Acessibilidade / Reportar erro

ESTUDO DE ALCOOLISMO E TABAGISMO ASSOCIADOS COM A TUBERCULOSE PULMONAR

1. INTRODUÇÃO

A tuberculose continua sendo um sério problema de Saúde Pública em muitos países, sendo que, a Organização Mundial de Saúde (WHO, 1964) assinalava que a tuberculose persistia como problema da maior importância em quase todos os países.

Vários autores têm evidenciado alguns elementos como constituindo fatores risco para a tuberculose.

FELDMAN (1961), assinala que o alcoolismo é um fator que altera negativamente a resistência individual.

Na literatura encontramos alguns autores que apontam o alcoolismo como possível fator risco associado à tuberculose (OLIN, 1966; OLIN, 1966 a; ROB-BINS, 1969; BANNER, 1973).

Quanto ao tabagismo, vários autores têm assinalado sua importância com relação à tuberculose (LOWE, 1956; EDWARDS, 1957).

Em vista do exposto, pretendemos no presente trabalho estudar o alcoolismo e tabagismo como possíveis fatores risco da tuberculose pulmonar em nosso meio.

2. OBJETIVOS

Avaliar a associação entre o alcoolismo e hábito de fumar com a tuberculose pulmonar.

3. MATERIAL E MÉTODOS

A metodologia utilizada foi a de caso-controle, segundo modelo apregoado por MacMAHON & PUGH (1970); FORATTTNI (1976).

3.1 Casos

Definição: Foi chamado de caso de tuberculose pulmonar, os pacientes internados em hospitais especializados (dentro do Estado de São Paulo), em tratamento com tuberculostáticos.

Fonte: Portadores de tuberculose pulmonar, internados no Sanatório Nestor Goulart dos Reis, em Américo Brasiliense - Araraquara, Estado de São Paulo, e pacientes internados no Abrigo Ana Diedericksen, Ribeirão Preto, Estado de São Paulo.

Critério de Seleção: Pacientes de ambos os sexos, qualquer raça ou cor, do grupo etário de 10 a 80 anos, que tivessem condições de lucidez para responder a entrevista.

Tamanho amostral: Foram entrevistados um total de 427 pacientes.

3.2 Controles

Definição: Pacientes internados em um serviço de assistência médica, com outras patologias, que não fosse a tuberculose.

Fonte: Pacientes internados no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto.

Tamanho da amostra: Foram entrevistados 427 controles, ou seja, o número correspondente ao número de casos.

3.3 Variáveis que foram pareadas

Para cada caso, tomou-se um controle, pareado com respeito às seguintes variáveis: idade, sexo, estado civil, procedência.

3.4 Alcoolismo e tabagismo observados nos grupos casos e controles

Tabagismo: Quanto ao hábito de fumar, no momento da entrevista os pacientes eram classificados em fumantes e não fumantes. Aos fumantes foi perguntado qual o tempo que apresentou o hábito de fumar precedendo à doença (em meses); qual a média de cigarros fumados por dia no último ano precedendo à doença, média essa que foi classificada em 0, 1-4; 5-14; 15-24 cigarros por dia. Foi investigado também qual o tipo de cigarro utilizado, classificado em: papel, palha, cachimbo, outro.

Ingestão alcoólica: Foi perguntado qual o hábito de ingestão de álcool no período que precedeu à doença (período menor de 2 anos e período de 2 a 4 anos-.

Os entrevistados foram divididos em abstêmios, bebedores moderados, bebedores excessivos e bebedores adictos (classificação essa adaptada daquela apregoada por MARCONI, 1959).

Quanto ao tipo de bebida predominantemente ingerida, foi classificado baseado nas bebidas passíveis de serem consumidas em nossa área, ou seja: aguardente, cerveja, vinho e outros.

Quanto ao ritmo de ingestão, foi classificada como: mensal ou ocasional, semanal, diário.

Foi investigado também, qual o hábito de ingestão precedendo o diagnóstico por um período de 2 a 4 anos.

3.5 Outras variáveis observadas nos grupos casos e controles

  • Profissão

  • Religião

  • Cor

  • Instrução

  • Categoria de internação

  • Grau de evolução da doença - Casos

  • Diagnóstico - Controles.

3.6 Instrumento de medida

Foi realizada através de uma entrevista pessoal com o paciente, dirigida no sentido de preencher um questionário pré-estabelecido.

Para entrevistar os casos, bem como os controles, foi utilizado um protocolo de investigação (Anexo 1 ANEXO I ESTUDO DE ALCOOLISMO E TABAGISMO ASSOCIADOS COM A TUBERCULOSE PULMONAR ).

As entrevistas (com o caso estudo e com o seu controle), foram feitas todas pela mesma pessoa.

Os quesitos do questionário versaram especificamente sobre identificação pessoal do caso, com as variáveis que foram pareadas e aquelas que foram medidas.

3.7 Método Estatístico Foi usado o teste X2.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na tabela 1 é apresentada a distribuição dos casos e controles, segundo o sexo e grupo etário. Foram entrevistadas 854 pessoas, sendo 214 do sexo masculino (casos e/ou controles) e 213 do sexo feminino (casos e/ou controles).

TABELA 1
DISTRIBUIÇÃO DE CASOS (PACIENTES COM TUBERCULOSE PULMONAR) E CONTROLES (NÃO PORTADORES DE TUBERCULOSE PULMONAR), SEGUNDO O SEXO E O GRUPO ETÁRIO.

Na tabela 2 é apresentada a distribuição dos casos e dos controles, segundo estado civil e procedência.

TABELA 2
DISTRIBUIÇÃO DE CASOS (PACIENTES COM TUBERCULOSE PULMONAR) E CONTROLES (NÃO PORTADORES DE TUBERCULOSE PULMONAR), SEGUNDO 0 ESTADO CIVIL E PROCEDÊNCIA.

O tempo que apresentou hábito de fumar precedendo à doença, assim como a média de cigarros fumados por dia (no último ano que precedeu o diagnóstico da doença) e o tipo e/ou forma de tabaco predominantemente utilizado pelos casos e controles, são apresentados respectivamente nas tabelas 3, 4 e 5.

TABELA 3
DISTRIBUIÇÃO DE CASOS (PACIENTES COM TUBERCULOSE PULMONAR) E CONTROLES (NÃO PORTADORES DE TUBERCULOSE PULMONAR), SEGUNDO O TEMPO QUE APRESENTOU HÁBITO DE FUMAR PRECEDENDO À DOENÇA.
TABELA 4
DISTRIBUIÇÃO DE CASOS (PACIENTES COM TUBERCULOSE PULMONAR) E CONTROLES (NÃO PORTADORES DE TUBERCULOSE PULMONAR), SEGUNDO NÚMERO MÉDIO DE CIGARROS FUMADOS POR DIA.
TABELA 5
DISTRIBUIÇÃO DE CASOS (PACIENTES COM TUBERCULOSE PULMONAR) E CONTROLES (NÃO PORTADORES DE TUBERCULOSE PULMONAR), SEGUNDO O TIPO E/OU FORMA DE TABACO CONSUMIDO.

Na tabela 6 é apresentada a distribuição dos casos e controles, segundo o hábito da ingestão alcoólica no período menor que 2 anos precedendo ao diagnóstico da doença; a distribuição segundo a mesma variável, para o período compreendido entre 2 a 4 anos precedendo ao diagnóstico é visto na tabela 7.

TABELA 6
DISTRIBUIÇÃO DE CASOS (PACIENTES COM TUBERCULOSE PULMONAR) E CONTROLES (NÃO PORTADORES DE TUBERCULOSE PULMONAR), SEGUNDO HÁBITO DE INGESTÃO ALCOÓLICA, NO PERÍODO MENOR QUE DOIS ANOS PRECEDENDO AO DIAGNÓSTICO.
TABELA 7
DISTRIBUIÇÃO DE CASOS (PACIENTES COM TUBERCULOSE PULMONAR) E CONTROLES (NÃO PORTADORES DE TUBERCULOSE PULMONAR), SEGUNDO O HÁBITO DE INGESTÃO ALCOÓLICA, NO PERÍODO DE DOIS A QUATRO ANOS PRECEDENDO O DIAGNÓSTICO.

A distribuição dos casos e/ou controles (habituados à ingestão alcoólica), segundo o ritmo e tipo de bebida predominantemente consumida, nos últimas 2 anos precedendo ao diagnóstico, e no período de 2 a 4 anos precedendo ao diagnóstico, são apresentadas respectivamente nas tabelas 8 e 9.

TABELA 8
DISTRIBUIÇÃO DE CASOS (PACIENTES COM TUBERCULOSE PULMONAR) E CONTROLES (NÃO PORTADORES DE TUBERCULOSE PULMONAR), HABITUADOS A INGESTÃO ALCOÓLICA, SEGUNDO O RITMO E TIPO DE BEBIDA PREDOMINANTEMENTE CONSUMIDA.
TABELA 9
DISTRIBUIÇÃO DE CASOS (PACIENTES COM TUBERCULOSE PULMONAR) E CONTROLES (NÃO PORTADORES DE TUBERCULOSE PULMONAR), HABITUADOS A INGESTÃO ALCOÓLICA, SEGUNDO O RITMO E TIPO DE BEBIDA PREDOMINANTEMENTE CONSUMIDA.

O grau de classificação dos casos de tuberculose internados (segundo a National Tuberculosis Association - NTA) é visto na tabela 10.

TABELA 10
DISTRIBUIÇÃO DE CASOS (PACIENTES COM TUBERCULOSE PULMONAR) E CONTROLES (NÃO PORTADORES DE TUBERCULOSE PULMONAR), SEGUNDO O GRAU DE CLASSIFICAÇÃO DA DOENÇA.

Tabagismo:

A partir da tabela 3, verifica-se que a porcentagem de não fumantes é maior nos controles (53,86%) que entre os casos (45,43%).

Reconstruindo com os dados da tabela 7, uma tabela 2X2, como a tabela abaixo, teremos:

que resultou ao teste de associação um X2 = 6,07 (p < 0,05), isto é, existe uma associação entre hábito de fumar e a doença (estatisticamente significante com um oo de 5%).

Ainda na tabela 3, na distribuição pode-se observar também que entre os fumantes, os casos parecem apresentar o hábito de fumar há mais tempo que os controles, embora o teste não evidenciasse diferença estatisticamente significante (X2 = 11,92; 0,10 < p < 0,20).

Os dados da tabela 4 como um todo, não evidenciam diferença estatisticamente significante (X2 = 7,00; 0,05 < p < 0,10), ou seja, não existe diferença entre casos e controles quanto ao número de cigarros fumados por dia (entre os fumantes).

Da mesma forma, não existiu diferença significante quanto ao tipo de tabaco consumido entre casos e controles (tabela 5) (X2 = 3,55; 0,10 < p < 0,20).

Concluímos portanto, que parece haver associação entre hábito de fumar e tuberculose (enquanto classificados como fumantes e não fumantes).

Se tomarmos apenas os fumantes, não existe contudo diferença quanto ao tempo que apresenta hábito de fumar e/ou quanto ao tipo de tabaco consumido entre os casos e os controles.

Alcoolismo:

Na tabela 6, verifica-se que a porcentagem de abstêmios é maior nos controles (70,96%) que entre os casos (55,73%), dados estes referentes ao hábito de ingestão alcoólica no período de 2 anos ou menos precedendo o diagnóstico.

Reconstruindo com os dados da tabela 10, uma tabela 2X2, teremos:

que resultou ao teste de associação um X2 = 21,30 (p < 0,01), isto é, existe uma associação entre o hábito de beber e a tuberculose pulmonar (estatisticamente significante).

Analisando a tabela 6 como um todo, obtemos um X2 = 41,65 (p < 0,01) sendo que existe diferença significante, sendo que esta diferença parece ser mais evidente para os bebedores excessivos.

Se retirarmos da tabela 6, o grupo dos abstêmios, e analisarmos apenas os bebedores, teremos:

que resulta ao teste de associação um X2 = 21,26 (p < 0,01) sendo que novamente a diferença é mais evidente no grupo dos bebedores excessivos.

Na tabela 7, verifica-se que a porcentagem de abstêmios é maior nos controles (70,25%) que entre os casos (57,37%), dados estes referentes ao hábito de ingestão alcoólica, no período de 2 a 4 anos precedendo o diagnóstico.

Analisando-se a tabela como um todo, o teste de associação nos dá evidências de que existe associação significante, pois X2 = 27,57 (p < 0,01). De novo, a evidência é maior para o grupo dos bebedores excessivos.

Reconstruindo a tabela 7, de forma a permitir a análise dos grupos de bebedores (eliminando os abstêmios) temos:

Isto nos dá um X2 = 12,64 (p < 0,01) havendo portanto associação significante entre diferentes hábitos de ingestão alcoólica (por 2 a 4 anos antes do diagnóstico) e a tuberculose pulmonar. Ocorre contudo que a maior diferença encontra-se no grupo dos adictos.

Dado que são não abstêmios (isto é, que são bebedores) não há diferença significante quanto ao tipo de bebida consumida e/ou ritmo de ingestão entre os casos e controles (tabelas 8 e 9).

Concluímos assim, que há associação entre alcoolismo e tuberculose pulmonar. Entre os casos predomina os alcoólatras excessivos menor que 2 anos precedendo ao diagnóstico; para o período de 2 a 4 anos precedendo o diagnóstico predominam os alcoólatras adictos entre os casos.

6. CONCLUSÕES

1. Há associação entre tabagismo e tuberculose pulmonar.

1.1 Entre os fumantes, não há diferença entre casos e controles quanto ao tempo que apresenta hábito de tabagismo.

1.2 Entre os fumantes, não há diferença entre casos e controles quanto ao tipo de tabaco consumido.

2. Há associação entre alcoolismo e tuberculose pulmonar.

2.1 No período menor que 2 anos que precede à doença, é mais forte a associação entre tuberculose pulmonar e bebedores excessivos.

2.2 No período de 2 a 4 anos que precede à doença, é mais forte a associação entre tuberculose pulmonar e bebedores adictos.

2.3 Entre os alcoólatras, não há diferença significante quanto ao tipo de bebida consumida e/ou ritmo de ingestão entre os casos e controles.

  • RUFFINO. M.C. - Estudo de alcoolismo e tabagismo associados com a tuberculose pulmonar. Rev. Bras. Enf.; DF. 32: 48-60, 1979.
  • Trabalho apresentado no XXX CBEn - Belém - 1978.

ANEXO I ESTUDO DE ALCOOLISMO E TABAGISMO ASSOCIADOS COM A TUBERCULOSE PULMONAR

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • BANNER, A. S. - Pulmonary function in chromic alcoholism. Amer. Rev. Resp. Dis., 108 (4):851-857, 1973.
  • EDWARDS, J. H. - Contribution of ciga-rette smoking to respiratory disease Brit. J. of Prev. & Social Medicine, 11 (1):10-21, 1957.
  • FELDMAN, J. - Resistência e susceptibili-dade na tuberculose. In: Curso de Ti-siologia. Belo Herizonte, Departamento de Publicações do Diretório Acadêmico Alfredo Balena, 1961, p. 93-106.
  • FORATTINI, O. P. - Estudo de casos-controles, In: Epidemiologia Geral. S. Paulo, Edgard Blürrer/EDUSP, 1976, p. 117-131.
  • HADDAD, N. - Inquérito epidemiológico sobre cardiopatias crônicas em um bairro de Ribeirão Preto - São Paulo, Brasil. Tese de Docência-Livre na Cadeira de Higiene e Medicina Preventiva e Estatística, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil, 1965.
  • LOWE, CR. - An association between smoking and respiratory tuberculosis. Brit. Med. J. 2:1081-1086, 1956.
  • MacMAHON, B. & PUGH, T. F. - Case-control studies. In: Epidemiology: principies and methods. Boston, Little, Brown and Company, 1970, p. 241-282.
  • MARCONI, J. T. - The coneept of alcoholism. Quart. J. Stud. Alcohol 20 (2): 216-235, 1959.
  • OLIN, J. S. - "Skid Row" Syndrome: a medicai profile of the chronic drun-kenness offender. Canad. Med. Ass J. 95:205-214, 1966.
  • OLIN, J. S. & CRZBOWSKI. S. - Tuberculosis and alcoholism. Canad. Med. Ass. J. 94:999-1001, 1966.
  • ROBBINS, S. L. - Sistema gastrointestinal. In: Patologia. 3.ª edição, Guanabara Koogan. Rio de Janeiro, 1969, p. 815-893.
  • WORLD HEALTH ORGANIZATION - EX-PERT COMMITTEE ON TUBERCULOSIS EIGHTH REPORT - World Health Organization - Technical Re-port Series n.º 290, Geneva, 1964.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 1979
Associação Brasileira de Enfermagem SGA Norte Quadra 603 Conj. "B" - Av. L2 Norte 70830-102 Brasília, DF, Brasil, Tel.: (55 61) 3226-0653, Fax: (55 61) 3225-4473 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: reben@abennacional.org.br