RESUMO
O objetivo deste artigo é apresentar o estudo realizado sobre a estrutura dos jogos de poder que envolvem o processo do pós-auditoria do SUS e, para isso, se propôs a identificar os desdobramentos das auditorias assistenciais realizadas pelo Componente Municipal de Auditoria do SUS de Recife, em 2015. A análise da estrutura hierárquica, as regularidades de comportamento e as racionalidades que regem os comportamentos dos principais atores envolvidos, apoiam-se nos conceitos de análise estratégica de Crozier e Friedberg (1990). Desenvolvido a partir da abordagem qualitativa, utiliza-se de entrevistas, que foram submetidas à técnica da Análise de Discurso. Pode-se identificar que a execução das recomendações da auditoria tem relação direta com as zonas de autonomia e incerteza dos gestores das unidades de saúde, sendo a auditoria efetiva quando o gerente da unidade possui liberdade de atuação na área em que foi feita a recomendação.
Poder; Dominação-subordinação; Organizações em Saúde; Auditoria Administrativa
ABSTRACT
The purpose of this article is to present a study about games power structure involved in the post-audit process of the SUS and, for that, it was proposed to identify the unfolding of the healthcare audits performed by the Municipal Audit Component of the SUS of Recife, in 2015, the Hierarchical structure, behavioral regularities and the rationalities that govern the behaviors of the main actors involved, based on the concepts of strategic analysis by Crozier and Friedberg (1990). It was developed from the qualitative approach, using interviews, which were submitted to the Discourse Analysis technique. It can be identified that the execution of the audit recommendations is directly related to the areas of autonomy and uncertainty of the managers of the health units, and the audit is effective when the manager of the unit has freedom of action in the area where the recommendation was made.
Power; Dominance-subordination; Health Organizations; Management Audit
RESUMEN
El objetivo de este artículo es presentar un estudio realizado sobre la estructura de los juegos de poder involucrados en el proceso de post-auditoría del SUS y, para ello, se propuso identificar los desdoblamientos de las auditorías asistenciales realizadas por el Componente Municipal de Auditoría del SUS de Recife, en 2015, La estructura jerárquica, las regularidades de comportamiento y las racionalidades que rigen los comportamientos de los principales actores involucrados, apoyándose en los conceptos de análisis estratégico de Crozier y Friedberg (1990). Fue desarrollado a partir del abordaje cualitativo, utilizando entrevistas, que fueron sometidas a la técnica del Análisis de Discurso. Se puede identificar que la ejecución de las recomendaciones de la auditoría tiene relación directa con las zonas de autonomía e incertidumbre de los gestores de las unidades de salud, siendo la auditoría efectiva cuando el gerente de la unidad tiene libertad de actuación en el área en que se hizo la recomendación.
Poder; Dominación-subordinación; Organizaciones en Salud; Auditoría Administrativa
INTRODUÇÃO
A auditoria é considerada um instrumento de gestão, contribuindo para a alocação e utilização adequada dos recursos, garantia do acesso e qualidade da atenção à saúde oferecida aos cidadãos. Atualmente, o Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com o Art. nº 70 da Constituição Federal de 1988, admite, além do controle externo exercido pelo Poder Legislativo, por meio dos Tribunais de Conta, o controle interno desenvolvido pelo próprio Poder Executivo e exercido pelos setores de auditoria interna ( NÓBREGA, 2008 ). Tem-se também o Decreto nº 1.651 de 1995, que regulamenta o Sistema Nacional de Auditoria (SNA) no âmbito do Sistema Único de Saúde, discriminando suas competências e atribuições nas esferas federal e estadual, entre outras informações. De acordo com o arcabouço legal, as ações de auditoria devem ocorrer nos três níveis de gestão, com a colaboração estreita entre estes, a dizer, municípios, estados e União ( CALEMAN, 1998 ).
O município deve ter suas próprias normas de controle interno, e a essas normas devem somar-se aquelas que se referem ao sistema de auditoria do SUS, isto é, devem criar o seu Componente Municipal de Auditoria (CMA) do SUS em consonância com as normas referentes ao Componente Nacional e ao Estadual ( SANTOS, 1996 ).
Sobre isso, o município de Recife, em 2006, por meio da Secretaria Municipal de Saúde, instituiu a Diretoria Geral de Regulação do Sistema e com ela a Auditoria Assistencial, regulamentada pelo Decreto Municipal nº 25.080/2010. Entre 2009-2010, em parceria com o Departamento Nacional de Auditoria no SUS (DENASUS), foi implantado o SISAUD – Sistema de Informação em Auditoria ( PERNAMBUCO, 2014 ).
Pesquisa realizada em 2014 junto aos coordenadores dos Componentes Municipais de Auditoria do SUS da Região Metropolitana de Recife (RMR) indicou que os resultados das auditorias por vezes ficavam à mercê das decisões do poder executivo, na pessoa do Secretário Municipal de Saúde, quanto à resolução das não conformidades encontradas nos serviços auditados (TSZESNIOSKI; FALCÃO; CHAVES, 2014). Esta relação pode ser melhor abordada a partir da ótica do poder nas organizações que, entre outros conceitos chave, indica que o poder pode ser considerado como a possibilidade de ação de cada ator. Deve-se considerar as ações de cada ator como frutos de processos que incluem mais que escolhas isoladas, mas oportunidades e interesses, deixando claro que a motivação não está dentro do domínio total da intencionalidade de cada agente ( CROZIER; FRIEDBERG, 1990 ).
Ente os principais conceitos de análise estratégica apontados por Crozier e Friedberg (1990) , autores da teoria na qual se apoia esse artigo, estão:
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racionalidade limitada e estratégica – os atores desenvolvem estratégias racionais para lidar com as situações que se apresentam, havendo certos limites de ação, de maneira que optam pelas escolhas que estiverem ao seu alcance a partir dos constrangimentos da organização, da sua posição e da própria personalidade;
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poder – diretamente ligado as possibilidades de ação de cada ator em relação aos outros;
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zona de incerteza – proporcionalmente maior conforme maior for a possibilidade de ação de cada ator, é a imprevisibilidade de ação de cada agente frente aos outros;
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fontes de poder – podem haver diversos recursos de poder, sendo os principais a autoridade formal, o controle dos processos de decisão, dos recursos escassos, da informação e do conhecimento, de acesso a diversos setores da organização, da tecnologia e de uma habilidade técnica.
Estudos que abordam a Auditoria no SUS são escassos, não havendo publicação que aborde as relações de poder nesses processos. Baseando-se na premissa que estudar estas relações traz uma visão global do processo, podendo auxiliar na resolução de conflitos e na tomada de decisão mais coerente com os interesses do grupo, esta pesquisa tem como objetivo geral conhecer a estrutura dos jogos de poder envolvidos no processo do pós-auditoria; e enquanto objetivos específicos, conhecer os desdobramentos das auditorias assistenciais realizadas pelo Componente Municipal de Auditoria do SUS de Recife identificar a estrutura hierárquica, as regularidades de comportamento e as racionalidades que regem os comportamentos dos principais atores envolvidos; apoiando-se nos conceitos de análise estratégica de Crozier e Friedberg (1990) .
Ressalta-se que o termo “pós-auditoria” utilizado neste artigo foi escolhido pelos pesquisadores a fim de identificar o período após a finalização da última fase da auditoria, ou seja, após concluído o relatório final de auditoria.
1 METODOLOGIA
Este estudo é fruto da dissertação de mestrado intitulada “As Relações de Poder no Pós-Auditoria do SUS em Recife-PE: uma análise orientada pelos conceitos de Crozier e Friedberg”, que teve como campo de ação em estudo a Secretaria Municipal de Saúde de Recife, município que apresenta o maior número de serviços de saúde sob a gestão municipal e com maior capacidade instalada para auditar em Pernambuco, segundo dados de pesquisa prévia (TSZESNIOSKI; FALCÃO; CHAVES, 2014).
A pesquisa foi desenvolvida a partir da abordagem qualitativa, que considera o mundo para além dos contextos especializados de pesquisa, entendendo, descrevendo e explicando os fenômenos que ocorrem dentro dos campos de ação em estudo. Busca detalhes na forma como as pessoas constroem o mundo ao seu redor, o que as pessoas estão fazendo ou o que está lhes acontecendo, no sentido de fornecer um rico panorama dos fenômenos sociais ( FLICK, 2009 ).
Inicialmente foram solicitados os relatórios das auditorias realizadas no ano de 2015 pelo CMA Recife. Após a leitura, se identificou as unidades que passaram por auditorias e que tiveram como objeto a assistência à saúde. Foi elaborado um roteiro norteador simples, apenas com tópicos elucidativos, para as entrevistas com os gestores, sobre as mudanças que ocorreram nas unidades no período após a auditoria, motivados pelas recomendações deixadas pela equipe. O ano de 2015 foi escolhido por ser considerado recente, e, ao mesmo tempo, por proporcionar tempo considerável para se implementar as recomendações deixadas pela equipe de auditoria.
Foram incluídas as unidades de saúde auditadas com vistas à averiguação da assistência à saúde. A auditoria deveria ter iniciado e encerrado no ano de 2015. Não participaram da pesquisa as unidades em que as auditorias envolveram averiguação de quesitos diversos da assistência à saúde, como as auditorias financeiras.
Para fins de entrevistas, os gerentes que não estavam ativos no período da coleta de dados por quaisquer motivos, como férias, licença ou outro tipo de afastamento, foram substituídos por seus suplentes. No caso do gerente da unidade na época da coleta de dados ser diferente do gerente em função no período da auditoria, foi entrevistado o gerente em exercício do período da coleta.
A realização dos agendamentos das entrevistas junto aos potenciais informantes foi realizada via contato telefônico institucional da unidade de saúde, tendo a primeira autora deixado seu contato telefônico pessoal com os recepcionistas da unidade quando da ausência ou indisponibilidade do gerente em conversar com a pesquisadora no momento da ligação. Destes, não foi possível contatar dois, após cinco tentativas para cada unidade em horários distintos, seja por motivo de ausência ou indisponibilidade momentânea no momento do contato telefônico, impossibilitando a realização do agendamento destas entrevistas.
A análise do discurso foi baseada na proposta de Orlandi (2009 , pp. 59-91), que se estrutura conforme a Figura 1 .
Na primeira etapa, a partir do material bruto coletado nas entrevistas (a superfície linguística), observou-se o que era dito em cada discurso, procurando desfazer os efeitos da ilusão de que só existe uma forma de dizer algo. Nesta etapa foram trabalhadas as formações das famílias parafrásicas, a partir da relação entre o dito, o não dito e o que poderia ser dito, tendo como produto o objeto discursivo.
Em seguida, a partir do objetivo discursivo, se procurou o processo discursivo, na tentativa de compreender como se constituem os sentidos dos dizeres. Nessa etapa, se buscou compreender as formações discursivas, e as formações ideológicas às quais se relacionam, mantendo-se como guia os conceitos da análise estratégica de Crozier e Friedberg (1990) .
Diferente do que propõe Orlandi (2009) , a partir da compreensão de que o processo discursivo se configura como um continuum e do entendimento de que toda formação discursiva remete a uma formação ideológica, de maneira que são inseparáveis, houve dificuldade das autoras em distinguir formações discursivas de formações ideológicas durante o processo discursivo e optou-se por descrever esse processo continuum como “Processo discursivo 1” e “Processo discursivo 2”.
Para o cumprimento dessas etapas, o material bruto coletado foi digitado no programa Microsoft Word 2013, e, durante a fase de definição do objetivo discursivo, as famílias parafrásicas foram destacadas por meio de cores, ainda no computador, possibilitando-se o primeiro recorte no corpus. Após essa etapa, o objetivo discursivo foi impresso e, na busca dos processos discursivos 1 e 2, foi utilizado o sistema manual de marcação por cores e observações escritas, em referência à teoria que regeu a relação entre o analista e o objeto no próprio material. Visando a compreensão das formações discursivas e ideológicas presentes nos discursos sem se desvencilhar do objeto em estudo, foram demarcados manualmente por cores os trechos que se relacionavam com o objeto desta dissertação. Para a seleção dos trechos utilizados na discussão o critério foi, além da aproximação com o objeto em estudo, a clareza do discurso.
Os conceitos da análise estratégica de Crozier e Friedberg (1990) que guiaram a análise foram: racionalidade limitada e estratégica, poder, zona de incerteza e fontes de poder.
O presente estudo foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP- UFPE), conforme CAAE nº 66853417.9.0000.5208. Está garantido o sigilo da identidade dos entrevistados. Os dados coletados nesta pesquisa por meio das entrevistas gravadas e transcritas ficarão armazenadas em pasta discriminada em computador pessoal sob a responsabilidade do pesquisador principal pelo período de mínimo 5 anos.
2 RESULTADOS E DISCUSSÃO
O Componente Municipal de Auditoria de Recife realizou 15 auditorias tendo como objeto assistência em saúde no ano de 2015. Destas, doze (12) tinham como objeto a assistência-psiquiatria, se tratando de CAPS, unidades da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), e três tinham como objeto a assistência-geral, sendo dois hospitais e uma policlínica. Foram selecionadas para a pesquisa as doze (12) unidades que tratavam do mesmo objeto.
Entre os dez (10) entrevistados – que foram identificados como de E1 a E10 –, um se identificou como “gerente clínico”, embora estivesse registrado no Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde (CNES) como “gerente de serviço de saúde”, e participou da entrevista após o ator que se identificou como “gerente operacional” da unidade ter entrado em contato com a entrevistadora, informado seu afastamento provisório, momento em que indicou o primeiro como participante da pesquisa; outro se apresentou como “supervisor administrativo”, tendo sido entrevistado após informar que estava representando a gerência da unidade naquele momento devido afastamento provisório do gerente. A entrevista realizada com este último não forneceu subsídios suficientes para estudo do objeto, inviabilizando sua utilização na discussão dos resultados.
Ao consultar o CNES, se identificou que a maior parte dos gerentes assume a função de “gerente de serviço de saúde”, existindo também um que é identificado como “gerente administrativo” e outro que não aparece no CNES da instituição. Apesar disso, durante as entrevistas nenhum dos entrevistados se identificou como “gerente de serviço de saúde”, tendo a maioria se apresentado como “gerente operacional”. Segundo informações de um dos entrevistados, esta é a forma como eram identificados no organograma anterior da Secretaria Municipal de Saúde, não tendo sido formalizado junto às unidades como estão nominados os cargos no organograma atual.
Sobre o tempo de permanência no cargo, destacou-se o fato de que a maioria estava na função há pelo menos dois (02) anos, ou seja, estava presente na auditoria realizada em 2015, e o fato de que a maioria possuía vínculo estatutário. O gerente com menos tempo em função estava há três (03) meses em exercício, enquanto o mais antigo estava na mesma instituição há treze (13) anos (sic.), permanecendo como gestor da unidade durante os últimos seis (06) anos segundo o CNES.
Todos possuíam experiência prévia de atuação em serviços da Rede de Atenção Psicossocial, seja como técnico ou gestor, tendo a maioria trabalhado no próprio serviço em que assumiam a função de gerente, como técnico, anteriormente.
Uma síntese dessas características é apresentada na Tabela 1 . Devido à não utilização de instrumento para caracterização dos informantes, visto que não se configura enquanto objeto deste estudo, os achados foram obtidos por meio dos relatos feitos espontaneamente pelos entrevistados, tendo sido feito uma pesquisa no CNES para complementar as informações. Dessa forma, se apresentam dados simples, com vistas a, minimamente, ilustrar ao leitor uma breve identificação dos informantes.
A partir de leituras, releituras e reflexões guiadas pelos conceitos da análise estratégica de Crozier e Friedberg (1990) , chegou-se ao objetivo discursivo “As recomendações da auditoria não seguem a hierarquia”, conforme esquema de interpretação representado no Quadro 1 , cujos desdobramentos dos Processos Discursivos 1 e 2, na busca das formações discursivas e ideológicas, serão apresentados a seguir.
2.1 A AUDITORIA DO SUS COMO PROCESSO EDUCATIVO EFICAZ
A auditoria, por meio da análise e verificação operativa, possibilita avaliar a qualidade dos processos, sistemas e serviços e a necessidade de melhoria ou de ação preventiva/corretiva/saneadora. Tem como objetivo propiciar ao gestor do SUS informações necessárias ao exercício de um controle efetivo, e contribuir para o planejamento e aperfeiçoamento das ações de saúde ( BRASIL, 2011 ).
Apoiados nesse conceito, os auditores podem possibilitar mudanças positivas nas unidades de saúde, por meio das recomendações que descrevem em relatório, na última fase da auditoria, na identificação de não conformidades na unidade de saúde auditada. Nos relatórios, consta, mais abaixo do item “recomendação”, o item “responsável”, onde aparece o nome do gestor do serviço de saúde, seguido do nº no Cadastro de Pessoa Física (CPF), identificando quem deve executar as recomendações.
Sobre isso, se constatou que a auditoria pode ser bastante eficaz quando as recomendações feitas estão dentro da zona de autonomia do gestor do serviço de saúde, conforme representado na Figura 2 .
– Esquema representativo do Processo discursivo 1 “A auditoria do SUS como processo educativo eficaz” - Recife, 2017
O discurso dos informantes indica que a auditoria executa um papel de educação, lembrando ao gestor suas obrigações, sendo vista como um instrumento importante, como refere E7: “ A auditoria é sempre bem-vinda. Ela nos mostra algumas coisas que às vezes o gestor... passa despercebido né?! É sempre bom receber fiscalização, auditoria. Pra instituição é muito bom ”.
Nesse aspecto, a auditoria se configura como um sistema de controle que aponta a eficiência das atividades realizadas no serviço auditado, se desenvolvendo como uma atividade que vai além dos aspectos fiscalizadores e policialescos, mas como uma atividade de educação ( RIBEIRO, 2005 ), o que é corroborado no discurso de E4:
Olha, eu achei que a auditoria vindo foi muito eficaz. Porque tem alguns coisas que a gente vai deixando passar ... deixando passar... com o tempo e as dificuldades que vão surgindo. E a gente acaba vendo coisa que a auditoria chegou lá e disse que não tava conforme e a gente precisa rever [...] isso é muito bom porque isso aponta pra equipe algo que a equipe não tá fazendo . Então eu achei extremamente válido essa auditoria ter vindo.
Os discursos de E7 e E4 apontam na direção de que o papel dos auditores assemelha-se ao de um “funcionário especialista”, no contexto da administração burocrática, aquele que tem na sua capacidade individual de indicar soluções de problemas específicos que outros atores não dominam, o seu poder. De acordo com os informantes, até a chegada da auditoria, a unidade de saúde apresentava pontos de atuação inadequados, não corrigidos porque não haviam sido percebidos, tendo havido a necessidade do apontamento da auditoria para a resolução da não conformidade.
A eficácia desse processo educativo, tem relação direta com a realização das recomendações em áreas que estejam dentro da zona de autonomia do gestor, representadas na Figura 2 , como colocado por E8:
O poder que a gente tem é limitado, enquanto uma unidade que participa de uma esfera maior , então muitas decisões elas não passam pela gente , a gente não consegue ter o controle de algumas decisões, e as que cabem a gente vai tentando resolver em diálogo com a equipe, os usuários, todo mundo que compõe a unidade [...].
No discurso supracitado os trechos em destaque “unidade que participa de uma esfera maior” e “muitas decisões não passam pela gente” rementem-se ao princípio da hierarquia de cargos e da sequência de instâncias descrito por Weber (2004) , que envolve uma organização fixa de poder de mando e obediência, de maneira que os atores hierarquicamente superiores monitoram os inferiores. Quando o princípio das competências está plenamente desenvolvido, pelo menos no aparato público, as atribuições de cada instância é fixa, sendo isso estabelecido em regras, não podendo, na ausência de um ator, a instância superior agregar suas funções as que já possui ( WEBER, 2004 , pp. 198-200).
Segundo Friedberg (1995) , as regras são uma forma de um superior garantir determinados comportamentos daqueles que estão hierarquicamente subordinados a ele, ideia que está representada nos seguintes trechos dos discursos: “[...] mudanças estruturais maiores não estão sendo autorizadas ” (E3); “ tudo passa por um processo de trabalho, uma hierarquia que demanda aberturas de CI (circular interna), abertura de protocolos, e que a gente segue todo esse processo ” (E5).
O processo de tomada de decisão é gradual e envolve uma série de atores, desde aqueles que detém o conhecimento, às instâncias controladoras de recursos e tecnologias que envolvem ação da decisão e o próprio sistema hierárquico, embora aquele que formalmente toma a decisão seja o elemento mais visível nesse processo ( GAMA, 2002 ).
Na hierarquia da organização em estudo, segundo os informantes, as competências e atribuições dos gestores das unidades de saúde estão relacionadas às zonas de autonomia do gestor, que estão dispostas na Figura 2 , conforme descreve E6 com maiores detalhes:
[...] o gerenciamento da equipe, do cuidado com a unidade, o gerenciamento das ações no território, o gerenciamento de toda parte estrutural da casa, do ponto de vista da limpeza, da organização da comida, dos processos diários de trabalho, que envolvem o cuidado com o usuário, mas que envolve o cuidado com o patrimônio ... toda essa parte que é diretamente ligada a gestão do processo de trabalho , eu fiquei satisfeita porque nós conseguimos, enquanto equipe, êxito em quase todas as recomendações mesmo as que estavam mais ou menos fora da conformidade, e um monte delas já em conformidade, então isso me deixou satisfeita.
No seio da organização as relações de poder são dinâmicas e se manifestam a partir de zonas de incerteza que podem ser utilizadas como fontes de poder. Friedberg (1995) fala de quatro zonas de incerteza: o saber, a relação com o ambiente, os fluxos de comunicação e informação nas organizações e a utilização da regra. Destaca-se a primeira das zonas de incerteza, o saber e o saber-fazer, crucial para qualquer organização, por meio da qual o poder pode ser exercido de maneira mais imediata ( GAMA, 2002 ).
Esta, o saber e saber-fazer, parece ser é a principal fonte de poder utilizada pelo gestor dos serviços de saúde na execução das recomendações deixadas pela auditoria, sendo suficiente para solucionar os problemas nas áreas listadas no discurso de E6, e podendo, como sugere Friedberg (1990), ser realizado de maneira mais imediata por não necessitar o envolvimento de demais atores da hierarquia.
Considera-se que a finalidade da auditoria do SUS é proporcionar melhoria efetiva na qualidade da saúde aos usuários desse sistema de saúde ( PERNAMBUCO, 2014 ), pode-se dizer que sua eficácia só está garantida a partir da concretização das recomendações deixadas para os responsáveis das unidades de saúde no pós-auditoria.
De acordo com os resultados encontrados, a execução dessas recomendações tem relação com as zonas de incerteza e autonomia dos gestores dos serviços de saúde, o que direciona a racionalidade estratégica utilizada por esses atores. Dessa forma, após abordar a execução das recomendações que estão relacionadas as zonas de autonomia do gestor, será abordado como se dá o processo do pós-auditoria quando as recomendações estão relacionadas as zonas de incerteza do gestor.
2.2 O NÃO DESDOBRAMENTO DAS RECOMENDAÇÕES NAS ZONAS DE INCERTEZA DO GESTOR
Os gestores dos serviços de saúde enfrentam uma séria de dificuldades para executar determinadas mudanças nas unidades quando estas são relacionadas às suas zonas de incerteza. Um resumo deste processo está representado na Figura 3 .
– Esquema representativo do Processo discursivo 1 “O não desdobramento das recomendações nas zonas de incerteza do gestor” - Recife, 2017
Os discursos abaixo apresentam as áreas em que os gestores encontram mais dificuldades para executar as recomendações da auditoria, e indica que os principais limites são o fato da unidade não possuir autonomia administrativa e financeira para realizar as mudanças necessárias.
Muitas dessas recomendações fogem da gerência do CAPS. O CAPS não tem autonomia financeira, ele não tem autonomia administrativa nos planos de manutenção, nem de reparação, nem nos espaços, nem nos equipamentos, nós estamos totalmente dependentes de terceiros , tanto da gestão do distrito sanitário como da gestão das empresas terceirizadas que fazem esses serviços. Então o CAPS não é um lugar de financeiro, nós não temos autonomia de intervenção . Então essa é uma das grandes dificuldades pra gente manter ou correr atrás de todas as recomendações. (E7)
Tudo que tem a ver com estrutura que vai exigir um investimento maior de recurso, a gente não tem autonomia [...] contratos , organograma, foge da viabilidade do CAPS, da gerência do CAPS, tudo isso. [...] a gente fica de mãos atadas . (E3)
Os informantes se referem ao “nível central da prefeitura”, “nível central”, “prefeitura” e “gestão maior” como sinônimos representativos daquele que detém os meios para a execução das recomendações que esbarram nesses limites, estando a autonomia financeira e administrativa na zona de autonomia deste ente. “ Essas dificuldades estão no campo de uma gestão maior ” (E7); “[...] essas coisas que dependem do financeiro dependem do desdobramento da gestão, é realmente é o que dificulta. Da gestão maior , da prefeitura ... então isso é difícil ” (E6).
As principais estratégias do gestores das unidades para alcançar a execução das recomendações está nas solicitações à outras instâncias, em geral, ao distrito sanitário.
A gente não tem autonomia sobre isso e fica sempre na dependência , e eu tenho sempre as mesmas respostas [...]. Porque na verdade eles (os auditores) pedem pra unidade, mas a gente pede pro distrito, e o distrito pro nível central. Porque eles (os auditores) vem na unidade e solicitam ao responsável técnico, que no caso sou eu, mas ai essas coisas não estão na minha governabilidade, e ai eu passo pro distrito. [...] Mas você veja que tudo que ficou ai (como pendência na execução das recomendações) esbarrou e parou. Até hoje! Cadê o controle social?! O que a gente faz em relação a isso?! Quem é o órgão que fiscaliza, que audita, que vai lá e coloca, não é a auditoria? (E3)
Outra zona de incerteza dos gestores dos serviços de saúde de destaque que relaciona-se a mesma problemática está relacionada ao que Friedberg (1995) apontou sobre os fluxos de informação e comunicação. A informação e comunicação nunca é neutra, podendo gerar inúmeras incertezas. Ao transmitir uma determinada informação, o ator pode fazê-lo de diversas formas, suprimindo dados e com mais ou menos agilidade, por exemplo, o que vai afetar a ação do ator que recebe a mensagem ( GAMA, 2002 ).
[...] (a auditoria) chega exigindo da gente uma coisa que a gente não consegue dar conta, que não é pra gente dar conta, ainda mais pessoalmente. [...] E assim, na época eu fiquei questionando “sim, e ai, o que é que eles vão pedir que eu faça? A não ser a gente fazer o que já fazia, que é solicitar ?” [...] Essas coisas teriam que ir pro distrito, porém a gente sabe também que o distrito não consegue dar conta disso ai, [...] então quem é que vai fazer? Porque termina não ficando nem claro de quem é que a gente precisa cobrar né? (E4)
O conceito de racionalidade limitada envolve a noção de que os indivíduos são limitados no que se refere à possibilidade de obter e processar todas as informações relevantes para subsidiar suas ações. Ou seja, o argumento da racionalidade limitada relaciona-se tanto às incertezas da estrutura do sistema em que os atores estão inseridos, quanto às limitações individuais de cada ator na busca das melhores decisões ( MELO; FUCIDJI, 2016 ). Os limites que se impõem aos gestores nas suas ações estão diretamente relacionados às estratégias que são capazes de criar para lidar com as situações.
Sobre isso, diante das dificuldades, não só na execução, mas também para a identificação da instância hierarquicamente responsável por realizar as mudanças necessárias, esses atores tem dado ao relatório de auditoria a conotação de instrumento de fundamentação das suas solicitações, utilizando-se do benefício do poder do auditor enquanto o especialista nas questões normativas da organização:
[...] em alguns casos a gente precisa dessas inspeções , dessas auditorias, para fundamentar as solicitações [...] não fica uma questão de... eu tô dizendo que é importante, o outro tá julgando que não é importante, e não se encaminha. Tem várias coisas que acabam mesmo caminhando por ai, sabe? [...] é um outro dispositivo que tá na saúde, que tá dizendo que esse serviço não está nos conformes pro seu funcionamento [...], muitas vezes a gente tem que se apegar a isso pra conseguir legitimar as necessidades reais . (E10)
Até no ano passado eu solicitei novamente que eles (os auditores) viessem. É uma forma de você ficar, assim ... é alguém de fora que tá pedindo isso . Porque a gente pede nas reuniões e escuta, às vezes, as mesmas coisas. Então é a história do controle social, e a auditoria teria esse papel de dizer “olha, passou um ano, e ai? (E3)
Em geral, as regras formalmente instituídas orientam as estratégias que podem ser utilizadas por cada ator individualmente, influenciando as construções das ações coletivas ( DELLASOPPA, 2002 ). Tem sido um comportamento regular dos gerentes a estratégia de fazer solicitações ao distrito sanitário, na intenção de que se encaminhe as demandas a outras instâncias que possuem possibilidades de ação maiores, influenciados pelas limitações impostas pela hierarquia no que se refere ao poder de decisão, e os limites naturais aos indivíduos nas escolhas das estratégias que vão utilizar.,
Quando os informantes identificam o relatório de auditoria como um instrumento para fundamentar suas solicitações, pode-se supor que identificam o auditor enquanto especialista que possui alguma influência junto as instâncias superiores na hierarquia, identificando que há uma zona de incerteza que controlam que pode ser fonte de manipulação desses outros atores (DELLASSOPA, 2002).
Em geral, os informantes não acreditam que as recomendações que dependem da decisão de outras instâncias serão atendidas:
[...] eu tenho meu relatório, fiz uma cópia pra coordenadora do distrito, uma cópia pra coordenação de saúde mental e a cópia que foi pra auditoria, então todo mundo tá documentado com o eu tem de recomendação, inclusive com CI dizendo que muita coisa não é de responsabilidade do gestor enquanto CPF, mas provavelmente eu vou passar o bastão e essas recomendações não vão ser executadas. Infelizmente . (E6)
Os gestores reconhecem suas restrições, de maneira que a maior fonte de incômodo não está relacionada às possibilidades de ação, mas em ser responsabilizado pelo Componente Municipal de Auditoria do SUS como a pessoa que deve executar recomendações que estão fora da sua zona de domínio: “[...] eu não tenho culpa se não chega. [...] O que incomoda é que fica seu nome, e o seu CPF , só que assim, o meu trabalho eu faço, eu tenho a certeza e a tranquilidade que eu faço” (E5).
A auditoria que sofremos... sofremos![...] Eu particularmente fiquei muito incomodada com a postura que vieram, porque chegam cobrando da gente como se a gente tivesse que dar conta de tudo isso, quando não é assim. Eu acho que tem que ser cobrado o que tá em portaria que aquele serviço deve fazer [...] agora vamos cobrar das outras instâncias as coisas que essa unidade não tá conseguindo cumprir . (E4)
Para sanar a fonte do incômodo, o que pode também ter reflexos na eficácia da auditoria, no que se refere à efetivação das recomendações deixadas aos auditados, propõem:
[...] a grande dificuldade que eu acho é eles responsabilizarem o gerente da unidade por processos que não cabem a nós. [...]fica muito complicado cobrar questões que a gente não tem como resolver . Acho que a auditoria precisa ampliar um pouquinho isso. [...] eu acho que precisa dividir os papeis. Oficiar o gerente em relação a algumas coisas e de quem é de direito, o distrito sanitário a coordenação da política ou seja lá quem for, secretário de saúde no nível central.. . enfim. Agora eu acho que colocar a responsabilidade de uma conduta que não é do gerente na mão do gerente, deixa a gente em maus lençóis . (E1)
Eu acho que não pode se bastar aqui. Se a gente pede, solicita, e no próprio registro dai do documento (que foi enviado como resposta a auditoria) tem escrito que a gente pediu, eles (os auditores) também tem que que chegar e “olhe, a unidade tá apresentando isso, isso e isso, o que foi que aconteceu? Por que vocês não fizeram isso, não fizeram nada?” Isso não pode se bastar aqui, tem que ser enviado pra outro lugar . (E4)
É presença marcante no discurso dos informantes “ o desejo mesmo de que toda auditoria, toda fiscalização, ela pudesse, realmente, tá surtindo efeito ” (E6). Nesse sentido, figura como crucial, na execução da auditoria, considerar esses jogos de poder e a regularidade dos comportamentos que tem se dado no pós-auditoria do SUS para que a auditoria não seja um mero gerador de sofrimento, tendo sua ocorrência questionada, como sugere E4: “ isso foi feito pra que, além de gerar estresse?! ”, e possa estar garantido seu objetivo principal, a assistência adequada ao usuário do SUS.
Nesse contexto de restrições e pouca efetividade das ações do processo do pós-auditoria, um componente de destaque nos discursos foi o papel do Ministério Público.
[...] lógico que há um tensionamento (por parte da auditoria), mas eu não sei se a prefeitura vai ela punir ela mesma, como é que fica isso né? [...] Não sei se o Ministério Público seria tão complacente com isso. Porque veio a auditoria, observou, fez as recomendações, elas não foram atendidas, e a coisa segue . (E8)
Além do processo da auditoria, antes da minha chegada (no cargo de gerente), foi feita uma denúncia no MP (Ministério Público) sobre as condições de funcionamento e estrutura física do serviço. Ai o MP veio aqui e fez um levantamento das inadequações. Por isso que a vigilância sanitária veio e fez as orientações, porque tem um processo no MP, e ai o MP tá cobrando da prefeitura, então agilizou um pouco mais o processo por conta disso. Aí a gente conseguiu fazer a adequação [...], porque o MP apertou, pressionou, e ai foi feito. Nem foi por conta da auditoria , eu imagino que tenha sido influência da pressão do MP. (E1)
Alguns grupos ou indivíduos podem atuar sobre outros, a partir de uma relação com ele(s), a partir da qual possa(m) tirar vantagem. Cada indivíduo ou grupo faz esse exercício de caráter ofensivo ou defensivo, de acordo com as possibilidades oportunas para cada um que deseja impor suas preferências ou ampliar sua autonomia, suas possibilidades de ação ( CROZIER; FRIEDBERG, 1990 , pp. 115-117).
O Ministério Público, de acordo com os informantes, é capaz de exercer o domínio sobre aquele que os gestores identificam como único capaz de resolver as recomendações que estão fora da sua zona de autonomia: a prefeitura. Nesse sentido, ressalta-se que não houve informações de como se deu esse processo, apenas de que ele existe e é efetivo. Diante desse contexto, notou-se uma série de comparações do papel do Ministério Público, que figura nesse contexto enquanto controle externo, e a auditoria do SUS, que é um dispositivo de controle interno, no sentido da autoavaliação e automonitoramento do Poder Executivo.
Não era objetivo deste artigo conhecer o desenvolvimento das relações de poder imbricadas nos processos de fiscalização do Ministério Público, mas, diante das informações obtidas, compreender esse processo parece ser importante, inclusive para a possibilidade de comparação entre este e o desenvolvido por meio da auditoria do SUS, sugerindo-se o tema para os próximos estudos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A realização deste estudo possibilitou conhecer a estrutura dos jogos de poder envolvidos no processo do pós-auditoria, ao menos no que se refere à relação dos auditores e dos gestores dos serviços de saúde, identificados, nos relatórios do Componente Municipal da Auditoria do SUS, como responsáveis pela execução das recomendações no processo do pós-auditoria.
A análise dos discursos dos gerentes dos serviços de saúde possibilitou o conhecimento das racionalidades estratégicas que adotam para a execução das recomendações deixadas pela auditoria, as fontes de poder que utilizam para isso, e também os limites de suas estratégias.
A partir do conhecimento dos desdobramentos das auditorias assistenciais realizadas pelo Componente Municipal de Auditoria do SUS de Recife, foi possível identificar que a efetivação das recomendações da auditoria tem relação direta com a zona de autonomia e incerteza dos gestores das unidades de saúde. Ao passo que, quando a recomendação é feita em áreas que o gestor tem liberdade de atuação, elas são executadas, restando aquelas nas áreas que figuram as zonas de incerteza desse ator.
Nesse segundo caso, para o prosseguimento do processo do pós-auditoria, é necessário o envolvimento de outras instâncias da organização, isso porque o maior limite dos gestores dos serviços de saúde auditados está no poder instituído formalmente por meio da estrutura hierárquica da Secretaria Municipal de Saúde.
A principal estratégia desses atores quando identificam que não têm poder de decisão para solucionar os problemas é solicitar do distrito sanitário a resolução, e aguardar que, diante do reconhecimento de que este último também possui poder de decisão limitado, instâncias superiores da hierarquia propiciem a execução das recomendações. Essa estratégia figura como uma regularidade no comportamento desses atores-gestores que, em geral, não possui eficácia. A maioria das recomendações que necessitavam do envolvimento de outras instâncias – em especial as relacionadas a mudanças na estrutura física do prédio, atualização dos contratos que estavam fora da validade junto às empresas terceirizadas e a contratação de recursos humanos –, permanecia sem resolução.
Considerando que o objetivo central da auditoria deve ser a garantia da assistência adequada ao usuário, deve-se atentar para a eficácia das regularidades dos comportamentos que tem se dado no pós-auditoria do SUS. Se, em geral, só tem sido eficazes quando as recomendações permeiam as zonas de autonomia do ator que recebe o relatório de auditoria enquanto responsável pela execução das adequações, o gestor do serviço de saúde, faz-se necessário considerar a criação de estratégias para que as recomendações que estão na zona de incerteza desse ator tenham outros destinos. Uma sugestão é que a responsabilização de cada recomendação possa estar em consonância com as zonas de autonomia de cada ator da organização e, dessa forma, com a hierarquia formalmente instituída.
A hierarquia da organização em estudo precisa ser mais bem estudada do ponto de vista das relações de poder. Os discursos apontaram na direção do não conhecimento sobre como se dão os processos nas outras instâncias envolvidas na execução das recomendações, e qual a responsabilidade de cada uma, sendo uma sugestão para os próximos estudos.
Outro ponto a se destacar foi o papel do Ministério Público como ator dominante daquele que permeia o imaginário dos informantes como componente capaz de solucionar qualquer tipo de recomendação: a prefeitura. Como já dito, esse não era um objetivo do artigo, mas devido a ênfase dada ao componente, fica a sugestão para próximos estudos tratar das relações de poder imbricadas nesse processo, inclusive para possíveis comparações entre os controles interno e externo, na perspectiva dos conceitos da análise estratégica de Crozier e Friedberd (1990).
A proposta de Orlandi (2009) , ao considerar que toda formação discursiva remete a uma formação ideológica, alinhada as ideias de análise estratégica de Crozier e Friedberg (1990) , a crença de que as pessoas tomam suas decisões a partir de um conjunto complexo de fatores, proporcionou inúmeras reflexões nesse estudo, e ainda mais perguntas e possibilidades de pesquisas no campo. A união dessas duas estratégias se configurou como uma ferramenta acessível, de fácil aplicação e eficaz, na interpretação de comportamentos regulares que possam ser identificados por meio do discurso. Abrem-se diversas possibilidades para a análise dos jogos de poder em organizações públicas ou privadas, em que seja possível acessar uma superfície linguística advinda de discursos de atores considerados estratégicos nos processos de tomadas de decisão. Enquanto fragilidade do método, destaca-se a sua insuficiência para a análise de comportamentos não observáveis através dos discursos e, devido a necessidade de análise minuciosa do material bruto coletado, o que inclui tempo para a pesquisa, a pouca aplicabilidade quando se deseja analisar os comportamentos de um número grande de atores.
REFERÊNCIAS
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
May-Aug 2018
Histórico
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Recebido
22 Jun 2018 -
Aceito
31 Jul 2018