baixos, cujo nível de conhecimento técnico era suficiente para que ocupassem os seus postos e realizassem as tarefas previamente determinadas pelas gerências, e acompanhadas de perto pelo supervisor de cada equipe. Esses princípios foram a base do sistema de organização do trabalho posteriormente implementado por Henry Ford em suas fábricas.

Quanto à duração do trabalho sob o regime taylorista importa dizer que esse sistema esteve em plena vigência especialmente no período entre guerras (1ª e 2ª guerras mundiais), apesar de o movimento sindical estar em uma fase de crescimento e fortalecimento.

Após a primeira guerra mundial, ocorreu a internacionalização das discussões a respeito do tema “jornada de trabalho”, especialmente com a criação da OIT em 1919ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção nº 01 de 1919. Duração do trabalho na Industria. Disponível em: https://goo.gl/MSymWm. Acesso em: 28 jun. 2018.
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. No mesmo ano foi editada a Convenção Nº 1 sobre a Duração do Trabalho na Indústria, que limitou, em seu Artigo 2º, a duração máxima do trabalho nos estabelecimentos industriais em oito horas diárias e quarenta e oito semanais, excluídas dessa limitação as pessoas que exerçam cargos de chefia ou de confiança e as empresas familiares.

A Convenção Nº 1 também previu a possibilidade de rearranjo das horas de trabalho, na qual os empregados trabalhariam nove horas durante cinco dias a fim de obter mais um dia livre ao final da semana, mas para isso dependiam do diálogo entre sindicatos e patrões. Também tratou da duração trabalho realizado em turnos, deixando claro que seria possível uma duração diária superior a oito horas ou semanal maior que 48 horas, desde que a duração média do trabalho no período de três semanas ou menor não fosse superior a quarenta e oito horas semanais e oito diárias. Se o trabalho em turnos fosse necessário em virtude de a empresa operar de forma contínua, a jornada semanal poderia atingir até 56 horas, sem prejuízo de descansos compensatórios, que deveriam ser concedidos na forma prevista pelas autoridades nacionais dos países signatários.

Com a extrema racionalização dos tempos e movimentos dos trabalhadores e a sua submissão às cadências ditadas pela máquina e pelo cronômetro taylorista, tornou-se possível que, num mesmo número de horas de trabalho, fossem produzidos cada vez mais bens, mais valores de uso. “O taylorismo compensa menores jornadas de trabalho com maior intensificação do processo de trabalho”. (DAL ROSSO, 1996DAL ROSSO, Sadi. A jornada de trabalho na sociedade: o castigo de prometeu. São Paulo: LTr, 1996., p. 182)

A novidade trazida por Ford ao trabalho fabril com divisão de tarefas entre vários trabalhadores, que já havia se consolidado na forma ditada por Frederick Taylor, foi a introdução da linha de produção em série através de uma esteira automática, que percorria toda a cadeia produtiva levando matérias-primas e insumos aos postos de cada trabalhador.

Geraldo Augusto Pinto explica que o sistema fordista incorporou e desenvolveu os princípios do taylorismo no sentido de eliminar as porosidades existentes na jornada de trabalho, fazendo com que os trabalhadores estivessem, a cada instante na fábrica, agregando valor aos produtos. Nesse sistema, era a velocidade automática da linha de série que ditava o ritmo de trabalho, fazendo com que a invenção criativa dos trabalhadores fosse quase nula, através de um processo de alienação do produto do trabalho mais acentuado do que no início do período industrial. (PINTO, 2013PINTO, Geraldo A. A organização do trabalho no século XX: taylorismo, fordismo e Toyotismo. 3.ed. São Paulo: Expressão Popular, 2013.. p. 38)

Ainda sobre o fordismo, é importante dizer que a produção massiva de bens necessitava de um consumo igualmente massivo, capaz de absorvê-la. A ideia de consumo operário e popular concebida por Ford não se consolidou durante o início do século XX em virtude dos efeitos socioeconômicos das duas Grandes Guerras, apesar da ampliação dos postos de trabalho assalariado nesse período. “A universalização do assalariamento, bem como o acesso à repartição das rendas possibilitaram a criação desse modo de consumo operário, apenas no após Segunda Guerra Mundial.” (DAL ROSSO, 1996DAL ROSSO, Sadi. A jornada de trabalho na sociedade: o castigo de prometeu. São Paulo: LTr, 1996., p. 182)

No tocante à duração do trabalho, é interessante compreender que no fordismo, a extração de mais-valia, especialmente na sua forma relativa, aumentou de maneira significativa, graças à conjugação de mecanismos como a modernização das atividades e instrumentos de trabalho, o controle maior do trabalhador na linha de produção, orientado para eliminar quaisquer porosidades na jornada e à produção de bens de consumo em massa.

A prática social da jornada de trabalho, que, durante as grandes crises capitalistas entre as guerras, permanecera no patamar do século XIX, muda nitidamente de patamar. O padrão 8/48 cede lugar ao padrão 8/40. A jornada anual aproximada de 2300 horas cai para um número inferior a 2000 horas. Isto quer dizer que, na disputa pela apropriação dos saltos de produtividade, o operariado e, com ele, os demais assalariados conseguem reduzir sua exploração e controlar um pouco mais seu tempo de vida. (DAL ROSSO, 1996DAL ROSSO, Sadi. A jornada de trabalho na sociedade: o castigo de prometeu. São Paulo: LTr, 1996., p. 184)

Em 1929, com a grande crise econômica que se caracterizou pela ausência de demanda dos bens produzidos, ganhou notoriedade a quebra da bolsa de Nova York,

Foi necessário conceber um novo modo de regulamentação para atender aos requisitos da produção fordista; e foi preciso o choque da depressão selvagem e do quase-colapso do capitalismo na década de 30 para que as sociedades capitalistas chegassem a alguma nova concepção da forma e do uso dos poderes do Estado. (HARVEY, ANO p.124)

Em 1930ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção nº 30 de 1930. Duração do trabalho no Comércio. Disponível em: https://goo.gl/MSymWm. Acesso em: 28 jun. 2018.
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, ainda no contexto da grande depressão, foi editada a Convenção Nº 30, que limitava a duração do trabalho no comércio e nos escritórios e também adotava o princípio da fixação de uma jornada de oito horas diárias e no máximo quarenta e oito horas semanais para o trabalho executado nesses estabelecimentos, nos moldes da Convenção Nº1/1919.

A convenção 30, nos moldes previstos na convenção 1, também trata do rearranjo da jornada de um dia de trabalho nos demais dias da semana, para obter mais um dia de descanso ao final dela. Sobre a prestação de horas extraordinárias, a Convenção 30 ressalta o seu caráter excepcional, e prevê o pagamento de um valor adicional de no mínimo um quarto do valor pago pela hora normal de trabalho.

No ano de 1935, com os regimes totalitaristas em ascensão em países europeus como a Alemanha e a Itália, Franklin Roosevelt colocava em prática o plano de recuperação da economia norte-americana após a crise de 29, conhecido como New Deal, fortemente influenciado pelas ideias do economista britânico John Maynard Keynes, que defendia uma reconfiguração do capitalismo, na qual o Estado deveria intervir na economia para ajustar a propensão a consumir mediante a concessão de incentivo para investir.

Para Keynes, essa ampliação das funções do Estado seria “o único meio exequível de evitar a destruição total das instituições econômicas atuais e como condição de um bem sucedido exercício da iniciativa individual”. (KEYNES,1996. p. 324) Quanto à duração do trabalho, o britânico, em sua conferência intitulada “Possibilidades econômicas para os nossos netos” (1930), afirmava que trabalhar “durante três horas por dia é suficiente para satisfazer o velho Adão em a maioria de nós”.

Nesse contexto, foi publicada a Convenção de Nº47, em 1935ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção nº 47 de 1935. Duração do trabalho – 40 horas semanais. Disponível em: https://goo.gl/MSymWm. Acesso em: 28 jun. 2018.
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, que tinha como objetivo a redução da jornada de trabalho para quarenta horas semanais, como instrumento de combate ao desemprego generalizado e contínuo ao qual grande parte da classe trabalhadora estava exposta nos anos que sucederam a crise de 1929, e também quanto às privações decorrentes disso. Em seu preambulo deixa transparecer que, à época, a Organização Internacional do Trabalho defendia que os benefícios do rápido desenvolvimento tecnológico deveriam ser partilhados com os trabalhadores através de uma redução progressiva da jornada de trabalho, para o menor tempo possível.

4. A jornada de trabalho no terceiro espírito do capitalismo. As formas de controle e gerenciamento do tempo de trabalho no modo de acumulação flexível.

O sistema fordista/taylorista de produção centrava-se no gigantismo das empresas, na planificação a longo prazo, na produção em massa, e no controle absoluto do tempo e dos movimentos do trabalhador, a fim de eliminar os períodos ociosos dentro da jornada de trabalho, aproximando o tempo à disposição do tempo efetivo de trabalho.

Apesar disso, foi sob a égide desse sistema que os movimentos sindicais conseguiram manter a redução legal da jornada de trabalho como meio de a classe trabalhadora se apropriar dos avanços tecnológicos, mas essa redução formalmente conquistada por eles não se daria sem alguma resistência do capital, que a compensava com intensificação do labor.

Antes de tratar especificamente do terceiro espírito do capitalismo, é importante conhecer as razões que levaram à segunda variação à obsolescência. Considerando que o sistema taylorista/fordista alcançou o seu estágio máximo de desenvolvimento em períodos de crescimento econômico, e tendo em conta as suas características,

o baixo crescimento e a instabilidade dos mercados surgidos a partir da década de 1970, elevando os níveis de concorrência internacional pautada pela diferenciação dos produtos (em termos de qualidade, entrega, preços etc.), impuseram entraves à expansão do sistema taylorista/fordista de organização. Mas, sua obsolescência, no entanto, esteve também ligada a problemas intrínsecos ao seu próprio funcionamento, em suma: à queda da motivação para o trabalho por parte dos funcionários, reflexo que já vinha sendo sentido nas baixas taxas de produtividade das empresas. (PINTO, 2013PINTO, Geraldo A. A organização do trabalho no século XX: taylorismo, fordismo e Toyotismo. 3.ed. São Paulo: Expressão Popular, 2013.. p. 53)

Após a crise de 1973, a queda na taxa de lucro dos investimentos em produção e comércio despertou nos grandes capitalistas a necessidade de encontrar uma alternativa tão ou mais lucrativa do que as anteriores. Para continuar se valorizando, o capital acumulado foi transferido para a esfera financeira, mas também era preciso que os países periféricos abrissem mão de práticas protecionistas e liberassem seus mercados para a entrada do capital estrangeiro, que ganhou força e passou a ditar as tendências em economia e política nesses locais da forma mais proveitosa aos seus interesses.

O capital, que nas duas primeiras variantes do capitalismo era acumulado e remunerado majoritariamente pela produção e venda de bens de consumo, transformou-se em capital-dinheiro. Com o processo de financeirização, passou a ser remunerado tanto através de juros, assumindo um caráter nitidamente especulativo, quanto através da produção de bens e prestação de serviços, priorizando a esfera na qual consiga se valorizar mais, obtendo maiores rendimentos. Para MONTAÑO e DURIGUETTOMONTAÑO, Carlos; DURIGUETTO, Maria Lúcia. Estado, classe e movimento social. São Paulo: Cortez, 2011.:

O capital sob a hegemonia financeira precisa promover a desregulação da economia, das fronteiras nacionais e a constituição de condições para sua acumulação: aumento dos juros, redução de gastos fiscais (especialmente sociais) e diminuição do custo da força de trabalho. (2011, p.187)

Considerando que uma das razões para o surgimento de um terceiro conjunto de crenças associadas à ordem capitalista a fim de justificar e sustentá-la num momento de grave crise foi a baixa produtividade em virtude do não-engajamento dos trabalhadores no projeto das empresas, vários estudos foram feitos a fim de conquistar a iniciativa dos empregados. Dentre eles, destacam-se as teorias da “hierarquia das necessidades” de Maslow, da “organização e personalidade”, de Argyris e Herzberg, o sistema de “enriquecimento de cargos” e o sistema de “grupos semiautônomos de trabalho”, apresentadas por Afonso Fleury e Nilton Vargas em obra conjunta, intitulada “Organização do Trabalho”.

A teoria da hierarquia das necessidades, formulada por Abraham Maslow, era pautada na ideia de que os seres humanos, aparentemente, funcionavam melhor quando estavam lutando por algo de que necessitam ou a fim de conquistar algo que desejam. O objetivo desta luta variava de acordo com as circunstâncias.” Existiria uma hierarquia de necessidades,

que orientaria o comportamento das pessoas, de tal maneira que um indivíduo não passaria a perseguir as necessidades de nível mais elevado, enquanto não tivesse satisfeito as necessidades de nível mais baixo. As necessidades primárias são de caráter fisiológico, vindo a seguir as necessidades de segurança, as necessidades sociais, as de autoestima e finalmente as de autorrealização. (FLEURY; VARGAS. 1983FLEURY, Afonso Carlos C.; VARGAS, Nilton. A organização do trabalho. São Paulo: Atlas, 1983.. p. 29)

A teoria que articulava a organização do trabalho e a personalidade, desenvolvida por Argyris sustentava que as organizações de trabalho de orientação taylorista/fordista se fundavam “no modelo do homem imaturo, exigindo comportamentos típicos de personalidade ainda infantis.” Disto derivava a sua ineficiência, pois ao tomar como imaturos os seus empregados, fazia com que experimentassem a frustração; os problemas psicológicos; uma perspectiva de curto prazo, e de conflito. De acordo com ele,

As reações esperadas seriam as seguintes: 1.combater a organização, procurando replanejá-la e ganhar controle sobre ela, 2.abandonar a organização permanente ou periodicamente; 3.continuar na organização, mas abandoná-la psicologicamente, alienando-se, tornando-se apático e indiferente, para reduzir a importância intrínseca do trabalho e 4.aumentar a importância das recompensas recebidas pelo trabalho sem sentido ou tornar-se orientado para o consumo. (FLEURY; VARGAS. 1983FLEURY, Afonso Carlos C.; VARGAS, Nilton. A organização do trabalho. São Paulo: Atlas, 1983.. p. 30-31)

Herzberg, ao formular sua teoria, acabou por corroborar a visão de Argyris. Ele concluiu que há os fatores que determinam a satisfação profissional e são diferentes dos fatores que levam à insatisfação profissional. De acordo com ele,

os fatores motivadores são os que propiciam o crescimento psicológico da pessoa, e são todos eles relacionados à organização do trabalho: realização, interesse intrínseco pelo trabalho, reconhecimento pela realização, responsabilidade e promoção. Por sua vez, os fatores higiênicos estão voltados para “evitar o sofrimento”, e não estão ligados diretamente ao trabalho que a pessoa desenvolve: política da companhia e práticas administrativas, supervisão, relações interpessoais, condições de trabalho e salário. (FLEURY; VARGAS. 1983FLEURY, Afonso Carlos C.; VARGAS, Nilton. A organização do trabalho. São Paulo: Atlas, 1983.. p. 31)

O sistema de enriquecimento de cargos, também pensado para conquistar o engajamento dos trabalhadores, e desenvolvido por Robert Ford, consistia em ampliar o trabalho de tal forma que trouxesse maiores oportunidades para que os trabalhadores desenvolvessem um trabalho que os levasse a atingir as características de personalidade de pessoas maduras.

Isto poderia ser alcançado através dos seguintes métodos: 1 . Rotação de Cargos — implica somente o revezamento entre as pessoas envolvidas nas tarefas de um processo produtivo; embora cada pessoa tenha de desenvolver várias tarefas, ela só tem uma tarefa para desenvolver por um considerável espaço de tempo, quando, então, troca de posição. 2. Ampliação Horizontal — neste caso, agrupam-se diversas tarefas, de mesma natureza num único cargo; por exemplo, em vez de um operário montar apenas um componente de um produto, ele passaria a montar vários componentes; com isto se aumentaria o número de habilidades requeridas do operário. 3. Ampliação Vertical — é o caso em que se atribuem tarefas de diferentes naturezas para um cargo; por exemplo, um operador de torno seria também responsabilizado pela inspeção do produto e pela manutenção da máquina; com isto existiria maior autonomia e controle do operador sobre o conteúdo do cargo. 4. Enriquecimento de Cargos — este é o caso em que a ampliação horizontal e a ampliação vertical seriam aplicadas a um único cargo; somaria, então, os efeitos benéficos das duas. (FLEURY; VARGAS. 1983FLEURY, Afonso Carlos C.; VARGAS, Nilton. A organização do trabalho. São Paulo: Atlas, 1983.. p. 32)

O último experimento destacado por Fleury e Vargas (1983)FLEURY, Afonso Carlos C.; VARGAS, Nilton. A organização do trabalho. São Paulo: Atlas, 1983. no intuito de conquistar a aderência dos trabalhadores às necessidades produtivas da empresa foi a implantação de grupos semiautônomos, que são equipes de trabalhadores que executam, de forma cooperativa, as tarefas do grupo, sem que haja uma predefinição de funções para os membros. (FLEURY; VARGAS. 1983FLEURY, Afonso Carlos C.; VARGAS, Nilton. A organização do trabalho. São Paulo: Atlas, 1983.. p. 34)

Todos esses experimentos demonstraram a insuficiência da versão taylorista/fordista para fazer frente ao modo de acumulação flexível nascente na década de 1970. É nesse contexto que se pode falar do terceiro espírito do capitalismo, que “deverá ser isomorfo a um capitalismo ‘globalizado’, que põe em prática novas tecnologias, apenas para citar os dois aspectos mais frequentemente mencionados na qualificação do capitalismo de hoje”. (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Eve. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009., p. 52.)

Dessa forma, o capital vem pressionando todos os setores da sociedade a viver em constante adaptação às suas necessidades que, nem bem se constituem, já são substituídas por outras. A liquidez tem se enraizado em todas as instituições sociais, ainda que chamada por outros nomes, para modificar as relações interpessoais e influenciar as decisões políticas e jurídicas a seu favor. Politicamente, cumpre destacar o papel do neoliberalismo nesse avanço do capital em direção ao lucro e à exploração intensa do trabalho humano.

O Toyotismo surgiu num contexto de pouco crescimento econômico e para atender a necessidade do Japão de produzir pequenas quantidades de diferentes modelos de produtos. Para tanto, Kiichiro Toyoda4 4 Fundador da Toyota Motor Corporation. implementou o que chamava de “autonomação” – junção das palavras autonomia e automação – um processo pelo qual é acoplado às máquinas um mecanismo de parada automática que detecta se há algum defeito durante a fabricação, a fim de evitar a produção de peças defeituosas. Através desse mecanismo, um mesmo operário das fábricas da Toyota poderia conduzir várias máquinas durante o processo produtivo (PINTO, 2013PINTO, Geraldo A. A organização do trabalho no século XX: taylorismo, fordismo e Toyotismo. 3.ed. São Paulo: Expressão Popular, 2013.. p. 62)

Taiichi Ohno, engenheiro responsável pela criação do Sistema Toyota de Produção, tinha como objetivo fazer com que um mesmo empregado concentrasse diferentes funções de trabalho, como programar as máquinas, planejar e coordenar a produção, realizar a manutenção do aparato produtivo e fazer o controle de qualidade dos produtos. Para alcançar tal fim, ele fundiu essas atividades em poucos postos de trabalho, e chamou aos trabalhadores responsáveis por elas de “multifuncionais” ou “polivalentes”.

Outra novidade introduzida por Taiichi Ohno nas fábricas da Toyota foi o sistema kan ban, que é um sistema mecânico de transporte de informações e materiais, que conduzia caixas no sentido inverso da produção com informações sobre a quantidade necessária de alimentação dos postos subsequentes, ao mesmo tempo em que outras caixas circulavam no sentido normal do fluxo produtivo, carregadas das peças ou materiais encomendados por cada posto. Outra característica inerente ao sistema toyotista é a produção just in time, que consiste em produzir somente o necessário, na quantidade necessária e no momento necessário, evitando a formação de estoques de capacidade ociosa. (PINTO, 2013PINTO, Geraldo A. A organização do trabalho no século XX: taylorismo, fordismo e Toyotismo. 3.ed. São Paulo: Expressão Popular, 2013.. p. 65 e 69)

A Toyota também reformulou o espaço de produção através da celularização, que organizava os postos de trabalho em conjuntos abertos que concentravam, cada um, uma etapa definida da produção. Esses conjuntos eram chamados de “células de produção” e eram compostos por equipes de trabalhadores, que podem alternar-se em seus postos conforme o volume da produção ou as metas estabelecidas pela gerência. A prescrição das atividades pelas gerências e a separação entre quem pensa e quem realiza as tarefas de trabalho do taylorismo/fordismo foi mantida no Toyotismo. (PINTO, 2013PINTO, Geraldo A. A organização do trabalho no século XX: taylorismo, fordismo e Toyotismo. 3.ed. São Paulo: Expressão Popular, 2013.. p. 66-67)

A gestão da força de trabalho é pautada no estabelecimento de metas pela gerência, que são repassadas às equipes de trabalhadores polivalentes, cujo desempenho é estimulado através da manipulação do estresse. Além disso, a avaliação de desempenho é feita de maneira coletiva, de modo que qualquer membro da equipe que não se saia bem passa a ser vigiado por seus colegas, o que dificulta a formação de laços de solidariedade e identidade sindical.

Assim, as células de produção isolam os trabalhadores, restringindo, pela sobrecarga de trabalho, qualquer tipo de contato mais pessoal durante as atividades. O espaço celularizado também impede aos trabalhadores se comunicarem sem serem vistos ou ouvidos, dificultando qualquer articulação sem que a administração não saiba. (PINTO, 2013PINTO, Geraldo A. A organização do trabalho no século XX: taylorismo, fordismo e Toyotismo. 3.ed. São Paulo: Expressão Popular, 2013.. p. 75)

Com a prevalência do modo de acumulação flexível, as reivindicações a respeito da jornada de trabalho perderam ímpeto, pois os trabalhadores se encontram em uma situação defensiva, em virtude da insegurança quanto à permanência no emprego, da precarização das condições de trabalho e das dificuldades com a representação sindical. A redução da jornada de trabalho acabou por ceder terreno para a flexibilização do trabalho, que se manifesta em figuras como o “trabalho em tempo parcial; trabalho-estudo; horários flexíveis de trabalho; trabalho temporário; trabalho em faixas seletas da vida; consórcio de trabalho entre mais de uma pessoa, etc.” (DAL ROSSO, 1996DAL ROSSO, Sadi. A jornada de trabalho na sociedade: o castigo de prometeu. São Paulo: LTr, 1996., p. 184-185)

Sadi Dal Rosso aponta como características da práxis social da participação o envolvimento subjetivo do trabalhador no processo de trabalho e com os destinos da empresa, a flexibilidade dos tempos de trabalho conforme as necessidades delas, e o aumento da produtividade decorrente das inovações tecnológicas introduzidas na organização do trabalho no contexto da terceira revolução industrial. Nesse sentido, ele afirma que “o trabalho se transforma num deus e num demônio. Num deus, por absorver as energias mais íntimas e interiores do trabalhador. Num demônio, por consumir-lhe até a alma.” (DAL ROSSO, 1996DAL ROSSO, Sadi. A jornada de trabalho na sociedade: o castigo de prometeu. São Paulo: LTr, 1996., p. 188-189)

A forma política correspondente às necessidades da acumulação flexível é o neoliberalismo, que de acordo com MONTAÑO e DURIGUETTO, segue três caminhos centrais:

a) a criação de áreas de superlucros fora da superprodução e do subconsumo (fundamentalmente via privatizações de empresas estatais); b) extrema centralização do capital, acentuando o domínio dos monopólios (particularmente via fusões); c) redução dos custos de produção para o capital – com o trabalho (via subcontratação, reforma da previdência, flexibilização das leis trabalhistas, recortes do financiamento estatal na área social etc.) e com os custos gerais de produção/comercialização (fundamentalmente via reforma tributária, abertura de fronteiras dos Estados nacionais para circulação de mercadorias, automação, reengenharia,etc.). (2011, p.192)

É de grande valor conhecer e compreender a relação entre os três espíritos do capitalismo e suas respectivas formas de controle dos tempos de trabalho no âmbito externo, para iniciar o estudo dessa dinâmica na experiência brasileira, especialmente no presente momento, em que a produção de normas jurídicas na seara trabalhista tem sido fortemente marcada pela influência deste terceiro espírito, como demonstra a seção a seguir.

6. A duração do trabalho e os três espíritos do capitalismo na experiência brasileira.

No Brasil, as primeiras discussões acerca da limitação da jornada de trabalho têm início na primeira década do século XX, período marcado pela chegada dos imigrantes e pelo início dos processos de urbanização e industrialização do país. É nesse contexto que é possível verificar a manifestação da primeira variante do capitalismo em terras brasileiras. É para fazer frente às longas jornadas e às condições de trabalho do início do processo de industrialização que surgem os primeiros movimentos sociais organizados pela classe operária, tendo a duração do trabalho como pauta principal.

Em 1911, o deputado federal Nicanor do Nascimento apresentou o projeto de Lei Bº79, que previa a limitação do horário de trabalho dos funcionários do comércio, reconhecendo a existência de uma vulnerabilidade econômica do empregado em relação ao seu patrão, considerando que para manter o seu posto de trabalho, o operário teria de aceitar as condições impostas por seu contratante. O projeto foi discutido, mas não foi aprovado.

Somente em 1917 a questão ganhou novo fôlego no legislativo brasileiro, quando da apresentação do Projeto de Lei Nº 284 pelo deputado Maurício de Lacerda, que estabelecia o limite diário de oito horas de labor, seis dias por semana e repouso hebdomadário, proibida a prestação de horas extraordinárias, ressalvados os casos expressos em lei. O projeto também não foi aprovado em princípio, tendo sido reapresentado em 1919, no contexto da internacionalização do tema.

Foi somente a partir do governo provisório de Vargas que começam a ser editadas normas de caráter mais amplo destinadas a limitar da duração do trabalho. A diferença entre as normas editadas na década de 1930 e os projetos de lei apresentados na década de 1920 eram a sua eficácia territorial, que antes era restrita a determinadas cidades e categorias e partir de 1932 passaram a ser de abrangência nacional, apesar de ainda especificarem as categorias às quais eram aplicáveis.

O Estado do pós-30 desencadeou uma política social de produção e implementação de leis que regulavam o mercado de trabalho e, com este novo recurso de poder, conseguiu a adesão das massas trabalhadoras. O pacto social assim montado traduzia-se em um acordo que trocava os benefícios da legislação social por obediência política, uma vez que só os trabalhadores legalmente sindicalizados podiam ter acesso aos direitos do trabalho, sinônimo da condição de cidadania em um regime político autoritário como o brasileiro. (GOMES, 2005GOMES, Angela Maria de Castro. A invenção do Trabalhismo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.. p. 178)

As principais normas editadas nesse período, a respeito da duração do trabalho, foram os Decretos nº 21.186BRASIL. Decreto nº 21.186, de 22 de Março de 1932. Regula o horário para o trabalho no comércio. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-21186-22-marco-1932-524876-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 28 jun. 2018.
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que regulava a duração do trabalho no comércio e em escritórios, limitando a duração normal do trabalho para os empregados desses estabelecimentos a oito horas diárias e quarenta e oito semanais, com um dia de repouso a cada seis dias trabalhados. E o Decreto Nº 21.364, que fixava em oito horas diárias ou quarenta e oito horas semanais a duração normal do trabalho nos estabelecimentos industriais.

O início desse caminho de incorporação das demandas dos trabalhadores na pauta do governo, como meio de evitar convulsões sociais que atrapalhassem o projeto de país Varguista, coincide com a ascensão dos estados totalitários na Europa e com o período abrangido pelo segundo espírito do capitalismo, pautado nos valores e na gestão do tempo de trabalho taylorista-fordista.

É a partir do Estado Novo que ocorre a mudança de mentalidade estatal no Brasil, que passa da lógica de intervenção mínima na economia, apenas para socorrer o capital em momentos de crise, para a intervenção na “questão social”, encarada como um entrave ao crescimento industrial do Brasil.

É a partir daí que podemos igualmente detectar — em especial durante o Estado Novo (1937-45) — toda uma estratégia político-ideológica de combate à “pobreza”, que estaria centrada justamente na promoção do valor do trabalho. O meio por excelência de superação dos graves problemas socioeconômicos do país, cujas causas mais profundas radicavam-se no abandono da população, seria justamente o de assegurar a essa população uma forma digna de vida. Promover o homem brasileiro, defender o desenvolvimento econômico e a paz social do país eram objetivos que se unificavam em uma mesma e grande meta: transformar o homem em cidadão/trabalhador, responsável por sua riqueza individual e também pela riqueza do conjunto da nação. (GOMES, 1999_________. Repensando o Estado Novo. Organizadora: Dulce Pandolfi. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999. 345 p.. p. 55)

Na década de 1940, O Decreto Nº 5452/1943, também chamado de Consolidação das Leis do Trabalho foi elaborado para regular as relações capital-trabalho num novo modelo de sociedade em construção no Brasil, pautado na industrialização da economia, na urbanização da população e no corporativismo na política. O trabalho passou a ser encarado como um direito e um dever a partir da Constituição de 1937, onde estavam expressos os fundamentos jurídicos do Estado-Novo. Trabalhar passou a ser uma obrigação para com a sociedade e o Estado, e também uma condição para o exercício da cidadania.

Foram criados os Ministérios do Trabalho, da Saúde e Educação, seguidos pela edição de normas a respeito da Previdência social, nas quais os benefícios se destinavam apenas aos que ostentavam a condição de empregado. Além disso, os sindicatos tornaram-se órgãos de colaboração com o governo, dependendo de autorização prévia para sua abertura e com sua atuação regida legalmente, pautada na unicidade e a realização de greves foi criminalizada.

Tendo o Estado como provedor de normas de proteção à sua saúde e segurança, além de benefícios previdenciários, as classes operárias arrefeceram em seus movimentos para usufruir desse sistema, uma escolha pautada na ideia de custo-benefício. Durante esse período, alinhado com o plano internacional, o Brasil estava sob a influência do segundo espírito do capitalismo no tocante à gestão do trabalho, apesar de ainda não ter consolidado um modelo keynesiano de “Estado Benfeitor” no plano social.

O período que vai da década de 1950, passa pelo golpe militar de 1964 e pelos anos de ditadura foi marcado por tentativas de reformular a CLT, mas sem que essas alterações fossem levadas a efeito. Na década de 1980, com o início das tratativas para a redemocratização do Brasil e o processo de elaboração de uma nova constituição, foram apresentadas diferentes propostas a respeito do tema duração do trabalho. As sugestões partiam dos principais grupos de pressão atuantes na sociedade brasileira da época, como a Igreja Católica (CNBB), os partidos políticos de esquerda, os sindicatos e o empresariado.

O empresariado defendia que os direitos “sociais” não deveriam constituir a base da Ordem Econômica, pois as constituições anteriores apenas sublinhavam o trabalho, valorizando-o como princípio básico, constitucionalizar esses direitos seria um excesso de intervenção estatal. Em 1987 a CNBB lançou o documento pastoral de nº 36CNBB. Por uma nova ordem constitucional: declaração pastoral nº 36. 24ª Assembleia Geral. Disponível em: https://efosm.files.wordpress.com/2013/02/cnbb-doc-36-e28093-por-uma-nova-ordem-constitucional-e28093-declarac3a7c3a3o-pastoral.pdf. Acesso em: Acesso em: 28 jun. 2018.
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, que exigia que fosse discutida uma divisão do trabalho que permitisse a ascensão política, econômica, social e cultural da classe trabalhadora brasileira. Os setores de esquerda apresentaram propostas de redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais.

A garantia de uma duração “normal” do trabalho não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada mediante acordo ou convenção de trabalho, tornou-se constitucional, contrariando as expectativas de renascimento do liberalismo clássico do patronato e também frustrando as expectativas dos setores progressistas de uma jornada de 40 horas.

É a partir da década de 1990, época em que a agenda neoliberal estava na pauta dos governos que se sucederam, que tem início diversas iniciativas flexibilizadoras dos direitos trabalhistas inscritos na Constituição de 1988, razão pela qual Altamiro Borges e Marcio Pochmann atribuem ao governo de Fernando Henrique Cardoso a responsabilidade pelo profundo e radical desmonte de parte da legislação trabalhista brasileira, durante os seus dois mandatos. (BORGES; POCHMANN. 2002).

No tocante à duração do trabalho, como visto acima, as principais alterações vieram com a Lei nº 9.601/1998, que instituiu o “Banco de horas”, a Medida Provisória (MP) nº 1.709/19985 5 Essa medida sofreu alterações em sua redação, foi revogada e reeditada sob diversas numerações, desde a data de sua primeira edição em 1998, até a última alteração, estabelecida pela Medida Provisória nº 2.164-41, de 24 de agosto de 2001. que ampliou a utilização do trabalho em tempo parcial (até 25 horas semanais), com redução do custo do trabalho para as empresas, e com a Lei nº 10.101/2000 que concedeu autorização para o trabalho aos domingos no comércio varejista, mediante aprovação do governo municipal.

É durante esse período que o Brasil se coloca sob a influência do terceiro espírito do capitalismo, marcado pela financeirização do capital, pela abertura do mercado brasileiro ao capital estrangeiro através das privatizações e também do início do processo de flexibilização dos Direitos Trabalhistas, a fim de possibilitar ao mercado menores custos com mão de obra.

Esse processo de flexibilização foi interrompido no período que compreendeu os anos de 2003 a 2014, quando a questão da redução da jornada de trabalho enquanto meio de combate ao desemprego voltou a ser discutida pelos movimentos de trabalhadores, especialmente pelo DIEESE, que lançou algumas notas técnicas a respeito do tema. Apesar disso, não houve redução da jornada de trabalho nesse período.

Com a edição da Lei Nº 13.467/2017BRASIL. Lei Nº 13.467 de 13 de Julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e as Leis nos 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13467.htm. Acesso em: 28 jun. 2018.
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, também chamada de “reforma trabalhista”, a duração do trabalho sofreu alterações expressivas, retirando disposições de caráter protetivo da Consolidação das Leis do Trabalho, no intuito de proporcionar um novo patamar de flexibilidade nas relações laborais, requerido pela classe patronal como alternativa de salvação em face da crise econômica.

Dentre as alterações introduzidas pela Reforma Trabalhista na questão da jornada de trabalho, merecem destaque: a exclusão do tempo in itinere das contagem de tempo de serviço efetivo; o surgimento de novas formas de trabalho em tempo parcial; a possibilidade de acordo individual sobre prorrogação e compensação da jornada de trabalho; a realização de acordo individual para instituir o trabalho em turnos de 12 horas ininterruptas de serviço seguidas por 36 de descanso; e a inclusão do trabalho intermitente na CLT, tipo de trabalho que se caracteriza pela alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, para qualquer tipo de atividade do empregado ou do empregador.

É no contexto dessa reforma que se consolida a influência do terceiro espírito do capitalismo no Brasil, flexibilizando garantias constitucionais e atacando conquistas centenárias dos trabalhadores, como a limitação legal da duração do trabalho.

Considerações finais

Em meio às transformações no conjunto de crenças associadas à ordem capitalista ao longo da história, o mundo do trabalho sofreu impactos significativos, especialmente a partir do terceiro espírito do capitalismo. No que concerne à identidade e relações coletivas de trabalho, destacam-se consequências como o enfraquecimento das organizações sindicais, e a pulverização da classe trabalhadora, decorrente do desemprego estrutural e da precarização dos empregos formais restantes.

No âmbito das relações individuais de trabalho, verifica-se a crescente precarização. As novas formas de subcontratação e seu alcance quase ilimitado mexem com a dinâmica da relação de emprego, deixando os trabalhadores em constante situação de instabilidade, permitindo a exploração de sua força de trabalho de maneira cada vez mais intensa.

Além disso, a forte pressão para a total desregulamentação das leis trabalhistas é constante, com o objetivo de atender à necessidade do capital de utilizar as pessoas como mero recurso, contratá-las, explorá-las e dispensá-las sem se importar com as consequências econômicas e sociais de seus atos. É o que se entende como externalização dos riscos da produção, que repassa aos trabalhadores os custos sociais do sucesso pessoal de seus empregadores.

A partir dos documentos consultados para compor o presente artigo6 6 Durante a pesquisa para a elaboração do presente artigo, as autoras consultaram diversos documentos parlamentares, dentre os quais há registros de discursos e discussões ressaltando a influência da mobilização das classes trabalhadores no processo de elaboração das normas trabalhistas, especialmente aquelas atinentes à jornada de trabalho. Os documentos parlamentares estão organizados em coleções, classificados com base nas datas de realização das sessões e disponíveis na Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Além destes, há também reportagens digitalizadas na Hemeroteca Digital Nacional, de jornais do início do século XX e dos anos que antecederam a Constituinte de 1988. Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/32019. Acesso em: 01.04.2019. , foi possível perceber que nos momentos de maior mobilização das classes trabalhadoras foram conquistadas as principais alterações em termos de duração do trabalho. Do mesmo modo, é possível perceber que nos períodos de arrefecimento das lutas operárias, a quantidade de horas trabalhadas não sofreu diminuição, tendo permanecido estável tanto no plano internacional quanto no âmbito nacional.

Nos períodos de maior fragilidade sindical é possível perceber a implementação de estratégias de flexibilização das normas trabalhistas a respeito da jornada de trabalho, como vem ocorrendo desde a década de 1990, no Brasil, atingindo o seu ápice com a reforma trabalhista em vigor desde novembro do ano de 2017.

  • 1
    A opção das autoras pela referida expressão tem como ponto de partida a obra de Max Weber “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, na qual Weber explica que as pessoas precisaram de fortes razões morais para aderirem ao capitalismo nascente, que à época foram encontradas na ideia de vocação para o trabalho defendida pelo protestantismo.
  • 2
    Homem de metal ou madeira que batia com um martelo no sino do relógio ao passar das horas. (DAL ROSSO, 1996DAL ROSSO, Sadi. A jornada de trabalho na sociedade: o castigo de prometeu. São Paulo: LTr, 1996.. p. 74-75)
  • 3
    Gösta Langenfelt, A origem do dia de oito horas, 1954, p. 38-45 apud DAL ROSSO, 1996.
  • 4
    Fundador da Toyota Motor Corporation.
  • 5
    Essa medida sofreu alterações em sua redação, foi revogada e reeditada sob diversas numerações, desde a data de sua primeira edição em 1998, até a última alteração, estabelecida pela Medida Provisória nº 2.164-41, de 24 de agosto de 2001.
  • 6
    Durante a pesquisa para a elaboração do presente artigo, as autoras consultaram diversos documentos parlamentares, dentre os quais há registros de discursos e discussões ressaltando a influência da mobilização das classes trabalhadores no processo de elaboração das normas trabalhistas, especialmente aquelas atinentes à jornada de trabalho. Os documentos parlamentares estão organizados em coleções, classificados com base nas datas de realização das sessões e disponíveis na Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Além destes, há também reportagens digitalizadas na Hemeroteca Digital Nacional, de jornais do início do século XX e dos anos que antecederam a Constituinte de 1988. Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/32019. Acesso em: 01.04.2019.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 2019
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    15 Jul 2018
  • Aceito
    24 Mar 2019
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