Role-playing: estratégia de ensino que propicia reflexões sobre o cuidado de enfermagem

RESUMO

Objetivo:

Descrever as reflexões de estudantes de enfermagem sobre o cuidado de enfermagem a partir do uso do role-playing.

Método:

Pesquisa qualitativa com abordagem descritivo-exploratória e de base documental. Os dados foram coletados a partir dos portfólios de 32 alunos de um curso de graduação da região Sul. A análise dos dados seguiu as etapas de ordenação, classificação em estruturas de relevância, síntese e interpretação.

Resultados:

Obtiveram-se duas categorias empíricas: (1) Sentimentos no ato de cuidar e ser cuidado e (2) Invertendo papéis: benefícios para o ser enfermeiro no ato de cuidar.

Considerações finais:

O uso do role-playing como estratégia de ensino para alunos da graduação na temática do cuidado colaborou para despertar reflexões acerca das competências e habilidades necessárias para o ato de cuidar, como também para que os alunos pudessem se "perceber" como enfermeiros, apropriados da essência de sua futura profissão: o cuidado.

Descritores:
Educação em Enfermagem; Aprendizagem Baseada em Problemas; Competência Profissional; Estudantes de Enfermagem; Cuidados de Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

Describe the reflections of nursing students on nursing care through the use of role-playing.

Method:

Qualitative research with descriptive-exploratory approach and documentary base. The data were collected from portfolios of 32 students from an undergraduate course in the Southern Brazil. The analysis of the data followed the steps of sorting, classification in structures of relevance, synthesis and interpretation.

Results:

Two empirical categories were obtained: (1) Feelings in the act of taking care and receiving care and (2) Reversing roles: benefits to the nurse in the act of caring.

Final considerations:

The use of role-playing as a strategy for teaching the theme of care to undergraduate students encouraged reflections about the skills and abilities necessary for the act of taking care and favored the students' self-perception as nurses, appropriating the essence of their future profession: care.

Descriptors:
Education, Nursing; Problem-Based Learning; Professional Competence; Students, Nursing; Nursing Care

RESUMEN

Objetivo:

Describir las reflexiones de estudiantes de enfermería sobre la atención de enfermería a partir del uso del role-playing.

Método:

Investigación cualitativa con enfoque descriptivo-exploratorio y de base documental. Los datos fueron recolectados a partir de los portafolios de 32 alumnos de un curso de graduación de la región Sur. El análisis de los datos siguió las etapas de ordenación, clasificación en estructuras de relevancia, síntesis e interpretación.

Resultados:

Se obtuvieron dos categorías empíricas: (1) Sentimientos en el acto de cuidar y ser cuidado; y (2) Inversión de papeles: beneficios en ser enfermero en el acto de atención.

Consideraciones finales:

El uso del role-playing como estrategia de enseñanza para alumnos de la graduación en la temática del cuidado colaboró para despertar reflexiones acerca de las competencias y de las habilidades necesarias para el acto de cuidar, así como para que los alumnos pudieran "percibirse" como enfermeros, apropiados de la esencia de su futura profesión: la atención.

Descriptores:
Educación en Enfermería; Aprendizaje Basado en Problemas; Competencia Profesional; Estudiantes de Enfermería; Atención de Enfermería

INTRODUÇÃO

As Diretrizes Curriculares Nacionais para área de Enfermagem destacam a importância da formação de um profissional crítico, reflexivo e com competências e habilidades para a prática do cuidado em saúde visando à transformação da realidade social brasileira⁽¹⁾. Desde a promulgação das diretrizes, os cursos de graduação em enfermagem têm envidado esforços na estruturação e implantação de projetos pedagógicos que possibilitem o cumprimento do exposto nas diretrizes curriculares nacionais. Esse é um processo contínuo e permeado por discussões sobre as particularidades da educação em enfermagem e estratégias didáticas adequadas para o alcance da formação profissional almejada na área, o qual se desenvolve em consonância às modificações nos paradigmas e nas tendências do ensino superior.

Nesse contexto, uma das ações que têm sido valorizadas por docentes e instituições de ensino é a adoção de metodologias ativas de ensino-aprendizagem na área da saúde⁽²⁾. A utilização de metodologias ativas contribui para a superação do modelo tradicional de educação, centrado no paradigma cartesiano, com foco no fortalecimento da capacidade técnica, sem um ensino com perspectiva transformadora, no qual o docente tem o papel de transmitir o conhecimento e o discente tem uma postura passiva em que lhe cabe a memorização do conteúdo, sem reflexão e/ou compreensão crítica. As metodologias ativas buscam o empoderamento do estudante para que ele gerencie seu processo de formação. Para a implementação de mudanças nos paradigmas do ensino em saúde e enfermagem, destaca-se a relevância da pedagogia crítica e educação emancipatória, a partir da qual é possível fomentar a reflexão crítica e a construção coletiva e dialógica dos conhecimentos, pautada na integração teoria-prática a partir de uma realidade social concreta⁽³⁾.

Entre as metodologias ativas, o role-playing configura-se como uma estratégia empregada no ensino, com fins educativos e lúdicos, em que um coordenador elabora uma situação fictícia na qual os discentes assumem o papel social de outros indivíduos e vivenciam situações clínicas que lhes possibilitam despertar o olhar crítico-reflexivo, e treinar habilidades que os tornem aptos a, no futuro profissional, transformar a realidade⁽⁴⁾. Portanto, é uma estratégia que está centrada no estudante e permite o aprendizado em ambiente pedagógico, amparada por uma reflexão e guiada por um facilitador⁽⁵⁾.

O role-playing pode ser utilizado como simulação clínica de baixa fidelidade do tipo "paciente estandardizado", desde que siga os princípios da simulação clínica. Nesse caso, a experiência e o aprendizado ocorrem por meio de outros indivíduos, estudantes ou atores que são ensinados/instruídos pelo facilitador a retratar o paciente de forma consistente de acordo com a realidade pretendida^(6-7). Estudos que utilizaram o role-playing como estratégia de ensino destacaram sua importância para o autoconhecimento⁽⁸⁾, a humanização da assistência⁽⁹⁾, o aprimoramento da comunicação e outras habilidades de interação social^(10-11), bem como a articulação da teoria a situações reais de cuidado⁽¹⁰⁾.

A partir das contribuições do role-playing para o ensino de enfermagem descritas na literatura, surgiu o interesse de utilizar a estratégia para problematizar com estudantes de enfermagem os significados e as práticas relacionadas ao cuidado de enfermagem. A escolha desse foco para o estudo justifica-se não só pela centralidade e importância do cuidado como eixo central do exercício profissional da enfermagem, mas também pela necessidade do desenvolvimento de atitudes e competências relacionais para a realização de um cuidado para além da dimensão instrumental⁽¹²⁾.

OBJETIVO

Descrever as reflexões de estudantes de enfermagem sobre o cuidado de enfermagem a partir do uso do role-playing.

MÉTODO

Aspectos éticos

Este estudo integra um macro projeto intitulado Metodologias ativas de ensino na formação profissional em enfermagem: repensando as estratégias para o ensino-aprendizagem na graduação, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina. Os sujeitos concordaram em participar da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE), tendo seus nomes identificados por símbolos alfanuméricos.

Referencial teórico-metodológico

O referencial teórico-metodológico da pesquisa está baseado nos pressupostos da pedagogia crítica e educação emancipatória, bem como em estudos nacionais e internacionais acerca do role-playing como estratégia de ensino na enfermagem.

Tipo de estudo

Pesquisa qualitativa com abordagem descritivo-exploratória e de base documental.

Procedimentos metodológicos

O estudo foi desenvolvido com 32 estudantes de enfermagem durante o decurso de uma disciplina intitulada Fundamentos para o Cuidado Profissional. A disciplina é pautada nos pressupostos da pedagogia crítica problematizadora e utiliza o role-playing como uma de suas estratégias de ensino. Durante a disciplina, o role-playing foi utilizado em uma aula que abordava o tema "cuidado" no intuito de estimular a reflexão do aluno sobre o que é cuidado e como ocorre o cuidado de enfermagem, visando prepará-lo para a realização de atividades teórico-práticas no contexto hospitalar.

Como recurso físico utilizou-se uma sala com espaço amplo e acolhedor, que disponibilizava colchonetes e materiais de recursos audiovisuais. A dinâmica foi desenvolvida em três momentos:

1. Ao chegarem na sala, os estudantes foram incentivados a sentar em círculo sobre os colchonetes. Ao som de uma música calma, foi solicitado que fechassem os olhos e refletissem sobre situações de cuidado, ou seja, em que cuidaram de alguém ou em que receberam cuidados. Tempo de execução: 10 minutos.

2. Os estudantes foram divididos em duplas e instruídos sobre como ocorreria o role-playing para abordagem do acolhimento e da relação de confiança entre enfermeiro e paciente. No primeiro momento, foram vendados com faixa os olhos de um aluno da dupla (representando a pessoa a ser cuidada - paciente) e seu colega ficou responsável por guiá-lo na exploração do ambiente externo à sala de aula (pessoa a realizar o cuidado - enfermeiro). Nesse contexto, foi proposto aos estudantes que o enfermeiro estabelecesse vínculo com o paciente e discutisse situações relacionadas à sua condição de saúde. Após, trocaram-se os papéis. Tempo de execução: 25 minutos.

3. Os estudantes foram estimulados a avaliar sua experiência juntamente com os colegas, participando do processo identificado como debriefing. Esse momento foi guiado pelo professor que acompanhou a atividade e encorajou os alunos a refletirem sobre a experiência por meio de perguntas abertas: Como se sentiram ao desempenhar o papel de cuidador? Como se sentiram ao desempenhar o papel de pessoa recebendo o cuidado? O que aconteceu durante a vivência? Quais as fortalezas e fragilidades identificadas durante o ato de cuidar? Ao final, o professor realizou a síntese do conteúdo construído coletivamente pelo grupo. Tempo de execução: 75 minutos.

Cenário do estudo

O estudo foi desenvolvido no curso de graduação em enfermagem de uma instituição pública no Sul do Brasil.

Fonte de dados

Os dados foram obtidos a partir dos portfólios reflexivos de 32 alunos acerca da situação vivenciada descrita anteriormente. Dessa forma, o número de participantes foi definido pelo conceito de amostragem por exaustão, ou seja, quando todos os indivíduos elegíveis são incluídos na pesquisa⁽¹³⁾. O portfólio é um documento elaborado pelos alunos com suas reflexões acerca das atividades didático-pedagógicas desenvolvidas no decorrer de uma disciplina. Além disso, permite o acompanhamento da evolução do processo de ensino-aprendizagem do estudante⁽¹⁴⁾.

Coleta e organização dos dados

Os dados foram coletados nos meses de março a junho de 2015 diretamente dos portfólios dos estudantes. Foram extraídos dos portfólios os relatos referentes à aula que abordou o tema "cuidado", conforme as três etapas descritas anteriormente. Desses relatos, os trechos em que os alunos descreviam as contribuições do uso da estratégia role-playing no ensino de enfermagem foram compilados em um documento do Microsoft Word e procedeu-se à etapa de análise dos dados.

Análise dos dados

A análise dos dados seguiu as diretrizes do método qualitativo: ordenação, classificação em estruturas de relevância, síntese e interpretação. Na fase de ordenação, realizou-se a releitura do material e ordenação dos relatos. Na etapa de classificação dos dados, a partir da leitura exaustiva e repetitiva dos textos dos alunos, identificaram-se as estruturas de relevância. Na etapa de análise final, o material empírico e o teórico foram articulados de forma a obter a interpretação dos fatos⁽¹⁵⁾. Dessa forma, buscou-se responder ao objetivo do estudo agregando as informações semelhantes para a constituição de duas categorias empíricas: (1) Sentimentos no ato de cuidar e ser cuidado e (2) Invertendo papéis: benefícios para o ser enfermeiro no ato de cuidar.

RESULTADOS

O uso do role-playing como estratégia de ensino para estudantes de graduação na temática do cuidado colaborou para despertar reflexões acerca das competências e habilidades necessárias para o ato de cuidar, bem como para que os discentes pudessem se "perceber" como enfermeiros, apropriados da essência de sua futura profissão: o cuidado. A seguir, apresentam-se as duas categorias do estudo.

Sentimentos no ato de cuidar e ser cuidado

A partir da utilização da estratégia do role-playing, enquanto exerciam o papel de pessoa recebendo cuidados, os estudantes vivenciaram sentimentos diversos ao se depararem com o desconhecido (nesse caso, a privação da visão em ambiente a ser reconhecido), como insegurança, impotência, apreensão e medo. Diante disso, destacaram a importância da presença do cuidador como um guia nesse momento de dificuldade:

Foi realmente muito angustiante ser privada da visão e ter que confiar na capacidade de outra pessoa de me guiar e de cuidar da minha integridade física. (Estudante 6)

Acho que nunca me senti tão agoniada e temerosa quanto na hora dessa atividade. Não ver, não entender o que está sendo feito traz tanta insegurança e medo. (Estudante 20)

Ainda dentro da sala, já vendada, me senti insegura, com medo de que o meu guia se distraísse por alguns instantes e assim acabaria me machucando. (Estudante 14)

Após sair para dar um passeio, fiquei no começo um pouco apreensiva com as sombras das portas, janelas etc., senti que iria bater em algo, mas vi que lá estava meu guia, e também meus novos olhos, me cuidando. (Estudante 14)

Enquanto exerciam o papel de cuidadores, os estudantes manifestaram sentimentos de empatia, confiança, segurança, respeito e sensibilidade ao conduzir seu colega:

Invertendo os papéis me senti importante cuidando de alguém, tentei passar segurança e confiança para meu colega. Observei como a estrutura física pode ser perigosa, se o paciente não for orientado corretamente e ajudado. (Estudante 14)

Quando cuidamos temos que ter a confiança em nós mesmos, de que somos competentes para realizar esse trabalho, e fazer isso de forma que a pessoa consiga ser guiada, ou seja, respeitar o "ritmo" e a forma de andar dessa pessoa. (Estudante 5)

Ao participar da estratégia role-playing e vivenciar diversos sentimentos, os estudantes relacionaram a experiência com a realidade do "ser enfermeiro/a" e "ser paciente":

Foi uma forte experiência, na qual nos sentimos completamente à mercê do outro, inseguros e impotentes. Durante a dinâmica, me coloquei na situação de paciente sob cuidados de um profissional de saúde e penso que deve ser um sentimento próximo ao que vivenciamos, de entrega e submissão. (Estudante 11)

Gostei muito dessa dinâmica, pois vi o quanto é mais difícil ser conduzida, confiar em alguém... do que conduzir. Isso nos fez relacionar a empatia com os pacientes que serão cuidados por nós. (Estudante 2)

Precisamos ser sensíveis e saber sentir o que o paciente realmente está querendo ou sentindo, para saber até que ponto podemos nos aproximar e o que devemos dialogar. (Estudante 2)

Enquanto alguns relataram dificuldades em guiar seu colega, outros enfatizaram a questão da confiança que é preciso ter para ser conduzido por alguém. Atribuíram esse fato à relação estabelecida entre enfermeiro e paciente, na qual o paciente está em situação suscetível e necessita de cuidados e, para tanto, precisa confiar no profissional de saúde:

Achei mais fácil ser guiado do que guiar a colega. Por conhecê-la, senti-me seguro e confiante em dar os passos às escuras. Guiar achei mais difícil, pela responsabilidade assumida sobre o corpo do outro. (Estudante 22)

Na primeira parte da aula o que mais me marcou foi a dinâmica da confiança, me senti segura conduzindo minha colega que estava com os olhos vendados, mas quando fui conduzida por ela senti um medo e um receio de cair ou bater em algum local. (Estudante 2)

minha colega estava com os olhos vendados e a minha tarefa era conduzi-la pelos corredores. Ela estava um pouco nervosa e com medo, mas com o tempo ela foi andando mais tranquilamente. No segundo momento os papéis se inverteram, eu fiquei com os olhos vendados e ela teria que me conduzir, andei tranquilamente pelos corredores. (Estudante 7)

Invertendo papéis: benefícios para o ser enfermeiro no ato de cuidar

A vivência permitiu a reflexão sobre diversos aspectos do cuidado, como quais as melhores condutas a serem tomadas enquanto cuidador, utilizando conhecimentos, habilidades e atitudes necessárias para sua atuação enquanto futuro enfermeiro. Desse modo, a dinâmica utilizada foi avaliada positivamente por seus participantes:

A aula teve um caráter interativo que facilitou o meu entendimento sobre o que é o cuidado de enfermagem e a importância do mesmo para a recuperação do paciente. (Estudante 1)

Os professores tentam trabalhar o mais próximo da realidade possível. (Estudante 2)

O debriefing facilitou aos estudantes realizarem a associação da atividade com a futura prática profissional. Além disso, as percepções referidas elencaram os desafios de ser conduzido e conduzir, ou seja, cuidar e ser cuidado, de modo que a simulação gerou experiências e aprendizados diversos entre os participantes, como descrito a seguir:

Quando estamos sendo cuidados, por vezes não sabemos o que está acontecendo e o que vai acontecer, mas tem alguém nos guiando, e essa pessoa tem que nos deixar seguros daquilo que está sendo feito. (Estudante 26)

A atividade mostrou o quanto é importante saber conduzir um paciente quando necessário, e o quanto ele pode se sentir desconfortável e inseguro, como nós nos sentimos na dinâmica realizada. Por isso devemos agir com cautela, e saber passar confiança para o paciente. (Estudante 23)

Os estudantes relataram que se colocar no lugar do paciente lhes permitiu pensar sobre o que é o cuidado e identificar habilidades que serão necessárias durante sua futura prática profissional. A partir disso, foi possível a reflexão de que profissional o aluno deseja ser no futuro:

Me fez refletir o que é "cuidado" [...] e a primeira coisa que veio em minha mente foi paciência [...] que é algo que se deve exercitar muito, pois vamos lidar constantemente com pessoas diferentes e acompanhado dessas suas crenças, ideias e opiniões que devem ser respeitadas. (Estudante 1)

Me fez pensar a importância de se colocar no lugar do outro, de como é difícil ser cuidado sem saber o que se está fazendo consigo, assim como a importância de explicar ao paciente todos os procedimentos de maneira simplificada para que o mesmo possa sentir-se mais seguro. (Estudante 5)

Temos que ter empatia, sensibilidade com os outros, solidariedade, união e respeito. (Estudante 7)

O principal objetivo dessa atividade para mim foi perceber que a visão sobre o cuidado difere de pessoa para pessoa, mas que todas devem ser levadas em conta se de alguma forma tiveram relação com o cuidado. (Estudante 9)

Me fez pensar em que tipo de enfermeira serei e como irei reagir às diversas situações dentro do hospital. (Estudante 20)

A partir do exercício realizado também ficou evidente entre os estudantes a necessidade de proporcionar um ambiente seguro e fornecer orientações detalhadas ao paciente durante todo o processo de cuidar. Isso é importante porque o paciente se encontra em um local estranho, passando por procedimentos que muitas vezes não fazem parte de seu cotidiano:

Levando a reflexão da dinâmica para o ambiente hospitalar, é preciso considerar que o paciente não sabe o que será feito ou o que acontecerá com ele, por isso é importante esclarecer e tirar suas dúvidas. (Estudante 27)

Espero que na minha atuação com os pacientes eu sempre lembre que o paciente está "cego". Ele não entende muito do que está sendo feito, do que está acontecendo, e como enfermeira devo sempre explicar os procedimentos, conversar, deixar o paciente a par da situação. (Estudante 20)

DISCUSSÃO

A dinâmica role-playing foi incorporada e interpretada pelos participantes, e demonstrou que algumas habilidades e atitudes de cuidado pelo outro puderam ser descobertas e trabalhadas no íntimo de cada estudante por meio da inversão de papéis proposta pela atividade. As habilidades e atitudes observadas foram abordadas em grupo para construção do aprendizado coletivo, o qual então foi interpretado individualmente por cada um dos participantes. Foram exacerbados sentimentos que confluíram para a concretização do aprendizado. O estudo⁽¹⁶⁾ com 228 estudantes de enfermagem, com objetivo de comparar a pedagogia tradicional com o role-playing, demonstrou que a estratégia é eficaz e atraente para a educação dos discentes. Além disso, contribui para o trabalho em grupo e possibilita a troca de aprendizagem entre os envolvidos, potencializando o processo de ensino-aprendizagem.

A vivência de situações cotidianas do ambiente hospitalar similares às dos pacientes, por meio de simulação, pode ser um ensaio sem risco de lesões, gera reflexões e proporciona mudanças reais nas ações de enfermagem. O desbravar de caminhos mais sensíveis de ensinar a cuidar e de mobilizar estudantes a ampliarem as discussões sobre cuidado e sobre sentir o cuidado, a fim de desconstruir a ideia de que só a doença e a racionalidade interessam ao ensino, possibilita construir o pensamento de que ensinar via sensibilidade e subjetividade interessa porque produz habilidades e atitudes sustentadas em fundamentos teóricos que têm por objeto de estudo o cuidado como espaço epistêmico de sentir experiências a partir do ser paciente, incluindo pressupostos teóricos sobre corpo, cuidado, sentimentos e ambiente⁽¹⁷⁾. Assim, minimiza-se para o estudante o legado de valorizar exclusivamente a racionalidade científica - ou seja, o que se apresenta como sinal e sintoma de doença e o instiga a desenvolver formas diversificadas de vivenciar a profissão -, por meio do aprendizado de habilidades e atitudes que potencializam o ato de cuidar.

Diante das questões trazidas neste estudo, ficou evidente que o uso da estratégia oportuniza a internalização de valores e comportamentos nos futuros profissionais⁽⁹⁾, aprimora e desenvolve seu aprendizado juntamente com os colegas, estimulando o relacionamento interpessoal no grupo^(16,18). Ao abordar o fenômeno do cuidado através de um método de ensino holístico, foi possível promover o pensamento crítico-reflexivo, instigar emoções e possibilitar a construção de habilidades, conhecimentos e atitudes mais pautadas na realidade.

De forma semelhante, o relato da experiência de um grupo de docentes sobre a adoção do role-playing como estratégia de ensino para o cuidado em enfermagem ao adulto hospitalizado ressaltou o potencial da técnica para o desenvolvimento de habilidades para o cuidado integral. Os autores pontuam que as circunstâncias encenadas instigam o aprendizado e aproximam a teoria das situações reais de cuidado, sendo que os estudantes demonstram boa aceitação, sentem-se valorizados, motivados e ativos no processo de aprendizado⁽¹⁰⁾.

Outro resultado evidenciado nesta pesquisa foi que o aprendizado de habilidades sociais favorece a relação enfermeiro-paciente e contribui para o estabelecimento de vínculo e confiança. Estudos^(19-20) demonstraram que competências sociais dos enfermeiros, como cordialidade, amabilidade, empatia e boa comunicação, tanto na relação profissional-paciente como entre os membros da equipe profissional, estão associadas à qualidade do cuidado e à satisfação daqueles que o recebem.

A ciência do cuidado centra-se na interação entre enfermeiro e pessoa que necessita de cuidado, e essa interação se dá, muitas vezes, em um ambiente desconhecido pelo paciente, com uma assimetria na relação que situa o paciente em uma situação de vulnerabilidade. Nessas condições, a forma como o cuidado é empregado tem múltiplas implicâncias e, assim, pode provocar um conjunto de sensações e emoções, diretamente associadas ao nível de satisfação do paciente⁽²¹⁾.

Um curso de graduação em medicina, ao utilizar a técnica role-playing, demonstrou, tal qual este estudo, a importância da confiança do paciente no profissional, como também a necessidade de elucidar passo a passo o que está sendo feito e narrar as ações realizadas. Dessa forma, o paciente fica a par do que está acontecendo fora do seu campo visual, e o respeito deve estar presente em todo o processo⁽⁹⁾. Como a técnica promove um ambiente no qual o discente é despertado para a empatia com o outro e empoderado de confiança para desempenhar abordagens de cuidado, ao se deparar com situações semelhantes, fica nítido que, dentre suas particularidades, encontra-se sua contribuição para a segurança do paciente e do estudante⁽²²⁾.

A assimilação da vivência oportunizada no role-playing ocorre durante a realização do debriefing, que oferece ao estudante a possibilidade de refletir sobre a experiência vivida. O facilitador deve estruturar a técnica por meio de questionamentos (perguntas abertas) que otimizem o seu desenvolvimento e promovam a reflexão dos estudantes⁽²³⁾. O debriefing com adequado julgamento é embasado no compartilhar abertamente a opinião e o ponto de vista pessoal. Considerando isso, os participantes devem se respeitar mutuamente, de modo que todos se sintam valorizados e capazes, e consigam perceber esse ambiente como uma oportunidade de discutir erros a fim de evitá-los futuramente e construir conhecimentos para fortalecer um cuidado seguro e de qualidade. Cabe ao facilitador mostrar sua experiência e fazer críticas construtivas a fim de promover uma aprendizagem significativa aos estudantes⁽²⁴⁾. Esse é o momento em que se permite revelar os mecanismos do pensamento mediante os quais se entendem as razões de ter atuado como se atuou e, assim, melhorar seu rendimento clínico como futuro enfermeiro⁽²⁵⁾.

Os profissionais da saúde, ao perceberem uma realidade, integram racionalmente todos os dados presentes no caso apresentado, de modo que seu processo de pensamento ativo permite filtrar, inferir, interpretar e dar sentido às experiências vividas. A análise dos resultados clínicos centrada apenas nas ações pode ser pouco efetiva porque não permite entender as razões que explicam porque se atuou de determinada maneira. Ou seja, é importante que o estudante expresse a causa ou os modelos mentais que originaram uma atuação clínica a fim de potencializar o aprendizado e discutir melhorias a serem realizadas. Dessa forma, é possível gerar a construção de um conhecimento duradouro para futuras atuações profissionais⁽²⁵⁾.

Como cabe ao facilitador organizar o role-playing de forma que o debriefing se baseie em um adequado julgamento, recomenda-se que esses processos passem por atualização continuada, motivando-os a repensar e discutir continuamente as práticas pedagógicas, e desenvolvendo estudos de acompanhamento e avaliação das estratégias de ensino e aprendizagem⁽¹⁰⁾.

Limitações do estudo

Reconhece-se como limitação da pesquisa o fato de o estudo ter sido realizado em um único cenário, de modo que generalizações a partir dos resultados apresentados devem ser realizadas considerando as especificidades de cada contexto. Além disso, a opção pela utilização da análise documental por meio dos portfólios dos alunos limitou as possibilidades de explorar e/ou aprofundar outras nuances da problemática em voga.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou políticas públicas

Os resultados apresentados poderão auxiliar na utilização de metodologias ativas no ensino de enfermagem, especialmente do role-playing. Destaca-se ainda a necessidade de novos estudos explorando, por exemplo, a visão de docentes que utilizam o role-playing como estratégia de aprendizagem em enfermagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A estratégia do role-playing facilita a dinâmica pedagógica quando se trata do ensino em enfermagem abordando a relação de confiança e o cuidado, demonstrando que se colocar no lugar do outro é tarefa complexa e exige preparo. A partir da técnica foi possível despertar a empatia acerca do cuidado da enfermagem. Ao se colocar no lugar do outro, os alunos puderam visualizar a importância de como o cuidado precisa acontecer e como ele, aluno, gostaria de receber esse cuidado se estivesse na situação de paciente, contribuindo dessa forma para a humanização da assistência de enfermagem. Além disso, o uso do role-playing viabiliza maior interação entre os participantes, contribuindo para a construção de habilidades e atitudes necessárias para o trabalho em equipe.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  2018

Histórico

• Recebido
  23 Out 2017
• Aceito
  25 Maio 2018