"Os votos dos Ministros Fux e Barroso, com o devido respeito, parecem distanciar-se da realidade fática encarada por trabalhadoras e trabalhadores terceirizados no Brasil.(...) Ao fazer uso de dados produzidos em pesquisas pouco acuradas e/ou realizadas na Europa e, pois, mapeando contextos sociais muito diversos daqueles aqui experienciados, os Ministros direcionam suas análises aos benefícios financeiros e produtivos da terceirização para as empresas que a adotam. No entanto, dão pouca atenção à realidade nacional, na qual é fácil encontrar denúncias a fiscais do trabalho ou reclamações trabalhistas em que terceirizadas ou terceirizados reivindicam pagamento de salários atrasados, cumprimento de férias e de outras garantias básicas, que lhes foram negados porque a empresa interposta "desapareceu" ou os recontratou sob nova razão social." |
Teoria crítica do Direito do Trabalho |
"Como ressaltado pela Ministra, a terceirização é constituída inerentemente por um vínculo precário se comparada com a relação de emprego tradicional. Isto porque a empresa terceirizada é posta entre o trabalhador e a empresa que precisa do serviço, manipulando o vínculo direto de emprego e a relação de subordinação entre as partes, retirando - ainda que só formalmente - do empregador (inserido na relação como tomador de serviço) o poder diretivo e, consequentemente, a responsabilidade pelo contrato de trabalho. (...) Volto a me remeter ao raciocínio da Ministra Rosa Weber quando destaco que sobrepor o conceito de liberdade de contratação e de livre iniciativa à regulação decorrente do contrato de trabalho representa a negação tanto deste contrato quanto do próprio Direito do Trabalho que, como ramo jurídico autônomo, reclama a efetivação dos direitos sociais estabelecidos no artigo 7º da Constituição da República". |
Teoria crítica do Direito do Trabalho |
"Da análise agregada dos dados encontrados na Relação Anual de Informações Sociais (Rais) com os setores constantes na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) pode-se chegar a um mapeamento de serviços tipicamente terceirizados que indicam que, até 2018, 41,3% das pessoas empregadas dessas áreas eram mulheres, o que representava, à época, 23,9% do total de trabalhadoras com carteira assinada no Brasil. Considerando o perfil atual dos trabalhadores e trabalhadoras terceirizados no país, fica evidente a centralidade do trabalho terceirizado feminino, fato esse que, no entanto, restou ausente nas manifestações de voto que me antecederam. Dito de outra forma, para que se comece a pensar acerca da compatibilidade do texto encartado na Súmula 331 do TST com a Constituição da República, é necessário analisar a questão da terceirização sob diversos aspectos, dentre os quais se destaca a inserção das mulheres no exercício dessas atividades." |
Pergunta pela mulher |
"Áreas que têm sido historicamente terceirizadas, como os serviços de limpeza e telemarketing, mostram-se como uma porta de entrada para o ingresso de mulheres negras e pobres no mercado de trabalho, visto que são atividades que se apresentam como uma extensão remunerada de funções socialmente lidas como "naturalmente femininas", como o cuidado da casa e a atenção com terceiros, retroalimentando a divisão sexual e racial do trabalho. A segmentação do mercado de trabalho, aliás, também está refletida nos postos terceirizados, o que em termos práticos significa, por exemplo, que os homens concentram-se em postos da construção civil, em serviços de vigilância e dos trabalhadores de condomínio, enquanto as mulheres são contratadas no setor da confecção, alimentação, atividades financeiras, saúde, educação e nos serviços de limpeza e atendimento ao público (KREIN; CASTRO, Bárbara, 2015KREIN, José Dari; CASTRO, Barbara. As formas flexíveis de contratação e a divisão sexual do trabalho. Análise n. 6. São Paulo: Friedrich-Ebert-Stiftung, 2015)." |
Pergunta pela mulher e Valorização do cuidado |
"Sublinho, ainda, que a terceirização da limpeza é paradigmática no contexto brasileiro, pela contratação majoritária de mulheres para exercerem atividades relacionadas à manutenção da vida - que podem ser entendidas como trabalho de cuidado, na medida em que possuem como fim imediato a reprodução social, que não produz bens, mas colabora para a continuidade do próprio sistema capitalista, fornecendo elementos essenciais para a manutenção da força de trabalho (CARRASCO, Cristina, 2013). (...) Além disso, o serviço de limpeza é entendido como uma atividade que supostamente dispensaria formação profissional ou conhecimentos específicos, razão pela qual seus salários são em regra mais baixos e a rotatividade dos postos é alta. Esta perspectiva, porém, reproduz estereótipos de gênero e reforça a hierarquização de trabalhos socialmente atribuídos a mulheres, desconsiderando a qualificação informal e os esforços necessários para seu exercício e desvalorizando pessoas que os executam." |
Valorização do cuidado e Revisão do sistema de referências |
"Assim, diante da exploração de uma força de trabalho hiperprecarizada, do endosso à divisão sexual do trabalho e do fomento às relações de opressão de raça, é de se notar as diversas formas de atuação de um sistema flagrantemente discriminatório e que tem na desigualdade o seu próprio nascedouro. A terceirização, na forma como é concebida, incorpora desigualdades de gênero-classe-raça de maneira constitutiva e por elas se retroalimenta, reproduzindo-as nos mais diversos planos sobre a classe trabalhadora e, mais fortemente, sobre a feminina." |
Pergunta pela mulher |
"A alta rotatividade dos setores terceirizados corrobora a noção de descartabilidade desses trabalhadores e trabalhadoras, que se soma a menores salários e garantias laborais reduzidas, por não serem cobertos pelas normas coletivas dos empregados diretos. Tais condições ainda estimulam uma maior leniência quando do desrespeito às normas trabalhistas por parte da empregadora direta, pois o temor da perda de emprego está sempre presente. Sobre isso, a já citada pesquisa na UFBA demonstrou que a recorrência de dispensas plúrimas foi apontada como uma das razões pelas quais trabalhadoras terceirizadas deixavam de apresentar atestados médicos, por exemplo, sugerindo o medo de retaliações pelos supervisores com uma dispensa (DUTRA, Renata; COELHO, Ilana, 2020DUTRA, Renata Queiroz; COELHO, Ilana Barros. “Eles pensam que a gente é invisível”: gênero, trabalho terceirizado e educação jurídica popular. Revista Direito e Práxis, v. 11, n. 4, p. 2359-2385, out. 2020.)." |
Teoria crítica do Direito do Trabalho e Revisão do sistema de referências |
"Por tudo aqui exposto, frisa-se que a escalada da precarização dentro das relações de terceirização é ainda mais íngreme para corpos femininos, fragilizando relações de trabalho que já são cultural e historicamente atravessadas por processos que acirram desigualdades de tratamento entre os sexos e que atingem mulheres racializadas com especial perversidade. Perverso, aliás, é o termo que melhor adjetiva as consequências materiais da flexibilização do contrato de trabalho que impõem desnaturação ao princípio da dignidade e à proteção de trabalhadoras e trabalhadoras." |
Pergunta pela mulher |