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Política Conceitual e Teoria do Direito: Quando Gilles Deleuze e Félix Guattari encontram Carl Schmitt

Conceptual Politics and Legal Theory: When Gilles Deleuze and Félix Guattari meet Carl Schmitt

Resumo

Nas obras de Carl Schmitt e Gilles Deleuze/Félix Guattari, existe uma considerável preocupação com a criação conceitual voltada não só para a representação do real, como de sua organização e intervenção. O objetivo deste trabalho é duplo: trata-se de esclarecer em que medida a criação conceitual pode ser compreendido como forma de política e qual seria a sua importância para uma reflexão sobre e a partir da teoria do direito.

Palavras-chave:
Deleuze; Schmitt; Teoria do Direito

Abstract

Within Carl Schmitt and Gilles Deleuze/Félix Guattari works, there is a relevant emphasis in conceptual creation which does not restrict itself in representing the real, but also organizing and changing it. The objective of this work is double: it tries to clarify how conceptual creation could function as a form of politics, and how this notion could be useful for legal theory.

Keywords:
Deleuze; Schmitt; Legal Theory

Introdução

Poucos são os pontos de contato e preocupações propícios a aproximar as reflexões filosóficas de Carl Schmitt e Gilles Deleuze/Félix Guattari. Não somente integraram contextos históricos e culturais bastante diversos, como também estiveram em lados opostos no campo da política. Reconhecendo esse afastamento, o presente trabalho propõe que, no que se refere à maneira como pensaram a criação conceitual, eles podem se tornar mais próximos. Em ambas as abordagens, uma certa sensibilidade política se encontra articulada em meio à composição de conceitos próprios, inventivos e, especialmente no caso de Schmitt, controversos.

A ideia de uma política conceitual, que se faz presente no título deste artigo, refere-se à maneira pela qual a criação conceitual proporciona veredas para uma intervenção transformadora do social: tanto na maneira como subvertem panoramas bem assentados como ao se explorar da potencialidade do que se encontra oculto na realidade imediatamente apreensível. Ao cunharem novos conceitos e reformularem os que herdaram da filosofia e teoria política, Schmitt e Deleuze/Guattari estariam explorando o domínio da política por outros meios.

Esta pesquisa concisa tem como propósito ressaltar a relevância desse aspecto na obra dos autores, adotando como principal referência os encontros e desencontros entre teoria do direito e política. Para tanto desdobra o seu objetivo em dois pontos: o primeiro consiste no desenvolvimento analítico da ideia de política conceitual nas filosofias de Schmitt e Deleuze/Guattari; o segundo se refere à maneira como essa ideia pode ser apropriada para uma reflexão sobre o caráter político da teoria do direito e dos seus conceitos.

Considerando que não se trata de uma ideia que é explicitamente desenvolvida pelos autores, o trabalho realiza uma leitura específica voltada para o esclarecimento dos elementos que concorrem para a formação dessa ideia. A preocupação específica com a teoria do direito e as suas construções conceituais se deve em grande parte pela amplitude de sua influência não somente na representação do jurídico, como também em sua operacionalização nos contextos diversos contextos institucionais. Através dos conceitos que elaboram, teóricos do direito representam um conjunto de práticas sociais institucionalizadas como jurídicas, estabelecendo os seus contornos, prerrogativas e, em última instância, distinguem o que pode ser concebido como parte do jurídico daquilo que não pode.

As representações do jurídico pela teoria não raro se ancoram em premissas políticas implícitas com consequências normativas importantes. Conceitos como os de ´ordenamento jurídico´, ´código´, ´decisão judicial´, ´limites´ e ´métodos interpretativos´, normalmente se desenvolvem primeiro no âmbito da especulação teórica em torno do jurídico para depois serem operacionalizados pelos juristas praticantes. Os conceitos jurídicos não encerram representações desinteressadas sobre a realidade política, nem deixam de trazer consigo, mesmo que implicitamente, referências a um determinado imaginário social: todos aqueles conceitos, de uma maneira ou de outra, trazem consigo o rastro de ideias sobre poder soberano e organização social.

A estrutura desse trabalho é composta por três seções interligadas e com temas particulares. A primeira delas consiste em propor um esboço da política conceitual na teoria do direito de Carl Schmitt. Considerando que uma abordagem política da criação conceitual é fundamental para o desenvolvimento da abordagem teórica do autor, ainda que ele não tenha revestido de sistematicidade as suas indagações sobre o tema, o objetivo da seção consiste em delimitar e esclarecer essa ideia de política conceitual e de que maneira ela pode ser relevante para uma investigação política sobre as teorias do direito e dos conceitos que elas propõem. A pergunta que se quer responder é a seguinte: em que medida os conceitos possuem uma dimensão política na teoria de Schmitt?

A seção seguinte se refere à filosofia do conceito proposta por Gilles Deleuze e Félix Guattari na obra “O Que é a Filosofia?”, mas cujas implicações já podem ser encontradas décadas antes, nos “Mil Platôs” ou ainda “Anti-Édipo”. Sendo a criação conceitual, para os autores, o que há de mais próprio na atividade filosófica, o objetivo da seção será o de transpor as considerações dos autores sobre a criação de conceitos, o seu elo com uma concepção específica do político, para o âmbito da teoria do direito e dos conceitos que nelas são criados. A pergunta central é: que concepção de política é viável extrair da criação conceitual na filosofia de Deleuze/Guattari?

Por fim, a terceira seção desenvolve os pontos de convergência entre as duas perspectivas. A hipótese ilustrada nesta pesquisa é a de que essas convergências podem ser significativas para uma abordagem que interrogue as ressonâncias políticas, nem sempre evidentes, dos conceitos elaborados no âmbito da teoria do direito, especialmente no tocante a pensar outras possibilidades de relações sociais e organizações políticas. A pergunta final consiste na articulação entre as duas perspectivas: como a criação conceitual nas duas filosofias pode trazer algumas contribuições para se pensar a criação conceitual no contexto da teoria do direito?

Em termos metodológicos, a pesquisa desenvolveu uma revisão bibliográfica que entrelaça literatura primária e secundária tendo como fio condutor a maneira como os autores conceberam a criação conceitual e/ou o papel que os conceitos desempenharam na composição da filosofia dos autores. Em seguida, já recorrendo a uma literatura que toma o jurídico como objeto principal de sua reflexão, os paralelos passam a ser construídos entre as duas propostas e a teoria do direito.

Carl Schmitt e a política dos conceitos teóricos

Uma parte relevante dos conceitos desenvolvidos por Schmitt ao longo de sua obra é envolvida por um grau considerável de indeterminação e controvérsia (MEIERHENRICH; SIMONS, 2016MEIERHENRICH, Jens; SIMONS, Oliver. “A Fanatic of Order in an Epoch of Confusing Turmoil”: The Political, Legal, and Cultural Thought of Carl Schmitt. In: MEIERHENRICH, Jens; SIMONS, Oliver (orgs). The Oxford Handbook of Carl Schmitt. Oxford: Oxford University Press, 2016, pp. 3-73., p. 4 e ss). São essas algumas das características que contribuem para constantes revisões e discussões, por vezes inquietas, de sua obra: os conceitos schmittianos se abrem facilmente para leituras contraditórias e igualmente válidas (MEIERHENRICH; SIMONS, 2016MEIERHENRICH, Jens; SIMONS, Oliver. “A Fanatic of Order in an Epoch of Confusing Turmoil”: The Political, Legal, and Cultural Thought of Carl Schmitt. In: MEIERHENRICH, Jens; SIMONS, Oliver (orgs). The Oxford Handbook of Carl Schmitt. Oxford: Oxford University Press, 2016, pp. 3-73., p. 11 e ss).

A sua compreensão do político, fundada na dicotomia entre amigo/inimigo, por exemplo, é apropriada tanto por uma retórica simplória de polarização geopolítica (“ou se está com os Estados Unidos da América, ou se está contra”) ou também como uma crítica à despolitização das democracias liberais presentes tanto em posições tecnicistas e moralistas da política, como sustenta Chantal Mouffe (MOUFFE, 2005MOUFFE, Chantal. On The Political. London: Routledge, 2005., p. 4 e ss). A filosofia política de Schmitt interroga os limites e as bases da democracia liberal, como também o das instituições que normalmente a acompanham (MEIERHENRICH; SIMONS, 2016MEIERHENRICH, Jens; SIMONS, Oliver. “A Fanatic of Order in an Epoch of Confusing Turmoil”: The Political, Legal, and Cultural Thought of Carl Schmitt. In: MEIERHENRICH, Jens; SIMONS, Oliver (orgs). The Oxford Handbook of Carl Schmitt. Oxford: Oxford University Press, 2016, pp. 3-73., p. 11 e ss). Se as suas soluções são inaceitáveis, os seus diagnósticos e conceitos mostram-se relevantes para uma parte da teoria do direito e da teoria política contemporâneas, como os trabalhos de Jacques Derrida (DERRIDA, 2005DERRIDA, Jacques. The Politics of Friendship. London: Verso, 2006.), Chantal Mouffe (MOUFFE, 1999aMOUFFE, Chantal. Carl Schmitt and the Paradox of Liberal Democracy. In: MOUFFE, Chantal (org). The Challenge of Carl Schmitt. London: Verso, 1999a, pp. 38-53., p. 38 e ss) e Giorgio Agamben (AGAMBEN, 2004AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. São Paulo: Boitempo, 2004.) demonstram.

A prática de construção de conceitos é um aspecto central na teorização sobre a ordem feita por Schmitt: conceitos surgem como elementos que estabilizam e organizam o triplo domínio sobre o qual a sua filosofia vai se deter, a saber, a cultura, a política e o direito. A construção conceitual demarca as relações constitutivas daqueles domínios, instaurando posições ao redefinir sentidos e erguer dicotomias. Sobre esta questão escrevem Jens Meierhenrich e Oliver Simons:

A ordenação das categorias fora o fundamento para as suas outras práticas e esforços em ordenar o domínio do político, do legal e do cultural... A desconstrução e a reconstrução dos conceitos foram o primeiro passo necessário (e algumas vezes o seu único passo) no desenvolvimento do seu pensamento policêntrico. Ele foi um exemplar do decisionista enquanto tipo conceitual (MEIERHENRICH; SIMONS, 2016MEIERHENRICH, Jens; SIMONS, Oliver. “A Fanatic of Order in an Epoch of Confusing Turmoil”: The Political, Legal, and Cultural Thought of Carl Schmitt. In: MEIERHENRICH, Jens; SIMONS, Oliver (orgs). The Oxford Handbook of Carl Schmitt. Oxford: Oxford University Press, 2016, pp. 3-73., p. 16) [Tradução livre realizada pelo autor]1 1 No original: “Categorical ordering was the foundation for his other, substantive ordering practices, his efforts to order the realms of the political, the legal, and the cultural... Schmitt´s deconstruction and reconstruction of concepts was a necessary first step (and sometimes the only step he took) in the development of his polycentric thought. He was an exemplar of the decisionist as a conceptual type”. .

Os conceitos schmittianos propõem a instauração de uma ordem em que as premissas que lhe servem de justificativa se encontram ausentes ou meticulosamente dissimuladas: seja pela via da desconstrução ou pela via da reconstrução, os contornos dos conceitos são conduzidos pelas preocupações e interesses estratégicos do teórico. Se representam um estado de coisas, assim o fazem para intervir nele através de sua caracterização teórica (MEIERHENRICH; SIMONS, 2016MEIERHENRICH, Jens; SIMONS, Oliver. “A Fanatic of Order in an Epoch of Confusing Turmoil”: The Political, Legal, and Cultural Thought of Carl Schmitt. In: MEIERHENRICH, Jens; SIMONS, Oliver (orgs). The Oxford Handbook of Carl Schmitt. Oxford: Oxford University Press, 2016, pp. 3-73., p. 17 e ss).

Se a ordem é o eixo central da construção de conceitos, é o seu outro, aquilo que a ultrapassa e que por isso mesmo lhe determina os limites, que captura a atenção de Schmitt: o teórico da ordem mantém sempre um olho apontado para o caos (MEIERHENRICH; SIMONS, 2016MEIERHENRICH, Jens; SIMONS, Oliver. “A Fanatic of Order in an Epoch of Confusing Turmoil”: The Political, Legal, and Cultural Thought of Carl Schmitt. In: MEIERHENRICH, Jens; SIMONS, Oliver (orgs). The Oxford Handbook of Carl Schmitt. Oxford: Oxford University Press, 2016, pp. 3-73., p. 16). O caos se expressa pela ambiguidade e indeterminação: seu fator distinto reside em trazer à tona a imprevisibilidade e a incoerência das relações constitutivas de uma ordem.

Parte da dimensão política que reside na construção conceitual se revela neste ponto: a conceitualização de algo exige também a exclusão do seu outro, daquilo que, sendo-lhe incompatível, precisa ser deixado de fora (MEIERHENRICH; SIMONS, 2016MEIERHENRICH, Jens; SIMONS, Oliver. “A Fanatic of Order in an Epoch of Confusing Turmoil”: The Political, Legal, and Cultural Thought of Carl Schmitt. In: MEIERHENRICH, Jens; SIMONS, Oliver (orgs). The Oxford Handbook of Carl Schmitt. Oxford: Oxford University Press, 2016, pp. 3-73., p. 15 e ss). A implementação de uma ordem estável exige distinções precisas, mas que ao mesmo tempo repousam sobre um momento de decisão marcadamente político. É característico do autor iniciar algumas de suas obras com afirmações contundentes, prontas para serem mencionadas no futuro, e categóricas o suficiente ao ponto de dificultar questionamentos acerca das definições que propõem. “Soberano é aquele que decide sobre o estado de exceção”, assim se inicia a obra Teologia Política, um dos seus mais conhecidos trabalhos (SCHMITT, 2005SCHMITT, Carl. Political Theology: Four Chapters on The Concept of Sovereignty. Chicago: University of Chicago Press, 2005., p. 5).

A categorização schimittiana simbolicamente estabelece os alicerces para a ordem e a estabilidade almejadas pelo autor na tríade cultura/política/direito: as distinções precisas subsumem a complexidade e a indeterminação do social em categoria com contornos bem definidos, a exemplo do par amigo/inimigo (MEIERHENRICH; SIMONS, 2016MEIERHENRICH, Jens; SIMONS, Oliver. “A Fanatic of Order in an Epoch of Confusing Turmoil”: The Political, Legal, and Cultural Thought of Carl Schmitt. In: MEIERHENRICH, Jens; SIMONS, Oliver (orgs). The Oxford Handbook of Carl Schmitt. Oxford: Oxford University Press, 2016, pp. 3-73., p. 17 e ss). A preocupação em evitar o colapso da ordem social pelo caos ressoa na clareza e no aparente cuidado que vão acompanhar a sua estratégia de construção conceitual. Existem, porém, certas nuances a serem exploradas com mais cuidado na abordagem de Schmitt: a preocupação analítica, representada pelo ideal de clareza e pelas distinções, tende a ofuscar um aspecto mais profundo e estratégico de sua obra.

Um dos aspectos retóricos presentes na maneira construção conceitual de Schmitt é a intensificação de traços controvertidos e polêmicos: seus conceitos trazem consigo uma inclinação combativa. Mais importante para o autor eram formulações interessantes, impactantes, que viessem a distinguir e separar o campo no qual elas se inseriam, do que outras marcadas por precisão. Clareza e obscuridade, então, alternam-se no desenvolvimento analítico de sua filosofia: a clareza se associa à predileção pelas dicotomias, enquanto a obscuridade permeia as definições dos termos que compõe as dicotomias.

Parte da atratividade dos conceitos schmittianos já fora mencionada neste trabalho: suas definições são ambíguas o suficiente para significarem coisas diferentes para os seus vários leitores. Cada geração redescobre Schmitt ao problematizar o panorama sociopolítico no qual se encontram mediante a apropriação dos seus conceitos. O intricado confronto de Schmitt com o status quo jurídico-político da Alemanha de sua época fora simultaneamente conduzido por preocupações teóricas e motivações estratégicas: a teorização exige que se determine o que se combate. A seguinte passagem remete a esse ponto:

Cada conceito político é também um conceito polêmico. Ele possui um inimigo político em mente e, com respeito ao seu posto intelectual, à sua força intelectual, e à sua relevância histórica, é determinado por este inimigo. Palavras como ´soberania´, ´liberdade´, ´Rechtsstaat´ e ´democracia´, obtiveram seus sentidos precisos através de suas antíteses concretas (SCHMITT, 1930SCHMITT, Carl. Hugo Preuss: Sein Staatsbegriff und seine Stellung in der deutschen Staatslehre. Tübingen: Mohr, 1930 Apud MEIERHENRICH, Jens; SIMONS, Oliver. “A Fanatic of Order in an Epoch of Confusing Turmoil”: The Political, Legal, and Cultural Thought of Carl Schmitt. In: MEIERHENRICH, Jens; SIMONS, Oliver (orgs). The Oxford Handbook of Carl Schmitt. Oxford: Oxford University Press, 2016. pp. 3-70., p. 5 Apud MEIERHENRICH; SIMONS, 2016, p. 17) [Tradução livre realizada pelo autor]2 2 No original: “Every political concept is a polemical concept. It has a political enemy in mind and, with respect to its intellectual rank, intellectual force, and historical significance, it is determined by this enemy. Words such as ´sovereignty´, ´freedom´, ´Rechtsstaat´, and ´democracy´, obtain their precise meaning only through a concrete antithesis”. .

A simplificação se encontra a serviço da operacionalidade, traduzindo-se também em uma atenção referente à substância e à forma do social. Um mundo simplificado onde a dimensão ontológica do político está fundada em uma cisão categórica entre amigo e inimigo é também um em que, no tocante aos problemas associados à ordem política, as soluções executivas, mais imediatas e drásticas, serão preferíveis às longas deliberações legislativas (POSNER; VERMEULE, 2006POSNER, Eric A; VERMEULE, Adrian. Demystifying Schmitt. In: MEIERHENRICH, Jens; SIMONS, Oliver (orgs). The Oxford Handbook of Carl Schmitt. Oxford: Oxford University Press, 2016. pp. 610-626., p. 619 e ss). O importante é observar a maneira com que a criação de conceitos por Schmitt organiza - e implicitamente justifica - os seus posicionamentos políticos e teóricos, a exemplo do seu antimodernismo.

Mas em que consiste o caráter estratégico das suas intervenções ao criar conceitos? Primeiramente, tem-se a dimensão normativa que envolve todo o tema: intervir implica transformar, modificar a ordem atual em função de prescrições que remetem a uma ordem por-vir. Ao moldar a representação de um certo estado de coisas atual, Schmitt redefine os embates políticos, jurídicos e culturais com o propósito de fazer avançar as suas teses perante aquelas sustentadas pelos posicionamentos que o teórico determina como seus inimigos. Se a construção conceitual pode ser pensada como ideológica, isso ocorre porque, ao mesmo tempo em que representa um conjunto de relações que constituem domínios específicos, justifica – e implicitamente propõe – a ação política na forma de uma práxis de erradicação do outro.

A proliferação das dicotomias, aspecto recorrente e característico de seu pensamento, reforça o que fora dito acima. O campo jurídico é pensado através centro/periferia, decreto/legislação, determinação jurídica/indeterminação jurídica, legalidade/legitimidade, regra/exceção, Estado/Reich. O campo da política, por sua vez, é pensado em termos de democracia/parlamentarismo, norma/decisão, dentre outros (MEIERHENRICH; SIMONS, 2016MEIERHENRICH, Jens; SIMONS, Oliver. “A Fanatic of Order in an Epoch of Confusing Turmoil”: The Political, Legal, and Cultural Thought of Carl Schmitt. In: MEIERHENRICH, Jens; SIMONS, Oliver (orgs). The Oxford Handbook of Carl Schmitt. Oxford: Oxford University Press, 2016, pp. 3-73., p. 18 e ss).

Uma teoria do direito arquitetada deste modo, ao mesmo tempo em que joga com a determinação através da contundência das distinções apresentadas, flerta com paradoxos e contradições. A exceção, a princípio, dissocia-se da regra, sendo-lhe até independente, mas essa é uma conclusão apressada: ainda que os polos sejam distintos, um só existirá em função do outro através de uma relação de contaminação. A relação de contaminação que envolve os conceitos teóricos é também ressaltada na obra “O Conceito do Político”, onde o autor escreve:

Todos os conceitos políticos, imagens e palavras possuem um sentido polêmico; eles se referem a uma oposição concreta [“konkrete Gegensätzlichkeit”] e estão vinculados a uma situação concreta [“konkrete Situation”], sendo a consequência derradeira aquele agrupamento entre amigos e inimigos (manifestando-se na guerra ou na revolução), e se tornam abstrações vazias e fantasmagóricas quando esta situação não se faz mais presente. Palavras como Estado, república, sociedade, classe assim como soberania, Rechtsstaat, absolutismo, ditadura, plano, Estado neutro ou total, etc, são incompreensíveis se não se sabe in concreto o que se pretende “alvejar” [“getroffen”], “lutar” [“bekämpft”], “negar” [“negiert”], e “refutar” [“widerlegt”] com a palavra em questão (SCHMITT, 2007SCHMITT, Carl. The Concept of the Political. Chicago: The University of Chicago Press, 2007., p. 30) [Tradução livre realizada pelo autor]3 3 No original: “All political concepts, images, and words have a polemical meaning; they refer to a concrete opposition ["konkrete Gegensätzlichkeit"] and are tied to a concrete situation ["konkrete Situation"], the ultimate consequence of which is a grouping into friends and enemies (manifesting in war or revolution) and become empty and ghostlike abstractions when this situation no longer obtains. Words like state, republic, society, class as well as sovereignty, Rechtsstaat, absolutism, dictatorship, plan, neutral or total state, etc. are incomprehensible if ones does not know who in concreto is to be "hit" ["getroffen"], "fought" ["bekämpft"], "negated" ["negiert"], and "refuted" ["widerlegt"] wich such a word”. .

Por relação de contaminação, então, pretende-se ressaltar a maneira pela qual um dos termos se entrelaça e intervém na composição do outro, assinalando não tanto uma oposição, mas uma presença elusiva. A exceção não se opõe necessariamente à norma, já que integra a sua constituição como instância em que ela mesma, a norma, é desautorizada por meio de uma decisão. Esta, diferentemente do que concebe Kelsen, não se circunscreve aos limites normativos estabelecidos pelo direito positivo (FRANCO DE SÁ, 2012FRANCO DE SÁ, Alexandre. Decisionismo e Ficção no Pensamento de Carl Schmitt. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 105, pp. 21-46, jul./dez. 2012., p. 38).

Os conceitos teóricos schmittianos, ao se vincularem ao imaginário político de seu autor, existem em função das posições estabelecidas a partir de circunstâncias concretas. Contra os processos de modernização pelos quais passava a sociedade germânica do início do século vinte e todas as ameaças à ordem vigente que eles traziam consigo, Schmitt manipula o seu repertório conceitual simultaneamente polemizando e problematizando posições que integram os três planos constitutivos de uma ordem sociopolítica: o liberalismo (plano político), o positivismo (plano jurídico) e o modernismo (plano cultural) (MEIERHENRICH; SIMONS, 2016MEIERHENRICH, Jens; SIMONS, Oliver. “A Fanatic of Order in an Epoch of Confusing Turmoil”: The Political, Legal, and Cultural Thought of Carl Schmitt. In: MEIERHENRICH, Jens; SIMONS, Oliver (orgs). The Oxford Handbook of Carl Schmitt. Oxford: Oxford University Press, 2016, pp. 3-73., p. 20 e ss).

Nos três alvos eleitos – o liberalismo político, o positivismo jurídico e o modernismo – Schmitt empreende a desconstrução de posicionamentos em paralelo com a sua construção conceitual: os dois gestos possuem a mesma finalidade, a saber, aniquilar a posição oposta para defender a ordem que o autor concebe como mais apropriada à promoção da estabilidade social (MEIERHENRICH; SIMONS, 2016MEIERHENRICH, Jens; SIMONS, Oliver. “A Fanatic of Order in an Epoch of Confusing Turmoil”: The Political, Legal, and Cultural Thought of Carl Schmitt. In: MEIERHENRICH, Jens; SIMONS, Oliver (orgs). The Oxford Handbook of Carl Schmitt. Oxford: Oxford University Press, 2016, pp. 3-73., p. 20 e ss) . O objetivo de golpes e revoluções não é outro senão a substituição de uma ordem por outra, fazendo com que as construções conceituais schmittianas tragam a marca do partidarismo manifestado pelo autor no panorama político no qual ele mesmo se inseria. As suas contribuições, no que se refere às fundamentações institucionais do direito germânico, são conhecidas, como a lei do processo penal e as suas diversas obras voltadas para o direito internacional, como “O Nomos da Terra”.

Dentre as várias maneiras com que tratou de distinguir o seu pensamento daquele de Kelsen, uma delas traduz bem o interesse deste artigo: as suas reservas referentes aos conceitos kelsenianos de soberania e do Estado. Um dos eixos centrais da Teoria Pura de Kelsen reside na tese da identidade entre Estado e direito: a soberania é representada pela completude e encerramento de um sistema normativo sobre si mesmo (KELSEN, 2005KELSEN, Hans. Pure Theory of Law. Clark, New Jersey: The Lawbook Exchange, 2005., p. 286 e ss). Ao Estado, então, caberia a efetivação do direito por ele produzido, e que também o submete e o organiza. Ao situar a norma jurídica como conceito jurídico central, a tese de Kelsen, conforme Schmitt, também minaria as bases de uma reflexão acerca da exceção (SCHMITT, 2005SCHMITT, Carl. Political Theology: Four Chapters on The Concept of Sovereignty. Chicago: University of Chicago Press, 2005., p. 2 e ss; FRANCO DE SÁ, 2012FRANCO DE SÁ, Alexandre. Decisionismo e Ficção no Pensamento de Carl Schmitt. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 105, pp. 21-46, jul./dez. 2012., p. 36 e ss).

Em paralelo aos argumentos apresentados pelos autores na justificação das suas respectivas posições, os conceitos – e as relações entre eles - também assumem configurações diversas, muito embora os termos – Estado e direito – permaneçam os mesmos. Um ponto significativo na relação entre Estado e direito, no tocante à perspectiva de Schmitt, é que o segundo não pode ser deduzido, ou mesmo explicado, através do primeiro, enquanto poder fático e detentor do monopólio da violência organizada (FRANCO DE SÁ, 2012FRANCO DE SÁ, Alexandre. Decisionismo e Ficção no Pensamento de Carl Schmitt. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 105, pp. 21-46, jul./dez. 2012., p. 31).

Existe neste ponto uma inversão importante e que não seria prontamente admitida – se é que se poderia sê-lo – por Kelsen: a constituição do Estado faz referência a um direito que lhe é anterior, originário. Por isso, como Alexandre Franco de Sá faz bem em ressaltar, para Schmitt a legitimidade do Estado reside em ser ele o primeiro servidor do direito, aquele mais diretamente responsável pela sua implementação, ainda que não seja responsável pela implementação desse direito (FRANCO DE SÁ, 2012FRANCO DE SÁ, Alexandre. Decisionismo e Ficção no Pensamento de Carl Schmitt. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 105, pp. 21-46, jul./dez. 2012., p. 30-31).

Sendo o Estado um elemento de mediação entre o direito e o plano fático, não é teoricamente pertinente compreender o direito para além dessa mediação, o que fatalmente o reduziria a um direito natural vazio (FRANCO DE SÁ, 2012FRANCO DE SÁ, Alexandre. Decisionismo e Ficção no Pensamento de Carl Schmitt. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 105, pp. 21-46, jul./dez. 2012., p. 31). Delimitando a sua posição ao mesmo tempo em que impõe a sua divergência com o normativismo kelseniano, o decisionismo de Schmitt pode em parte ser caracterizado da seguinte forma:

Em segundo lugar, dir-se-á que, em Teologia Política, Schmitt reforça com o decisionismo aquilo que já afirmara em O Valor do Estado a propósito da impossibilidade de pensar o direito como pura realidade normativa. O decisionismo corresponde, então, a um reforço da afirmação já tornada explícita em 1914, segundo a qual pensar o direito num plano puramente normativo corresponderia a pensar o direito fora das condições da sua efetivação, isto é, nessa medida, a pensá-lo como uma abstração vazia (FRANCO DE SÁ, 2012FRANCO DE SÁ, Alexandre. Decisionismo e Ficção no Pensamento de Carl Schmitt. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 105, pp. 21-46, jul./dez. 2012., p. 33).

As relações entre Estado, direito, norma e decisão, também presentes em Kelsen, estabelecem os alicerces para os diversos argumentos que fixam o posicionamento de Schmitt e esse ato de fixação, no qual uma oposição será estabelecida frente ao seu exterior (a exemplo de Kelsen e das várias expressões do liberalismo político na teoria do direito), é um ato político no qual o jurista alemão pretende isolar e combater. A construção conceitual precisa refletir a preocupação com a instabilidade da ordem sociopolítica alemã no começo do século vinte ao mesmo tempo em que remetem ao caráter central que o conceito de ordem possuía nas ciências da natureza e sociais daquele período.

A título de exemplo, os seguintes termos foram elaborados por diversas matrizes do pensamento científico nesta época: ordem ideacional (“geistige Ordnung”), ordem do povo (“Volksordnung”), ordem espacial (“Raumordnung”) e ordem racial (“Rassenordnung”) (MEIERHENRICH; SIMONS, 2016MEIERHENRICH, Jens; SIMONS, Oliver. “A Fanatic of Order in an Epoch of Confusing Turmoil”: The Political, Legal, and Cultural Thought of Carl Schmitt. In: MEIERHENRICH, Jens; SIMONS, Oliver (orgs). The Oxford Handbook of Carl Schmitt. Oxford: Oxford University Press, 2016, pp. 3-73., p. 13). O ponto de interseção entre o político e o epistêmico reside na justificação proporcionada por esses termos para intervenções cada vez mais incisivas do Estado no cotidiano da população. As implicações do conceito de Estado de Exceção formulado por Schmitt – e depois explorado de maneira significativa por Giorgio Agamben -, levam à problematização de premissas liberais que englobam o ordenamento jurídico, o Estado e à formação do povo (SCHEUERMAN, 2016SCHEUERMAN, William E. States of Emergency. In: In: MEIERHENRICH, Jens; SIMONS, Oliver (orgs). The Oxford Handbook of Carl Schmitt. Oxford: Oxford University Press, 2016. pp. 547-569., p. 547).

Em síntese, os conceitos presentes na teoria do direito formulada por Schmitt, longe de se limitarem à representação do direito moderno mediante a definição dos elementos específicos do seu ordenamento jurídico, interviram no panorama intelectual de sua época, demarcando posições e fornecendo elementos para o confronto de perspectivas que lhe são opostas. O núcleo dessa forma de intervenção, este trabalho sustenta, reside na sua incessante formulação de novos conceitos e na redefinição, frequentemente controversa, daqueles que lhe foram legados pela filosofia política.

Notas sobre a criação conceitual em Deleuze/Guattari: a potencialidade dos conceitos

Os diversos conceitos elaborados por Gilles Deleuze, seja nos seus escritos em que assina só ou nas obras colaborativas com Félix Guattari, constituem um dos aspectos mais emblemáticos de sua obra, talvez até o que mais o distinga dos autores que compartilharam com ele um dado momento histórico. Obras como “Anti-Édipo”, “Mil Platôs” e “O Que é a Filosofia?” desaviam de várias maneiras as formas então tradicionais de se escrever e fazer filosofia. Uma das assertivas mais conhecidas dos autores, central para a primeira parte da obra “O Que é a Filosofia?”, reside em conceber a construção de conceitos como a característica determinante e mais própria da filosofia. Filosofar não se confunde com refletir, pensar, investigar, questionar: todas essas atividades são também presentes em outras formas de saberes (DELEUZE; GUATTARI, 2009DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O Que é a Filosofia?. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2009., p. 10 e ss).

Na tripartição entre filosofia, ciência e artes que os autores estabelecem, fazer filosofia é construir conceitos (DELEUZE; GUATTARI, 2009DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O Que é a Filosofia?. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2009., p. 10 e ss). Tal assertiva é envolvida por certo grau de obscuridade uma vez que é nítida a presença de conceitos nas ciências e nas artes, logo por que considerar a criação deles como algo específico da atividade filosófica? Isso se deve parcialmente ao fato de os autores sustentarem uma concepção peculiar de conceito. Em sua abordagem da construção conceitual proposta pelos autores, Paul Patton escreve:

…Filosofar é inventar novos conceitos. A compreensão do que são conceitos, no entanto, está longe daquela tradicional. Eles são descritos como singularidades, em outros lugares como linhas ou intensidades, que reagem ao fluxo do pensamento cotidiano, propondo ressonâncias entre o artístico, o político e outras práticas... Subjacente a esta visão encontra-se o ideal de um pensamento conceitual e uma escolha que lhe é correspondente: a visão deleuzeana dos conceitos implica um comprometimento a uma política da forma conceitual (PATTON, 1984PATTON, Paul. Conceptual Politics and the War-Machine in Mille Plateaux. SubStance, n. 44/45, 1984, pp. 61-80., p. 61) [Tradução livre realizada pelo autor]4 4 No original: “...to philosophize is to invent new concepts. The understanding of concepts, however, is far from traditional. These are described as singularities, elsewhere as lines or intensities, which react upon the flow of everyday thought, forming relays between artistic, political, or other practices... Underlying this view is an ideal of conceptual thought and a corresponding choice: the Deleuzian view of concepts implies a commitment to a certain politics of conceptual form”. .

Conceitos não são simples abstrações construídas em torno dos elementos essenciais de algo a ser representado, um instrumento de captura por meio do qual o real será enquadrado em uma ordem imposta pelo pensamento: conceito e pensamento não se opõem (DELEUZE; GUATTARI, 2009DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O Que é a Filosofia?. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2009., p. 15 e ss). O conceito como singularidade é, antes de tudo, propulsor de novas formas de se pensar e de se vivenciar: é criação, ao invés de captura; é potencialmente subversivo, um evento cujas ressonâncias mais amplas não podem ser todas mapeadas de antemão (DELEUZE; GUATTARI, 2009DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O Que é a Filosofia?. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2009., pp. 29-30). Embora a filosofia do conceito, descrita na primeira parte de “O Que é a Filosofia?”, em nenhum momento lide explicitamente com as questões que historicamente atravessaram os campos da teoria do direito e da teoria política, as implicações para esses dois campos podem ser discerníveis. Primeiramente, porém, é importante desenvolver mais a política da forma conceitual mencionada por Patton.

Um modo corriqueiro de se compreender a atividade crítica que englobaria tanto as construções teóricas quanto a práxis política residiria na cisão entre representações adequadas e corretas do real, e aquelas que o distorcem ou mascaram. A crítica política, por exemplo, traria à tona os elementos opressivos e inadequados da realidade social via problematização dos aspectos que certas formas de representação acabariam por ofuscar (a tensão que pode ser estabelecida entre saber científico e ideologias) (PATTON, 1984PATTON, Paul. Conceptual Politics and the War-Machine in Mille Plateaux. SubStance, n. 44/45, 1984, pp. 61-80., p. 61). Ambas as formas de representação – o saber científico e a ideologia – encontram-se ancoradas em uma mesma concepção do pensamento conceitual: a mediação entre realidade e conceito através de uma forma de interioridade, como o sujeito, a consciência ou o próprio conceito compreendido como imagem do real (WIDDER, 2012WIDDER, Nathan. Political Theory After Deleuze. London: Continuum, 2012., p. 126 e ss).

Deleuze nomeia essa abordagem de pensamento do interior. A sua estrutura é normalmente fundada sobre um princípio último que, por sua vez, estabelece uma hierarquia entre os termos dele decorrentes: ´Deus´, ´Ideia´, ´Bem´, ´Sujeito´, dentre outros, caracterizadora das metanarrativas tradicionais (WOLFE, 1998WOLFE, Cary. Critical Environments: Postmodern Theory and the Pragmatics of the “Outside”. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1998., p. x e ss). Todos os outros objetos, como o direito, justiça, linguagem ou sociedade, são compreendidos em sua mediação com um termo chave que organiza e dispõe os objetos abordados. Conceitos, então, operam como verdadeiros aparelhos de captura: eles impõem ordem, controle e estabilidade diante de uma realidade indeterminada e dinâmica. Neste ponto cabe relembrar que o anseio schmittiano pela ordem se refletia diretamente nas construções conceituais apresentadas em sua obra.

A abordagem interior reflete uma imagem do pensamento. Do que se trata essa imagem? Refere-se ao conjunto de premissas que, não sendo diretamente objetos do pensamento, estabelecem as condições e o significado do pensar; são pré-filosóficas (DELEUZE; GUATTARI, 2009DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O Que é a Filosofia?. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2009., p. 53 e ss). Se a representação acaba sendo a distinção fundamental do pensamento, trata-se de uma premissa que não é interrogada no ato mesmo de pensar: ela é tomada como tal e, a partir disso, as construções conceituais do pensamento refletem a ideia de apreensão de um objeto. É pré-filosófica.

Ao propor um pensamento ´do fora´ Deleuze não estaria simplesmente se opondo àquela abordagem por meio da elaboração de uma outra, mais verdadeira e correta. Um pensamento ´do fora´ é conduzido – e mesmo definido – pela exterioridade que mantém com o fora, relação que pode ser conduzida de múltiplas e indefinidas formas (WOLFE, 1998WOLFE, Cary. Critical Environments: Postmodern Theory and the Pragmatics of the “Outside”. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1998. p. 116 e ss). O fora é constituído por um vazio que, longe de representar uma negação radical, é pura produção afirmativa: não se deixa apreender por um sentido, não se subsume a uma imagem, não dispõe de consciência e de subjetividade. Patton escreve:

Esta alternativa deleuziana não se trata de mais uma imagem do pensamento, um modelo alternativo para a elaboração de conceitos. Se assim o fosse, o que se teria é uma forma constante a ser reproduzido em diferentes domínios, enquanto o pensamento exteriorizado caracteriza-se acima de tudo pela sua inconstância, pela sua variabilidade (PATTON, 1984PATTON, Paul. Conceptual Politics and the War-Machine in Mille Plateaux. SubStance, n. 44/45, 1984, pp. 61-80., p. 62) [Tradução livre realizada pelo autor]5 5 No original: “This Deleuzian alternative is not simply a matter of another image of thought, an alternative model for the elaboration of concepts. For that would imply a constant form which could then be reproduced in different domains, whereas exteriorizing thought is characterized above all by its inconstancy, its variability”. .

Abordar as categorias construídas pelos juristas, seja em suas construções mais especulativas ou no horizonte de sua prática, a partir de um pensamento ´do fora´ implica repensar o sentido dessas categorias, como também atentar-se para uma dimensão ontológica mais profunda e que vai trazer consigo ressonâncias políticas. Enquanto multiplicidades abertas (PATTON, 2000PATTON, Paul. Deleuze and the Political. London: Routledge, 2000., p. 12 e ss), os conceitos não apenas representam um estado de coisas, atuando na justificação e manutenção de uma ordem estabelecida, como permitem mudanças significativas e inusitadas – e em sua diversidade conectada, a modificação de um conceito possui o potencial de transformar as relações e os elementos de tantos outros (DELEUZE; GUATTARI, 2009DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O Que é a Filosofia?. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2009., p. 27 e ss). Nathan Widder comenta este ponto no nível da reflexão teórica:

Enquanto um certo tipo de teoria política compreende a prática como aplicação da teoria e a teoria sendo inspirada pela prática, Deleuze mantém que quando a teoria, sempre desenvolvida a partir de um domínio local, encontra obstáculos em seu caminho, ela precisa da prática para criar ressonâncias que a conecta com ideias e à inventividade das teorias em domínios heterogêneos (WIDDER, 2012WIDDER, Nathan. Political Theory After Deleuze. London: Continuum, 2012., p. 128) [Tradução livre realizada pelo autor]6 6 No original: “Whereas a certain kind of political theory understands practice to be the application of theory and theory to be inspired by practice, Deleuze maintains that when theory, which always develops within a local domain, encounters obstacles in its path, it needs praxis to create relays that connect it to the ideas and inventiveness of theories in heterogeneous domains”. .

A mencionada ressonância política reside na intervenção transformadora de um estado de coisas atual em prol das potencialidades latentes, virtuais, que já integram esse estado, mas que permanecem não atualizadas. Essas transformações podem ser melhor captadas quando a análise se detém em um conceito específico. Tendo mais uma preocupação exemplificativa do que analítica, observe-se as ressonâncias e intervenções provocadas pelo conceito de contrato social.

O contrato social é um conceito que, no amplo horizonte da filosofia política ocidental, integrou as filosofias de autores que não só viveram em contextos históricos bastante distintos, como também defendiam abordagens diversas – e mesmo opostas – em torno dos limites e funções do Estado, da população e dos laços que associam esses dois polos na constituição da comunidade política. Cabe mencionar Thomas Hobbes, John Locke, Jean-Jacques Rousseau e, no século vinte, John Rawls e Robert Nozick, para se ficar em alguns.

O conceito inicial do contrato social, como visto em Hobbes, agrega uma quantidade específica de elementos que, internamente ao conceito, constituem um conjunto significativo de relações dinâmicas, sendo cada um também um conceito a parte caso se desacople da totalidade conceitual representada pelo contrato social. Então, o contrato social remete ao estado de natureza, ao direito natural e também ao Leviatã como ficção política.

A apropriação do conceito por John Locke é acompanhada por significativas modificações no sentido e na maneira pela qual os elementos internos se associam entre si. O estado absoluto deixa de ser concebido em termos de competição e de colapso iminente da ordem social para adquirir conotações colaborativas, além da preocupação em proteger a propriedade privada, elemento ausente na configuração precedente do conceito de contrato social.

As modificações internas ao conceito refletem tanto uma dimensão estratégica, na forma da justificação e da busca pela implementação de uma ordem política particular, quanto a construção de novas linhas pelas quais o político será representado na filosofia e no imaginário político ocidental: a limitação do poder soberano, a proteção jurídica da propriedade privada, a tolerância religiosa, dentre outros elementos. Conceitos são criados tendo como referência um problema – ou um campo de problemas -, mas estes mudam constantemente, levando a um processo incessante de redefinição dos componentes conceituais (DELEUZE; GUATTARI, 2009DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O Que é a Filosofia?. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2009., p. 30 e ss).

A soberania popular é um dos elementos mais marcantes na apreensão que faz Rousseau do conceito de contrato social, envolvendo-o com os afetos revolucionários inscritos em seu panorama histórico e, deste modo, também inscrevendo a sua assinatura no conceito. Se a preocupação com a igualdade já havia sido articulada no conceito tal como assinado por Locke, Rousseau tratará de lhe dar maior ênfase. De conceito que atua justificando uma determinada configuração política – o Estado absoluto – até um que intervém e redefine não só o conceito de soberania, como também a resistência a uma ordem politicamente opressiva – a monarquia francesa de Luís XVI -, as metamorfoses do conceito de contrato social afetam – e são afetadas – pelas transformações sociopolíticas que marcaram o conceito.

Na medida que a participação jurídica depende diretamente da demarcação entre aqueles que, possuindo personalidade jurídica, podem exercer direitos e submeter-se a deveres, a construção conceitual na teoria do direito, abordada a partir do que propuseram Deleuze/Guattari, é de grande importância criação de novos direitos já que a emergência deles impulsiona transformações das mais diversas na estrutural conceitual de um ordenamento jurídico. Neste pormenor, a discussão referente aos direitos das minorias e as práticas políticas a elas associadas é esclarecedora e pertinente.

São frequentes as referências ao minoritário e ao majoritário em “Mil Platôs”. O conceito de minoritário, é bom observar, não se refere apenas ao segmento do social excluído por forças majoritárias, o que seria uma definição somente quantitativa, apontando também para o potencial diversificado de transformação que ali se faz presente: todo devir, portanto, é minoritário (DELEUZE; GUATTARI, 1997DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia, v. 5. São Paulo: Editora 34, 1997., p. 175 e ss). A apreensão do minoritário é qualitativa: refere-se a tudo que se desvia dos códigos sociais majoritários e dos seus padrões.

A dimensão política da construção conceitual remete não tanto à assimilação do minoritário pela ordem jurídico-política estabelecida, nem também se refere à construção de outra forma de codificação, mas no devir que expande a distância entre o particular e a norma que lhe pretende capturar e ajustar. O processo é circular e infinito: cada vez que o Estado ou o pensamento representativo, interiorizado) tenta apreender e codificar os fluxos que permeiam as relações sociais, mais esses fluxos tendem a escapar, compondo outros eixos de resistência e subversão (WIDDER, 2012WIDDER, Nathan. Political Theory After Deleuze. London: Continuum, 2012., p. 130 e ss). Existe uma lição referente à ambiguidade que se estabelece neste ponto: as linhas de fuga não representam soluções, transformações positivas ou catástrofes: não há como se saber de antemão quais os destinos e resultados que se seguem a partir delas. Essa ambivalência faz com que a atividade política seja experimental.

A constituição de novos direitos contempla a ambivalência. Se, por um lado, refletem um ganho de reconhecimento institucional a grupos que ocupavam lugares periféricos em termos de prestígio social e participação política, solucionando o entrave por via da integração social, por outro lado abre-se espaço para a formação de novas demandas deixadas à margem da construção normativa. Em síntese, uma solução institucional a um problema político pode – e normalmente vai – retroalimentar a formação de novas demandas jurídicas.

Política e direito, sob esta perspectiva, estão entrelaçados. Não é que ignore que, no que concerne às instituições, ambos os domínios possuem regras e estruturas específicas, que não podem ser reduzidas uma a outra, mas que a criação conceitual, que serve de referência para a produção normativa do direito, reflete também uma forma de organização do social. Nicholas Thoburn observa como, no tocante à filosofia dos autores, uma dimensão ontológica da política que, sendo imanente à vida, não pode deixar de abranger a construção do jurídico:

Deste modo, não se trata apenas que ´não existem fatos, somente interpretações´ derivadas de nossos valores historicamente produzidos, mas que também somos chamados a uma criação ativa de novas e diferentes interpretações, ou ´vidas´. Se tudo que existe são interpretações contestáveis enquanto formas de produção do ser, então a política é imanente à vida, a política precede o ser: ´A prática não emerge do estabelecimento dos termos e das suas relações, participando ativamente no esboço dos contornos. Interpretação, ou política, é tanto o processo de atenção a tudo que torna uma coisa coerente, que faz um agregado funcionar, como, sendo possível (não se trata de uma simples vontade em mudar, mas de um comprometimento difícil e complexo), uma afirmação de novos sentidos, novas vidas e novas possibilidades (THOBURN, 2003THOBURN, Nicholas. Deleuze, Marx, and Politics. London: Routledge, 2003., p. 5) [Tradução livre realizada pelo autor]7 7 No original: “Thus, it is not only that ´facts is precisely what there is not, only interpretations´ derived from our historically formed values, but that we are called to an active creation of new and different interpretations, or ´lives´. If all is contested interpretation as the production of being, then politics is immanent to life, politics precedes being: ´Practice does not come after the emplacement of the terms and their relations, but actively participates in the drawing of the lines´. Interpretation, or politics, is both a process of intricate attention to what makes a thing cohere, what makes an assemblage work, and, as far as possible (it is not a product of a simple will to change, but is a complex and difficult engagement), an affirmation of new senses, new lives, or new possibilities”. .

Em Deleuze/Guattari, portanto, o político assume uma dimensão ontológica que, seguindo o que escrevera Thoburn, ao preceder – e por isso também envolver – o real, abrange a reformulação contínua de novas instituições políticas e formas de organização do comum. Uma sociedade não se define não tantos pelas suas contradições, mas pelas linhas de fuga que lhe atravessam, ou seja, pela sua potencialidade. A práxis política não se limita a conectar termos e compor relações com o que já se encontra estabelecido, sendo ela mesma parte crucial nesse processo.

A Teoria do Direito através da Política Conceitual

As abordagens dos dois autores ressaltaram, de maneiras diversas, as ressonâncias políticas subjacentes aos conceitos: eles não se restringem à representação de um estado de coisas atual, elementos cuja finalidade principal seria a justificação da ordem presente. Mesmo os conceitos schimittianos, envolvidos pela preocupação do autor com a manutenção de uma ordem sociopolítica estável e coesa, encontram-se atravessados por potencialidades e ressonâncias políticas opostas ao liberalismo político de sua época (MCCORMICK, 1997MCCORMICK, John P. Carl Schmitt’s Critique of Liberalism: Against Politics as Technology. Cambridge: Cambridge University Press, 1997., p. 4; BIELEFELDT, 1998BIELEFELDT, Heiner. Carl Schmitt’s Critique of Liberalism: Systematic Reconstruction and Countercriticism. In: DYZENHAUS, David. Carl Schmitt’s Critique of Liberalism. Duke University Press, 1998, pp. 23-36., p. 23 e ss).

Os conceitos teóricos articulados por Schmitt, especialmente nas redefinições que propõe, demarcam posições e estabelecem inimigos ao mesmo tempo em que proporcionam as bases para as suas teorias do direito, da Constituição e do Estado. Se não justificam a ordem presente, fornecem o devido respaldo para que o teórico intervenha politicamente no panorama social do seu tempo.

Ao invés de abstrações com as quais o teórico se contenta em desenvolver os seus argumentos, os conceitos são pré-condições para que ele articule sua posição, desenvolva ataques e proponha linhas de defesa. Neste ponto, as pretensões científicas, tão expostas na teoria pura kelseniana, são mantidas bem afastadas da especulação teórica: Schmitt não perde de vista o caráter polêmico de sua teórica, construindo frases de efeito, definições obscuras e reformulações significativas de conceitos tradicionais, amplamente aceitos. Ao confrontar Kelsen, Schmitt o traz para um plano diverso no qual os conceitos kelsenianos passam por redefinições, abrindo-se para questões normalmente deslocadas do arcabouço teórico kelseniano. Os comentários de Deleuze/Guattari sobre a crítica de Kant a Descartes referente ao cogito podem ser fecundos neste ponto (DELEUZE; GUATTARI, 2009DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O Que é a Filosofia?. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2009., p. 45 e ss).

A filosofia do conceito de Deleuze/Guattari também opõe a associação do conceito com a sua representação ao conectá-los a um campo de problemas referentes a um plano específico (DELEUZE; GUATTARI, 2009DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O Que é a Filosofia?. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2009., pp. 40-41). Conceitos respondem e redefinem problemas: é um fazer filosófico, forma de artesanato em constante transformação. Como mencionara Patton, uma das indagações centrais presentes na proposta dos autores consiste em um pensamento ´do fora´, marcado por conexões e associações entre elementos heterogêneos desvinculadas tanto de um fundamento primeiro quanto de um fim último (PATTON, 1984PATTON, Paul. Conceptual Politics and the War-Machine in Mille Plateaux. SubStance, n. 44/45, 1984, pp. 61-80., p. 61 e ss).

Se o pensamento ´do interior´, envolvido pela representação, inspira-se no captura e organização proposta pelos aparelhos do Estado na modelagem das relações sociais, o pensamento ´do fora´, rejeita modelos e cópias em prol de processos experimentais, sem referências prévias:

Mas a forma de exterioridade do pensamento - a força sempre exterior a si ou a última força, a enésima potência - não é de modo algum uma outra imagem que se oporia à imagem inspirada no aparelho de Estado. Ao contrário, é a força que destrói a imagem e suas cópias, o modelo e suas reproduções, toda possibilidade de subordinar o pensamento a um modelo do Verdadeiro, do Justo ou do Direito (o verdadeiro cartesiano, o justo kantiano, o direito hegeliano, etc)... Mas a forma de exterioridade situa o pensamento num espaço liso que ele deve ocupar sem poder medi-lo, e para o qual não há método possível, reprodução concebível, mas somente revezamentos, intermezzi, relances (DELEUZE; GUATTARI, 1997DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia, v. 5. São Paulo: Editora 34, 1997., p. 47)

Para a teoria do direito, especialmente no que concerne a uma perspectiva política da produção do jurídico, a reflexão sobre a exterioridade é incontornável. A criação de novos direitos ou a ampliação daqueles já existentes, por exemplo, é permeada por processos de desterritorialização onde os elementos disponíveis se desacoplam de suas respectivas relações, inserindo-se em outras, o mais das vezes inusitadas e imprevisíveis.

As colocações de Walter Mignolo em torno das limitações referentes aos direitos humanos como mecanismos jurídico-políticos de emancipação são oportunas neste caso. O autor assim procede para destacar as relações de cumplicidade entre os proponentes dos direitos humanos e as estruturas de opressão que eles pretendem erradicar. Mas isso esgotaria o uso do conceito de direitos humanos? Mignolo sustenta que não: a apropriação do conceito pelos grupos subalternos contribui para a formação e desdobramento dos conflitos associais às suas demandas:

Eu irei sucintamente trazer à tona a dupla face dos direitos humanos (modernidade/colonialidade) e os presentes desafios decoloniais, principalmente através das demandas do “direito da natureza” e do “direito da vida” que sustentam a necessidade de “pensar de outro modo”. O que isso implica é a “apropriação” dos direitos humanos pelas vítimas para que possam dar andamento às suas lutas pelos seus direitos. Quando a vítima se torna o seu salvador, o salvado e o proponente dos direitos humanos é posto ao lado do perpetrador (MIGNOLO, 2014MIGNOLO, Walter D. From “human rights” to “life rights”. In: DOUZINAS, Costas; GEARTY, Conor. The Meanings of Rights: The Philosophy and Social Theory of Human Rights. Cambridge: Cambridge University Press, 2014, pp. 161-180., p. 162) [Tradução livre realizada pelo autor]8 8 No original: “I will briefly bring to the fore both the double edge of human rights (modernity/coloniality) and current decolonial challenges, mainly through claims of the "right of nature" and "rights of life" that sustain the need to "think otherwise". What it amounts to is the "appropriation" of human rights by the victims to enact their own struggle for their own rights. When the victim became its own savior, the savior and defender of human rights is placed on the side of the perpetrator”. .

É esse último aspecto que chama atenção para as diversas formas de apropriação, especificamente no horizonte da filosofia e teoria política, das teses e obras de Schmitt: não tanto pelas respostas que os seus conceitos articulam, e sim pelos problemas que eles deixaram de legado para a teoria do direito e teoria política, sobretudo no tocante aos limites e fragilidades da democracia. Schmitt, então, vai reaparecer não tanto como um teórico responsável por desenvolver descrições esclarecedoras da realidade social, política e institucional do panorama de sua época, mas como alguém que legou indagações através dos seus conceitos cuja relevância e alcance chegam aos dias atuais, a exemplo do Estado de Exceção. Na perspectiva de muitos dos seus leitores contemporâneos, o seu valor reside principalmente na constituição de um campo de problemas através do diagnóstico que propôs de sua época (MOUFFE, 1999bMOUFFE, Chantal. Introduction: Schmitt’s Challenge. In: MOUFFE, Chantal (org). The Challenge of Carl Schmitt. London: Verso, 1999b, pp. 1-6., p. 4 e ss).

Ao mesmo tempo em que elaborou a sua teoria do direito com uma instância combativa, interventiva, as criações de Schmitt extrapolaram a sua obra e hoje proporcionam outras possibilidades de se engajar com o jurídico desde o político. É esse jogo de apropriações, de que falara Mignolo, que abre a criação conceitual para formas de apropriação política o mais das vezes inusitada e fecunda. A análise de Deleuze/Guattari acerca do conceito de cogito e o seu percurso de apropriações é significativa neste ponto (DELEUZE; GUATTARI, 2009DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O Que é a Filosofia?. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2009., p. 38 e ss)

A criação de novos direitos subverte e desafia a imaginação teórica do jurista: exige que se pense para além do atual, para além do sedimentado, ou seja, na proposição de espaços experimentais cujos resultados não tem como saber de antemão. Conceitos, seguindo Deleuze/Guattari, são sempre multiplicidades conectadas, então a modificação – ou a inserção – de um novo conceito tem o potencial de redefinir tantos outros (DELEUZE; GUATTARI, 2009DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O Que é a Filosofia?. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2009., p. 27 e ss).

Em seu artigo sobre a temática, Illan Rua Wall observa o debate que se instaura em torno da criação de novos direitos humanos. Para uns a criação incessante de direitos apenas limita o núcleo das demandas já que eles poderiam ser acomodados às estruturas normativas vigentes sem prejuízo de sua implementação institucional. Outros insistem na importância de uma fluidez discursiva que respondam aos acontecimentos do presente, por isso ressaltam a pertinência de direitos referentes à água, à infraestrutura, ao desenvolvimento, à paz e à verdade (WALL, 2014WALL, Illan Rua. On a radical politics for human rights. In: DOUZINAS, Costas; GEARTY, Conor. The Meanings of Rights: The Philosophy and Social Theory of Human Rights. Cambridge: Cambridge University Press, 2014, pp. 106-120., p. 106 e ss).

A estrutura familiar, a adoção, o direito de guarda e de visita, precisam ser repensados quando a família não mais se constitui apenas pela união de pessoas de diferentes sexos. A possível legalização da prática da eutanásia no Brasil, aqui entendida como direito à boa morte, também acaba por interrogar os limites das compreensões atuais acerca do direito à vida e também da resistência que pode opor o sujeito de direito ao ordenamento que lhe fornece essa capacidade jurídica. Por fim, o reconhecimento dos direitos dos animais coloca potencialmente em xeque uma compreensão estritamente antropocêntrica do ordenamento jurídico e mesmo dos direitos humanos. O desenvolvimento dessas questões, neste trabalho, forma apenas conjecturas, hipóteses: a extensão e a intensidade das transformações, principalmente em seu desdobramento temporal, serão sempre desconhecidos (DELEUZE; GUATTARI, 2009DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O Que é a Filosofia?. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2009., p. 107).

Em síntese, a criação de novos direitos cultiva, ainda que parcialmente, potencialidades implícitas em conceitos já estabelecidos, o surgimento de relações inusitadas e outrora impensáveis em um dado ordenamento jurídico. Daqui se depreende que o atual estado de um ordenamento jurídico nunca encerra – ou traduz – o que lhe é permitido ser: há sempre um potencial soterrado que é, aos poucos, explorado em meio ao contato que o jurídico estabelece com os seus limites constitutivos, ou seja, com a sua exterioridade. Mas esse é um contato que ocorre sem antecipações ou garantias (PHILIPPOPOULOS-MIHALOPOULOS, 2011PHILIPPOPOULOS-MIHALOPOULOS, Andreas. Critical Autopoiesis: The Environment of the Law. In: VRIES, Bald de; FRANCOT, Lyana (orgs). Law's Environment: Critical Legal Perspectives. The Hague, Netherlands: Eleven International Publishing, 2011, pp. 44-62., p. 47 e ss).

Schmitt e Deleuze/Guattari, este trabalho sustenta, compartilham uma preocupação performativa no que se refere à criação conceitual e ao trabalho da teoria que o envolve, ainda que ambos não tenham desenvolvido explicitamente este aspecto. Conceitos surgem também como ferramentas teóricas com o potencial de redefinir o campo problematizado pelo teórico, gerando ressonâncias em áreas diversas, como cultura e política, conforme visto na filosofia desenvolvida pelos autores franceses. Trazem consigo a possibilidade de produzir implicações práticas significativas: o que está em questão é a emergência de novas formas de pensar e agir, seja diante de si mesmo, seja no que tocante à organização sociopolítica da comunidade.

Está longe de ser evidente a maneira pela qual a teoria do direito, de um modo geral, tende a articular essa abordagem do conceito e menos ainda as múltiplas ressonâncias provocadas pelos conceitos que compõem essas teorias. Viu-se como Schmitt conscientemente desenvolveu a sua teoria de modo a contestar tendências políticas e delimitar o seu posicionamento particular no conturbado panorama institucional em que sua teoria fora forjada. Apreendendo Schmitt a partir de uma leitura muito abrangente da filosofia conceitual de Deleuze/Guattari não parece apresentar grandes dificuldades em função da autoconsciência de Schmitt ao propor, em paralelo à sua teoria do direito, uma ontologia política que lhe servem de pano de fundo e sustentáculo teórico. Mas isso poderia ser estendido às demais teorias?

A resposta é afirmativa desde que se compreenda o político em termos mais abrangentes e ontológicos do que tradicionalmente lhe é atribuído – ou seja, adotando uma concepção do político vista em Schmitt e/ou da política concebida por Deleuze/Guattari. Em ambos os casos, reconhecidas as devidas diferenças, o político consiste primeiramente na tentativa incessante de organização do caos através de delimitações e cortes sobre um plano. Cada corte ou delimitação poderia ser diversa, refletindo as variadas perspectivas sobre a ordem coletiva.

Considerações finais

O principal ponto argumentado por esta pesquisa reside no seguinte: Carl Schmitt e Gilles Deleuze/Félix Guattari, em suas respectivas obras, nos abrem para perspectivas que ressaltam, ainda que de maneiras distintas, a dimensão política da construção conceitual, o que gera consequências para a teoria do direito. Conceitos não se confundem com noções abstratas voltadas para a representação de objetos dispostos no mundo: interferem em um estado de coisas, reorganizam relações, propõem novos cursos de pensamento e ação, trazem à tona potencialidades implícitas no real.

Na definição do seu posicionamento teórico, o repertório conceitual de Schmitt meticulosamente distingue a sua perspectiva daquelas que pretendeu combater. Esse aspecto de sua teoria aparece mais explicitamente nas controvérsias, práticas e especulativas, em que tomou parte ao longo de sua carreira. A construção teórica longe de se prestar aos objetivos de esclarecimento e descrição de uma possível ciência do direito, surge como a demarcação de um posicionamento que, sendo politicamente motivado, termina por submeter a constituição do jurídico a uma ontologia política.

Embora o direito não apareça como temática explícita ao longo de “Anti-Édipo”, “Mil Platôs” e “O Que é a Filosofia?”, a maneira pela qual Deleuze e Guattari conceberam tanto a construção conceitual quanto o político pode servir para uma redefinição do significado de se fazer teoria do direito, tal como, de maneira o mais das vezes implícita, Schmitt assim pretendeu. Embora o significado de uma teoria do direito não se esgote, nem se detenha, às ideologias explicitamente propagadas pelos seus autores, nem aos objetivos definidos que assumem para a própria teoria, esta pesquisa pretendeu destacar que sim, trata-se de uma dimensão da teoria que não deve ser negligenciada na análise e na forma com que ela, a teoria, é operacionalizada pelo jurista praticante em seu cotidiano forense.

A justificativa para tanto é a de que a dimensão política de uma teoria tende a refletir de algum modo o impacto que ela propõe no contexto social e institucional em que ela se desenvolve, o que inclui a problematização de noções assentadas, a redefinição de conceitos tradicionais e, o que fora objeto de maior destaque nesta pesquisa, toda a construção conceitual que as teorias do direito necessariamente trazem consigo. Não se trata de tentar enxergar na teoria pura do direito como uma defesa velada do liberalismo político, mas sim perguntar de que maneira ela constrói o jurídico e quais as potencialidades que são exploradas – ou mesmo liberadas – por ela – e nesse processo, sim, ela pode acabar proporcionando ou se conectando ao liberalismo político de formas diversas.

Seguindo por essa direção, tem-se também as diversas apropriações da própria teoria de Schmitt como suporte teórico para críticas às democracias liberais contemporâneas e também à despolitização, compreendida como rejeição do antagonismo, advindas de concepções estritamente técnicas da política, pós-ideológicas, como apontou Chantal Mouffe. A maneira pela qual uma teoria extrapola o contexto imediato de sua intervenção para se estender a circunstâncias que, em tese, sequer poderiam ter sido previstas, ilustra a extensão do seu potencial em se fazer de instrumento para alterar os objetos e as circunstâncias que pretendem esclarecer e descrever.

Da mesma maneira que somente se pode ser platônico hoje em dia, sustentaram Deleuze e Guattari (DELEUZE; GUATTARI, 2009DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O Que é a Filosofia?. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2009., p. 41), em virtude da mobilização que se faz do arcabouço conceitual presente na filosofia de Platão para problemas e indagações que ainda hoje possuem o seu sentido, também as teorias do direito são atravessadas por uma série distintas de orientações e questões cuja significação não se limita ao que de imediato elas tratam: o jogo de apropriações, releituras e recriações, em termos de conceitos, é contínuo – e, em cada oportunidade, coloca-se em jogo a possibilidade de se pensar de outra forma, de se ver através de outra perspectiva e de se agir de outra maneira. Política, portanto, em seu nível mais profundo e elusivo.

Essa é uma dimensão que não deveria ser negligenciada na análise das teorias do direito: o confrontamento da ordem atual das coisas através da proposição de novas linhas de fuga e alternativas experimentais. O desenvolvimento de novas tecnologias que radicalmente redefinem aspectos do social (a comunicação e transmissão de dados, o biológico, o bélico), o surgimento de problemas ambientais inéditos, a proteção cultural das comunidades nativas, a dessacralização progressiva dos valores tradicionais, implicando no surgimento de diversas formas de configuração das relações sociais, confrontam a teoria do direito com problemas e questões que resistem ao repertório de soluções estabelecidas. Uma política dos conceitos, enfim, reflete não só uma outra concepção de estratégia, como modo de se conceber a atividade do pensamento no que se refere ao social, ao político e ao jurídico.

  • 1
    No original: “Categorical ordering was the foundation for his other, substantive ordering practices, his efforts to order the realms of the political, the legal, and the cultural... Schmitt´s deconstruction and reconstruction of concepts was a necessary first step (and sometimes the only step he took) in the development of his polycentric thought. He was an exemplar of the decisionist as a conceptual type”.
  • 2
    No original: “Every political concept is a polemical concept. It has a political enemy in mind and, with respect to its intellectual rank, intellectual force, and historical significance, it is determined by this enemy. Words such as ´sovereignty´, ´freedom´, ´Rechtsstaat´, and ´democracy´, obtain their precise meaning only through a concrete antithesis”.
  • 3
    No original: “All political concepts, images, and words have a polemical meaning; they refer to a concrete opposition ["konkrete Gegensätzlichkeit"] and are tied to a concrete situation ["konkrete Situation"], the ultimate consequence of which is a grouping into friends and enemies (manifesting in war or revolution) and become empty and ghostlike abstractions when this situation no longer obtains. Words like state, republic, society, class as well as sovereignty, Rechtsstaat, absolutism, dictatorship, plan, neutral or total state, etc. are incomprehensible if ones does not know who in concreto is to be "hit" ["getroffen"], "fought" ["bekämpft"], "negated" ["negiert"], and "refuted" ["widerlegt"] wich such a word”.
  • 4
    No original: “...to philosophize is to invent new concepts. The understanding of concepts, however, is far from traditional. These are described as singularities, elsewhere as lines or intensities, which react upon the flow of everyday thought, forming relays between artistic, political, or other practices... Underlying this view is an ideal of conceptual thought and a corresponding choice: the Deleuzian view of concepts implies a commitment to a certain politics of conceptual form”.
  • 5
    No original: “This Deleuzian alternative is not simply a matter of another image of thought, an alternative model for the elaboration of concepts. For that would imply a constant form which could then be reproduced in different domains, whereas exteriorizing thought is characterized above all by its inconstancy, its variability”.
  • 6
    No original: “Whereas a certain kind of political theory understands practice to be the application of theory and theory to be inspired by practice, Deleuze maintains that when theory, which always develops within a local domain, encounters obstacles in its path, it needs praxis to create relays that connect it to the ideas and inventiveness of theories in heterogeneous domains”.
  • 7
    No original: “Thus, it is not only that ´facts is precisely what there is not, only interpretations´ derived from our historically formed values, but that we are called to an active creation of new and different interpretations, or ´lives´. If all is contested interpretation as the production of being, then politics is immanent to life, politics precedes being: ´Practice does not come after the emplacement of the terms and their relations, but actively participates in the drawing of the lines´. Interpretation, or politics, is both a process of intricate attention to what makes a thing cohere, what makes an assemblage work, and, as far as possible (it is not a product of a simple will to change, but is a complex and difficult engagement), an affirmation of new senses, new lives, or new possibilities”.
  • 8
    No original: “I will briefly bring to the fore both the double edge of human rights (modernity/coloniality) and current decolonial challenges, mainly through claims of the "right of nature" and "rights of life" that sustain the need to "think otherwise". What it amounts to is the "appropriation" of human rights by the victims to enact their own struggle for their own rights. When the victim became its own savior, the savior and defender of human rights is placed on the side of the perpetrator”.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 2019
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    23 Nov 2018
  • Aceito
    31 Mar 2019
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