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Limites e possibilidades de agências digitais para outras urbanidades possíveis - o caso do grupo de direitos urbanos em Recife, Pernambuco

Limits and possibilities of digital agencies for possible other urbanites - the Urban Rights Group case in Recife, Pernambuco (Brazil)

Resumo

Este trabalho analisa as estratégias de mobilização e inscrição política na cidade a partir da expansão e consolidação de sua dimensão digital, intensamente estimuladas pelas tecnologias de informação e comunicação contemporâneas, tendo o Grupo Direitos Urbanos como objeto de estudo. Por meio de pesquisa documental no acervo digital do próprio grupo investigado, procuramos observar os limites e as potencialidades dessa dimensão das cidades contemporâneas para refletirmos sobre outras urbanidades possíveis.

Palavras-chave:
Agência política digital; Grupo Direitos Urbanos; Outras urbanidades

Abstract

This paper analyses the mobilization strategies and political subscription in the city through its digital dimension expansion and consolidation, which is deeply stimulated by contemporary communication and information technologies. This paper took the Urban Rights Group as its main subject. Based on documental research into this group’s digital archive, we have intended to observe the limits and potentialities for this digital dimension in contemporary cities for, through it, thinking on other possible urbanities.

Keywords:
Digital political agencies; Urban Rights Group; Other urbanities

Postulando um problema

É bem sabido o lugar de destaque que ocupa a noção de virtualidade quando procuramos entender algumas das principais mudanças no cenário da vida pública na emergência da Modernidade. Anderson (2008ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.), em célebre trabalho, dedica à categoria do tempo um grande esforço a fim de compreender que mudanças caracterizariam esse novo projeto de sociedade, distinto daquele que o antecedera. O autor realiza esse exercício, tendo o mundo europeu como referência, para compreender alterações em políticas de solidariedade que se deram para consolidar um empreendimento de vida e consumo coletivos que, potencialmente, envolveria um número bem maior de pessoas. Como articular os indivíduos em torno de uma mesma rotina de ordem e trabalho, suporte para uma promissora sociedade erguida sobre demandas rigorosas de intenso processo de industrialização? A questão cara a Anderson é igualmente importante para o surgimento e desenvolvimento dos estudos urbanos modernos, interessados, fundamentalmente, em entender como investimos voluntariamente no constrangimento diário que a vida nas grandes cidades implica (PARK, 1967; SIMMEL, 2013; WEBER, 1967; WIRTH, 1967).

O objetivo de Anderson em Comunidades Imaginadas (2008ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.), especificamente, era entender uma espécie de genealogia do moderno pertencimento nacional, sem perder de vista o lugar protagonista (e violento) das instituições e seus dispositivos. Procurara compreender, contudo, os processos de mudança nos imaginários públicos daquelas sociedades e investigara seu impacto como produto de um tipo novo de vida pública. Nesse exercício, a experiência do tempo simultâneo e de aprofundamento da virtualidade das relações sociais ocupam importante lugar. Sociedades materializadas em cidades cada vez mais populosas e, ao mesmo tempo, conectadas pelos laços políticos de um nacionalismo que transcendia os muros das antigas cidades medievais, precisariam experimentar novas operacionalizações da vida, que tinham na compreensão do tempo simultâneo da vida na cidade seu objeto central. O trânsito de um modelo de solidariedade mobilizado a partir da interação face a face a um outro modelo estruturado em normas de conduta e convívio basicamente virtuais expressariam a tensão que Anderson (idem) procurara investigar.

A partir desse empreendimento foi possível investir em sistemas ordenados de vida e consumo coletivos, pautados em um tipo feito complexo de experiência da virtualidade, sustentáculo para um programa de cidade moderna que se consolidaria na virada de século (XIX para o XX). É o argumento central de Simmel (2013) no clássico A metrópole e a vida mental, no qual procura compreender as relações possíveis entre o novo modo de vida da cidade, que articula populações potencialmente cada vez mais numerosas, e a estrutura psicológica dos indivíduos. A partir dele, então, podemos afirmar que a vida das (e nas) grandes cidades, já no início do século XX, dependia diretamente de um complexo dispositivo de virtualização das relações, estruturadas por uma rede de comportamentos e agências possíveis mobilizados por um esquema imaginário de solidariedade.

Esse exercício parece não diferir muito daquele que poderíamos observar em nossos dias. O desenvolvimento, contudo, concomitante à experiência da industrialização, dos veículos de comunicação de massa - no final do século XIX e, intensamente, ao longo do século XX -, acompanhado, posteriormente, pela emergência das mídias eletrônicas, bem como a compreensão das contemporâneas redes sociais digitais como um dos mais importantes fenômenos socioantropológicos contemporâneos, tornam ainda mais complexa a compreensão do que Simmel chamaria de uma psicologia da vida coletiva nas cidades do século XXI.

Dessa forma, podemos dizer que a cidade moderna, já complexo produto da virtualidade, associa à sua dimensão virtual estratos digitais de agência política e participação em espaços públicos também renovados por plataformas rematerializadas em zonas de conflito e decisão cada vez mais potentes: espaços não materiais convertidos em lugares políticos digitais. O arranjo, contudo, não é simples. Ainda que seja objeto de projeção, portanto, pertencente à dimensão do imaginário, as cidades estão materializadas em suportes de associação não-virtuais que orientam a rotina de vida e consumo coletivos. A digitalização desses circuitos não é um movimento simples, como verificaremos na análise do objeto empírico que exploraremos adiante. A esta altura, então, propomos a questão que melhor resume a proposta de trabalho aqui inscrita: quais os limites e potencialidades de agências digitais para outras urbanidades possíveis?

Essa pergunta, enquanto um problema de pesquisa a ser investigado, surgiu a partir da realização de um projeto de pesquisa do qual fazemos parte1 1 Francisco Sá Barreto como coordenador e Izabella Medeiros como pesquisadora assistente. , mas que, inicialmente, nem em seus objetivos, nem em seu planejamento, intencionou lidar com as questões mais específicas exploradas no presente artigo. Nesse projeto, desenvolvido a partir do final do ano de 2014, procuramos entender a simbiose entre os discursos de modernidade e tradição em três recortes temporais específicos da história da urbanização da cidade de Recife, Pernambuco. O terceiro, e último, recorte trata dos embates entre o Projeto Novo Recife e as iniciativas de resistência a ele, mas não somente a ele. Foi possível observar, ao longo dos estudos que já realizamos, as estratégias para tradução da resistência pontual ao Novo Recife, projetado, no entanto, a um debate sobre a cidade e suas políticas de gestão como um todo. É o que procuramos observar quando nos dedicamos a compreender a atuação do Movimento Ocupe Estelita nesse cenário2 2 Interessados, ver: SÁ BARRETO, Francisco; MEDEIROS, Izabella. A “ocupação” como léxico da agência política nas cidades contemporâneas: o caso do Movimento Ocupe Estelita, em Recife - Pernambuco. ANAIS, 41º Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu, 2017. .

Naquela ocasião, ficou de fora, contudo, o Grupo de Direitos Urbanos, importante ator no conjunto das resistências possíveis a um tipo específico de modelo de cidade, agente central no cenário político do que estamos tentando entender como cidade digital.

O “Direitos Urbanos” é um grupo surgido a partir da reunião de pessoas interessadas em discutir políticas sobre a cidade do Recife, tomando como ponto de partida o caso específico do empreendimento de demolição do edifício Caiçara, no bairro de Boa Viagem, edificação dos anos 1930 e demolido em 2016. As pautas aproximadas e as relações possíveis entre o conjunto de demolições e um tipo específico de nova verticalização urbana convergiram as atuações do grupo para temas referentes ao complexo conjunto de intervenções do Projeto Novo Recife, nova fase do programa de gentrificação para a região do centro da cidade, desenvolvido desde o início dos anos 1990.

As pautas do grupo, contudo, ganharam visibilidade e capacidade de mobilização a partir do momento em que encontraram nas redes sociais digitais sua principal plataforma de atuação política. Hoje, o grupo reúne mais de 30 mil membros no Facebook, utilizando-se do site para propor uma série de debates e estratégias de ação sobre diversos programas, condutas e manobras da Prefeitura da cidade do Governo do Estado de Pernambuco. A partir da progressiva transferência das pautas do grupo, do Projeto Novo Recife para um conjunto ampliado de intervenções sobre a cidade, o próprio grupo passou a apresentar como seus objetivos centrais: a) transparência e participação popular; b) revisão e regulação do Plano Diretor e reorganização da legislação urbana; c) planejamento urbano e metropolitano integrado e de longo prazo; d) valorização do espaço público; e) revitalização sem gentrificação; f) proteção das ZEIS e de comunidades ameaçadas de remoção; g) planejamento de uso do solo e deslocamento de populações; h) subsídio e valorização do transporte coletivo.

Como se pode observar, as pautas do grupo são, todas elas, voltadas a um nível pré-digital de cidade. Contudo, parte significativa da atuação e organização do grupo reforça funcionamentos ainda pouco observados, inclusive pelos participantes do grupo: a emergência de um nível digital de vida e consumo coletivos, alimentando um programa de participação aparentemente novo, cuja potência nós procuramos, com este trabalho, compreender.

Para tanto, procuramos observar as estratégias de mobilização e de inscrição política na cidade contemporânea a partir da consolidação e expansão de sua dimensão digital, intensamente estimuladas pelo desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação contemporâneas. Assim, dividimos o exercício que por ora se desenvolve em três etapas: a) o estudo do Grupo Direitos Urbanos, suas estratégias de ação, políticas de mobilização, potencialidades como movimento e diagramação de dimensões digitais para lugares políticos contemporâneos; b) a emergência de cidades digitais e o lugar político das novas tecnologias de informação e comunicação; e c) o caso da cidade do Recife e seus programas virtuais de desenvolvimento e novas intervenções, tendo o Projeto Novo Recife como principal referência.

Como recurso metodológico para a construção dos dados, realizamos uma pesquisa documental no acervo digital do próprio grupo objeto de estudo em questão. Esse acervo não diz respeito a um arquivo bibliograficamente organizado pelo grupo, mas segue lógicas de categorização da própria plataforma digital na qual o grupo está localizado. Selecionamos e reunimos os diversos materiais produzidos pelo grupo - comentários, manifestos, posts, textos diversos - para, posteriormente, realizarmos uma análise de conteúdo (procedimento de análise) desse material, cujo objetivo foi identificar categorias de atuação política por parte do Grupo Direitos Urbanos. Procuramos, com isso, observar os limites e as potencialidades da dimensão digital em um contexto contemporâneo das cidades para refletirmos sobre outras urbanidades possíveis.

Grupo de Direitos Urbanos: direito a que cidade?

Desde a década de 1990, variadas formas reivindicativas de ocupar as ruas3 3 Em janeiro de 1994, milhares de indígenas com rostos cobertos, o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), tomaram as principais cidades do Estado de Chiapas no México. Em novembro de 1999 aconteceram as manifestações contra a Organização Mundial do Comércio em Seattle. Em setembro de 2000 foram as manifestações em Praga contra a reunião do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial; e em julho de 2001, as manifestações contra a reunião do G8 em Gênova. Também em 2001 aconteceu o primeiro Fórum Social Mundial (FSM) em Porto Alegre. É preciso ainda mencionar insurreições populares como a de Cochabamba, na Bolívia, em 2000, contra a privatização da água; as grandes marchas do Movimento dos trabalhadores Sem Terra no Brasil (MST) no final da década de 90; organizações panamazônicas; luta dos povos afegãos e palestinos; revoltas do povo argentino através de panelaços; entre outras. se apresentaram enquanto uma forma original de protesto. Mais recentemente, finais de 2010 e em 2011, assistimos aos protestos no mundo árabe que ficaram conhecidos como “Primavera Árabe”. Aconteceram revoluções na Tunísia e no Egito, uma guerra civil na Líbia, grandes protestos na Argélia, Bahrein, Djibuti, Iraque, Jordânia, Síria, Omã e Iémen e protestos menores no Kuwait, Líbano, Mauritânia, Marrocos, Arábia Saudita, Sudão e Saara Ocidental. Esses protestos têm compartilhado técnicas de resistência civil, fazendo greves, manifestações, passeatas e comícios, e também fazendo o uso das mídias sociais, como Facebook, Twitter e Youtube, para organizar, comunicar e sensibilizar a população e a comunidade internacional.

O uso das redes sociais na internet também foi o que divulgou o Movimento 12M em Portugal. 12M porque o manifesto publicado no Facebook incitava à participação numa manifestação em Lisboa no dia 12 de março de 2011. O Movimento 12M, autointitulado “apartidário, laico e pacífico”, reivindicava melhorias nas condições de trabalho, principalmente para os jovens. Nessa mesma linha, a Espanha vivenciou protestos que ficaram conhecidos por Movimento 15-M, Indignados e Revolução Espanhola. Esse movimento, também catalisado pelas redes sociais, começou em 15 de maio de 2011 e se caracterizou por uma série de protestos, também apartidários, laicos e pacíficos, que exigiam “Democracia Real Já!”. As ações extrapolaram a Espanha e muitos outros países organizaram protestos inspirados pelos Indignados. Seguindo a mesma linha desses protestos, em setembro do mesmo ano surge em Nova York o movimento Ocupe Wall Street, que protestava contra a crise financeira e o poder econômico estadunidense.

Em junho de 2013, as reivindicações por melhoria no transporte público foram o catalisador de uma série de manifestações nas principais cidades brasileiras. Foram protestos marcados pela bandeira da não bandeira, ou seja, pelo rechaço da política tradicional, e em alguns casos pela repulsa à política (BENZAQUEN & SÁ BARRETO, 2013BENZAQUEN, Júlia; SÁ BARRETO, Francisco. A mão dupla da rua: a ambivalência da “nova resistência” ou elementos para uma outra gramática da mobilização. Recife: Revista Estudos de Sociologia (PPGS/UFPE), 2013.).

Enquanto os movimentos sociais classificados como “clássicos” se centram na luta de classes e no mundo do trabalho como elementos motivadores e têm como forma os sindicatos e os partidos políticos, os novos movimentos sociais são entendidos como aqueles cujas fontes dos conflitos sociais são a cultura, a identidade, a esfera dos micropoderes, ou seja, lidam com questões específicas como gênero, sexualidade, raça e etnia, os movimentos sociais que têm se organizado e se materializado nas grandes cidades do globo, tomando aspectos da vida na cidade como objeto em si, têm sido compreendidos como novíssimos movimentos sociais (GOHN, 2017GOHN, Maria da Glória. Manifestações e protestos no Brasil: correntes e contracorrentes na atualidade. São Paulo: Cortez, 2017.). São movimentos, portanto, que têm na cidade seu principal suporte material, cujo elemento identitário pode brotar de associações políticas diversas, tendo suas demandas intensamente conectadas à vida urbana.

A complexidade das pautas contemporâneas, portanto, também foi traduzida e potencializada pelas grandes cidades do globo - não somente aquelas inscritas no universo geopolítico dos países do G8 -, o que sugere uma intensificação do trânsito, em primeiro lugar, de movimentos articulados pela luta anticapitalista a movimentos mobilizados por um pertencimento identitário enquanto razão estruturante da luta por reconhecimento e direitos; e, em segundo lugar, esse trânsito esteve configurado na emergência de movimentos cuja identificação e pauta estão ainda mais confusos com as demandas por melhores condições de vida na cidade, o que implica desde as lutas por democracia ao intenso debate a respeito de planos diretores e políticas da gestão pública na e para a cidade. O surgimento do Grupo Direitos Urbanos (doravante GDU) está intimamente relacionado a esse processo. Como se pode verificar em iniciativas que destacamos acima, a plataforma de mobilização do GDU, no entanto, tem em uma dimensão digital de cidade seu principal recurso de articulação.

Em 23 de abril de 2012, o GDU enviou carta aberta, intitulada Carta em defesa do Cais José Estelita - Nossa Paisagem; Nosso Patrimônio, ao Presidente do IPHAN, a seu superintendente regional (Pernambuco), ao Presidente da FUNDARPE (Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco), à Diretoria de Preservação Cultural da FUNDARPE, ao Secretário de Cultura do Estado e, por fim, ao Governador do Estado, manifestando sua posição contrária ao Projeto Novo Recife e elencando um conjunto de razões para tal. Além disso, identifica-se, publicamente, pela primeira vez enquanto um movimento e procura elementos para uma auto-caracterização. Reside aí a seminal importância do documento. No documento, se afirma:

Cidadãos e cidadãs do Recife reafirmam ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN e à Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco - FUNDARPE posição definitivamente contrária ao Projeto Novo Recife. O referido Projeto foi apresentado em Audiência Pública na Câmara dos Vereadores, realizada no dia 22 de março de 2012.

Nós, Grupo Direitos Urbanos, presentes na audiência, e aqueles que a assistiram via transmissão ao vivo pela internet, sentimo-nos agredidos pelo projeto apresentado. Agride-nos e viola as características urbanas e históricas do Bairro de São José. Discordamos do projeto de cidade contido na proposta apresentada porque representa um corte contra a nossa paisagem urbana, esta, que conta a nossa história, na qual nos vemos refletidos, e é nosso patrimônio cultural e afetivo. E tudo isso para servir a um mercado imobiliário restrito ao qual apenas uma pequenina minoria tem acesso, no contexto do Recife.

A repercussão da Audiência Pública ecoou o lamento sobre o Projeto Novo Recife nas redes sociais (Twitter, Facebook, Youtube) e nos meios de comunicação locais, estaduais e nacional. Mais pessoas vêm se somando em defesa da paisagem do Bairro de São José, do nosso patrimônio histórico que ali se encontra. Os grupos, de caráter não partidário, “Direitos Urbanos - Recife” (com 5.205 membros), “Salve o Cais José Estelita” (com 1.352 membros) e “Contra o Projeto Novo Recife (com 1.269 membros)” reúnem arquitetos, filósofos, jornalistas, historiadores, cineastas, artistas plásticos, estudantes, professores universitários, pesquisadores, cidadãos e cidadãs. Estes grupos, expressão do encontro espontâneo de pessoas, realizam atividades, promovem e participam de debates, propagando: “Viva o Cais José Estelita! Viva o Bairro de São José! Viva o Recife!”4 4 A carta pode ser encontrada, na íntegra, em: https://direitosurbanos.wordpress.com/2012/04/18/cartapatrimonio/

Já nos primeiros parágrafos, o grupo apresenta não somente razões estruturantes a partir das quais marca sua posição contrária ao projeto, mas qual pretende ser seu lugar de fala e em que espacialidade esse lugar de fala se manifesta. Procura, para tanto, expandir ao meio digital os circuitos políticos que materializam as tensões urbanas. Em primeiro lugar, sugere o desacordo entre a projeção do novo desenho para o cais e uma linha da paisagem já estabelecida no bairro, feita harmônica pelo tempo - o que não significa dizer que não carrega em si uma história de violência e desigualdade, mas que não é objeto de discussão do GDU na carta -, para, em seguida, enfatizar que a própria audiência já fora objeto de uma plenária digital - com várias pessoas acompanhando a mesma através de transmissões nas redes sociais.

O elemento que traduz a relevância do grupo também estava manifesto em grande e progressivo número de interessados no tema, reunidos, todos, em lugar político digital, o que se expressa na apresentação de três grupos organizados e seus quantitativos de membros, algo próximo a sete mil membros, à época, nos três grupos5 5 Membros eventualmente coincidentes. . Segundo a carta, o lamento público está verificado, fundamentalmente, no Facebook, Youtube e Twitter, ou seja, apesar de projetar forte descontentamento entre os membros e suas funções para além ou aquém de sua dimensão digital, a carta destaca o lugar político das redes sociais digitais como principal espaço onde grande lamentação pode ser verificada.

Foi somente após essa manifestação que a carta mencionou o evento “#OcupeEstelita”, que se realizara uma semana antes, contando com participação de aproximadamente mil pessoas, as quais tomaram o território do cais para realizar, durante todo o dia 15 de abril, um conjunto diverso e pouco coordenado de atividades, que iam desde oficinas de cartazes às aulas públicas sobre direito à cidade. Aquele dia seria central para o conjunto de atividades difusas que caracterizaria o Movimento Ocupe Estelita, cuja análise compreende etapa já publicada da pesquisa anteriormente mencionada (SÁ BARRETO & MEDEIROS, 2017a).

Na carta, mesmo a apresentação do evento realizado no cais carrega o espírito de mobilização que traduz uma experiência digital de pertencimento identitário, resumido, então, pelo grafismo da hashtag (e o símbolo da cerquilha: #) antecipando o propósito da ocupação. Haveria, portanto, um empreendimento de ocupação que se daria em meio digital e se estenderia ao universo físico do espaço urbano. Como é bem sabido, tal recurso é utilizado para estimular hiperlinks e disseminar, a partir de uma palavra-chave, um conjunto de ideias ou elo articulador entre elas. Fora do meio digital, contudo, o seu uso funcionaria ora como recurso estético ao movimento, ora como parte constitutiva de sua missão, que encontrava no lugar digital seu território de atuação política mais destacado.

As estratégias para aprofundamento desses territórios no GDU, contudo, não são bem claras e, eventualmente, recorrem a um campo formal de atuação profissional e/ou política para regular a autoridade de seus atores. É o que se pode ver já no trecho em que os membros do grupo são apresentados como “... arquitetos, filósofos, jornalistas, historiadores, cineastas, artistas plásticos, estudantes, professores universitários, pesquisadores, cidadãos e cidadãs”. Ora, ainda no início da carta, o GDU apresentava o próprio grupo como uma reunião de cidadãos interessados no controle dos descaminhos do planejamento urbano para a cidade do Recife no século XXI. Mais a frente, contudo, pretendeu dar peso às teses do grupo indicando a expertise de seus membros como razão para produzir um saber autorizado sobre o conjunto daquelas discussões. Arquitetos, filósofos, jornalistas etc. “juntam-se” aos cidadãos comuns para elencar a pauta do movimento que, nesse exercício, procura no saber perito regulado pelas universidades um dispositivo de legitimação do lugar de reivindicação digital. Não seriam apenas (e suficientemente) cidadãos os atores do movimento?

Nossos direitos urbanos - habitação, transporte, mobilidade, saneamento, lazer, meio ambiente, memória, cultura, paisagem, segurança, dentre outros - não podem ser reduzidos a “mitigações”, concedidas pelas autoridades e poder público para autorizar a construção de obras de tão negativo impacto ambiental e patrimonial. Não é somente questão de diminuir consequências negativas, mas de direcionar a intervenção em função de sua capacidade de gerar impactos positivos visando um projeto de cidade conectado com sua própria identidade e corajoso em relação aos seus problemas. Não aceitamos que nossos direitos humanos a uma cidade e vida sustentáveis e dignas sejam utilizados como “produtos” de mercado e alvo de barganha para que o Projeto Novo Recife obtenha as licenças destes órgãos.

Nesse trecho, o GDU destaca aquilo que pauta ser o conjunto dos direitos urbanos que articulam o grupo. Nesse esforço, denuncia a política de intervenção sobre o espaço urbano empreendida pela gestão municipal como uma política de mitigações, ou seja, meras compensações pelos desvios cometidos pelas grandes construtoras e sua recorrente ignorância das leis municipais. Assim, o GDU acusa a prefeitura de apenas amenizar os efeitos dos desvios da lei com pequenas soluções para problemas criados ou produtos compensatórios pelos malfeitos das grandes obras. O grupo não destaca, contudo, o próprio potencial de mobilização - inclusive o que se manifesta, em nossos diais, nas redes sociais digitais - como traço para uma noção de direito urbano que não comporta mais um nível específico de materialidade do território, elemento identitário que possivelmente mais caracteriza o grupo em questão. Por fim, na carta que consideramos o documento que introduz o grupo ao debate político formal sobre a cidade, o GDU apresentou sua agenda:

REAFIRMAMOS nosso compromisso com o desenvolvimento urbano sustentável da cidade do Recife e com a defesa do patrimônio histórico e cultural - material e imaterial;

DEFENDEMOS a continuidade da paisagem no Cais José Estelita. Qualquer projeto para área deve obedecer à relação de reciprocidade com o patrimônio existente. Sua reabilitação deverá ser contemplada com um plano urbanístico estruturado a partir de traçado viário integrado à malha existente, da diversidade de usos, dos marcos da paisagem, dos espaços livres, coletivos e abertos, da imagem, metáforas e memória coletiva do lugar. Deve promover usos democráticos, com acesso irrestrito da população, recuperando o poder econômico local sem criar impactos tão negativos, com uma ideia de falso progresso. Progresso de quem?

EXIGIMOS dos poderes públicos a conservação e defesa da paisagem do Cais José Estelita como nosso patrimônio. O Cais, assim como seu entorno representa um forte elemento da identidade local. Destacamos como marcos da paisagem o Forte das Cinco Pontas, os antigos galpões da Rede Ferroviária, a Igreja Matriz de São José e principalmente a Bacia do Pina, patrimônio natural da paisagem local. Entendemos que estes elementos devam sem preservados e valorizados, devendo ser estabelecida uma relação de conjunto. É forçoso ressaltar que o próprio Cais, como condição altamente representativa da ocupação urbana holandesa, tão cara aos recifenses, é uma faixa de terreno tão importante quanto, ou mais que os edifícios nela erguidos.

SOLICITAMOS que esta carta, a Petição Pública “Abaixo-assinado Contra o Projeto Novo Recife!” com 3898 (três mil oitocentas e noventa e oito) assinaturas, documentos estes protocolados na data de hoje, 23/04/2012.

Pedimos ainda que o material do processo sobre o projeto no IPHAN incluindo os laudos dos técnicos locais seja enviado ao Ministério Público conforme solicitação declarada na audiência, e que o posicionamento destes técnicos seja considerado nos encaminhamentos tomados com relação a qualquer decisão, posicionamento e intervenção na área do Cais José Estelita.

Essa agenda não foi toda ela construída para esse documento em questão. O GDU já tinha mais de cinco mil membros quando da divulgação da carta. As discussões e algum nível de mobilização das redes sociais já se instalara desde a querela sobre o Edifício Caiçara. A construção da década de 1930 era um dos primeiros edifícios do Bairro de Boa Viagem (uma das regiões de margem d’água da cidade) e traduzia parte do estilo arquitetônico de sua época, o que, nos primeiros anos do século XXI, configuraria advento raro em um sem-número de exemplares de uma arquitetura pastiche que bem resume o conjunto excessivamente verticalizado de edificações no bairro - o mais adensado da cidade. Em 2012, a construtora Rio Ave adquiriu o edifício e apresentou planos para sua demolição e imediata substituição por um “grande empreendimento” para a área. Parte da querela a respeito do Caiçara foi retratada no filme pernambucano Aquarius, dirigido por Kleber Mendonça Filho, que narra a fictícia história do edifício que dá nome ao filme, mas que fora das telas do cinema habita o Edifício Oceania, ainda erguido no bairro, dado possivelmente relacionado à grande repercussão do filme. O destino do Caiçara, contudo, não foi tão feliz, tendo sido demolido em 2016. A consternação de grande número de pessoas interessadas naquele debate com a série de idas e vindas judiciais a respeito do caso, contudo, aprofundou-se e pautou a criação do grupo de discussão e fanpage6 6 Assinada, até agosto de 2018, por mais de 24 mil pessoas. no Facebook e, posteriormente, do blog7 7 http://direitosurbanos.wordpress.com do Direitos Urbanos.

Tanto o blog, com moderação e edição mais evidente, quanto o grupo no Facebook, também administrado por moderação, porém mais permissivo, passaram a reunir grande conjunto de textos de opinião, projetos para a área do Cais José Estelita e demais regiões da cidade, documentos diversos, debates acalorados sobre estratégias de ação, além de forte disposição para uma rica diversidade de posições políticas, o que nem sempre expressava o perfil da moderação. Porém, não é possível considerar o papel da mesma a partir do que Agier (2011AGIER, Michel. Antropologia da Cidade: lugares, situações, movimentos. São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2011.) chamaria de “cabeças de rede”. Apesar de quatro ou cinco nomes assinarem grande parte dos textos publicados em ambos os veículos, não seria responsável cravar que os mesmos exerceram - nos melhores dias do GDU - a função de lideranças carismáticas constituídas. As dinâmicas situacionais (AGIER, 2011AGIER, Michel. Antropologia da Cidade: lugares, situações, movimentos. São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2011.) do GDU convergiram para opiniões moderadoras dos administradores das páginas, mas não é possível mensurar se é grande a influência que eles exerceram/exercem sobre a condução dos mais de trinta mil atores no grupo. No texto do blog que apresenta o grupo, a respeito do caráter das discussões e daquilo que melhor identifica o grupo, encontramos:

Na maior parte do tempo, nossas discussões ficaram centradas no problema de como impedir que iniciativas, privadas ou do poder público, atentem contra o futuro do Recife como uma cidade mais justa e mais viva. E, ao menos que haja uma reviravolta na maneira de pensar dos nossos governantes, essa preocupação defensiva ainda deve persistir, ainda que não seja nossa intenção nos limitarmos a isso. Vários projetos já mostraram

a capacidade da internet para conectar pessoas e ideias e mobilizar a força de uma inteligência coletiva para construir soluções. Participam do grupo pessoas bastante qualificadas de diversas áreas, com diferentes graus de experiência no setor privado ou nos governos, pessoas que aliam o conhecimento técnico com preocupação ética e social. O grupo é um lugar de intensa interdisciplinaridade, um lugar onde arquitetos e engenheiros conversam com sociólogos e filósofos e operadores do Direito interagem com artistas plásticos e cineastas.

Parece ser importante, para o GDU, reafirmar a expertise de parte de seus membros, ainda que sejam entusiastas da diversidade de saberes constitutiva do público diverso interessado nas discussões. Além disso, está claro, como elemento estruturante do grupo, a disposição para uma mobilização que se dá a partir do empreendimento de digitalização dos lugares, aprofundando experiências virtuais de concepção e luta por cidade.

A força do grupo está, portanto, nessas discussões, que rompem com as compartimentalizações nas quais o planejamento da cidade é forçado pela estrutura burocrática dos governos e nos dá a esperança de que dessa troca de ideias surjam boas soluções para os problemas da cidade.

Sobre o quê, então, versam essas discussões? Progressivamente, as diversas publicações foram se distribuindo em treze categorias, as quais seriam: a) ações e mobilização (64 publicações); b) artigos (161); c) audiovisual (9); d) clipping (28); e) documentos (42); f) entrevistas (4); g) estudos (4); h) eventos (17); i) guia (1); j) outros grupos e entidades (2); k) pedidos de informação (8); l) referências (1) ; e m) uncategorized (1)8 8 Números até agosto de 2018. .

Todas as publicações feitas no blog foram objeto de moderação dos gestores do grupo, expressando menos, dessa forma, da diversidade de questões e opiniões que podem ser verificadas no grupo na rede social. No último ano, a movimentação dessas plataformas tem sido bem menor do que antes. A fanpage do grupo, por exemplo, publicou apenas dois posts durante todo o mês de Agosto e apenas quatro em Julho. No grupo de discussão na mesma rede social, a quantidade de publicações é bem menor do que já foi, mas ainda é intensa, contudo a quantidade de interações é praticamente nula. As publicações mais recentes têm basicamente expressado descontentamento de alguns membros com eventos cotidianos da cidade, tais como o mau serviço de transporte público, ou crise no saneamento básico, ou denúncias de irregularidades menores na cidade, por exemplo. Da moderação, as publicações mais recentes versam sobre a necessidade de retomar as mobilizações mais fortes, principalmente depois de nova autorização para execução do Projeto Novo Recife.

Naquilo que poderíamos chamar de “melhores dias”, o grupo esteve diretamente envolvido em duas frentes de ação de alto impacto. A primeira delas é a série de eventos no Cais José Estelita (#OcupeEstelita, #OcupeEstelita+1, #OcupeEstelita+2 e as festas), principalmente a atuação - não isolada - do GDU na montagem, viabilidade e resistência do acampamento durante aproximadamente 60 dias em 2014. Durante esses eventos, vários artistas nacionais fizeram apresentações no acampamento, sem cobrança de ingressos ou cachê. Os eventos tiveram reportagens veiculadas em jornais de grande impacto internacional, tais como The Guardian, El País, LA Times, além de uma reportagem para um dos telejornais da Al Jazeera, que entrevistou alguns membros do Movimento Ocupe Estelita, também ligados ao GDU. Na pesquisa em que este trabalho também se insere, desenvolvemos observação mais cuidadosa dos sentidos articulados em torno desses acampamentos e possíveis usos do léxico contemporâneo para ocupação (SÁ BARRETO & MEDEIROS, 2017a).

A segunda frente de ação de alto impacto local e nos círculos de debate sobre a cidade é a publicação dos vídeos no YouTube explorando os temas de debate9 9 Os vídeos são assinados pelo Movimento Ocupe Estelita. Tanto durante os dois acampamentos montados, quanto nas diversas manifestações organizadas pelo MOE, era possível observar a presença majoritária de estudantes universitários, mas reforçada por professores, funcionários da burocracia estatal, profissionais do campo da cultura, artistas populares e militantes de transversais movimentos sociais, além de moradores da região e lideranças comunitárias. Diante de perfil tão heterogêneo, o debate sobre as conduções políticas do MOE sempre foi difícil. Contudo, é impossível negar a forte contribuição de atores também identificados com o GDU, de modo que é difícil falar que o GDU é um grupo independente do MOE. Talvez o mais prudente seja dizer que o GDU está contido no MOE. . O primeiro deles, “Recife, cidade roubada”, publicado em 18 de novembro de 2014, realizado por Ernesto de Carvalho, Leon Sampaio, Luis Henrique Leal, Marcelo Pedroso e Pedro Severien, é um vídeo de pouco mais de 13 minutos de duração e que pretende apresentar a lógica da especulação imobiliária da cidade e como ela tem produzido - e pretende aprofundar esse esforço - segregação urbana. Segundo descrição do próprio grupo, trata-se de “... mais uma contribuição para demonstrar a ingerência do capital imobiliário na política urbana e a urgente necessidade de cancelamento do Projeto Novo Recife...”10 10 Vídeo disponível em https://youtu.be/dJY1XE2S9Pk . Narrado por Irandhir Santos, o texto apresenta, em tom incisivo e moderadamente acadêmico, uma discussão sobre o conceito de cidade do PNR e a importância de impedi-lo, reivindicando, em seu lugar, a realização do Projeto Recife - cujo conceito não fica claro no vídeo. Desde sua publicação, foram mais de 190 mil visualizações e um sem número de veiculações em TVs nacionais e internacionais. O segundo deles é “Novo Apocalipse Recife”11 11 Vídeo disponível em https://youtu.be/uE0wJi6xNBk , publicado em 14 de maio de 2015, assinado apenas pelo MOE e pela Troça Carnavalesca Mista Público-Privada Empatando Tua Vista12 12 Segundo descrição do próprio grupo, “a Troça Carnavalesca Mista Público-Privada Empatando Tua Vista é um ato político-folião crítico à verticalização excessiva, que negligencia o planejamento urbano, a história do lugar, privatiza o descortinar das águas, a paisagem e a vista dos monumentos”. Em 2016, ainda no primeiro dia de carnaval, a TCMPPETV teve seu material brincante confiscado por agentes da PCR, gerando grande revolta de seus membros e simpatizantes. Ao final dos dias de festa, o Estado se pronunciou dizendo que não sabia de quem tinha partido a ordem para o confisco. Sobre isso, ver: http://tvjornal.ne10.uol.com.br/noticia/ultimas/2017/02/25/folioes-denunciam-que-tiveram-fantasiasconfiscadas-por-policiais-29265.php . O vídeo é uma paródia da canção “Recife, minha cidade”, 1972, de Reginaldo Rossi. O texto utiliza o humor como recurso para, em tom de escárnio e muitas referências populares, traçar um perfil político do prefeito da cidade, Geraldo Júlio (PSB), comprometido com uma lógica de desenvolvimento cultural articulada à intensa especulação imobiliária (SÁ BARRETO & MEDEIROS, 2017a e 2017b), tomada de forma paradigmática a partir dos interesses em ainda maior verticalização na cidade. Desde a publicação, o vídeo teve mais de 52 mil visualizações.

O primeiro dos vídeos, “Recife, cidade roubada”, remete a uma outra publicação cujo lançamento é de alguma forma também associado o próprio surgimento do GDU. Trata-se de “Velho Recife Novo”, publicado no Vimeo ainda em Abril de 201213 13 Vídeo disponível em: https://vimeo.com/40913933 . O filme de Luís Henrique Leal (um dos realizadores de “Recife, cidade roubada”) e Caio Zatti reúne opiniões intercaladas de oito entrevistados, proferindo, a partir de suas expertises (sociologia, arquitetura e urbanismo, economia, geografia e história), teses a respeito do processo de intensa verticalização da cidade, a lógica das grandes intervenções e a progressiva transferência da gestão urbana ao interesse privado.

“Recife, cidade roubada” e “Velho Recife Novo” têm estética fílmica e roteiros parecidos, compreendendo papel semelhante, ainda que separados por três anos, exatamente o tempo de surgimento e consolidação (dos “melhores dias”) do GDU e do Movimento Ocupe Estelita como um todo. Em ambos os casos, a ideia é de que há uma população que precisa ser informada - recifense ou não - e o conjunto de argumentos apresentados nas duas peças serve a esse propósito. Nos dois produtos, os realizadores estão empenhados na campanha de identificação do “inimigo” comum, o que não somente apresenta uma agenda do movimento, mas o identifica por oposição, recurso muito comum nos movimentos de ciberativismo. Nesse sentido, a campanha se esforçava para converter em swarming - estratégia de incitação de um debate específico destacado do social (UGARTE, 2008) - o conjunto de ações do movimento. Parece claro que, identificada a relevância da mobilização no território digital, o GDU encontraria no MOE a possibilidade de realização da Cibertuba, ou seja “a culminância da mobilização de rua de um processo de discussão social, levado a cabo por meios eletrônicos de comunicação e publicações pessoais, na qual deixa de existir a divisão entre ciberativistas e mobilizados” (UGARTE, 2008, p. 47).

Talvez resida nesse exercício, ao mesmo tempo, as maiores potencialidades e fragilidades do GDU. De um lado, estimula maior número de vínculos a partir da produção comunitária dos objetos de interesse e sua fácil conexão com diversos recortes materiais, não necessariamente compartilhados por todos os membros. Ou seja, os atores compartilham, no nível digital, cidades analógicas distintas, mas virtualmente realizadas a partir de dinâmicas políticas familiares. Há, nesse caso, a potencialização da experiência de rede, fazendo dela o elo forte entre os membros, ainda que sem cabeças efetivamente definidos (AGIER, 2011AGIER, Michel. Antropologia da Cidade: lugares, situações, movimentos. São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2011.).

De outro lado, contudo, a pretensão da cibertuba fortalece o movimento em relação a sua própria pauta, porém o faz dependente da capacidade de mobilização das ruas, eventos que dependem muito menos dos dispositivos digitais de articulação do que o GDU ou qualquer outro grupo de ciberativismo poderia desejar. A complexa conexão entre as demandas da cidade nas redes, que pirateia o modelo de governança digital constituído, e os já existentes movimentos sociais que identificam no suporte urbano um destacado recurso de mobilização é um bom exemplo dessa dificuldade. Por exemplo, não é fácil encontrar no vocabulário do GDU materiais que discutam o quão antigo é o conceito de ocupação e como ele mudou a partir de 2011, mas como podem dialogar em nosso tempo. O mesmo vale para um debate a respeito da noção de degradação presente nas ideias de “zonas degradadas” da cidade e como tem sido difícil pautar discussões a respeito da zonas vazias como regiões não necessariamente degradadas, haja vista que a lógica da especulação imobiliária não pode tolerar espaços vazios na cidade, ainda que a dinâmica espontânea de vida e consumo coletivos efetivamente o façam em todas as grandes e pequenas cidades do globo.

Entender as dinâmicas da cidade digital e sua multiplicidade de formatos é nosso interesse na seção que segue.

A cidade digital: das agências “criativas” às novas mobilizações

Em 21 de outubro de 2012, o Jornal Estado de São Paulo (o Estadão)14 14 Matéria em : http://esportes.estadao.com.br/noticias/geral,a-arena-que-fara-nascer-uma-cidade-empernambuco-imp-,948616 publicou uma matéria quase publicitária a respeito da “Cidade da Copa”, projeto que sugeria aspectos de urbe ao empreendimento da construção do estádio para a Copa do Mundo de 2014, que se realizou no Brasil. Sustentabilidade, criatividade e inteligência foram alguns dos adjetivos recorrentemente atrelados ao projeto que transformaria uma área rural de 252 hectares da região metropolitana do Recife - no município de São Lourenço da Mata - em uma experiência radicalmente nova de vida na cidade. Os esboços para tanto apresentavam, sem moderação, um ambiente futurista que fundia o cinza das cidades de concreto com o verde quase fetiche (JACOBS, 2014) de uma estética que, em muito, remete a um shopping center.

A cidade da copa seria a cidade livre das memórias da velha cidade, provavelmente a melhor tradução do que poderia ser a Recife perfeita. Como o próprio texto jornalístico-publicitário apresenta, uma cidade voltada para o futuro, regida pela inteligência e integração entre pessoas, vias, serviços, circulação e gestão pública. Esta última, quase ausente, exerceria apenas um papel coadjuvante em uma cidade que não precisa da intervenção do Estado. “A escolha de São Lourenço da Mata para a construção da arena e também da Cidade da Copa foi uma forma encontrada pelo governo para induzir o crescimento da região oeste...”, afirma, sem cerimônias, o então secretário extraordinário para a Copa em Pernambuco, Ricardo Leitão.

Na curta fala do secretário em entrevista ao Estadão, empenhado em enaltecer o projeto como um paradigma urbano contemporâneo que as grandes cidades brasileiras precisariam adotar, a ideia impulsionar o desenvolvimento em uma das regiões mais pobres da Região Metropolitana do Recife aparece em destaque. A premissa do desenvolvimento dá conta de um sentido de cidade que ultrapassa a imagem de um importante palco para o desenvolvimento de negócios e atingem, em seu ponto máximo, a confusão entre a cidade e o próprio negócio. Não se trata, portanto, a cidade do século XXI, de um sofisticado cenário para, em um universo de complexa aglomeração, ativar mercados supostamente não necessariamente mobilizados por um mercado local, ainda que efetivamente sejam impulsionados por ele; trata-se da compreensão de que a cidade em si gera desenvolvimento (SANTOS, 2015).

A Cidade da Copa, melhor exemplo para traduzir esse empreendimento em Recife, não representa, nesse sentido, a necessidade de produzir espaços que otimizam mercados promissores. Não é na nova cidade que os mercados devem se desenvolver. O esboço de um novo imaginário de cidade, produzido a partir de sofisticadas atualizações dos sistemas de acumulação (SANTOS, 2015), projeta materializar a própria cidade como empreendimento, consolidando um tipo específico de gestão urbana que caracteriza o projeto de cidade da virada do século (XX ao XXI) (MEDEIROS, 2018).

O montante investido pelo governo de Pernambuco foi de R$ 1,5 bilhão, valores ainda sob investigação pela polícia federal, objeto que não nos interessa especificamente aqui. A cidade que deveria nascer em cima de um modelo de cidade a ser abandonado/superado não deixou, por hora, de ser projeto das maquetes futuristas, mas a não realização do empreendimento não é sinal do fracasso da lógica que o estava regendo. Pelo contrário, a Cidade da Copa seria a concretização de sentidos para a cidade que, em Recife, já estão esboçados desde os anos 1990, com intenso empreendimento de gentrificação, e aprofundados com forte especulação imobiliária cruzada por um discurso de desenvolvimento cultural que tem no Projeto Novo Recife sua melhor tradução.

Não foram poucas as vezes, contudo, que o projeto foi apresentado como instrumento de redenção do município de São Lourenço da Mata e sua inclusão em uma “rota de desenvolvimento” que guiara o Estado até 2014. A mídia local explorou essa faceta do discurso de um desenvolvimentismo que “justifica” o transtorno, recorrentemente apresentando parte da população, em vias de ser removida, comemorando a chegada do progresso. Após a construção da Arena Pernambuco, a operação reduzida do Terminal Integrado de Cosme e Damião representa paradigmaticamente o jogo desse modelo de gestão. Tratava-se de um novo terminal de passageiros, aberto somente em dias de jogos ou outros eventos na arena. Durante o dia-a-dia da região, os ônibus voltavam a ocupar as precárias instalações que já serviam à população local. Para quem deveria funcionar a aparelhagem da Arena Pernambuco? Para quem deveria existir a Cidade da Copa?

A população local não fazia parte daqueles planos - exceto como mão-de-obra de serviços que exigem pouca instrução -, que, progressivamente, não admitem espaços compartilhados por indivíduos de classes diferentes, como observamos na discussão de Caldeira (2000CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de Muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Ed. 34, 2000.). A conduta dos investidores revela parte dos sentidos contemporâneos de cidade. A despeito de expectativas que sugeriam um esfacelamento do urbanismo moderno provocado pelo desenvolvimento das tecnologias de comunicação, pela fragilização da esfera pública e do espaço público, pela desindustrialização de zonas urbanas e pela desnacionalização das economias (CARLOS et al., 2015CARLOS, Ana Fani Alessandri et al. A cidade como negócio. São Paulo: Contexto, 2015.), o

... espaço-tempo das metrópoles permite, com seu ritmo intenso e veloz, acelerar a realização das mais-valias mundiais (e também locais, regionais, nacionais) na produção, destruição e reprodução constante de espaços, o que tende a garantir, pelo menos momentaneamente, a superação das crises de acumulação e desvalorização dos capitais em outros espaços, cidades, países e regiões (CARLOS et al., 2015CARLOS, Ana Fani Alessandri et al. A cidade como negócio. São Paulo: Contexto, 2015., p. 9).

A cidade em vias de se construir, portanto, é ela própria dispositivo de operação de novos negócios, ocupando um lugar central no contexto de um modelo de desenvolvimento econômico em evidência desde a última década do século XX, tônica para a cidade do século XXI. No caso específico da Cidade da Copa, o Estado deveria fornecer garantias institucionais para prover o impulso ao desenvolvimento em uma zona de pouco interesse do mercado (até então), devendo, para isso, inclusive, criar dispositivos transitórios materializados em leis e políticas públicas. É o que Scott (2012) chama de metamorfose institucional, recurso a partir do qual formas institucionais temporárias são criadas para operar “demandas emergenciais”. Hoje, parte considerável de documentos digitalizados da época das remoções e do próprio projeto em si da Cidade da Copa não pode mais ser encontrado com facilidade, haja vista o desmonte da secretaria de estado para esse fim, além de encerramento dos sites dedicados ao projeto, tendo seu conteúdo desaparecido da rede mundial de computadores. A difícil materialidade dos arquivos digitais da cidade parece, este sim, bem servir às demandas “criativas” da cidade como negócio.

O dispositivo da metamorfose institucional ainda reforça a ideia de que o desenvolvimento de um mercado das cidades não pode prescindir da atuação do Estado. Pelo contrário, a instituição garante os dispositivos pré-operatórios do mercado, valorizando zonas inteiras de cidade, regulando desapropriações favoravelmente aos investidores e criando normativas que inviabilizam um uso já estabelecido dos locais em disputa. A corrupção nas licitações e na aplicação dos recursos públicos para essas intervenções são, no conjunto dessas posições em questão, apenas um elemento secundário. O nascimento das smart cities materializa ainda mais violência à medida que aprofunda interdições, retirando das “novas” cidades uma memória de vida e consumo coletivos construídos a partir de táticas e conflitos na longa duração. É o que reitera Santos (2015), ao afirmar que:

A remoção de moradias, de elementos da história e da memória, das marcas do tempo e de uma sociabilidade outra que não a mais ajustada aos propósitos da acumulação atual aparece como “revitalização”, ordenamento ou até mesmo como organização do espaço, quando, de fato, representam a aniquilação de espaços pretéritos, revelando a força destrutiva das estratégias de acumulação que têm na reprodução do espaço urbano seu material primordial e objeto essencial (SANTOS, 2015, p. 34).

O uso estratégico da noção de degradação, como sugerimos ainda na seção anterior, é um bom exemplo desse empreendimento. Não é difícil encontrar na publicidade ora de grandes empreiteiras, ora de gestões municipais e estaduais, o imperativo de remoção e reconstrução de populações e zonas degradadas das grandes cidades sem que, para isso, haja qualquer discussão sobre o que se está chamando de “degradado” nas ditas “zonas degradadas”. Cidades esvaziadas para a circulação dos carros, pelos altos muros, pelas zonas de vigilância permanente, pelo higienismo recorrente etc. também são zonas de degradação? Em Recife, Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Porto Alegre, Fortaleza e outras grandes cidades brasileiras, a “recuperação” de zonas degradadas segue a cartilha de um amplo campo semântico da gentrificação que pauta sempre a remoção de um passado de conflito e sua substituição por um presente, cuja dinâmica da vida pública não é mais do que um ensaio apenas digital de si mesma. É o que ratifica Peixoto (2009) ao sugerir as noções de gentrificação, requalificação, conservação, enobrecimento, reabilitação como dilatações de um mesmo dispositivo político, presente quase na totalidade dos grandes empreendimentos urbanos contemporâneos.

A requalificação funciona, assim, como uma nova retórica urbana a qual guia modelos de desenvolvimento para as cidades que, por sua vez, não são mais, como já afirmei, apenas o cenário para políticas de crescimento econômico, mas o produto em si do mesmo. Podemos apontar algumas razões para tanto. Se uma primeira leitura sobre a emergência das cidades globais aponta a dispersão e uma intensa individualização como traços da nova cidade, acompanhados por um esfacelamento de uma moderna dimensão de público, em uma segunda leitura, recorremos a Sassen (2010) e Huyssen (2008), que discutem sentidos complexos para a cidade global e a importância dos adensamentos para a produção de outras experiências políticas, recursos para elaboração de retóricas próprias. É certo que, por um lado, uma indústria da globalização produz o transnacional como linguagem político-econômica do tempo, supostamente fazendo das cidades contemporâneas progressivamente irrelevantes (SANTOS, 2015). Por outro lado, a globalização se inscreve como parte do repertório das cidades globais e das “outras cidades”, como destaca Huyssen (2008), a fim de traduzir em espaços feitos complexos localizações múltiplas (SASSEN, 2010), emergentes a partir de conflitos que materializam reorganizações do lugar e demandas políticas que arranham o macropolítico, como pudemos observar nos movimentos Occupy, bem como na primavera árabe. Nesses dois exemplos, um tipo caro de reunião de pessoas foi facilitado e fortalecido pelos produtos de T.I. e novas formas de comunicação e interação, justamente dispositivos que são recorrentemente apresentados como desarticuladores da vida urbana. A cidade digital é, portanto, objeto do novo paradigma desenvolvimentista para as cidades analógicas, mas não somente; é também um dos mais importantes recursos para outras mobilizações (analógicas ou digitais) em tempos de grande apelo publicitário em busca do sonho de vida em smart cities.

Ainda assim, Santos (2015) destaca quatro razões centrais para o protagonismo da cidade contemporânea, ora como negócio, ora como lócus (apenas isso?) das resistências possíveis: a) a presença mútua; estar suficientemente próximo, possibilidade permanente da interação face a face; b) simplesmente estar lá na cidade - traço destacado ainda no início do século XX por Simmel (2013) -, viver uma experiência de tempo que reverte, ou ao menos freia, sentidos ampliados de futuro, e reforçando o presente como tempo da ação; c) a confiança que emerge com as interações, seja para ativar dispositivos comerciais (zonas gentrificadas, shoppings, parques de entretenimento, feiras especializadas etc.), seja para articular resistências possíveis; e d) o burburinho como recurso tanto para o negócio da cidade, quanto para as difíceis costuras de uma dimensão de público abalada por um sentido específico de globalização. Todas essas razões potencializam o ciberativismo na cidade contemporânea, como podemos verificar no caso do GDU-Recife.

Cientes do potencial econômico de investimentos “na” cidade, a iniciativa privada enxerga na regulação pública sua mais importante aliada para depender menos dos acasos da disponibilidade de solo para, em seu lugar, produzir - e o termo não poderia ser mais adequado - essa referida disponibilidade (MEDEIROS, 2018). O trânsito de uma etapa a outra novamente traduz materialmente a superação do negócio na cidade por uma cidade em si como negócio. A cidade “disponível” para a acumulação é a cidade que é regulada para a acumulação de capital.

Os modelos de governança digital que encontramos com facilidade como políticas de gestão municipal em grandes cidades do globo são bons exemplos disso. Tomar como referência o caso do Recife e como o mesmo regula paradigmas de intervenção urbana que não somente viabilizam, mas estimulam projetos como o Novo Recife, é o objeto de nossa discussão na última seção deste trabalho.

A cidade da governança digital: uma “economia criativa” da agência virtual?

É possível dizer que habitamos a cidade tomada pelo paradigma da gestão eficiente? Desde 201015 15 Talvez mesmo a eleição de João da Costa (PT, 2008-2012) seja parte desse programa. Costa era Secretário do Orçamento Participativo da gestão João Paulo (2001-2008); sua escolha para encabeçar a nova gestão e o discurso utilizado para engendrar uma nova política de administração da cidade, tendo como protagonista um sujeito com pouco lastro político-eleitoral, podem ser sintomas do recurso a esse paradigma já naquela gestão. Não era esse, contudo, a primeira imagem utilizada pelos discursos publicitários, certamente, para representar a gestão João Paulo, ainda que ela também recorresse a muitos desses elementos, como poderíamos, cuidadosamente, verificar na gestão de Roberto Peixe na Secretaria Municipal de Cultura naquele período, objeto, contudo, apenas transversal a este trabalho. , a cidade do Recife tem sua administração liderada por um político que pretende encarnar essa razão por excelência. Quando de sua escolha para concorrer à sucessão de João da Costa, Geraldo Júlio, candidato do PSB, bancado pelo então governador do Estado, Eduardo Campos, fora apresentado como gestor competente, com grande expertise para atender demandas da cidade que pareciam urgir por decisões tecnicamente habilidosas. A ideia central é de que havia uma condição a ser superada - e certamente o caso recifense não é uma exceção à regra -, a saber, aquela em que as decisões políticas se arrastam devido a conflituosas arenas de discussão em torno das mesmas. Ou seja, a razão da gestão eficiente é oferecida como dispositivo de superação de uma conflituosa razão política, pouco administrável por modelos de gestão que pretendem ser eficientes.

Ainda em outras palavras, e em recurso perigosamente simplista, a razão da gestão eficiente é superar a experiência conflituosa da política. É o que já podíamos observar em Žižek (2005) ou Hall (2003HALL, Stuart. Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003.), quando criticaram a noção de multiculturalismo, entendendo-o enquanto recurso para superação das tensões políticas com dispositivos compensatórios a fim de suavizar tensões com equipamentos culturais. É vasta, contudo, a literatura que consagra esse dispositivo, ainda que tenha ele um expandido campo semântico, orbitando, contudo, o que aqui poderíamos apresentar a partir da noção de Economia Criativa. A ideia da gestão eficiente é a de que toda a política de gestão deve estar concentrada nos empreendimentos para geração de divisas e toda agência política contemporânea deve ser “conectada” ao desafio de estimular essa demanda. Nesse contexto, criatividade seria “... a capacidade de gerar algo novo. [...] Ela ocorrerá toda vez toda vez que uma pessoa disser, realizar ou fizer algo novo...” (HOWKINS, 2013, p.13).

O que parece óbvio é possivelmente a primeira raiz do problema: quem regula o que é compreendido como novo? O que politicamente significa esse novo? A obscuridade desses processos faz de uma narrativa do Novo a principal ferramenta para a razão da gestão eficiente, também compreendida, assim, como gestão para cidades criativas, conceito traduzido em expertises comuns tanto às políticas de gestão, quanto aos movimentos de resistência (MOE e GDU). Landry (2011), Florida (2002FLORIDA, Richard. The Rise of the Creative Class, and how it is transforming leisure, community and everyday life. Nova Iorque: Basic Books, 2002.), Throsby (2010), Howkins (2013), Bradford (2004BRADFORD, Neil. Creative cities: structured policy dialogue report. Canadian Policy Research Network: Background Paper, 2004.), Hartley (2005HARTLEY, John. Creative Industries. Malden: Blackwell Publishing, 2005.), Pardo (2011), entre outros, são apenas alguns exemplos de autores - de campos disciplinares diversos, tais como Arquitetura, Economia, Sociologia, Ciência Política, Geografia etc. - mobilizados pelo desafio de pensar o tema das cidades criativas como paradigma urbano para uma nova agência política na sociedade contemporânea. A cidade, então, deve ser compreendida como um lugar que estimula e incorpora uma cultura de criatividade, onde há prevalência da “classe criativa”, fomentando um “ambiente urbano economicamente próspero e agradável para a moradia” (THROSBY, 2010), espaços onde as pessoas se sentem estimuladas a explorar seus ideais, locus de inovação por excelência, objeto de cooperação estratégica de agentes econômicos diversos. Essa são ideias diversas presentes nessa literatura comprometida com o desenvolvimento de uma nova agência para outras urbanidades possíveis. O que é raro encontrar nesses esforços é o conjunto de discussões sobre as maneiras a partir das quais cada um desses empreendimentos lida com uma esfera dos embates políticos intensamente desigual. Como a cidade criativa se dá em um conjunto no qual a agência política não se distribui de forma equilibrada? Na cidade criativa, não parecem haver poderes mobilizando forças políticas desiguais. Na razão da gestão eficiente, portanto, não a espaço para a esfera do político.

Em Recife, há um discurso muito propagado nos grandes veículos de mídia local a respeito do suposto grande sucesso e do devir paradigmático do Porto Digital, apresentado por seus realizadores da seguinte forma:

O Porto Digital é um dos principais parques tecnológicos e ambientes de inovação do Brasil e é um dos representantes da nova economia do Estado de Pernambuco. Localizado no Recife, sua atuação se dá nos eixos de software e serviços de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e Economia Criativa (EC), com ênfase nos segmentos de games, cine-vídeoanimação, música, fotografia e design. Desde 2015 o Porto Digital também passou a atuar no setor de tecnologias urbanas como área estratégica.

Reconhecido por sua territorialidade singular entre parques tecnológicos, o Porto Digital é um parque urbano instalado no centro histórico do Bairro do Recife e nos bairros de Santo Amaro, Santo Antônio e São José, totalizando uma área de 171 hectares. A região, antes degradada e de pouca importância para a economia local, vem sendo requalificada de forma acelerada em termos urbanísticos, imobiliários e de recuperação do patrimônio histórico edificado desde a fundação do parque, em 2000. Desde a fundação do Porto Digital, já foram restaurados mais de 84 mil metros quadrados de imóveis históricos em toda a extensão territorial do parque tecnológico.

O Porto Digital é fruto e referência nacional de uma ação coordenada entre governo, academia e empresas, conhecido como modelo "Triple Helix". Essa iniciativa propiciou o ambiente necessário para fazer com que o Porto Digital se transformasse num dos principais ambientes de inovação do País.

Atualmente, o Porto Digital abriga 300 empresas, organizações de fomento e órgãos de Governo e cerca de 9.000 trabalhadores. Desde o final de 2014, o parque também opera nas cidades de Caruaru, localizada no Agreste Estado. O Porto Digital foi considerado pela Associação Nacional de Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec), em 2007, 2011 e 2015, o melhor parque tecnológico do Brasil.16 16 Grifos nossos.

O Porto Digital não é simplesmente a cereja do bolo no projeto de gentrificação do Bairro do Recife, deveras estudado; ele é a estrutura modelar a partir da qual o modelo de cidade inteligente para o Recife deve se desenvolver: o conceito startup como propulsor de uma economia do empreendimento criativo, que destaca do elemento cultural apenas - e exclusivamente - aquilo que tem potencial evidente para geração de receitas. Para o campo da cultura e das agências de vida e consumo coletivos, os efeitos são devastadores. Que saberes da cultura devem ser objetos de um projeto de incubadora? O Estado, por sua vez, transfere progressivamente para essas iniciativas a capacidade de gerir as seleções e os programas que serão implementados, apesar da ainda pujante influência dos editais de fomento estatais - em Pernambuco, o FUNCULTURA.

A iniciativa em questão não é um caso isolados. Em 2004, a UNESCO criou a Rede de Cidades Criativas17 17 Lista da rede e suas exigências disponível em: https://en.unesco.org/creative-cities/ para listar e estimular a lógica em diversas cidades do globo, facilitando financiamentos diversos para cidades que elaborassem planos eficientes de governança digital (RAMALHO, 2018) em sete campos específicos, a saber: artesanato e cultura popular; design; cinema; gastronomia; literatura; música; e media arts. A produção de estratégias para um “desenvolvimento urbano sustentável” é o eixo fundamental da rede, que atualmente tem 180 cidades-membro em 72 diferentes países, distribuídos em todos os continentes. No Brasil, oito são as representantes: Florianópolis, Curitiba, Santos, Paraty, Brasília, Salvador, João Pessoa e Belém.

A Rede de Cidades Criativas da UNESCO visa:

Fortalecer a cooperação internacional entre cidades que tenham reconhecido a criatividade como fator estratégico de seu desenvolvimento sustentável;

Estimular e reforçar as iniciativas lideradas pelas cidades membros para tornar a criatividade um componente essencial do desenvolvimento urbano, nomeadamente através de parcerias que envolvam os setores público e privado e a sociedade civil.

Fortalecer a criação, produção, distribuição e disseminação de atividades, bens e serviços culturais;

Desenvolver polos de criatividade e inovação e ampliar as oportunidades para criadores e profissionais do setor cultural;

Melhorar o acesso e a participação na vida cultural, bem como o gozo de bens e serviços culturais, nomeadamente para grupos e indivíduos marginalizados ou vulneráveis;

Integrar plenamente cultura e criatividade em estratégias e planos de desenvolvimento local18 18 Tradução livre dos autores: The UNESCO Network of Creative Cities aims to: strengthen international cooperation between cities that have recognized creativity as a strategic factor for their sustainable development; Stimulate and strengthen initiatives led by member cities to make creativity a key component of urban development, in particular through partnerships involving the public and private sectors and civil society; strengthen the creation, production, distribution and dissemination of cultural activities, goods and services; develop poles of creativity and innovation and expand opportunities for creators and professionals in the cultural sector; improving access to and participation in cultural life, as well as the enjoyment of cultural goods and services, particularly for marginalized or vulnerable groups and individuals; fully integrate culture and creativity into local development strategies and plans. .

Tanto na apresentação da missão do Porto Digital, quanto nos objetivos gerais da Rede de Cidades Criativas da Unesco é possível verificar, com mais clareza em um do que em outro, como o empreendimento visa um tipo de “melhoramento” da experiência da urbanidade. No primeiro caso, o desenvolvimento de “tecnologias urbanas” que habitam um “parque urbano” representam o objeto central de um conjunto de empresas concentradas no desafio de superação de zonas “degradadas” da cidade, exercício que retira do Estado a capacidade de ação - e, nesse contexto, obviamente, a representatividade que deveria estar implícita na elegibilidade direta de seus comandantes -, partilhada, então, com a expertise empresarial e acadêmica. No segundo caso, os objetivos são também exigências básicas para a inscrição de cidades na rede, o que deve demonstrar o pleno alinhamento das políticas de gestão com as demandas da UNESCO.

No Estado brasileiro, desde os anos 2000 há desenvolvimento de políticas estratégicas para governança digital. Desde o interesse em promover a abertura de dados, um conjunto de iniciativas governamentais para oferecer acesso a informações diversas do governo revela um dos eixos centrais da estratégia, fonte importante de recursos para grupos que utilizam as Tecnologias de Informação e Comunicação como dispositivo de coleta de dados e propulsores de mobilização, como o GDU. Um segundo momento para o desenvolvimento dessas estratégias expressa o foco das ações governamentais na digitalização de serviços e, em um terceiro momento, a intenção de estimular a participação social digital dos cidadãos (RAMALHO, 2018). As medidas, no entanto, são apenas embrionárias, sendo efetivamente eficazes somente nos casos em que grandes investimentos a partir de parcerias entre Estado e iniciativa privada representam dispositivos complexos de intervenção sobre a cidade (analógica ou digital). É o caso do Projeto Novo Recife, cujas discussões compreendem plenárias públicas teatrais e fortes apelos publicitários.

Nesses casos, está claro que os interesses das comunidades que habitam regiões de especial interesse dos grandes conglomerados empresariais, ou seu entorno, aparecem pouco nos projetos e não ocupam mais do que o lugar vazio de um discurso de investimento em educação que nunca explica bem do que efetivamente se trata. Tudo parece se resolver com geração de emprego e renda, o que efetivamente não é elemento regular. É com base nessas iniciativas, que as situações políticas dos diversos atores na cidade contemporânea ocupam lugar menor em igualmente reduzida esfera das tomadas de decisão, o que, acima, chamamos de conflituoso campo político.

Reside aí a mais destacada potencialidade do ciberativismo do GDU para o que poderíamos chamar de uma urbanidade digital, ou seja, a potência de agência política tomando o território digital como plataforma de ação combinada à mobilização das ruas analógicas. Para tanto, as pautas versam pouco sobre a disposição digital da cidade, tais quais ainda maior abertura das informações e dos acordos, por exemplo, entre a iniciativa privada e as gestões municipais para grandes intervenções sobre a cidade. As estratégias de ação, mobilizadas no meio digital, estão focadas na cidade analógica a partir de conjunto de objetivos que destacamos acima e, aqui, resumimos: transparência e participação popular; planejamento urbano e metropolitano integrado; proteção das ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social) e de comunidades ameaçadas de remoção; planejamento de uso do solo e deslocamento de populações; e subsídio e valorização do transporte coletivo.

Em todos pontos, parece haver uma cidade “em si” que reúne demandas dos objetivos citados, mas essas conexões são mais complexas do que parecem. Em primeiro lugar, os objetivos parecem levar pouco em consideração as dinâmicas próprias de cada comunidade de atores, o que demandaria conjunto maior de estudos para entender as prioridades e razões políticas de diversos grupos envolvidos em cada zona-objeto de debate em questão. Trata-se do que Agier (2011AGIER, Michel. Antropologia da Cidade: lugares, situações, movimentos. São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2011.) chama de “situações”, ou seja, o fluxo de sentidos e agências transversais, o que compreende, inclusive, agências digitais.

Em segundo lugar, o ciberativismo do GDU não parece dar o devido destaque aos demais movimentos sociais, responsáveis por boa parte dos conteúdos em disputa nas querelas urbanas contemporâneas, como podemos verificar na incontável quantidade de protestos que traduzem o imenso iceberg das lutas sociais por melhores condições de vida e consumo coletivos. MTST, Movimentos LGBT, Feminista, Negro etc. são apenas alguns exemplos do que estamos falando.

Por fim, em terceiro lugar, mas não menos importante, não parece haver muita disposição do GDU em rever as estratégias de produção de conhecimento sobre a cidade, tomando o Recife, aparentemente, como cidade já dada e que precisa, fundamentalmente, ser recuperada por atores mais legítimos do que os que já administram a cidade. Esse traço está presente no recorrente lugar de destaque dado ao saber perito sobre a cidade nas mais diversas produções do grupo. Não há uma discussão sobre como a história da cidade é também uma história daquilo que poderíamos chamar de “epistemicídio”, ou seja, conjunto de estratégias para destruir conhecimentos múltiplos em nome de uma razão vitoriosa para a cidade, digital ou não. Tanto os modelos de governança digital ou o ciberativismo do GDU parecem levar pouco em consideração um conjunto diverso de saberes que estiveram, nas grandes cidades, sugeridos nas suas espontaneidades política e estética. Registrar e analisar esses lugares políticos, contudo, é um exercício que este trabalho não comporta.

Referências bibliográficas

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  • 1
    Francisco Sá Barreto como coordenador e Izabella Medeiros como pesquisadora assistente.
  • 2
    Interessados, ver: SÁ BARRETO, Francisco; MEDEIROS, Izabella. A “ocupação” como léxico da agência política nas cidades contemporâneas: o caso do Movimento Ocupe Estelita, em Recife - Pernambuco. ANAIS, 41º Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu, 2017.
  • 3
    Em janeiro de 1994, milhares de indígenas com rostos cobertos, o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), tomaram as principais cidades do Estado de Chiapas no México. Em novembro de 1999 aconteceram as manifestações contra a Organização Mundial do Comércio em Seattle. Em setembro de 2000 foram as manifestações em Praga contra a reunião do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial; e em julho de 2001, as manifestações contra a reunião do G8 em Gênova. Também em 2001 aconteceu o primeiro Fórum Social Mundial (FSM) em Porto Alegre. É preciso ainda mencionar insurreições populares como a de Cochabamba, na Bolívia, em 2000, contra a privatização da água; as grandes marchas do Movimento dos trabalhadores Sem Terra no Brasil (MST) no final da década de 90; organizações panamazônicas; luta dos povos afegãos e palestinos; revoltas do povo argentino através de panelaços; entre outras.
  • 4
    A carta pode ser encontrada, na íntegra, em: https://direitosurbanos.wordpress.com/2012/04/18/cartapatrimonio/
  • 5
    Membros eventualmente coincidentes.
  • 6
    Assinada, até agosto de 2018, por mais de 24 mil pessoas.
  • 7
    http://direitosurbanos.wordpress.com
  • 8
    Números até agosto de 2018.
  • 9
    Os vídeos são assinados pelo Movimento Ocupe Estelita. Tanto durante os dois acampamentos montados, quanto nas diversas manifestações organizadas pelo MOE, era possível observar a presença majoritária de estudantes universitários, mas reforçada por professores, funcionários da burocracia estatal, profissionais do campo da cultura, artistas populares e militantes de transversais movimentos sociais, além de moradores da região e lideranças comunitárias. Diante de perfil tão heterogêneo, o debate sobre as conduções políticas do MOE sempre foi difícil. Contudo, é impossível negar a forte contribuição de atores também identificados com o GDU, de modo que é difícil falar que o GDU é um grupo independente do MOE. Talvez o mais prudente seja dizer que o GDU está contido no MOE.
  • 10
    Vídeo disponível em https://youtu.be/dJY1XE2S9Pk
  • 11
    Vídeo disponível em https://youtu.be/uE0wJi6xNBk
  • 12
    Segundo descrição do próprio grupo, “a Troça Carnavalesca Mista Público-Privada Empatando Tua Vista é um ato político-folião crítico à verticalização excessiva, que negligencia o planejamento urbano, a história do lugar, privatiza o descortinar das águas, a paisagem e a vista dos monumentos”. Em 2016, ainda no primeiro dia de carnaval, a TCMPPETV teve seu material brincante confiscado por agentes da PCR, gerando grande revolta de seus membros e simpatizantes. Ao final dos dias de festa, o Estado se pronunciou dizendo que não sabia de quem tinha partido a ordem para o confisco. Sobre isso, ver: http://tvjornal.ne10.uol.com.br/noticia/ultimas/2017/02/25/folioes-denunciam-que-tiveram-fantasiasconfiscadas-por-policiais-29265.php
  • 13
    Vídeo disponível em: https://vimeo.com/40913933
  • 14
    Matéria em : http://esportes.estadao.com.br/noticias/geral,a-arena-que-fara-nascer-uma-cidade-empernambuco-imp-,948616
  • 15
    Talvez mesmo a eleição de João da Costa (PT, 2008-2012) seja parte desse programa. Costa era Secretário do Orçamento Participativo da gestão João Paulo (2001-2008); sua escolha para encabeçar a nova gestão e o discurso utilizado para engendrar uma nova política de administração da cidade, tendo como protagonista um sujeito com pouco lastro político-eleitoral, podem ser sintomas do recurso a esse paradigma já naquela gestão. Não era esse, contudo, a primeira imagem utilizada pelos discursos publicitários, certamente, para representar a gestão João Paulo, ainda que ela também recorresse a muitos desses elementos, como poderíamos, cuidadosamente, verificar na gestão de Roberto Peixe na Secretaria Municipal de Cultura naquele período, objeto, contudo, apenas transversal a este trabalho.
  • 16
    Grifos nossos.
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    Lista da rede e suas exigências disponível em: https://en.unesco.org/creative-cities/
  • 18
    Tradução livre dos autores: The UNESCO Network of Creative Cities aims to: strengthen international cooperation between cities that have recognized creativity as a strategic factor for their sustainable development; Stimulate and strengthen initiatives led by member cities to make creativity a key component of urban development, in particular through partnerships involving the public and private sectors and civil society; strengthen the creation, production, distribution and dissemination of cultural activities, goods and services; develop poles of creativity and innovation and expand opportunities for creators and professionals in the cultural sector; improving access to and participation in cultural life, as well as the enjoyment of cultural goods and services, particularly for marginalized or vulnerable groups and individuals; fully integrate culture and creativity into local development strategies and plans.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2020

Histórico

  • Recebido
    06 Fev 2020
  • Aceito
    10 Fev 2020
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