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Sofrimento moral do enfermeiro docente de cursos técnicos em enfermagem

RESUMO

Objetivo:

conhecer como enfermeiros docentes dos cursos técnicos em enfermagem têm vivenciado situações de sofrimento moral (SM) no trabalho.

Método:

pesquisa qualitativa, com análise textual discursiva, mediante entrevistas semiestruturadas com dez enfermeiros docentes de duas instituições de ensino profissionalizantes do extremo Sul do Brasil.

Resultados:

foram construídas duas categorias: descompromisso com a futura profissão expresso na relação com o enfermeiro docente, por meio de desrespeito e desvalorização do seu fazer, com comportamentos e condutas inadequadas que denotam falta de comprometimento com a profissão; descompromisso com o processo ensino-aprendizagem, manifesto por indiferença com o perfil profissional, desinteresse em relação a ensinamentos e práticas de cuidado, associados a lacunas na aprendizagem.

Conclusão:

tais situações repercutem em vivências de SM ao enfermeiro docente, fazendo-se necessário repensar sua prática, as relações e os espaços de formação, implementando estratégias para favorecer o enfrentamento dos dilemas e conflitos vivenciados na prática educacional em cursos técnicos em enfermagem.

Descritores:
Enfermagem; Ensino; Educação Profissionalizante; Ética em Enfermagem; Educação em Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

to understand situations of moral suffering experienced at work by nurse educators of technical courses in nursing.

Method:

a qualitative study with discursive textual analysis by means of semi-structured interviews with ten nurse educators at two professional educational institutions in southern Brazil.

Results:

two categories were established: lack of commitment on the part of students to the future profession, expressed through disrespect and disregard for the work of nurse educators, with inappropriate behaviors and attitudes; and lack of commitment to the learning-teaching process, expressed by indifference to the professional profile and lack of interest in lessons and care practices associated with learning gaps.

Conclusion:

these situations have an impact on experiences of moral suffering by nurse educators, and show a need for rethinking their practice, relationships, and educational spaces, and implementing strategies to favor the confrontation of dilemmas and conflicts experienced in educational practice in technical courses in nursing.

Descriptors:
Nursing; Teaching; Professional Education; Nursing Ethics; Nursing Education

RESUMEN

Objetivo:

conocer experiencia de situaciones de sufrimiento moral (SM) en enfermeros docentes de cursos técnicos en su trabajo.

Método:

estudio cualitativo, con análisis textual discursivo, mediante entrevistas semiestructuradas con diez enfermeros docentes de dos instituciones de enseñanza profesional del Sur de Brasil.

Resultados:

se determinaron dos categorías: falta de compromiso con la futura profesión expresada en la relación con el enfermero docente por inobservancia y desvalorización de su tarea, con comportamientos y conductas inadecuadas determinantes de falta de compromiso con la profesión; falta de compromiso con proceso de enseñanza-aprendizaje, manifestado por indiferencia con el perfil profesional, desinterés respecto a enseñanzas y prácticas de atención, asociados a carencias del aprendizaje.

Conclusión:

las situaciones repercuten en experiencias de SM en el enfermero docente, necesitándose reconsiderar su práctica, las relaciones y espacios formativos, implementando estrategias favorecedoras del enfrentamiento de dilemas y conflictos experimentados en la práctica educativa en cursos técnicos de enfermería.

Descriptores:
Enfermería; Enseñanza; Educación Profesional; Ética en Enfermería; Educación en Enfermería

INTRODUÇÃO

A enfermagem é uma profissão que visa assistir, cuidar, pesquisar e educar. Educar é um dos principais papéis que o docente de enfermagem assume em sua prática profissional, não somente enfocando a educação em saúde, mas também a formação de novos profissionais que, além de aspectos técnicos e científicos, precisam compreender a dimensão do seu fazer, o compromisso e a responsabilidade que assumem quando cuidam de outras vidas(11 Sebold LF, Carraro TE. [Ways of being nurse-teacher-teaching-nursing-care: a heideggerian look]. Rev Bras Enferm[Internet]. 2013[cited 2015 Mar 15];66(4):550-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v66n4/v66n4a13.pdf Portuguese.
http://www.scielo.br/pdf/reben/v66n4/v66...
).

Pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Enfermagem, em 2010, identificou, no Brasil, 1.449.583 profissionais de enfermagem, sendo 287,119 enfermeiros, 625.862 técnicos em enfermagem e 533.422 auxiliares de enfermagem. Destes, 79.98%, isto é, 1.159.284, são profissionais de nível auxiliar e técnico, o que caracteriza a representatividade dessa força de trabalho na saúde(22 Brasil. Conselho Federal de Enfermagem. (Internet). São Paulo; COFEN. 2013[cited 2015 Mar 20]. Available from: httt://novo.portalcofen.gov.br/planejamento-estratégico-2.www.cofen.gov.br/categoria/legislacao/resolucoes
httt://novo.portalcofen.gov.br/planejame...
).

Esses dados corroboram os de outro estudo(33 Ferreira Jr MA. [The consequences of the initial formation in the performance of the nursing teacher]. Rev Bras Enferm[Internet]. 2008[cited 2015 Mar 15];61(6):886-71. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v61n6/a12v61n6.pdf Portuguese.
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) que revelou aumento considerável no número de escolas de nível técnico em enfermagem, configurando-se como um relevante campo de atuação na área da docência, para os enfermeiros. Entretanto, a formação do enfermeiro ocorre nos moldes de bacharelado, com preparo predominantemente para a prática assistencial e não para o exercício da docência(33 Ferreira Jr MA. [The consequences of the initial formation in the performance of the nursing teacher]. Rev Bras Enferm[Internet]. 2008[cited 2015 Mar 15];61(6):886-71. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v61n6/a12v61n6.pdf Portuguese.
http://www.scielo.br/pdf/reben/v61n6/a12...
-44 Maissiat GS, Carreno I. Enfermeiros docentes do ensino técnico em enfermagem: uma revisão integrativa. Rev Dest Acad[Internet]. 2010[cited 2015 Apr 10];2(3):69-80. Available from: http://www.univates.br/revistas/index.php/destaques/article/viewFile/121/79
http://www.univates.br/revistas/index.ph...
).

O despreparo para atuar na docência pode configurar-se como uma dificuldade, não somente no aspecto didático-pedagógico, mas no processo como um todo(55 Góes FSN, Correa AK, Camargo RAA, Hara CYN. Necessidades de aprendizagem de alunos da Educação Profissional de Nível Técnico em Enfermagem. Rev Bras Enferm[Internet] . 2015[cited 2015 Mar 18];68(1):20-5. Available from http://www.scielo.br/pdf/reben/v68n1/0034-7167-reben-68-01-0020.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reben/v68n1/003...
). Muitas vezes, o enfermeiro docente se percebe imerso em um cenário que não favorece o desenvolvimento de uma atuação de qualidade, que prime pelo desenvolvimento do estudante e pela qualidade na assistência dos serviços prestados, além de reconhecer cotidianamente a desvalorização de seu trabalho e de seu compromisso na formação de profissionais que irão cuidar de outras pessoas.

Ademais, a realidade do docente de cursos técnicos tem sido permeada por muitas mudanças, seja no processo ensino-aprendizagem, seja no perfil do estudante, comumente com diversas fragilidades na sua formação básica anterior, pouca disponibilidade de tempo, ou com manifestações de descompromisso e desinteresse(55 Góes FSN, Correa AK, Camargo RAA, Hara CYN. Necessidades de aprendizagem de alunos da Educação Profissional de Nível Técnico em Enfermagem. Rev Bras Enferm[Internet] . 2015[cited 2015 Mar 18];68(1):20-5. Available from http://www.scielo.br/pdf/reben/v68n1/0034-7167-reben-68-01-0020.pdf
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6 Ferreira EM, Fernandes MF, Prado C, Baptista PCP, Freitas GF, Bonini BB. Prazer e sofrimento no processo de trabalho do enfermeiro docente. Rev Esc Enferm USP[Internet]. 2009[cited 2015 Mar 11]; 43(2):1292-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v43nspe2/a25v43s2.pdf
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-77 Backes DS, Marinho M, Costenaro RS, Nunes S, Rupolo I. [Rethinking the to be a nurse teacher in the perspective of the complex thought]. Rev Bras Enferm[Internet]. 2010[cited 2015 Mar 11];63(3):421-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v63n3/a12v63n3.pdf Portuguese.
http://www.scielo.br/pdf/reben/v63n3/a12...
).

O trabalho docente pode ser influenciado, também, pelas condições de trabalho, como elevada carga horária, baixa remuneração, burocracia, submissão, competitividade, bibliotecas desatualizadas, poucas possibilidades de aperfeiçoamento, acúmulo de funções por enfermeiros preceptores, ao supervisionarem estágios e desenvolverem suas atividades assistenciais e gerenciais nas respectivas unidades, desvalorização da figura do docente e de suas reivindicações, entre outras(66 Ferreira EM, Fernandes MF, Prado C, Baptista PCP, Freitas GF, Bonini BB. Prazer e sofrimento no processo de trabalho do enfermeiro docente. Rev Esc Enferm USP[Internet]. 2009[cited 2015 Mar 11]; 43(2):1292-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v43nspe2/a25v43s2.pdf
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,88 Tavares PEN, Santos SAM, Comassetto I, Santos RM, Santana VVRS. A vivência do ser enfermeiro e preceptor em um hospital escola: olhar fenomenológico. Rev RENE[Internet]. 2011[cited 2015 Mar 20];2(4):798-807. Available from: http://www.revistarene.ufc.br/vol12n4_html_site/a18v12n4.html
http://www.revistarene.ufc.br/vol12n4_ht...
-99 Conceição MR, Alves MD, Costa MS, Almeida MI, Souza AMA, Cavalcante MBPT. Qualidade de vida do enfermeiro no trabalho docente: estudo com o WHOQOL-brefEsc Anna Nery Rev Enferm[Internet]. 2012[cited 2015 Mar 15];16(2):320-5. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v16n2/16.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ean/v16n2/16.pd...
). Situações como essas têm sido geradoras de sofrimento no cotidiano do enfermeiro docente, especialmente, por se reconhecer engajado na formação de um profissional ético e comprometido, envolvendo valores e problemas morais, questionando-se se estaria vivenciando sofrimento moral (SM).

O SM ocorre quando o indivíduo sabe a coisa certa a fazer, mas limitações institucionais ou de outros tornam quase impossível realizar o que considera correto(1010 Jameton A. Nursing Practice: The Ethical Issues. Prentice-Hall. Englewood Clifss, NJ. 1984.); atinge a mente, o corpo, as relações, em decorrência de uma situação na qual há consciência da questão moral, pois a pessoa constata sua responsabilidade e julga moralmente o que é correto(1111 Hardingham LB. Integrity and moral residue: Nurses as participants in a moral community. Nurs Philo[Internet]. 2004[cited 2016 Jan 10];5(1):127-34. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15189553
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15189...
).

Vivências de angústia moral, descritas por docentes, vão além da insatisfação e do sofrimento no trabalho, podendo evoluir para SM(1212 Ganske KM. Moral distress in academia. OJIN: Online J Issues Nurs[Internet]. 2010[cited 2015 Mar 20];15(3):manuscript6. Available from: http://www.nursingworld.org/MainMenuCategories/EthicsStandards/Resources/Courage-and-Distress/Moral-Distress-in-Academia.html?css=print
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). Enfermeiros e estudantes de enfermagem parecem vulneráveis ao SM quando confrontados com questões ou dilemas morais, ou com tomadas de decisão na prática clínica, podendo experimentar insatisfação profissional, a qual pode evoluir para SM, com manifestações de raiva, frustração e desejo de desistir da profissão(1313 Sasso L, Bagnasco A, Bianchi M, Bressan V, Carnevale F. Moral distress in undergraduate nursing students: a systematic review. Nurs Ethics[Internet]. 2015[cited 2016 Jan 10];1-12. Available from: http://nej.sagepub.com/content/early/2015/04/21/0969733015574926.full.pdf+html
http://nej.sagepub.com/content/early/201...
).

Sob esse prisma, o SM na enfermagem não conhece fronteiras, afetando a todos que se envolvem com a situação clínica dos pacientes. Assim, estudantes e professores podem ser atingidos pelos mesmos dilemas morais que enfermeiros, médicos, terapeutas, entre outros, vivenciam nos ambientes de atuação. Entretanto, tais vivências e enfrentamentos, ou não enfrentamentos, não diminuem a responsabilidade do corpo docente com os princípios éticos na prática assistencial, ou, ainda, não minimizam sua responsabilidade quanto ao seu modo de agir, que deve ser exemplo, modelo, para o aluno em formação(1414 Yoes T. Addressing moral distress: challenge and strategies for nursing faculty. Oklahoma Nurs[Internet]. 2012[cited 2015 Mar 15];57(2):14. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22856214
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22856...
).

Nessa perspectiva, os enfermeiros docentes podem deparar-se com uma gama de situações geradoras de conflitos éticos e problemas/dilemas morais. Diante do exposto, buscando compreender as questões que envolvem o trabalho docente em cursos técnicos em enfermagem e o SM, tem-se o objetivo de conhecer como enfermeiros docentes dos cursos técnicos em enfermagem têm vivenciado situações de SM no trabalho.

MÉTODO

Aspectos éticos

O estudo atendeu às recomendações da Resolução nº466/2012 e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Área da Saúde local.

Referencial teórico-metodológico e tipo de estudo

Trata-se de uma pesquisa qualitativa do tipo exploratório-descritiva. A descrição dos fenômenos é impregnada de significados atribuídos pelo ambiente; a interpretação dos resultados ocorre com base na percepção de um fenômeno em seu contexto, é coerente, lógica e consistente(1515 Triviños ANS. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas; 2011.).

Cenário do estudo

O estudo foi realizado em duas instituições de ensino profissionalizantes com formação de técnico em enfermagem, situadas em uma cidade do extremo Sul do Rio Grande do Sul: uma delas pública (A) e outra privada (B).

Na instituição "A", o curso se desenvolve em regime pós-médio, com 18 horas teórico-práticas, sendo 6 horas de estágio, com disponibilidade anual de, até, 28 vagas, mediante processo seletivo. Conta com corpo docente de seis enfermeiros, licenciados e pós-graduados em enfermagem, quatro regidos pelo Regime Jurídico Único e dois atuantes como professores substitutos. Na instituição "B", o curso é desenvolvido na modalidade presencial, ingresso semestral, turmas de, no mínimo, 25 alunos, componentes curriculares teórico-práticos de 12 horas e 460 horas de estágio e ingresso por inscrição e cadastramento. Como pré-requisitos, o candidato deve ter no mínimo 16 anos e escolaridade prévia mínima de ensino médio concluído ou em curso. O corpo docente é composto por oito enfermeiros, contratados como horistas via Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), e apenas dois possuem Formação Pedagógica.

Fontes de dados

Os participantes da pesquisa foram dez enfermeiros docentes que atuavam nos cursos há pelos menos seis meses e que aceitaram participar da pesquisa, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Coleta e organização dos dados

Realizadas entrevistas semiestruturadas pela primeira autora, enfocando aspectos relacionados à prática dos docentes, tais como facilidades, dificuldades, conflitos, dilemas, sentimentos e estratégias vivenciados em seu fazer. As entrevistas foram agendadas, gravadas, com duração média de 41 minutos, realizadas de setembro a outubro de 2015, nas próprias instituições de trabalho. Optou-se por identificar os participantes pelas letras ED, seguidas pelo número sequencial da entrevista.

Análise dos dados

Realizou-se a análise textual discursiva dos dados com a desmontagem dos textos das entrevistas transcritas; houve a validação dos dados com seis enfermeiros docentes que demonstraram disponibilidade; o estabelecimento de relações; a captação do novo emergente e um processo auto- organizado(1616 Moraes R, Galiazzi MC. Análise textual discursiva. 2. ed. rev. Ijuí: Editora Unijuí; 2011.).

RESULTADOS

Com base na análise dos dados, foram construídas duas categorias: descompromisso com a futura profissão expresso na relação com o enfermeiro docente; e descompromisso com o processo ensino-aprendizagem, apresentadas a seguir:

Descompromisso com a futura profissão expresso na relação com o enfermeiro docente

Manifestações de descompromisso na relação entre estudantes e enfermeiros docentes parecem relacionadas à maneira como estabelecem suas relações no contexto do processo ensino-aprendizagem. O docente se percebe desrespeitado e desvalorizado em seu fazer, especialmente quando os estudantes não adotam atitudes e comportamentos concebidos como necessários à sua formação, o que demonstra não reconhecerem que um curso profissionalizante com enfoque no cuidado ao outro requer responsabilidade e seriedade:

[...] já teve alguns momentos em que a gente foi desrespeitada tanto verbalmente quanto por sinais, por gestos; [...] no estágio, quando tu estás dizendo 'fulano faz assim, faz assado', e eles seguem fazendo da forma que acham que têm que fazer [...]. (ED2)

[...] quando voltei com eles em clínica médica, que eu sei, que gosto, eu puxei bem, e começaram a vir fazer queixa, que isso 'era coisa de médico', que diagnóstico não era coisa deles. Então, isso é ruim, de achares que estás agradando e eles virem falar, reclamar. (ED8)

[...] eles fazem boicotes, incentivam o boicote, desestimulam os que são sujeitos à opinião deles. Se eu dou uma prova de determinada matéria, eles vão contra isso, e começam a estimular os outros negativamente. (ED9)

[...] esperam que os professores carreguem os alunos no colo, há uma insatisfação constante dos alunos, porque querem que os professores adaptem o curso a eles, e não eles se adaptarem ao curso; isso me incomoda bastante. (ED5)

Manifestações de descompromisso com a formação e desrespeito com o professor são percebidos, também, quando o estudante utiliza aparelhos eletrônicos, como celulares, smartphones, entre outros, na sala de aula, não com enfoque na busca pela informação ou pelo aprendizado. Tais comportamentos geram sofrimento ao docente, que se percebe em um dilema de como atuar de forma integradora, e não autoritária:

Eu vejo que muitos estão ali na aula no tal whatsapp, no tal do face, porque eles têm internet individual, e então, isso é uma dificuldade enorme, tu fazer com que teu aluno preste atenção [...]. (ED7)

Tu vês que eles baixam o volume, mas estão toda hora mandando mensagem, aquela doença pelo celular. (ED1)

Percebe-se um descontentamento e, até mesmo, um desencanto com o processo de construção do conhecimento, e com a própria docência. Pensamentos de abandono de sua prática e de aposentadoria precoce passam a se fazer presentes no cotidiano profissional, o que pode estar traduzindo um nível de sofrimento, que vai além daquele vivenciado no trabalho:

[...] por que chega um tempo e tu acabas saturando, não dá mais importância para aquele problema, que tu não tens manejo [...]. (ED9)

[...] há uns três anos, eu não pensava no tempo da aposentadoria, mas as coisas que tenho visto, preciso me aposentar, [...] não vou me aposentar porque está no tempo. Eu estou desgostosa das coisas que tenho visto, tanto a nível de técnico quanto a nível de enfermeira [...]. (E3)

Às vezes, me sinto frustrada, [...]. Já pensei, vou trabalhar de noite, e não vou mais dar aula [...]. (ED8)

Descompromisso com o processo ensino-aprendizagem

A percepção do descompromisso do estudante com sua formação profissional é identificada pelo docente em diversos aspectos, como na falta de responsabilidade diante da importância da pontualidade e assiduidade às aulas teóricas e atividades de estágio, requisitos necessários ao perfil profissional de um trabalhador, não se configurando apenas como elementos a serem avaliados:

Agora o problema são os atrasos e as faltas. O pessoal chega em aula, tu nem começou, e já querem saber que horas termina. Tá chegando às 14 horas, a aula vai até às 18h15, e eles perguntam 'que horas vai terminar'? porque tem que sair. Além de querer sair antes, o pessoal começou a chegar depois. Tu tens que estar falando isso, e tu trabalhas com adultos. (ED3)

Eles dizem que estão 'loucos pelo estágio, 'que estágio é melhor'; quando vão para o último módulo, que sabem que faltam só 4 meses, parece que eles vêm se arrastando; começam perguntando; 'que horas libera? (ED8)

...o aluno que precisa trabalhar, ele quer ter a mesma avaliação na questão da assiduidade e pontualidade, porque ele chega atrasado por questões pessoais, do que aquele que, independente de suas questões pessoais, chega sempre no horário adequado [...]. (ED5)

A falta de interesse em adquirir e aprofundar conhecimentos relacionados às práticas de enfermagem, fundamentais para o desenvolvimento do cuidado, emerge como um segundo aspecto causador de frustração e sofrimento ao enfermeiro docente, que se mostra impactado com determinados comportamentos e condutas do estudante:

[...] falta eles buscarem, eles estão sempre esperando que tu fales. Talvez a dificuldade que eu veja neles seja isso, falta fundamentação teórica para realizar os procedimentos. (ED1)

A falta de comprometimento, como estar aqui para tirar a nota mínima, para ser aprovado, para pegar o diploma e ingressar no mercado de trabalho. Isso me incomoda: a nota mínima [...]. Alunos que não demonstram habilidades, não conseguem construir as habilidades e competências necessárias para o curso, e, mesmo assim, vão se arrastando entre reprovações até conseguirem a nota mínima e serem aprovados no final do curso [...]. (ED5)

A dificuldade de estudo é muita, de 20 alunos, um apresenta qualidade de ensino, porque ele presta atenção, tu vês que ele é dedicado [...]. Eles não aceitam serem rodados, então isso é uma dificuldade que eu vejo, porque não fez, não sabe, como eu vou dar um aval dizendo que pode estar lá? [...] (ED7)

Infelizmente, os alunos se formam tarefeiros, eles não querem pensar, e é frustrante. (ED10)

[...] capaz que vão colar em uma prova, e colam né. Essas situações assim, que às vezes tu espera muito deles e vê que não tem jeito. (ED8)

Problemas relacionados à formação básica do estudante têm se configurado como fatores dificultadores no processo ensino-aprendizagem na formação técnica em enfermagem e causam desgaste diário ao docente, pois se fazem necessários conhecimentos prévios para a construção de novas práticas e saberes:

Chegam bem mais despreparados, têm dificuldades em português, matemática, tu vês isso lá nas regras de três, nos cálculos, eles não têm um bom fundamento teórico, não têm um conhecimento de nível médio que o curso exige. [...] às vezes, não sabem estudar, acham que estudar é fazer questionário e decorar, e quando chegas lá no campo prático, te deparas com isso [...]. (ED1)

[...] Alguns estão terminando o curso e não conseguem usar os termos científicos, se tu não usares o termo que se usa no dia a dia. Nós pegamos alunos semialfabetizados, então vejo que é um conjunto de coisas, a principal mudança é a formação básica, lá no ensino fundamental e médio, para que se possa receber um aluno mais qualificado. (ED10)

DISCUSSÃO

O estudo demonstra que, no cotidiano profissional do enfermeiro docente atuante em cursos técnicos em enfermagem, diversas são as situações vivenciadas que repercutem em manifestações de angústia e frustração. Tais situações, entretanto, não parecem provocar apenas insatisfação e sofrimento no trabalho docente, porém, também, SM.

As situações que revelam descompromisso do estudante com a profissão são percebidas pelos docentes por meio do desrespeito e da desvalorização do fazer, de valores e práticas defendidos e estimulados para que sejam aderidos pelos estudantes. Tais comportamentos geram insatisfação e frustração ao docente, quando percebe um rechaço ao seu papel de professor, perpassando aspectos didáticos, pedagógicos e morais, confrontando seu compromisso social, ético e moral. Diferentemente, sentir-se valorizado em seu fazer e ser reconhecido por sua capacidade didático-pedagógica, criatividade e envolvimento com o processo de ensino-aprendizagem revelam-se fontes de prazer e satisfação no trabalho(66 Ferreira EM, Fernandes MF, Prado C, Baptista PCP, Freitas GF, Bonini BB. Prazer e sofrimento no processo de trabalho do enfermeiro docente. Rev Esc Enferm USP[Internet]. 2009[cited 2015 Mar 11]; 43(2):1292-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v43nspe2/a25v43s2.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v43nspe2...
).

Ressalta-se, ainda, o compromisso do docente com sua prática educativa, que pode ser evidenciado no triângulo compreendido nessa ação, formado pelo docente, estudante e paciente, em que sua atuação prática não é a realização apenas de um ato, mas reveste-se de um caráter cuidador e do intuito de estimular no educando a consciência da relevância e da repercussão da sua ação(1717 Guimaraes GL, Viana LO. The social value in nursing education. Esc Anna Nery Rev Enferm[Internet] . 2012[cited 2015 Mar 18];16(3):508-13. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v16n3/12.pdf Portuguese
http://www.scielo.br/pdf/ean/v16n3/12.pd...
).

À semelhança dos achados desta pesquisa, estudo evidenciou que os docentes podem experienciar sentimentos de angústia e insegurança por não conseguirem atender às demandas da prática docente e, ainda, pela desvalorização das implicações do seu trabalho por parte dos alunos, dos usuários do serviço ou dos demais trabalhadores da saúde. Há, neste contexto, uma aparente desconsideração da relevância e da seriedade do seu trabalho(1818 Bettancourt L, Muñoz LA, Merighi MAB, Santos MF. Nursing teachers in clinical training areas: a phenomenological focus. Rev Latino-Am Enfermagem[Internet]. 2011[cited 2015 Mar 18];19(5):1197-204. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v19n5/18.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rlae/v19n5/18.p...
).

Sob esse prisma, tem-se a educação como um processo de transformação que perpassa aspectos didáticos e pedagógicos e requer o compromisso do docente e do discente no despertar da curiosidade, criticidade e reflexão. O docente precisa desenvolver a capacidade de problematização da realidade, apontando alternativas de aprendizagem que vão além do saber instituído; e ao discente, cabe se contagiar pela necessidade de busca da informação, do saber, e que desenvolva sua autonomia nesse processo(77 Backes DS, Marinho M, Costenaro RS, Nunes S, Rupolo I. [Rethinking the to be a nurse teacher in the perspective of the complex thought]. Rev Bras Enferm[Internet]. 2010[cited 2015 Mar 11];63(3):421-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v63n3/a12v63n3.pdf Portuguese.
http://www.scielo.br/pdf/reben/v63n3/a12...
).

Nessa perspectiva, o estudante do curso técnico em enfermagem precisa ter consciência das exigências da profissão, pois sua atuação está atrelada ao processo de saúde e doença de outras pessoas. A enfermagem, por sua vez, se traduz como a profissão do cuidado, em que "o cuidado revela a própria existência, ou o modo de ser da enfermagem"(11 Sebold LF, Carraro TE. [Ways of being nurse-teacher-teaching-nursing-care: a heideggerian look]. Rev Bras Enferm[Internet]. 2013[cited 2015 Mar 15];66(4):550-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v66n4/v66n4a13.pdf Portuguese.
http://www.scielo.br/pdf/reben/v66n4/v66...
).

Assim, os docentes, em decorrência de vivências de desrespeito a valores reconhecidos como relevantes na prática da profissão, associadas a dificuldades para seu enfrentamento, também vivenciam SM. Em muitas circunstâncias, quando os valores morais são violados, a angústia por ter agido em discordância com seus princípios e percepções leva ao SM que, ao se tornar persistente, caracteriza o resíduo moral, podendo prejudicar sua integridade pessoal, assim como conduzir ao abandono da profissão(1919 Epstein EG, Delgado S. Understanding and Addressing Moral Distress. OJIN: Online J Issues Nurs[Internet]. 2010[cited 2016 Jan 15];15(3):25-34. http://www.nursingworld.org/MainMenuCategories/EthicsStandards/Courage-and-Distress/Understanding-Moral-Distress.html
http://www.nursingworld.org/MainMenuCate...
).

O SM e o resíduo moral têm imposto consequências no comportamento dos profissionais, ou seja, muitos deles, submetidos a esses sentimentos, continuam a desenvolver suas práticas; entretanto, podem deixar de reconhecer ou de se envolver em situações que lhes exijam sensibilidade moral. A insatisfação no trabalho pode resultar em abandono da profissão, pois os enfermeiros sentem frustração e impotência no âmbito de seu fazer e, ainda, podem desenvolver burnout, com manifestações físicas e emocionais(2020 Epstein EG, Hamric AB. Moral distress, moral residue and the increasing effect. J Med Ethics[Internet]. 2009[cited 2016 Jan 15];20(4):330-42. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3612701/
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles...
).

Nessa perspectiva, os enfermeiros vivenciam situações de esgotamento e insatisfação quando não dispõem de recursos para enfrentar e resistir a tais realidades, manifestações traduzidas por desmotivação e distanciamento de suas práticas, repercutindo em SM(2121 Dalmolin GL, Lunardi VL, Lunardi GL, Barlem ELD, Silveira RS. Sofrimento Moral e síndrome de Burnout: existem relações entre esses fenômenos nos trabalhadores de enfermagem? Rev Latino-Am Enfermagem[Internet]. 2014[cited 2015 Mar 15];22(1):35-42. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v22n1/pt_0104-1169-rlae-22-01-00035.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rlae/v22n1/pt_0...
).

Ao abordar questões relacionadas ao descompromisso do estudante com seu processo ensino-aprendizagem, emergem comportamentos que revelam uma possível falta de responsabilidade do estudante com sua formação, por não demonstrarem a compreensão de que a assiduidade e pontualidade, por exemplo, não são apenas critérios de avaliação, estabelecendo-se como características necessárias ao perfil de um profissional comprometido com seu fazer, com a equipe de trabalho, com a assistência a ser prestada àqueles sob seus cuidados.

Incontestavelmente, o desinteresse dos estudantes com sua formação, com o fortalecimento de características necessárias a uma prática envolvida e preocupada com o cuidado, emerge como um fator importante no trabalho docente, capaz de gerar SM. O enfermeiro docente se vê engajado e comprometido em sua participação na construção do profissional, porém percebe que muitos estudantes não correspondem às práticas educativas propostas, possivelmente não as identificando como relevantes ao seu processo de formação profissional(66 Ferreira EM, Fernandes MF, Prado C, Baptista PCP, Freitas GF, Bonini BB. Prazer e sofrimento no processo de trabalho do enfermeiro docente. Rev Esc Enferm USP[Internet]. 2009[cited 2015 Mar 11]; 43(2):1292-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v43nspe2/a25v43s2.pdf
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) e à profissão que pretendem assumir como técnicos em enfermagem.

Ainda, em relação ao desinteresse de muitos estudantes com seu processo formativo, destacam-se o imobilismo e a acomodação, traduzidos por um comportamento passivo, de pouco envolvimento com o processo ensino-aprendizagem, abstendo-se da responsabilidade que deveriam assumir em um curso que visa à formação para o cuidado, atitudes que provavelmente irão repercutir na sua prática assistencial como profissionais. Corroborando esses achados, estudo desenvolvido em um curso de Enfermagem evidenciou que graduandos cursam a disciplina obrigatória de estágio curricular sem envolvimento com seu propósito, o que expressa uma postura descompromissada, percebida pelo preceptor como desvalorização do momento vivenciado, constituinte de seu processo formativo, ignorando a importância dessa aprendizagem para a experiência futura(88 Tavares PEN, Santos SAM, Comassetto I, Santos RM, Santana VVRS. A vivência do ser enfermeiro e preceptor em um hospital escola: olhar fenomenológico. Rev RENE[Internet]. 2011[cited 2015 Mar 20];2(4):798-807. Available from: http://www.revistarene.ufc.br/vol12n4_html_site/a18v12n4.html
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).

Em um contexto educacional mais integrador e transformador, faz-se necessário que o estudante não se limite à obrigatoriedade de cursar disciplinas, mas perceba a importância destas para sua formação com vistas a uma prática assistencial realmente comprometida com o exercício da reflexão e o cuidado(11 Sebold LF, Carraro TE. [Ways of being nurse-teacher-teaching-nursing-care: a heideggerian look]. Rev Bras Enferm[Internet]. 2013[cited 2015 Mar 15];66(4):550-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v66n4/v66n4a13.pdf Portuguese.
http://www.scielo.br/pdf/reben/v66n4/v66...
,2222 Waterkemper R, Prado ML. Estratégias de ensino-aprendizagem em cursos de graduação em Enfermagem. Avan Enferm[Internet]. 2011[cited 2015 Mar 20];XXIX(2):234-46. Available from: http://www.scielo.org.co/pdf/aven/v29n2/v29n2a03.pdf
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). Pode-se considerar, ainda, que comportamentos desonestos, como casos de plágios em trabalhos escolares e falsificação da assinatura de docente, têm se configurado como problemas éticos na relação docente e estudante, uma vez que não estão desenvolvendo sua capacidade e o conhecimento sobre determinados assuntos, possivelmente repercutindo em falta de embasamento para a prática(2323 Burgatti JC, Bracialli LAD, Oliveira MAC. Problemas éticos vivenciados no estágio curricular supervisionado em Enfermagem de um currículo integrado. Rev Esc Enferm USP[Internet]. 2013[cited 2015 Mar 20];7(4):937-42. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v47n4/0080-6234-reeusp-47-4-0937.pdf
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). Ambientes nos quais há comportamentos de desonestidade, por meio de trapaça e plágio, inflação de notas, incivilidade e bullying, podem levar ao SM na formação em enfermagem, influenciando a satisfação no trabalho e a aprendizagem dos estudantes(1212 Ganske KM. Moral distress in academia. OJIN: Online J Issues Nurs[Internet]. 2010[cited 2015 Mar 20];15(3):manuscript6. Available from: http://www.nursingworld.org/MainMenuCategories/EthicsStandards/Resources/Courage-and-Distress/Moral-Distress-in-Academia.html?css=print
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).

Ainda, em relação ao desinteresse de muitos estudantes, há referências à deficiência na educação básica e em conteúdos de embasamento teórico, o que interfere no desenvolvimento das demais competências necessárias à sua formação; os estudantes, frequentemente, avançam nos semestres dos cursos, embora apresentem importantes lacunas de aprendizagem(66 Ferreira EM, Fernandes MF, Prado C, Baptista PCP, Freitas GF, Bonini BB. Prazer e sofrimento no processo de trabalho do enfermeiro docente. Rev Esc Enferm USP[Internet]. 2009[cited 2015 Mar 11]; 43(2):1292-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v43nspe2/a25v43s2.pdf
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-77 Backes DS, Marinho M, Costenaro RS, Nunes S, Rupolo I. [Rethinking the to be a nurse teacher in the perspective of the complex thought]. Rev Bras Enferm[Internet]. 2010[cited 2015 Mar 11];63(3):421-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v63n3/a12v63n3.pdf Portuguese.
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). Estudo destacou a complexidade de formar profissionais de enfermagem quando muitos deles têm necessidades de aprendizagem centradas ainda na educação básica, possivelmente interferindo na compreensão e aprendizagem de conteúdos preliminares e introdutórios, aspecto que contribui para dificuldades na aquisição de conhecimentos específicos, e como uma sucessão de fatores, podendo comprometer a prestação da qualidade do cuidado(55 Góes FSN, Correa AK, Camargo RAA, Hara CYN. Necessidades de aprendizagem de alunos da Educação Profissional de Nível Técnico em Enfermagem. Rev Bras Enferm[Internet] . 2015[cited 2015 Mar 18];68(1):20-5. Available from http://www.scielo.br/pdf/reben/v68n1/0034-7167-reben-68-01-0020.pdf
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).

É possível que tais manifestações evidenciadas nos estudantes decorram de um ingresso precoce na instituição de ensino, quando ainda são imaturos e não visualizam suficientemente o necessário compromisso a ser assumido quando optam por frequentar um curso cujo futuro profissional envolve a prestação de cuidados, direta e indiretamente, ao outro. Assim, a imaturidade do estudante repercute negativamente no processo ensino-aprendizagem e no fazer docente, gerando insatisfação(2424 Tomaschewski-Barlem JG, Lunardi VL, Ramos AM, Silveira RS, Barlem ELD, Ernandes CM. Manifestações da síndrome de burnout entre estudantes de graduação em enfermagem. Texto Contexto Enferm[Internet]. 2013[cited 2016 Jan 25];22(3):754-62. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v22n3/en_v22n3a23.pdf
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) e sofrimento, inclusive, SM.

Limitações do estudo

Considera-se como limitação deste estudo não ter adesão total dos docentes de enfermagem atuantes nas duas instituições; assim, de quatorze docentes, apenas dez demonstraram interesse em participar. Acredita-se que essa recusa decorra do receio de eventuais retaliações por parte das instituições, ao revelarem problemas e dificuldades vivenciados no cotidiano da docência.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

A temática é relevante pela possibilidade de repensar a formação do técnico em enfermagem, de modo que sua formação profissional não contribua para sua fragilização moral. A expectativa é que o estudo possa suscitar reflexões sobre uma formação que contemple e fortaleça a construção moral.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos resultados encontrados, foi possível constatar que situações de descompromisso com a futura profissão expresso na relação com o docente e com o processo ensino-aprendizagem, que repercutem em vivências de SM, estão presentes no cotidiano profissional dos docentes de cursos técnicos em enfermagem participantes desta pesquisa.

No entanto, tais situações não parecem ser percebidas por esses docentes como problemas e dilemas morais associados ao SM e, dessa forma, permanecem no campo da insatisfação, da frustração e do sofrimento no trabalho, com decorrente desencanto com a profissão e desejo de abandoná-la.

Manifestações de descompromisso do estudante com o processo ensino-aprendizagem, desinteresse pelos ensinamentos e saberes da profissão, como eixos norteadores do cuidado, agravadas por deficiências de aprendizagem na formação básica, constituem-se em situações percebidas e vivenciadas pelo enfermeiro docente que repercutem em insatisfação no trabalho, evoluindo para vivências de SM. Nesse contexto, faz-se necessário repensar a prática docente, as relações e os espaços de formação, implementando estratégias e fortalecendo a articulação com os pares, a fim de favorecer o enfrentamento de dilemas, angústias e conflitos vivenciados na prática educacional. Torna-se imprescindível identificar estratégias que estimulem a participação ativa dos estudantes em seu processo ensino-aprendizagem, de modo que possam desenvolver competências para o exercício de uma prática assistencial baseada na reflexão, na criticidade e no compromisso com o cuidado com o outro.

Portanto, reconhece-se que a discussão sobre o tema não se esgota nesta pesquisa, apontando-se a necessidade de novos estudos sobre o SM na docência, em especial, na docência de cursos técnicos em enfermagem, no sentido de ampliar a compreensão desse fenômeno. Necessário também investigar outras questões envolvidas, de modo a problematizá-las e vislumbrar estratégias de enfrentamento que contribuam com a formação de técnicos de enfermagem em espaços de respeito e valorização mútuos, com a construção conjunta do conhecimento.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2017

Histórico

  • Recebido
    18 Maio 2016
  • Aceito
    01 Out 2016
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